Por
Roosevelt Vieira Leite[i]
Meu amigo Souza,
Estivemos recentemente
em Aracaju e pudemos discutir um pouco sobre a diferença entre a sinalização da
realidade e a sua significação. Eu acredito que nossa conversa deva ter sido
muito edificante para nós. Parece que os enunciados de nossas proposições
despertaram em nós outros sentidos que, por sua vez, produziram mais sentidos e
significações sobre a educação. É sobre essas coisas que minha humilde pessoa
deseja compartilhar com o nobre mestre das Ciências Sociais.
Sua pessoa é
conhecedora de nossas angústias na cadeira de Pedagogo da escola pública do
sertão sergipano. Juntos nós produzimos dois artigos sobre o uso da estética
musical “brega” em sala de aula com o intuito de melhorar a leitura e a
produção textual de nossos educandos. Utilizamos, na época, os textos de Freire
e a teoria da linguagem de Bakhtin. Este segundo autor será o foco de nosso
modesto ensaio daqui pra frente. Contudo, acho pertinente, revisar uma ou duas
proposições de nosso trabalho de coautoria com sua ilustre pessoa.
Para nosso amado
Pedagogo Paulo Regulus Freire, o sujeito precisa de sua fala de volta para
poder negociar com o mundo. Freire viu seus alunos como sujeitos castrados de
seus discursos pela força da coerção social. Freire entendeu que isso parece um
monólogo imposto pela escola. Em Freire, meu caro Souza, assim como para
Althusser e Bourdie, a escola não é um espaço neutro, um espaço de discursos
simétricos, de espaçamentos equidistantes entre seus interlocutores. Para
Freire, a escola se tornou o lugar das contradições e, sobretudo, o lugar da
reprodução da realidade de dominação; onde os dois polos do fenômeno se
transmutam em opressor e oprimido antes, durante e depois de enunciarem.
Para Freire, o
carro-chefe da educação é a linguagem, principalmente, na versão saussuriana
chamada parole. O sujeito freireano é histórico porque produz linguagem,
cultura, constrói uma teoria para a sua práxis. O sujeito de Freire se
epifaniza pela fala ou pela escrita. Esses tipos de expressão do sujeito são os
mais poderosos já confeccionados pela natureza, e pode, segundo ele, provocar
uma revolução epistemológica no mundo. A revolução epistemológica do sujeito o
afirma no mundo como tal.
Freire faz uso de
termos que só podem ser entendidos no contexto de sua obra. Termos como “temas-geradores”,
“palavras-geradoras”, “palavra-mundo”, e outros. Mas, em momento algum, os
termos usados por nosso pedagogo apontam para a necessidade da sinalização da
realidade. Pois, mesmo sem ler Bakhtin, Freire não concebia o fenômeno da
sinalização entre falantes nativos de uma dada língua. A citação abaixo de “A
importância do ato de ler” ilustra muito bem o que pensamos:
[...],
processo que envolvia uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota
na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se
antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a
leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da
continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem
dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica
implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar
escrever sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado, até
gostosamente a reler momentos fundamentais de minha prática guardados na
memória, desde as experiências mais remotas de minha infância, de minha
adolescência, de minha mocidade, em que a compreensão critica da importância do
ato de ler se veio em mim constituindo. (Freire, 1989, p. 9).
A proposta, no momento apresentada, de
Freire concorda plenamente com a proposição de Bakhtin sobre a diferença entre
o sinal linguístico e o signo linguístico.
[...],
Não, o essencial na tarefa de descodificação não consiste em reconhecer a forma
utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender sua
significação numa enunciação particular. Em suma, trata-se de perceber seu
caráter de novidade e não somente sua conformidade à norma. Em outros termos, o
receptor, pertencente à mesma comunidade lingüística, também considera a forma
lingüística utilizada como um signo variável e flexível e não como um sinal
imutável e sempre idêntico a si mesmo. (Bakhtin, 2006, pg. 86)
Para os dois pensadores, a comunicação
linguística só ocorre quando os termos linguísticos não são sinais, ou seja,
uma entidade linguística fora de um contexto e de uma situação enunciativa
concreta, ou mera identificação da forma linguística. Para Freire o
descodificar exige a presença de outros textos, textos que fazem parte do
cotidiano, e da história do sujeito. A leitura para Freire não é uma primeira
leitura, mas, um fenômeno engendrado numa rede contextual de diversas leituras
precedentes.
