sexta-feira, 25 de junho de 2010

Vai uma dose aí?

O espírito religioso que permeia o mês de junho com a comemoração dos santos ícones dessa época (Santo Antonio, São João e São Pedro) e o seu santo bastardo: Luiz Gonzaga, se tornam alvo de praticas culturais hibridas, como falei em textos anteriores. Ou seja, o sagrado indica o dia de cada santo, no entanto, os atores sociais tratam de conceder-lhe outro sentido a partir de várias motivações, sejam elas oriundas de suas crenças, valores morais e/ou culturais, ou de sua formação ética. No caldeirão dos valores também há espaço, com certeza, para as estratégias e táticas dos sexos e das sexualidades.
Nesse espaço social em que danças, olhares, toques, palavras e códigos se misturam com objetivos diversos, sejam para diversão gratuita ou de uma aproximação mais intima, a bebida é um componente que também tempera essas estratégias e táticas. Esses dois termos pego emprestado de um colega das ciências humanas chamado Michel De Certeau que, em resumo, trata as estratégias como a arma dos poderosos para afirmar seu poder, seja por meio do poder econômico, político ou cultural. Por outro lado, as táticas, são a arma dos sem poder. É como eles se viram para afirmar os seus desejos e realizar objetivos nessa desigual relação com os poderosos e suas estratégias.
Essas definições podem ser melhor esclarecidas nas fantásticas obras de Certeau nos seus dois volumes de “A invenção do Cotidiano”. Nessa definição teórica das relações de poder, um outro colega sociólogo me disse que utiliza o instrumento dos sem poder, as táticas, na prática da conquista. Em que ele busca na analise dos comportamentos e na aproximação desprenteciosa sua principal tática, diferente da aproximação que se utiliza da apresentação física e das cantadas que colocam a mulher como um pedaço de carne suculento exposto no mercado dos prazeres, é a de buscar a atenção para mais a frente avaliar se existe ou não uma sinergia entre os dois. É um modo que envolve autoconhecimento e analisá-la, se aproxima e inicia uma conversa aparentemente despretensiosa.
Com relação a isso existem formas e formas de como fazer. Mas voltando ao nosso assunto acerca da bebida como elemento simbólico das comemorações, a mesma está presente e pode contribuir para conduzir as relações sociais para novos caminhos. Partindo do pressuposto que cada subjetividade possui motivações particulares quando em estado “normal”, em uma festa, por exemplo, essas podem se ligar objetivamente ao coletivo por motivações diversas sejam essas para compartilhar afinidades, espairecer, distrair, “pegar” alguém ou mesmo para se sentir incluído no grupo. Assim, as motivações para beber também seguem de acordo com o que as subjetividades desejam. Lembro que no texto passado (vamo botar pra bulir!!), comentei acerca das estratégias utilizadas para a aproximação do homem diante da mulher, pois bem, a bebida desempenha essa função fazendo com que relações de trabalho se tornem mais amigáveis e sociáveis, que pessoas mais sisudas fiquem mais alegres, que declarações venham a tona.
O que podemos ver nos festejos juninos é o desfile para degustação de bebidas diversas, desde as mais corriqueiras, presentes em qualquer festinha, como cerveja e smirnoff, até as especificas da época como quentão, licor, cachaça. O fato é que a mistura instiga a sociabilidade ou mesmo um estado de recolhimento. Essa pontuação de extremos compõe o cenário das ações dos atores e suas motivações, em que as amarras que a formalização nas relações sociais nos coloca. Nas relações de trabalho, as festas de confraternização podem ajudar a fortalecer as relações interpessoais, nas celebrações de família a fortalecer os laços, nas de amigos a fortalecer as afinidades.
Não quero dizer que a bebida seja elemento determinante para que isso aconteça e que ela será o meio para a solução de problemas de ordem psicológica, mas não há de se negar que diante da rigidez relacional que o mundo social nos coloca, na relação normativa das instituições, nos modos de produção, egos e superegos da vida, ainda resta a válvula de escape das sociabilidades e seus códigos e símbolos, como diria outro colega da área Georg Simmel.

