segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

DA LOUCURA E DA RELIGIÃO

Permitam-me um dedo de prosa....

LOUCURA A ATACADO

A sabedoria do sano declara a loucura a atacado.
Ser diferente mesmo sem ranger os dentes é insanidade, senilidade, babaquice.
O pateta que se mete a esperto expede laudos; todos eles apressados, sempre de olhos fechados.
Há uma venda no rosto preconceituoso;
Há uma máscara na face de todos nós;
Há uma espada na mão sabida de quem diz do doido.
- Quem é o homem para dizer dos modelos que ele próprio criou?
Vejo um mundo que passa e um rasto de desgraça; todas são filhas da razão.
Assalto meu irmão, mas, na esquina, no púlpito puritano peço uma porção de perdão.
Temos o céu no varejo; todo tipo de promessas que desejo; Deus é meu irmão.
O irmão que mando;
O irmão que suborno com propinas na bandeja dos dízimos;
Ou que trapaceio após minha confissão.
- Ah, humanidade sana!
- Ah, mãos que estrangulam os sonhos antes da aurora romper.
Pois, ainda em minha cama ouço uma voz que me diz como será após o amanhecer.
Todos pensam estar livres; confiam no seu livre arbítrio e no direito de ir e vir.
A loucura verdadeira, aquela sem eira e beira é uma boa loucura.
Defecar na rua sem pagar a conta d’água é sana esquizofrenia.
Andar nu sem cartão de crédito, e não pagar parcelas, e não ter méritos na vida; é simplesmente ser.
Somos nossas manias!
Somos um punhado de fobias!
Somos psicotrópicos prescritos animais proscritos, meros apitos na boca de quem pode dizer!
- E a loucura onde fica?
- Onde há companhia!
Sem companhia somos sadios;
Com ela, somos panos; tecidos costurados no manequim da razão pura.
Conte-me de teu irmão; carne de tua carne; nervo do teu nervo.
Diga-me do pobre; daquele que crer nas tuas promessas e em teu Deus!
A loucura anda solta no paraíso e na terra.
Só no inferno há sanidade!
Vejo um menino sujo com uma placenta na mão.
Sua mãe não queria mais celulite, nem quebrar os seios na amamentação.
Vejo um homem casado fazendo promessas a mocinha virgem defronte a igreja após o culto.
O Senhor fechou os olhos.
Tudo isso é ser gente.
É ser igual.
Normal.
Racional.
E eu fui ao sanatório, fiz do banheiro meu oratório, tomei meu diazepam, e todo mundo se acalmou...

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O dizer adeus
Quando o amor encontra motivos para dizer adeus;
quando uma senhora a qualquer hora te manda embora;
Quando tua mulher te confunde com um qualquer;
Quando ela se esquece de teu nome e te chama de Antônio;
Então chegou o tempo de não perder tempo.
Contudo, o coração é um irmão danado.
Mesmo zangado insiste em fincar os pés no chão;
tem pena de suas raízes;
sofre dores de todas as matizes; pois, seus olhos não se conformam em ver os retratos pendurados no quarto.
Quando tudo isso ocorre, é certo que alguém morre.
Amar e ser posto na rua, é ferida, expõe tua alma nua;
Te faz chorar até calar as vísceras;
Te joga no labirinto de lembranças boas;
Te faz comer o amargo da indiferença até que vejas tua moça nos braços daquele que passa.
Amar é coisa divina;
Faz teu coração não aceitar propinas;
Somente o real é o que importa, no entanto, um sonho de boas vindas anima a pobre figura caída.
Sara as feridas, desperta quimeras cheias de borboletas coloridas.
Mas, quando teu amor amarelou,
Ou quando as palavras param de dizer,
Não adianta mais tentar.
Deves ser forte,
Aceite o teu morrer até que uma pomba voe no teu quintal...