O que me causa, no momento, pesar, meu
caro Souza, é trabalhar com crianças que não conseguem ler os signos de seu
próprio caderno. Que não conseguem dizer nada razoável sobre o menor fragmento
de texto escrito com seu próprio punho, e que eles inevitavelmente serão os
futuros educadores do sertão, reproduzindo a mesma lógica de produção de mão de
obra na educação. Pensando assim, meu amigo das letras, eu ponho a problemática
da leitura e da escrita para o futuro, para o questionamento que faremos amanhã
sobre as causas da deficiência da educação do sertão sergipano.
A sinalização do texto
lido é o fenômeno de decodificar o código linguístico, mas, sem acessá-lo como
sua língua mãe. Pasme meu caro Souza, mas, é isso que ocorre com nossos
pequenos leitores do sertão! Algo lhes aconteceu na escola que desenvolveu-se
neles a habilidade de decodificar sem entender, o que indica um problema de
valor cognitivo e de aprendizagem. Considero cognitivo porque vejo no
decodificar sem entender uma lacuna, uma falha no processo de cognição do real,
pois, apreendem suas formas, mas, não conseguem delas partir para a
metacognição, ou o signo como suporte do signo. A sinalização somente
identifica a forma da palavra, mas, sua ideia e suas relações com as outras
ficam a margem do processo.
O que provocou esse fenômeno certamente
não está no componente fisiológico do educando, pois, salvo as determinantes
naturais nossa espécie desenvolveu a capacidade de ler o mundo e nele escrever
sua história. Portanto, sua causa deve estar nas metodologias de ensino da
leitura e da escrita. Dizendo assim, meu caro Souza, é bem cedo que o sujeito
perde sua fala e, portanto, sua epifania no mundo, e o mais agravante, é na
escola que isso ocorre.
O fenômeno de sinalização, de
identificação da forma linguística em detrimento de seu signo impede que o
educando continue produzindo em seus estudos. O carro-chefe do aprendizado em
qualquer cultura é o se vernáculo, assim, sem o acesso ao signo linguístico com
habilidade, e racionalidade, o educando produzirá uma falsa formação
intelectual, falsa porque seu título, ou moeda de prestígio social não
corresponde ao seu verdadeiro acúmulo de conhecimento e capacidade de
expressá-los socialmente. Veja o que diz Bakhtin sobre a sinalização:
O
processo de descodificação (compreensão) não deve, em nenhum caso, ser
confundido com o processo de identificação. Trata-se de dois processos
profundamente distintos. O signo é descodificado; só o sinal é identificado. O
sinal é uma entidade de conteúdo imutável; ele não pode substituir nem
refletir, nem refratar nada; constitui apenas um instrumento técnico para
designar este ou aquele objeto (preciso e imutável) ou este ou aquele
acontecimento (igualmente preciso e imutável)1. O sinal não pertence
ao domínio da ideologia; ele faz parte do mundo dos objetos técnicos, dos
instrumentos de produção no sentido amplo do termo. (Bakhtin, 2006, pg. 86)
A abordagem do real na dimensão da
identificação da forma linguística se assemelha a produção intelectual da
chamada massa amorfa – Os “alienados”, aqueles que por motivos vários não
conseguem abstrair o fenômeno de suas aparências. Não digo com isso, meu caro
sociólogo da cultura, que a educação fora da escola, ou informal, não possa
desenvolver encéfalos que produzam leitura consciente de mundo, mas,
considerando a importância da educação na história humana, nesse ensaio,
coloquemos nossas conjecturas dentro do ambiente escolar.