9 comentários:

  1. Essa coisa de entortar mentes, de revisar alguns valores impostos tá ficando muito excitante hehehe.

    Você trouxe uma abordagem muito interessante em relação ao alcool. As pessoas geralmente tendem a se apropriar de um olhar fixo e esteriotipado em relação ao consumo de bebidas, e se esquecem que a bebida traduz também novas formas de práticas sociais entre os agentes envolvidos em determinados ambientes.

    Em uma forma clara e ao mesmo tempo, requestionadora, a sua pessoa trouxe um olhar que obriga o leitor a entortar os seus valores e perceber que as pessoas articulam novas praticas fazendo uso do alcool, sem se utilizar de um discurso meramente rebelde e irresponsável de fazer do alcool uma autofirmação idiota de confronto com a ordem.

    O que eu vi neste texto foi justamente um olhar fluido entre a possibilidade de reconhecer aspectos que o discurso oficial e moralista faz do alcool, mas também um olhar que não parte para um confronto simplista a favor do alcool, assim como eu percebo em escritores aborrecentes, niilistas que fazem desse assunto, apenas uma forma simplista de expressar uma cópia do mal do seculo como forma apenas de forçosamente ser diferente e confrontar pirralhamente as estruturas. Muito torto.

    Pra varias, parabéns.

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  2. Caro Vina, a utilização do álcool pode ser tomada por esse ângulo, sim. Os aspectos simbólicos de interação social e introspecção são lados de uma moeda chamada subjetividade. A complexa teia social abre espaço para a utilização de drogas licitas, o álcool, para uma moderada e legitimada saída da realidade. Mesmo tenue, essa linha das drogas permitidas ainda alimentam mercados e motivações dos atores sociais.

    Mesmo não sendo coibido pelas familias e feitas campanhas direcionadas para as crianças e adolescentes, a bebida é veiculada e estimulada pelos mais adultos e é elemento indispensável.

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  3. Cara, que brilhante texto!

    É como se a bebida anulasse os nossos grilhões subjetivos, a fim de nos levar a uma comunhão embriagada. Sacada ótima, meu caro Alysson!

    Em Dionísio nos unamos!

    Abraço!

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  4. oi,
    O texto está muito bom. É possível até fazer uma auto análise sobre o comportamento de outrora. Penso que subjetividade mais alcool podem trazer muitos prejuízos de ordem afetiva principalmente quando se está vulnerável sentimentalmente, ou seja, se acrescentar o ingrediente da carência.
    Seria muito bom se as pessoas conseguissem se entender nesses momentos, se "cada panela pudesse encontrar sua tampa", mas não é essa a regra, infelizmente. Fica nítido que nesses encontros, homens e mulheres aproximam-se tanto a copos descartáveis, são usados e jogados fora.
    Seria muito bom se nessas festas as pessoas pudessem iniciar amizades, conhecer melhor uns aos outros, mas o comentário efervescente é o de que "dançou com alguém e nem sabia o nome" como se isso trouxesse a mesma alegria da descoberta da luz.
    Bom, suas reflexões aguçaram meu olhar sobre esse tempo, todavia, não vou ficar no contra, precisamos simplesmente saber saborear cada momento, viver com intensidade cada olhar, dança, conversa, sempre na busca de descobrir quem é o outro e de se deixar descobrir também, bom é assim que eu penso.

    Abraços, Luciana Novais

    SHALOM A TODOS.

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  5. É isso, sim. Meu caro, Josua!! A bebida como elemento simbólico que fluidifica as relações formais conduz a outras formas de sociabilidades que talvez sóbrios não praticaríamos. POr isso, que ela se torna uma companheira para todas as festas. rsrsrrs

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  6. Bem, Luciana. Não se trata de uma defesa e nem de acusação a bebida, mas de uma analise da inserção desses elemento nas festas. Não quero dizer que essa seja um elemento determinante que para as relações em uma festa, mas como ela está presente em praticamente a grande maioria das festas se trata de um item desejado e consumido para um propósito, os quais foram citados no texto.