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Amar de novo...
Ela disse ao moço: Eu te amo.
Ela fez todas as confissões possíveis;
Não poupou os valores semânticos,
Se fez entender em meio aos gemidos de prazer num estrada de barro;
A lua foi a testemunha de seu afeto.
E o moço beijou seus pés e os lavou com suas lágrimas.
Ele e ela foram corações cúmplices,
foram desejo associado, uma ânsia de mais gozo, um rosto suado em dois corpos despidos.
Ele cobrou mais, não suportou a dúvida no olhar opaco de sua amada distante.
A moça correu pelo sertão,
fugiu sem destino,
falou sem tino,
feriu o moço com as laminas afiadas de sua língua irreverente.
Pare!
Trate-o pelo menos como um parente!
Diga-lhe que quem sabe tudo pode ser diferente!
Repensemos as encruzilhadas da vida!
Ela disse: Vá embora, aqui, agora, é lugar estrangeiro;
Teu vernáculo não tem rima.
Trate-me como tua prima; aquela que mora longe, aquela para quem tu escreves todo final de ano.
Ele enrugou o rosto, deixou os ombros atrás de si.
Percorreu as avenidas da cidade em busca de uma certeza, uma palavra delicada, um grito que levasse do peito a correnteza de dor.
O moço sem pele e osso, era nervo exposto ao calor do sol ou a frieza da noitinha.
Chorou uma prece para que se Deu o ouvisse, sua amada trouxesse.
O ser divino cochichou baixinho: "Eu responderia tua súplica se em seu coração tu coubesses. Não adianta medir com régua, nem andar uma légua para chegar a lugar algum. Aqui tu não cabes. A menina já foi embora".
Ele disse, então, ao tempo: "Traga de volta minha alma, conforta esse coração choroso, pois,sem alma não posso amar de novo"...

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O poeta chora...
O poeta chora lágrimas em forma de cachoeira de palavras,
Ele sabe que enunciar é necessário,
Pois, o sentido é do coração operário.
A alma acalma quando as frases são boas.
Ou se transmuta havendo luta.
O poeta se torna oração, verbo, predicado, um contexto de seu texto;
Um pretexto do coração.
O poeta viu que na serra havia silencio;
As palavras não acharam um lugar.
Não havia o que fazer;
O dicionário era de uma biblioteca vazia um funcionário calado.
O livros eram enfeites na estante empoeirada.
Só há vocábulo onde houver barulho.
Só há semântica se o homem sonhar.
O poeta sonha sua dor com a cabeça sem travesseiro,
acordou com cãibras no pescoço,
Dormiu de olhos abertos sem aliviar o cansaço;
Não encontrou uma forma de purgar o derretido ferro,
ou de livrar-se do aço cravado na fibra de carne coronária.
O amor é laço; é vida, é morte, é balsamo; é dor no estômago, no fígado, no baço.
O amor é sol amigo, ou enchente que mata gente.
Nos faz colegas, mais chegados que um parente;
Ou traz inimigos que dormiram conosco a noite passada.
O bom amor é carne assada no ponto, é cerveja com feijoada.
Mas, também pode da vida ser uma trapassa, uma armadilha para quem passa, ou a seta de um cupido insistente.
O poeta disse do amor que se foi;
Rimou seu pranto em busca de alento.
Congelou o tempo em sua prosa, pôs no retrato um momento.
Era a hora da dor;
de dizer adeus a sua flor,
de olhar o jarro vazio na sala escura, da casa solitária, perto da rua onde alguém mora.
Era uma poesia com cólicas no espírito.
Era um homem sem norte, sem sorte, e em nada forte.
Era alma diluída pela linguística de seu amor.
O poeta tentou dizer,
Se esforçou para articular os nervos contraídos, ou afrouxar as vísceras espremidas no seu corpo lânguido na hora da despedida.
- Aquieta-te!
- Cala-te!
- Não diga mais nada!
- O amar não se compra!
- O amor não está a venda!
Ele é um brilho no olhar de quem sente saudades de ti.
Ele é um sorriso no rosto da amiga de manhã cedo.
É um abraço no fim tarde.
São finos dedos que alisam tua derme no silêncio de um segundo que diz o que não sabemos dizer em qualquer tic-tac do relógio velho da cozinha.
O amor é sentido calado num coração afeiçoado por ti.
É doce palavra que desce como água gota a gota até teu peito relaxar.
Não se humilhe homem do sertão!
Em toda estrada haverá uma encruzilhada.
Nela as pessoas se encontram,
Pedem perdão,
Escolhem uma trilha,
Arreiam um ebó de paz,
Esquecem as brigas,
Cessam as intrigas.
O poeta viu na esquina norte da encruza perto da casa de fulano uma moça faceira, em pé, debaixo de um pé de aroeira. A menia sorriu e o poeta se calou...