Caminhando na contramão da sinalização,
muito comum a estudantes de línguas estrangeiras segue a significação do real. Esta
depende da palavra signo, ou seja, algo que nos remeta aos “sentidos” presentes
no mundo. Segundo Dorne, em um de seus trabalhos – “DE SINAL A SIGNO: A
“PALAVRA” (DISCURSO) EM BAKHTIN”, o termo ‘palavra’ em Bakhtin comporta dois
sentidos: Discurso e palavra (vocábulo).
[...]
conforme Paulo Rogério Stella (2005) em “Palavra”. Para o autor, o vocábulo
sofre dificuldade de conceitualização por dois motivos: problemas de tradução e
por estar disperso e construído ao decorrer da obra de Bakhtin. Stella (2005) explica que, em decorrência dos
textos serem traduzidos numa ordem diversa da produção do Círculo, determinados
termos diferem de um livro para o outro, seja pelas escolhas do tradutor ou
pelo público para o qual a publicação se dirige. [...]. Dessa forma, segundo
Stella (2005), o vocábulo “palavra” possui duplo significado em russo: Pode ser
empregado tanto como correspondente direto do termo “palavra” no português,
como do termo “discurso”. (Dorne, 2009, p.1)
Essa ambiguidade do termo palavra em
russo vem a casar muito bem com a totalidade do pensamento do mestre de Praga.
Para ele, a palavra é uma unidade ideológica, e os homens a usam em situações de
enunciações concretas para expressarem suas subjetividades, portanto, é a
palavra a maior via da epifania do sujeito no mundo. Isso torna o seu domínio
não apenas um recurso psicológico e linguístico provido pela natureza, mas, uma
ferramenta política de rupturas e mudanças sociais.
É
devido a esse papel excepcional de instrumento da consciência que a palavra
funciona como elemento essencial que acompanha toda criação ideológica, seja
ela qual for. A palavra acompanha e comenta todo ato ideoló- gico. Os processos
de compreensão de todos os fenômenos ideológicos (um quadro, uma peça musical,
um ritual ou um comportamento humano) não podem operar sem a participação do discurso
interior. Todas as manifestações da criação ideológica – todos os signos
não-verbais – banham-se no discurso e não podem ser nem totalmente isoladas nem
totalmente separadas dele. (Bakhtin, 2006, 36)
A
citação acima nos põe um valor ainda maior da leitura para a formação
psicológica e intelectual do sujeito. A leitura faz o encéfalo trabalhar para
decodificar e compreender o código, é, portanto, um processo de desconstrução
do real. A leitura deve ser compreendida como um processo cognitivo que
transcende a dimensão do texto linguístico. Ler para Feire é muito mais que
isso; é ler o mundo.
na
verdade, aquele mundo especial se dava a mim, como o mundo de minha atividade
perceptiva, por isso mesmo como o mundo de minhas primeiras leituras. Os
textos, as palavras, as letras daquele contexto – em cuja percepção eu
experimentava e, quando mais o fazia, mais aumentava a capacidade de perceber –
se encarnavam numa série de coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão eu
ia aprendendo no meu trato com eles nas minhas relações com meus irmãos mais
velhos e com meus pais. (Freire, 1989, p.9)
É a faculdade perceptiva e critica da
realidade que o ato de ler deve produzir no leitor. Eis aí sua importância para
produção do conhecimento humano! O processo inverso é a escrita. A escrita é a
arte de enunciar no texto. É trabalhar a estrutura, ou as estruturas desse
processo enunciativo. O discurso escrito é tão poderoso quanto o oral. Em muitos casos, muito mais poderoso. O ato
de escrever é um ato de codificar. Meu caro Souza, vejo a escrita e a leitura
como processos complementares e interdependentes. Um pressupõe o outro. Dessa
forma, podemos ver que o texto escrito está para uma leitura, uma resposta aos
seus enunciados. A leitura e a escrita são processos compartilhados. Estamos
lendo com o mundo e sendo lidos por ele.
