Era tarde quando Teófilo chegou a sua casa. O dia de trabalho na marcenaria de seu Tadeu fora muito difícil para o jovem tobiense de 25 anos. Naquele dia, o rapaz teve de trabalhar dobrado para atender as demandas da casa. Teófilo era filho único de dona Maria das Dores e de seu José da Silva. Este era um casal muito temente a Deus e as leis da terra. O humilde casal de agricultores criou seu filho segundo os costumes da Santa Igreja. Mas, apesar de uma educação cristã, o jovem Teófilo era um rapaz cheio de questões existenciais; perguntas que para ele eram irrespondíveis, pelo menos, segundo ele, nesse “mundão de Deus”. Depois que ele foi para Salvador visitar alguns parentes e presenciou o assalto de uma senhora idosa, e a forma violenta como os bandidos o realizaram; a crueldade humana apareceu nítida diante de seus olhos inocentes que refletiam o brilho de uma alma quase cândida crescida e criada na roça. Teófilo, então, passou a descrer da pessoa humana e se tornou um rapaz triste e angustiado.
- Teófilo, meu filho, por que você não tem uma namorada? O mundo está cheio de moças bonitas. Esta era uma pergunta que sua mãe insistia em fazer quando o via daquele jeito.
- Ah, mãe, pra que casar e ter filhos num mundo desses? Deixa pra lá! Teófilo entrou em seu quarto, fechou a porta, ligou o rádio e se pôs a ouvir o noticiário das seis. O âncora do programa dizia: “Hoje, em Aracaju, choveu o dia todo, alguns morros deslizaram, e algumas casas desabaram”. “Sobe para dez, o número de mortos na grande Aracaju”. O rádio prosseguia o relato das tragédias locais enquanto Teófilo adormecia na cama.
O dia na Vila de Campos acordou cinzento; uma frente fria vinda do sul cobriu o sertão de nuvens carregadas. Teófilo se levantou da cama e foi direto para a cozinha onde estavam seu pai e sua mãe.
- Ontem sonhei que o mundo estava cheio de bocas. E as bocas falavam sem parar, cada uma segundo seu mundo.
- Meu filho você está bem?
- Estou pai. Seu José estava com medo que seu filho estivesse a delirar.
- Então, a vida continua. Precisamos esquecer as coisas tristes e segui em frente.
- Mas, pra onde pai?
- Ora, Teófilo, fazer o que todos fazem: Trabalhar, casar, ter filhos.
- Pai, filho num mundo cheio de violência não é uma boa ideia. A vida continua pra mim, mas, sem filhos.
Enquanto Teófilo saía de casa rumo à marcenaria, seu José e dona Maria conversavam sobre ele:
- Mulher, o rapaz ficou caído com o roubo daquela dona.
- Num foi homem. Coitado!
Teófilo seguia calmamente para o seu trabalho. Ele gostava do que fazia, dá forma a madeira era sua especialidade; o povo dizia que Teófilo era um mestre em sua arte, ele era o melhor marceneiro da região. Próximo ao antigo Parque dos Missionários, uma moto surge de surpresa em alta velocidade assustando o moço distraído, Teófilo tropeça e cai no massapê de Campos. A pancada da queda o tira dos sentidos, e o povo que passava pensou que o rapaz estava morto.
- Ali num é o filho de Dores? Será que ele morreu?
- Deve ter sido. Vamos ver! O rapaz da moto tentou socorre-lo, mas, nada conseguiu. A situação estava ficando preta, Teófilo estava inconsciente. Chamaram uma ambulância e levaram o pobre marceneiro para o hospital local. Logo uma multidão de curiosos se formou defronte o prédio do hospital. O povo queria saber o que ocorrera com o filho de José da Silva e dona Dores.
- Estava drogado?
- Sei não, mas, o povo diz que ele andava meio estranho.
- Num é nada disso. É o rapaz que não gosta da fruta mulher e está em crise de consciência.
- Deixa disso, Alfredo, eita, que boca!
- Bem, é a boca do povo que diz. Respondeu a crítica o vendedor de chinelos de couro na feira municipal. Enquanto o povo fazia suas conjecturas, entram na sala de espera do hospital o pai e a mãe do rapaz.
- Olha, mulher, dona das Dores como está, coitada!
- E seu José? Coitado!