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A moça da serra...
- Menina, teu seios doces segregam carinho, afeto; destilam amor!
Amanheceu em Campos, o vidente viu um moço com um tridente na mão.
O povo do santo lavou o pranto daquele que acende sua vela na chama da caridade.
A cachoeira de Oxum está colorida; São rosas, flores, girassóis, e margaridas.
- Sinto o cheiro do perfume que te encanta;
- Ouço o choro daquela que sobe das águas para trazer um sonho;
- Vejo nas suas mãos um rosto: É a menina, a moça, são duas mãos que te afagam.
- O teu escuro silêncio no quarto solitário será quebrado com gemidos, e confissões de amor.
- Ontem, Elegbara disse que um velho andou na Avenida Sete.
- E foi?
- Certamente tem gente no mundo. Há gente mais gente, gente que ama, não importa a cor.
A menina abraçou o moço velho. Ele estava quebrado, seu peito aberto, seu coração violado.
Ela o tomou pela mão, e o levou à serra onde as águas sangram e levam umidade a o todo o vale.
O moço refrescou o mutuê; falou com os valentes de arco e flecha na mão.
Havia uma oca, onde morava um pajé de muita fé.
A serra chorou com o som da maraca que aquietou o silencio do vale, até o carcará voltou ao ninho.
- Assim são os homens!
- Eles buscam carinho!
Há um caminho onde se vê uma estrada que nos leva aos sonhos depois do verão.
Há uma moça e um moço que recomeçam uma história esquecida;
foi uma despida, breve partida de um viajante do tempo.
- Psiu! Menina, ele voltou, sim, aquele que foi embora.
- Ele veio contar uma história, um trama do sul, de uma terra distante, onde os homens comem gordura de peixe, e bebem o leite da baleia.
- Moça do vale! Não temas o susto de uma noite passageira!
- Espera!, toma banho de ervas, fica faceira, descansa debaixo da aroeira!
Elegbara girou, girou a gira da noite, já passa da meia noite.
- Esse homem quando voltar vai falar de açoites!
- Não desejo as pedras no rosto de meu desafeto, cuidado!
- Por que?
- Tem ebó arriado, tem vela acessa, tem prece no congá, tem Orixá na hora!
Tem uma curva na estrada, não sei para onde vai.
- Pergunte a Ifá!
- Na encruzilhada da arupemba encontrei meu santo, minha pemba.
- Toda cabeça tem sua erva, toda senda tem seu destino.
- E eu pra onde vou?
A chuva passou; agora, o sol voltou ao Canine, de lá se vê a grande serra.
Ela é orgulhosa, ela é grande como seu povo.
- O moço vai descer a estrada que leva ao vale que fica perto do irmão consolo.
O moço viu um novo rumo; nele havia verdade, água doce, e real afeto.
A moça sorriu de novo,
Alegrou o povo.
No céu,  estalaram-se foguetes.
As mulheres se cobriram de enfeites.
O amor nasceu perto da serra, findou guerra, cessou a rixa.
Águas passadas não movem cata-ventos,
nem matam tua sede, nem cessam o tormento.
- Amar é preciso!
- Não se esqueça a menina da aroeira!
- Nem da moça faceira!
É ela que te abraça, isso não tem jeito.
O passado mandou suas duas sombras e elas se encontraram no quarto da senhora da boa hora que fica no vale perto da serra; lá nunca o verde seca, nem as flores murcham, nem os homem pecam longe de suas esposas.
A menina apagou a luz, deitou-se na cama, abraçou o rapaz aflito e foi dormir....
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Conspiração