    Se trata de pensarmos com olhar mais fluido para as coisas, não relativista, mas buscando menos os esteriótipos e fórmulas convencionais.

    obrigado pelo comentário e bjos

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  7. "Nessa definição teórica das relações de poder, um outro colega sociólogo me disse que utiliza o instrumento dos sem poder, as táticas, na prática da conquista. Em que ele busca na analise dos comportamentos e na aproximação desprenteciosa sua principal tática, diferente da aproximação que se utiliza da apresentação física e das cantadas que colocam a mulher como um pedaço de carne suculento exposto no mercado dos prazeres, é a de buscar a atenção para mais a frente avaliar se existe ou não uma sinergia entre os dois. É um modo que envolve autoconhecimento e analisá-la, se aproxima e inicia uma conversa aparentemente despretensiosa".

    Caro Alysson,

    Publicizo minha condição aqui neste parágrafo. Nossa conversa de botequim serviu para que eu publicasse aquele texto no meu blog pessoal. Ademais, serviu também para refletir em como nunca consigo entrar nesses jogos de poder, de signos e de elementos espertos para conseguir paquerar.

    Como escrevi "Disseminávamos ideias sobre relacionamentos e estratégias sobre como cativar o outro [provocando, intimando, dissimulando etc.]. Uns mais calculistas e ingênuos. Outros mais tranquilos e sagazes. Sem consensos, apenas a possibilidade de entendimento sobre um mesmo objetivo: estar com o outro.

    Não gosto da palavra estratégia para estes casos. Lembra-me jogos de azar. Para meu amigo [Alysson] lembra relações de poder. Torna-se assimétrica. Não preciso de estratégias, creio. Apenas gosto de pequenas táticas. Prefiro as interações cambiantes do tato e do olhar. É a "arte do fraco" , diria Michel De Certeau ao dissertar sobre a invenção do cotidiano. Neste redemoinho de invenções estão as artes de fazer de cada um".

    O que quero dizer, já concordando com teu texto, é que o flerte, a paquera, até mesmo o namoro/casório está embuído do jogo da sociabilidade. O problema é quando deixamos escapar alguém que poderia ser a "alma gêmea" porque não detectamos aquela piscadela ou sorriso maroto! Bom, mulheres são mais sagazes que homens neste aspecto - acredito nisso! Por outro lado, acho cansativo pessoas que jogam demais, como num jogo de azar, para conquistar o outro!

    Afinal, somos pebolins?

    Belo texto, camará!

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  8. Citei Certeau com as estratégias e táticas para situar a minha discussão, já que, assim como você bem citou, a "arte do fraco" aponta para as artes de fazer de cada um e ao mesmo tempo se apresenta como contra-proposta para as estratégias, que seria o estabelecido de como fazer.

    Concordo com o seu pensamento na utilização da tática de aproximação. Não tenho paciência e nem me encanta esse joguinho de poder. Se tornar uma disputa, que pode vir a perder o foco na construção do relacionamento que passa por viver essas sensações, conhecer o outro, sentir o outro sem trazer todo o arsenal de experiências negativas e/ou traumaticas e mecanismo de defesa desorientados.

    Não encaro que sejamos pebolins, mas, sim, livros que constroem cada capitulo a partir de uma página em branco para compartilhar novas experiências com outros livros.

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  9. "Não encaro que sejamos pebolins, mas, sim, livros que constroem cada capitulo a partir de uma página em branco para compartilhar novas experiências com outros livros."

    Essa é a resposta que venho buscando. Afinal, se fossemos, e talvez muitos considerem isso, seriamos zerados no fim do jogo... Somos, para enfatizar nosso amigo Certeau, escrituras de nossos próprios espaços e corpos!

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