O casal queria saber de seu filho, Mas, nada entendeu do diagnóstico do médico plantonista: “Seu filho teve uma queda glicêmica muito acentuada e precisa de alguns minutos para voltar a si”. “E isso mata, doutor?” “Não, exceto, se ela estiver associada ao um pâncreas muito debilitado”. “Então, doutor, pelo o Cristo, ajude Teófilo!” O casal ficou na sala de espera, e do lado de fora a multidão aguardava mais notícias para atualizar a prosa do dia. Em Campos, o povo é muito preocupado com a vida dos outros.
O céu de Campos passou de cinzento para escuro, e com as nuvens escuras vieram raios e trovões, contudo, nada disso dissipou as pessoas à porta do hospital. Os primeiros pingos caíram muito timidamente, depois, veio a tempestade, e ela apavorou a Campos aquele dia. Nunca se viu uma trovoada daquela. Todo mundo foi se esconder em sua casa e logo esqueceram o rapaz do hospital. Teófilo descansava no leito 07 da enfermaria do Hospital de Caridade de Campos.
- Teófilo, acorde!
- Quem é?
- Sou eu.
- Quem? Uma boca muito bem cuidada falava com o jovem marceneiro.
- Eu. Teófilo levantou a cabeça em busca de uma pessoa e viu apenas uma boca.
- Mas que diabo é isso? Uma boca?
- Sim, eu sou uma boca e você também. Levante-se e olhe-se no espelho! O rapaz se ergueu da cama e foi em direção ao banheiro. Olhando-se no espelho, Teófilo viu apenas a imagem de sua boca. A boca que falava com ele disse com certa alegria: “Bem-vindo ao mundo das bocas”.
O mundo das bocas não tinha cor, cheiro, vento, ou sol. Era um mundo escuro, turvo, e as coisas desse mundo nunca eram o que pareciam ser. Um cavalo podia, em questão de segundos, ser uma pessoa, ou um objeto, um ser humano, tudo dependia do que as bocas diziam. A boca amiga acompanhou Teófilo até a porta do Hospital: “Tenha um bom dia amigo!” Disse a boca amiga. Teófilo sorriu para a boca e ela sorriu para ele. O marceneiro de Campos caminha pela Avenida João Alves Filho em busca do caminho de volta ao trabalho. Chegando a primeira esquina ainda avistando o hospital havia um carro de frutas. Uma boca muito grande e silenciosa velava aquele estabelecimento comercial ambulante.
- Bom dia moço!
- Bom dia amigo. Respondeu Teófilo.
- Sua pessoa num quer uma fruta não? Perguntou a boca mostrando os dentes.
- Não. Na verdade, Teófilo queria chegar ao trabalho sem mais demora. Contudo, a boca insistiu:
- Uma laranja! Um abacaxi! Que tal?
- Não moço. Estou com pressa mesmo. A boca fechou os cantos e disse apertada: “Mão de figa”. Alguns passos adiante Teófilo olha para trás e vê o carro de frutas se transformar em um balcão de banco cheio de bocas aflitas. As bocas queriam a todo custo se livrarem de suas dívidas:
“Parcele, por favor!”
“Assim não dá pra mim”
“Lamento, mas, vamos empenhorar sua casa”. Muitas bocas saíram fechadas do lugar, outras saíram ainda mais desconsoladas. Essa imagem muito entristeceu o filho de Campos. Teófilo procura olhar-se no espelho de um carro azul estacionado do lado direito da avenida. O espelho refletia a imagem de sua boca. Para ele, não havia dúvidas que algo muito estranho estava acontecendo.
Embora triste com o que via Teófilo seguiu a Avenida João Alves. Esta estava cheia de bocas sentadas nas calçadas. Muitas coisas as bocas diziam, mas, nenhuma boca assumia a responsabilidade. Na verdade, as bocas sentiam a compulsão para dizer, sem, contudo, verem a consequência de seus ditos. Uma boca miúda aborda o marceneiro e lhe pergunta sobre seu estado:
- Moço está melhor?
- Sim.
- Moço, é verdade que você desistiu de viver?
- Não, em hipótese alguma. Amo a vida e quero continuar. Apenas não acredito mais na bondade humana.
- O que aconteceu com aquela senhora foi um caso isolado. E ela já estava mais pra lá de que pra cá.
- Não diga isso, pois, a idade da mulher não justifica a violência contra ela. Todos tem o direito à vida. A boca miúda deu uma risada com a expressão “direito a vida”.
- Moço, cá em Campos, as pessoas estão mortas vivas. Elas mal conseguem dizer o que pensam, e quando elas dizem alguma coisa, a coisa é um dito de outro o qual elas nem sabem por que o disseram. As bocas falam porque as palavras são doces ao seu paladar.