CONSPIRAÇÃO
A missa da tardinha, após a ladainha de um padre fiel terminou na calçada onde o povo sentado assistia, avidamente, o poslúdio daquele culto.
Deus sentiu náuseas; o divino foi às últimas consequências: "Eu, doravante, sou apenas um nome".
Os homens tomaram para si esse substantivo próprio e dividiram o espólio da fé.
Agora tem culto em todo canto;
É uma forma silenciar o pranto daquele que não crer.
O melhor crente é o ateu, pois, admite a sua descrença.
Confessa sua fé na falta da mesma.
Conheci um homem que andou com Deus.
Desde moço, o rapaz, de joelhos clamava aos céus.
Esse senhor, agora, maduro pulou o muro e foi para um gongá.
Lá o chão é de barro, suas vestes se sujam de cinza e lama.
Seus amigos não gostaram;
Sua mulher o amaldiçoou;
Seus antigos irmãos, com piedade, exorcizaram seu demônio.
Caridade!
Caridade!
Isso é caridade! Não tem preço o que fizemos por ele!
Fizemos todo o possível até o limite da paciência!
Isso faz a diferença!
Agora, é com ele!
O moço se animou no gongá;
Alegrou almas aflitas;
Andou com elas até a aprenderem a correr.
Lutero não gostou do crente naquele lugar.
O motivo é que ele está louco!
Essa é causa!
Nossa teologia é certa; é a razão do espírito; a revelação dos céus.
Interne-o!
Interne-o!
Conspirem contra ele! Estamos numa guerra santa!
Ele não aguenta, seu coração é carne, então ele se quebranta!
Queima a casa do diabo e tirem o rapaz de lá!
Vejam, até, sua mulher o deixou!
Que a cidade saiba que nossa fé tem argumento.
Nossas premissas se sustentam!
Nosso culto é legal!
Deus voltou ao mundo; de súbito Jeová desceu à terra.
Parem que essa porfia!
Tudo isso é infâmia humana, eu conheço o menino;
Desde moço ouço o seu soluço, vejo sua cândida alma;
Ele não faz mal a ninguém; nem no mundo eu estava para brigarem por mim!
Deus trouxe uma velha samaritana;
A cidade viu sua pele enrugada e envelhecida.
Seu fedor espantou a todos.
Os fieis não suportaram a criatura.
O problema está na falta de fé; ela não busca, não se arrepende!
O infortúnio é o seu destino!
O inferno sua recompensa.
Mas, no mundo tem quem pensa;
tem quem se acostumou com o pó, com a sujeira dos homens.
O moço do gongá abraçou a mulher pobre.
falou-lhe palavras que entendesse;
não usou dogmas, nem argumentos de fé.
A senhora nojenta, mulher asquerosa, de quem todos fogem se pôs em pé.
Então o Senhor Deus sorriu: "Parece que na terra ainda tem amor".
Deus voltou descansar.
E o homem do gongá andou sete dia até que seu peito parou.
Não há religião que a faça a diferença se pusermos na frente nossas crenças.
Há na terra uma conspiração que distancia os irmãos e silencia o assobio de Deus.
Seu vento paira sob o firmamento.
É uma maravilha da criação.
Que cesse a tormenta, assim não se aguenta!
Há púlpitos, há gongas;
Há mármore caro,
Há barro sujo.
Mas, se lá dentro Ele está, então, não há conspiração...