daquele
contexto – o do meu mundo imediato – fazia parte, por outro lado, o universo da
linguagem dos mais velhos, expressando as suas crenças, os seus gostos, os seus
receios, os seus valores. Tudo isso ligado a contextos mais amplos que o do meu
mundo imediato e de cuja existência eu não podia sequer suspeitar. (Freire,
1989, p.10)
Meu caro Souza até aqui ficou posto a
importância do ato de ler e grafar o real, ademais, nós já mostramos o que
entendemos por sinalização e significação. O segundo termo é fundamental, não
apenas, para a o expressar do sujeito no mundo das formas, mas, para sua
própria constituição enquanto processo ontogênico. Assim como para Vygotsky o
materialismo de Bakhtin coloca o sujeito como filho da palavra. Qual o material
que constitui a substância do sujeito? O material constitutivo do sujeito é
semiótico, e em seu núcleo está o vocábulo, o gene do discurso dotado de
sentido, ou ideia, ou ideologia.
Que
tipo de realidade pertence ao psiquismo subjetivo? A realidade do psiquismo
interior é a do signo. Sem material semiótico, não se pode falar em psiquismo.
Pode-se falar de processos fisiológicos, de processos do sistema nervoso, mas
não de processo do psiquismo subjetivo, uma vez que ele é um traço particular
do ser, radicalmente diferente, tanto dos processos fisiológicos que se
desenrolam no organismo, quanto da realidade exterior ao organismo, realidade à
qual o psiquismo reage e que ele reflete, de uma maneira ou de outra. Por
natureza, o psiquismo subjetivo localiza-se no limite do organismo e do mundo
exterior, vamos dizer, na fronteira dessas duas esferas da realidade. É nessa
região limítrofe que se dá o encontro entre o organismo e o mundo exterior, mas
este encontro não é físico: o organismo e o mundo encontram-se no signo. A
atividade psíquica constitui a expressão semiótica do contato entre o organismo
e o meio exterior. Eis porque o psiquismo interior não deve ser analisado como
uma coisa; ele não pode ser compreendido e analisado senão como um signo.
(Bakhtin, 2006, p.48)
O que Bakhtin diz, meu caro Souza, nessa
singela citação de sua Filosofia da Linguagem é que o signo existe apenas como
estrutura constitutiva da consciência individual e coletiva (totalidade das
consciências). Somos o social internalizado, a materialização de suas
ideologias. Será que pensando assim a educação dialogista tende a uma resposta
mecânica ao meio? Certamente que não! O que sustenta nossa tese é a relativa
autonomia do sujeito, pois, só interessa educar um ser que pode, mesmo muito
relativamente, reescrever sua história; esse é um sujeito subversivo, um
sujeito Freireano, o sujeito que rompe com a epistemologia vigente e
re-significa seu real, e faz escolhas.
O sujeito que apresentamos aqui é aquele
que transita entre as dimensões do sinal da palavra - uma abordagem
instrumental e lexical, e o sujeito da significação - um permanente
conceitualizar o real. Dizer do real ou enuncia-lo; é poder dizer dele e para ele.
É o sujeito em erupção. Essa é a proposta de uma educação dialogista!
Considerar essas afirmações como lógica
válida é o mesmo que considerar o ato de ler um ato de construção do sujeito, é
dizer que o sujeito se constrói a cada leitura que efetua.
Para Bakhtin, o sujeito não é nem uma
amalgama do mundo externo, muito embora o reflita, nem o mundo interno,
orgânico, fisiológico. O sujeito, segundo ele, encontra-se na fronteira entre o
orgânico e o externo. O material constitutivo do psiquismo do sujeito é o
material semiótico, o signo, a palavra. Assim, as representações semióticas e
simbólicas do sujeito fazem a intermediação entre este e as estruturas sociais.
Tanto a superestrutura como a infraestrutura social está representada na
interioridade do sujeito. Fazer o sujeito ler o mundo é abrir vias para que
este se manifeste com mais potência transformadora.
Não
é tanto a pureza semiótica da palavra que nos interessa na relação em questão,
mas sua ubiquidade social. Tanto é verdade que a palavra penetra literalmente
em todas as relações entre indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base
ideológica, nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter
político, etc. As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios
ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios.