- Como assim, boca miúda; posso chamar-lhe assim?
- Sim, pode. Se sua pessoa não estiver apressada eu te levarei a um lugar e você entenderá o mundo das bocas. Teófilo estava atrasado para o trabalho, mas, devido à insistência da boca miúda, ele decidiu acompanhar a boquinha. Os dois seguiram juntos até a Avenida Sete de junho, a mais importante da cidade. Na altura do estabelecimento comercial de Zé Bacateiro, a sorveteria mais conhecida da cidade, eles descem pelo esgoto municipal.
Os esgotos de Campos formavam outra cidade debaixo da terra onde as leis eram as mesmas da cidade de cima, a diferença era que na cidade subterrânea o dito parecia mais autentico. As pessoas eram mais transparentes, e a escuridão parecia ter mais luz uma vez comparada a opacidade da cidade de cima. As bocas se sentiam à vontade para dizer o que pensavam. A boca miúda não saía de perto de Teófilo que ao caminhar pelos esgotos de Campos vivia sensações jamais experimentadas em toda sua vida. Tobias Barreto se mostrava despida ante seus olhos pela primeira vez. Teófilo segue calmamente até defronte o supermercado principal da cidade. A concentração de bocas nesse local era muito grande. Havia bocas de todos os tipos. As primeiras que estavam à porta do estabelecimento, eram as bocas da periferia que ficavam ali para mendigarem alguma coisa ou oferecerem algum serviço em troca de alguns trocados. Uma boca mal cuidada, com a dentição podre, inicia uma série de enunciações:
- Minha mãe está passando mal em casa e não tenho dinheiro para lhe comprar remédios, me ajude, por favor! Uma boca de classe média cuja dona tinha seu carrinho cheio de mantimentos lhe responde:
- Ah, meu filho me perdoe, não tenho trocados. Esse diálogo cotidiano soava na cidade subterrânea da seguinte maneira:
“Eu vou passar a perna nessa coroa abestada”.
“Vá se catar perdedor”.
Teófilo, ora ria, ora chorava com o que ouvia das bocas de baixo. A boquinha decide mostrar mais coisas para o grande marceneiro de Campos.
- Teófilo, vamos mais para frente, para onde as bocas grandes se encontram para discutirem Campos.
- Ah, sim, seria bem interessante. Os dois desceram a Avenida Sete até chegarem ao alto comercio da cidade. Ali, as bocas pareciam unidas num só propósito – fazer o progresso da cidade. Comerciantes e políticos conversavam na via pública:
- Chico esse negócio de pagar imposto num dá certo. O governo num faz nada!
- Num é o que rapaz, eu só declaro um por cento das vendas, e pronto!
- Pois é, eu faço o mesmo. Não tenho nada a ver com esse governo. Suas vozes chegavam lá em baixo assim:
“Eu quero esse ano é dobrar o faturamento, mesmo que passe a perna no imposto”.
“Eu quero ficar mais rico, dana-se a sociedade”. Dois políticos proeminentes de Campos abrem diálogo sobre as acusações contra o prefeito local:
- Rapaz, assim não dá, a roubalheira está grande demais. O interlocutor coça as virilhas e continua olhando para o céu.
- Campos nunca viu isso, é demais! O outro interlocutor responde ao enunciado do primeiro:
- É mesmo, amigo, mas quando Zé de Tico for eleito, a coisa muda, eita, macho honesto!
As falas dos dois chegam ao esgoto assim:
“Campos e o Brasil sempre foram assaltados, tomara que chegue nossa vez”.
“Mas quando chegar a nossa vez, vamos descontar o atrasado”. Teófilo, ora via, ora se recusava a ver as coisas do submundo. Contudo, o desejo pela verdade era maior. Teófilo decide perguntar a boquinha sobre os fatos.
- Minha cara boca, será sempre assim?
- Em vossa história, posso dizer que sim. A pobreza e a miséria não é um acidente. A potência das duas é a má gestão pública e o desvio da coisa pública historicamente consagrado. Olhe para os campos ao seu redor, eles destilam leite e mel, o sertão é viável.
- Mas, seu boca, não tem homens no sertão?