sábado, 24 de janeiro de 2015

CONSPIRAÇÃO

A missa da tardinha, após a ladainha de um padre fiel terminou na calçada onde o povo sentado assistia, avidamente, o poslúdio daquele culto.
Deus sentiu náuseas; o divino foi às últimas consequências: "Eu, doravante, sou apenas um nome".
Os homens tomaram para si esse substantivo próprio e dividiram o espólio da fé.
Agora tem culto em todo canto;
É uma forma silenciar o pranto daquele que não crer.
O melhor crente é o ateu, pois, admite a sua descrença.
Confessa sua fé na falta da mesma.
Conheci um homem que andou com Deus.
Desde moço, o rapaz, de joelhos clamava aos céus.
Esse senhor, agora, maduro pulou o muro e foi para um gongá.
Lá o chão é de barro, suas vestes se sujam de cinza e lama.
Seus amigos não gostaram;
Sua mulher o amaldiçoou;
Seus antigos irmãos, com piedade, exorcizaram seu demônio.
Caridade!
Caridade!
Isso é caridade! Não tem preço o que fizemos por ele!
Fizemos todo o possível até o limite da paciência!
Isso faz a diferença!
Agora, é com ele!
O moço se animou no gongá;
Alegrou almas aflitas;
Andou com elas até a aprenderem a correr.
Lutero não gostou do crente naquele lugar.
O motivo é que ele está louco!
Essa é causa!
Nossa teologia é certa; é a razão do espírito; a revelação dos céus.
Interne-o!
Interne-o!
Conspirem contra ele! Estamos numa guerra santa!
Ele não aguenta, seu coração é carne, então ele se quebranta!
Queima a casa do diabo e tirem o rapaz de lá!
Vejam, até, sua mulher o deixou!
Que a cidade saiba que nossa fé tem argumento.
Nossas premissas se sustentam!
Nosso culto é legal!
Deus voltou ao mundo; de súbito Jeová desceu à terra.
Parem com essa porfia!
Tudo isso é infâmia humana, eu conheço o menino;
Desde moço ouço o seu soluço, vejo sua cândida alma;
Ele não faz mal a ninguém; nem no mundo eu estava para brigarem por mim!
Deus trouxe uma velha samaritana;
A cidade viu sua pele enrugada e envelhecida.
Seu fedor espantou a todos.
Os fieis não suportaram a criatura.
O problema está na falta de fé; ela não busca, não se arrepende!
O infortúnio é o seu destino!
O inferno sua recompensa.
Mas, no mundo tem quem pensa;
tem quem se acostumou com o pó, com a sujeira dos homens.
O moço do gongá abraçou a mulher pobre.
falou-lhe palavras que entendesse;
não usou dogmas, nem argumentos de fé.
A senhora nojenta, mulher asquerosa, de quem todos fogem se pôs em pé.
Então o Senhor Deus sorriu: "Parece que na terra ainda tem amor".
Deus voltou descansar.
E o homem do gongá andou sete dia até que seu peito parou.
Não há religião que a faça a diferença se pusermos na frente nossas crenças.
Há na terra uma conspiração que distancia os irmãos e silencia o assobio de Deus.
Seu vento paira sob o firmamento.
É uma maravilha da criação.
Que cesse a tormenta, assim não se aguenta!
Há púlpitos, há gongas;
Há mármore caro,
Há barro sujo.
Mas, se lá dentro Ele está, então, não há conspiração...                    

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

A MOÇA DA CALÇADA

Na calçada de meu prédio sentava uma moça às sete.
Fiel era a menina ao relógio implacável.
A pobre criatura não percebia que os minutos, os segundos e até as horas rasgavam sua face com sucos na derme.
A terra debaixo de seus pés silenciosa lhe preparava uma cova.
Seu rosto, dia triste, dia alegre esperava o carro de seus sonhos e pesadelos.
Por vezes, o sorriso lhe curou as rugas.
Outro dia, seu queijo feria o chão;
O chão onde todos pisam e se cansam.

A moça sonhava proibida.
A desgraça estava na praça.
Na praça da frente, perto do posto, distante da gente.
Eu a amava no silêncio.
Suas lágrimas; sorvi contente.

Não lhe era parente.
Morava no mesmo prédio.
Andava na mesma rua.
Vivia o mesmo tédio.
Pois, ela não me via.

A pobre menina bonita que me enchia os olhos e acelerava o peito se foi.
O carro a levou; seu motorista vestido de terno bege era o foco do seu olhar.
No canto, a dez metros de lá, do seu costumeiro lugar de sentar, chorei sua partida.