É, portanto, claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas
as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não
tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos
estruturados e bem formados. A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas
acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir
uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma
forma ideológica nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases
transitórias mais íntimas mais efêmeras das mudanças sociais. (Bakhtin, 2006,
p.40)
Acredito que aqui, com a força dessa
citação fica de uma vez por todas clara a preciosidade de uma leitura
consciente da palavra, ou da palavra que é mundo e suas relações com a
construção dialética do sujeito Pós Moderno. Esse deve ser o foco de nossa ação
pedagógica!
Mas, afinal, o que faz uma criança
sinalizar no ato de ler em vez de significar? Qual a causa desse fenômeno? No
início desse ensaio a colocamos no reino das metodologias, e parece que é nele
que a potência desse fenômeno reside. No nosso sertão quando ensinamos uma
criança a ler separamos um processo interdependente como se ler e escrever não
“fossem farinha do mesmo saco”, desculpe a expressão. Dessa forma alienamos o
educando de seu contexto imediato, sua leitura não é a leitura de uma
palavra-mundo, ou de uma palavra conhecida e que pode ser grafada. A criança que
não associa uma palavra a sua realidade imediata usa palavras que não são de
seu mundo, portanto, um termo estrangeiro para ele.
Quando ensinamos uma criança a escrever no
sertão nos preocupamos com a morfologia da palavra em detrimento de seu sentido
para seu mundo imediato, a forma se torna uma entidade fraca na mente do
educando e logo fenece, pois, não tem lugar no seu psiquismo que aos poucos vai
se constituindo.
Quando ensinamos os filhos do sertão a
leitura, nos preocupamos em impor a forma sobre o sentido. A correção
linguística contempla a estrutura externa do texto, a norma em detrimento de
seu conteúdo ideológico imediato. Além do mais, o material usado para isso não
considera o sujeito em seu locus existencial – falamos para o sertão como se
este não tivesse suas peculiaridades próprias.
Quando ensinamos a leitura e a escrita
aos filhos do sertão invertemos o processo natural; erigimos o reinado da
langue (estruturalismo e o formalismo) em detrimento da parole (a dinâmica
linguística social). A língua embora código social não deve tomar o lugar das
situações enunciativas concretas (as falas, os dizeres, seus mitos, sonhos,
desejos). Está nelas o milagre da leitura e da escrita. O homem só aprende com
prazer aquilo que faz parte de seu mundo. Está nos enunciados de uma dada
comunidade o léxico de seus filhos.
Além dessas coisas cabe ressaltar que a
didática de nossas aulas objetiva com muita regularidade a resposta homogenia
de uma determinada turma, ou seja, considera-se que todos devem aprender numa
mesma velocidade o conteúdo proposto assim como foi planejado; o educador do
sertão trabalha com metas e o ser humano com muita frequência foge dessas
coisas. A resposta ao conhecimento é subjetiva, pois, o sujeito tem sua
história (hereditária, cultural, ontogênica) e autonomia.
Mas, meu caro sociólogo, até que ponto
podemos dizer que somos seres portadores de liberdade? Pois, sem esta, educar
se transforma num processo de aprisionamento do sujeito. Educar aves que não
podem voar é ensina-las a viver o cativeiro até o óbito. Educar é transformar
sujeitos livres, autônomos, sujeitos que podem voar, sonhar e construir um novo
mundo. A análise dos processos históricos humanos atesta que nossa espécie
experimenta a experiência de conservação do modelo e de rupturas dos mesmos. As
revoluções, as rupturas filosóficas, e epistemológicas nos dizem de um ser que
embora engaiolado num estrutura maior que ele, por meio do sonho, das
significações do real ele consegue evoluir para condições melhores de vida e de
existência social. O sujeito cartesiano é real? Até certo ponto. O sujeito
freudiano é real? Até certo ponto. Todos os olhares para o sujeito sempre nos darão
um pequeno fragmento dele. Não se pode negar que o sujeito epistêmico de
“Regras para direção do espírito” de Descartes é real. Para esse recorte do
mundo, o filósofo viu a imagem ideal de alguém que com diligência segue as
estradas do método científico. Quem duvidará que nós precisamos dizer do
fenômeno tudo que é ele e disso abstrair o que não é? Eu e o objeto somos
diferentes, embora ligados pelo olhar da admiração filosófica.