- O problema do sertão não é a falta de homens, e sim, de discursos coerentes com nossa realidade. O sertão é tratado como se não fosse um bioma com peculiaridades só suas. O sertão precisa de novas bocas que digam o que de fato deve ser dito, pois, o subterrâneo ressoa as contradições. Ademais, o homem político do sertão aprendeu que a coisa pública é privada. O privado e o público se misturaram nas mentalidades locais, e assim, virou “coisa nostra”. Teófilo chorou amargamente diante da boca amiga. E esta o confortou: “Amigo, não chore, pois, a terra produz novidade o ano todo, assim como nascem espinheiros, também nascem árvores frutíferas. O sertão é isso, um movimento constante”. Teófilo seguiu seu caminho para mais profundo no subterrâneo de Campos, a boca amiga lhe pediu desculpas dizendo-lhe que não podia mais continuar a viagem.
Onde hoje é a Praça do Cruzeiro, Teófilo percebeu uma grande quantidade de bocas; as bocas estavam eufóricas, pois, discutiam sobre o carnaval, ou o Carnatobias.
- Olha Rubenita, nesse carnaval, eu vou arrasar!
- Mulher, você merece toda a felicidade do mundo. Vá mesmo, pois, dizem que esse ano a coisa pega! Uma boca que trabalhava numa repartição pública entrou na conversa.
- Sabe pessoal, eu acho que nós não precisamos de carnaval. A cidade está mesmo é necessitada de educação. Teófilo ouvia a conversa do jeito em que ela se apresentava nos subterrâneos, ou seja, sua verdade velada atrás da mascara social. E isso o fazia sentir náuseas com muita frequência. A ânsia de vômito do rapaz tornou-se tão forte que ele desmaiou. No chão do subterrâneo de Campos Teófilo se encontra com um negro que carregava um rosário na mão:
- Meu filho eu vim por causa de tua saúde. Tens vomitado e perdido muito fluido, estou preocupado contigo. O velho era meigo e manso e suas palavras eram sabias e davam paz.
- Quem é você?
- Sou um arquétipo da humanidade.
- O que é isso?
- É que minha humilde pessoa está em vós todos.
- Como assim?
- Quando vós sonhais com o bem, vós fazeis uso de vossos arquétipos milenares. Existem diferentes padrões para organizar vossos pensamentos. Este velho é um deles.
- E quando as pessoas sonham com o mal?
- Existem formas padrões para tudo, inclusive para o mal. Vosso bicho ainda precisa de domador.
- Como assim, meu velho?
- Disseste bem ao chamar-me de velho, pois, eu sou tão antigo quanto vossa história. Sonhais há muito tempo.
- Eu não entendo sua pessoa.
- Eu vim porque julgais o mundo e te esquecestes de que tu és parte dele; um pequeno microcosmo. Aquilo que vês no outro também está em ti. De forma súbita, Teófilo passou a ver suas contradições.
Era uma tarde de terça feira, dia de Ogun. Teófilo caminhava de volta do trabalho pelas dezessete horas quando um carro de luxo o para, dentro do veiculo estava uma senhora casada. A mulher era linda e pedia informações sobre o endereço de uma residência. A conversa entre os dois tomou, de forma inesperada, outro rumo. Teófilo teve um caso amoroso por três meses com a senhora de um comerciante muito conhecido em Campos. O rapaz havia esquecido isso, mas, o subterrâneo de Campos revela os mais escuros segredos. Ao se deparar com sua realidade, o jovem marceneiro busca se desculpar.
- Foi ela, senhor, quem se jogou. E eu sou homem.
- Sua pessoa compactuou com tudo. Os dois cometeram o mesmo erro.
- Mas, se ela não tivesse começado nada teria acontecido.
- Desde Adão que o outro leva a culpa. O homem de barro é um arquétipo de vossa fragilidade. Contudo, o barro é muito fácil de ser moldado de novo, você não acha?
- Olha moço, eu não entendo muito o que dizes.
- Os homens fogem da culpa como o diabo foge da cruz.
- Ah, sei. Mas, insisto: A senhora da sociedade recebeu o que pediu.
- Continue andando por esses subterrâneos, quem sabe a uma quadra adiante você se encontre. O velho pediu licença e saiu da presença do marceneiro. O seu rastro no chão enlameado dos tuneis deixou pegadas fluorescentes.
Agora Teófilo estava só naquele mundo debaixo do chão de Campos. Ele ouvia as bocas eufóricas falarem sobre diversas coisas. Uma boca muito grande não parava de reclamar da vida. Para ela nada bastava. Outra boca se queixava da solidão, mas, não conseguia se doar a ninguém. Teófilo tenta conforta-la, mas, sem sucesso, a boca não conseguia ouvi-lo. Perto de um banco Teófilo se encontra com duas bocas fazendo planos para o casamento.