O coração não escolhe a quem amar.
Enganoso e estranho órgão que pulsa sangue sem parar.
Em diástole e sístole ele te leva a lugares que não podes.
Crueldade da natureza!
Malvadeza!
Amar sem ser amado; uma tortura sem cura!

Nunca mais a vi.
Dizem que foi para São Paulo.
Pensei que a moça era carioca.
Beijei o lugar onde ela sentava todas as noites às sete.

Destruíram a calçada;
Construíram um Shopping.
Nada restou no chão de concreto.

- Psiu!
- Silêncio!

Vejo uma morena sentada na mesma calçada!
Vejo um amor não consumado.
Vejo um coração, agora, confortado.
A vejo na lembrança que ainda arde nos olhos do peito:
- Ela não tem defeito!
A culpa é da calçada...







quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

PRESÉPIO SERTANEJO

É natal em Campos;
A avenida sete de junho parece um rio de gente.
É gente de todo canto e de toda cor.
São faces sorridentes, ou olhares de dor.
É natal em Campos;
O gado continua no pasto;
O povo permanece crendo, pois, no sertão, acreditar é vício.
Ainda vejo um “cariri” envergar seu arco.
Ainda existem “negros” nas senzalas.
No comércio da cidade, as calçadas tem o piso liso.
Feliz de quem nele não escorrega.
Se você me saudar, dar-te-ei um abraço, um sorriso.
Isso é coisa que não se nega, mesmo, se no estômago a comida estiver fria.
É o resto da fome do dia;
É a flecha que ninguém pega.
É uma noite sem lua num sertão sem pão.
Para muitos, o natal de Campos não tem esperança.
É natal e Papai Noel de papel.
É uma alma que se cansa.
Uma caçada sem presa, só pressa.
E ai de quem nela tropeça.
É natal em Campos;
Carros de som pela cidade espalhados;
O povo em todo canto de radio ligado;
Mensagens de felicidades nos intervalos comerciais.
Isto é Campos; é terra de cristãos.
Somos irmãos; compartilhamos do mesmo chão.
O chão do sertão.
Do sertão de Peão, de São João, de vaquejada, de banhos na barragem, de missas aos domingos, de imposto de renda, de tiroteio na rua, de gente nua em vestidos de gala.
O sertão tem veredas e encruzilhadas cercadas de fazendas.
É natal em Campos, a vida continua.
É uma corrida sem volta.
É uma viagem de ida.
É a sorte tua, que por nada ninguém troca.
É natal em Campos.
É natal no sertão.
É tempo de presentes, de abraçar os parentes depois de um dia de sol quente.
É natal em Campos de Rio Real.
É missa do galo.
É Ave-Maria.
É ambulância na estrada com uma vida aflita e uma verba vazia derramada como água no copo de poucos.
É madrugada em Campos.
É noite calada.
É boca cerrada de medo ou covardia.
É natal em Campos;
É Real...

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Diálogo entre Zé Coragem e Zé Covarde

Zé Covarde: - tu é metido a corajoso!

Zé Coragem: - tu é que é um covarde!

Zé Covarde: - Compadre, você não percebe que perde seu tempo tentando confrontar as regras sociais?

Zé Coragem: - Oxente, e você veio pra vida para aceitar as coisas como dizem que elas devem ser?

Zé Covarde: - se a maioria aceita as coisas como elas são, é por que a realidade atual é que é a correta! Não tem por que mudar!

Zé Coragem: - E quem te disse que o fato da maioria aceitar essa realidade, significa que ela é reconhecida como a melhor para essa maioria?

Zé Covarde: - Não é?

Zé Coragem: - Você não coloca em questão alguns grupos sociais que querem dominar a sociedade, e que por isso mesmo, insistem em fazer dessa realidade a verdade?

Zé Covarde: - Independente disso, você vive a sua vida sempre fazendo as coisas que gosta?

Zé Coragem: - Não, mas você sempre aceita as coisas que os outros dizem que são corretas?