O sujeito freudiano se perde no
inconsciente, possui uma estrutura topográfica, mas, não pode se conhecer a si
mesmo, pois, este sempre estará submerso em meio as suas resistências e
recalques. É um sujeito que transita entre o ideal e o real de sua condição
humana. Será que alguém nunca viu em sua vida a veracidade das proposições
freudianas? Um sujeito que ora sabe e ora não sabe, um sujeito que ora tem um
núcleo bem definido, e ora transita por instancias topográficas do psiquismo
humano é no mínimo maravilhoso!
Meu caro Souza, o sujeito castrado de
Freud e o sujeito nuclear de Descartes me dizem da liberdade do ser. Observe
que no eixo diacrônico das transformações sociais o ser se desloca. De
experiência, em experiência, de aprendizado e aprendizado, de despertar de
consciências, a despertar de novas consciências caminha o ser rumo ao
progresso![ii]
Meu caro Souza, nossa história atesta
que a ignorância é uma condição passageira dos homens. Assim, o deslocamento do
sujeito, ou melhor, o deslocamento epistemológico do sujeito é sua liberdade. O
sujeito possui uma liberdade relativa às condições materiais de vida e as
condições fisiológicas. Em nosso locus existêncial somos escravos e príncipes.
Chegando ao final desse breve ensaio me
apresenta a seguinte pergunta: Sinalizar alcança apenas o ato de ler textos
escritos? Meu caro Souza a relação professor/aluno é, sobretudo, uma relação
linguística, portanto, semiótica. Aprender alguma coisa é fazer uma leitura
semiótica dessa coisa. Nossos alunos das séries posteriores do ensino
fundamental e médio pecam novamente na compreensão do conteúdo colocado pelo
educador porque não conseguem fazer uma leitura do mesmo. A fragilidade da
leitura textual incide sobre a leitura do
texto oral do mestre. Esse lhe parece estranho, pois, em seu encéfalo não há
termos remetentes. O conteúdo ensinado
se apresenta num primeiro momento para o educando como um sinal linguístico.
Uma forma relacionada a alguma coisa. Quantas vezes a pergunta do mestre o
educando responde: “Eu sei o que é, mas, não sei dizer”. Ele sente uma intuição
como se estivesse diante de uma língua estrangeira, mas, não consegue enunciar
sobre. O discurso do educador foi recebido como um sinal para o educando.
Então, qual a causa desse segundo fenômeno?
Aprender a ler é um processo permanente,
ininterrupto. Ler o mundo é um ato contínuo. A continuidade da leitura produz
letramento, ou armazenamento de sentidos linguísticos no encéfalo (essas formas
linguísticas não são sinais), sem isso não conseguimos relacionar os novos
sentidos com os sentidos já existentes que lhe são afins. Portanto, a carência
de letramento potencializa ainda mais a sinalização nas escolas e é a nosso ver
um dos maiores problemas da educação superior do Brasil. Paz e Luz!
Referências das citações:
Freire, Paulo. A importância do ato de ler – em três artigos que se completam. São
Paulo, Editora Cortez, 1989.
Bakhtin, Mikhail. Filosofia da Linguagem. HUCITEC. 23oedição. 2006.
Dorne[iii]
,Vinícius Durval. DE SINAL A SIGNO: A
“PALAVRA” (DISCURSO) EM BAKHTIN. http://www.fecilcam.br/nupem/anais_iv_epct/PDF/linguistica_letras_artes/06_DORNE.pdf.
[i]
Roosevelt Vieira Leite é Graduado em Teologia pelo Seminário Teológico
Evangélico do Nordeste. Graduado em Pedagogia pela Universidade estadual Vale
do Acaraú. Apresentou dois artigos sobre educação. O primeiro na UFBA-Ba, e o
segundo na UFS-se.
[ii]
Progresso, máxima de Allan Kardec em suas obras. O ser caminha rumo ao
progresso, ou evolução.
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