- Amor, eu estou ansiosa para dividirmos o mesmo espaço.
- E eu também querida. Mas precisamos ajustar algumas coisas.
- Querido, que tal nós fazermos um empréstimo para a nova mobília? Disseram-me que aqui os juros são bem em conta. No subterrâneo, Teófilo ouvia a conversa de forma diferente. O casal não tinha certeza se o amor dos dois era o bastante para uma relação mais íntima. Ademais, a moça, como muitas filhas do sertão queria sair de casa, ela não suportava mais a castração infringida por seus pais. Já o rapaz, queria mesmo era continuar solteiro, a ideia de casamento foi apenas uma desculpa para conseguir a mulher de suas fantasias eróticas. A voz do moço ressoava nos subterrâneos dessa forma: “E agora como vou sair dessa?” Teófilo sabia que o amor existia e que muitos casais se uniam inspirados pelo autentico sentimento de amor, mas, os porões do subterrâneo eram implacáveis, nada passava em branco. Mais adiante, bem perto de uma igreja, Teófilo para e escuta as bocas religiosas:
- Gente! Gente! Gritava uma boca afeminada, mas, muito religiosa.
- Sim Arcanjo! O que foi dessa vez?
- Nosso novo padre é lindo!
- Eh, desta vez as mulheres da paróquia vão sofrer fortes tentações.
- E os meninos também! Não se esqueça! A conversa nos subterrâneos não foi traduzida, parece que o que disseram lá em cima ressoava do mesmo jeito embaixo. Um grupo de Calvinistas conversava baixinho:
- Precisamos converter Campos e o Brasil à fé verdadeira.
- É mesmo seu Lutero de Souza, esse país está entregue a sensualidade.
- Nem diga, quanto mais passa o tempo, mais os costumes se parecem com os de Babilônia.
- Olha, meu caro Lutero de Souza, o Brasil será de Cristo! As bocas serraram os dentes como se tivessem cheirado cada uma, cinco carreiras do pó maldito. Seus dentes trincaram uns nos outros tamanha foi a força que as mandíbulas fizeram. A conversa dos religiosos chegou aos subterrâneos assim: “Queremos o poder político do Brasil custe o que custar”.
Teófilo ao ver e ouvir o mundo subterrâneo das bocas teve náuseas e ânsias de vomito. O suco gástrico de seu estomago produzia uma acidez que lhe saia pelas ventas. Definitivamente, Teófilo estava exposto ao adoecimento por emoções fortes. Uma criança, ou melhor, sua boca sem dentes e de gengivas inchadas, se aproxima do mestre da marcenaria de Campos: “Minha mãe está sem leite no peito, moço, mas que fome!” Muitas crianças eram filhos sem pais, bocas desesperançadas e espalhadas pelo sertão. Dizem que o sertão é alvo dos exploradores de corpos, estes são os que ganham dinheiro agenciando a prostituição. Agora, não havia mais limites para Teófilo; as visões seriam muito mais pesadas. “Teófilo!” A voz saía das brechas das paredes do subterrâneo. A voz dizia: “Dancem todos, se divirtam todos!” “It’s a wonderful world; imagine! No war, no pain, every men marching together!” Teófilo acreditou nas palavras das bocas das brechas e sorriu por cinco minutos. Depois, ele tomou uma pílula que a boquinha lhe havia dado. A pílula fez efeito em 30 minutos, em seguida, Teófilo estava de volta à parte de cima da cidade.
- Teo! Oh, Teo! Dona das Dores chamava por seu filho com insistência. Enquanto isso, seu da Silva conversava com o enfermeiro Tomás. Das Dores insistia:
- Teófilo, menino, ande, vamos! O mancebo com um quarto de século abre os olhos e depois a boca.
- Mãe! Mãe e filho se abraçam na enfermaria da Casa de Caridade de Campos. Finalmente, das Dores tinha seu filho de volta, e a marcenaria de seu Tadeu seu funcionário de ouro. Teófilo ficou calado por muito tempo. Nada disse do que viu, e nada fez para mudar nada. Teófilo caminhou para a marcenaria durante longos vinte anos. Quando ele fez dinheiro e colocou sua oficina, Campos havia se transformado em uma cidade de pequeno/médio porte, ou seja, uns setenta mil habitantes. O homem da barraca de frutas estava no mesmo ponto. As pessoas faziam e diziam as mesmas coisas. Os políticos falavam de seu amor pelo sertão. As pessoas não importando quem fossem diziam sobre tudo com muita convicção...
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