Zé Covarde: - Não, mas você se acha muito corajoso...

Zé Coragem: - E você é muito do covarde

Zé Covarde: - Você acha que é ser medroso aprender a se submeter às regras?

Zé Coragem: - Eu acho medroso o fato de você não questionar as regras...

Zé Covarde: - Viver de acordo com as exigências da sociedade é ter medo ou ter maturidade?

Zé Coragem: - É não ter peito para questionar, é viver fugindo das dúvidas e das contradições

Zé Covarde: - E você quando questiona, busca criar estratégias para superar essa realidade ou se utiliza das indagações justamente para não confrontar a realidade de forma concreta?

Zé Coragem: - Tem razão, mas você, mesmo aceitando essa realidade, não pensa vez ou outra em uma outra realidade?

Zé Covarde: - Tenho que admitir que muitas vezes penso sim.

...

Zé Covarde: - Coragem, será que você também não é covarde?

Zé Coragem: - Covarde, será que você também não é coragem?

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O prazer estético I

O que seria do humano dotado de linguagem e excedido de duvidas, se não tivesse a capacidade de eleger determinados objetos para extravasar todas as suas faltas e desejos reinantes em sua alma? Sequer suportaria o enigma que perdura a sua realidade se não fosse apto para se adentrar nos prazeres estéticos que constrói ao se relacionar com certos objetos a sua volta.

Misturada a uma realidade que definimos como real, todos nós humanos carregamos circuitos desenfreados que perpassam, e, portanto, desmoronam toda a afirmação que fazemos do que é real. O que afirmamos se embaralha com afirmações que giram em outras órbitas. O que dizemos que somos, em um rápido instante se desfaz, fazendo-nos re-significar tudo que havíamos jurado ser verdade.

A alma humana é um labirinto e tudo o que nós podemos mapear dela não passa de contornos cambaliantes em suas imprevisibilidades. Se nossos pés se avançam na certeza do que achamos ter domínio, muitas vezes não temos controle do que achamos dominar, e os nossos passos se tornam meros rastros transfigurados e desaparecidos pelos ventos desnorteados que nos perseguem.

O prazer estético que temos das coisas serve para que a gente possa ter a fantasia do controle que não temos de nós. O prazer estético promove a ilusória capacidade de nos orientarmos diante de um mundo desenhado e rabiscado por nós mesmos que não passa de re-configurações deslizantes e incapazes de nos tornar aptos em apreender a plenitude conceitual daquilo que nos afeta.

É com o prazer estético que nós somos capazes de escavar aquilo que sabemos sentir, mas que não sabemos dizer. É dele que nos sentimos libertados dos nossos próprios emaranhados, mesmo que para isso a gente continue sem saber qual o caminho e qual a possível estratégia podemos encontrar para superar de toda essa falta de sentido que não nos garante nenhuma forma de libertação.

Ah, mas de que vale esse prazer estético, se ao mesmo tempo em que ele me garante o conforto, esse conforto não passa de mera fantasia de minha mente? Vale tudo. Ele nos garante um momento de suspensão de uma realidade crua, objetiva, calculista e massacrante de cronômetros e exigências, e nos leva, pelo menos por um instante, a uma realidade que escapa a todo esse pesadelo.

O prazer estético nos garante o reencontro com a alma da criança; com a alma recheada de afetividades e de leveza. Entrar nesse prazer é aceitar a plenitude que foi rompida pela crueza da cultura; é nos possibilitar uma reconstrução de nossa integridade que foi despedaçada a partir do instante em que aprendemos a nomear o mundo, abstraí-lo, e por isso mesmo, expurgá-lo de nossas vidas.

O humano que se deixa navegar no prazer estético, além de encontrar seu provisório sossego, exercita sua postura consciente e crítica de si e do mundo que o cerca, afinal, deixa rasgar a alma, desfaz e passa a rever seus fantasmas que o corroem pelas entranhas e por todo seu espírito potencialmente fracassado, o qual, se por um lado soluciona enigmas, por outro, perde-se por entre eles.