Minha velha e cansada
pessoa estava no Missionário numa tarde de terça feira dia do Orixá Ogun. O
Missionário era um pequeno zoológico que durante um período de tempo muito
alegrou o povo de Campos. Recordo-me do rosto de muitas pessoas que passaram
por lá. Uma delas foi uma mulher nos seus trinta três anos. A mulher passeava
tranquilamente pelas ruelas entre as jaulas e quartinhos onde estavam os
animais. Ela não me viu, mas, quando olhei para seus olhos eu vi neles a
seguinte pergunta: “Onde está Deus?” Confesso; esse velho cansado não suportou
e chorou por um instante. Por acidente uma lágrima caiu na grama verde do lugar
e minha pessoa adormeceu:
- Como é seu nome, minha filha?
- Lindaura.
- Você está procurando Deus?
- É, sim, senhor. Minha vida acabou
desde o dia que meu noivo foi embora sem me deixar recados.
- Eu ouvi dizer que Deus andou em muitos
lugares e se apresenta de muitas maneiras. Será muito difícil reconhecer Deus
quanto mais acha-lo. Disse eu a jovem.
- Mas, o moço num pode me dizer como
começar a procura-lo?
- Sei sim senhora. Feche os olhos.
Lindaura fechou os olhos e adormeceu com o toque de minha mão.
Na beira da lagoa do Missionário os
patos lavavam os bicos e as pessoas se deleitavam nas obras do Criador. Um pato
gordinho se aproxima de Lindaura e lhe diz: “O Pai andou pelas as bandas do
Riacho Fundo; por que você não vai lá?” Lindaura agradeceu ao amigo pato
dizendo-lhe que ele era muito bonitinho e foi para o Riacho Fundo. A caminhada
até o povoado foi cansativa, Lindaura precisou descansar. Logo na entrada do
lugarejo havia uma pequena casa onde vivia uma velha solitária.
- A menina tá pálida num quer beber um
pouco de água não?
- Obrigado senhora. Aqui é o Riacho
Fundo?
- É moça, chamamos esse lugar de Riacho
Fundo.
- E por quê? Não vejo nenhum riacho.
- As pessoas acharam esse nome bonito. O
que a menina procura aqui?
- Procuro por Deus. Um senhor de idade
me disse que ele andou por aqui.
- Ah, minha menina, isso foi há muito
tempo atrás. Agora Ele deve estar para as bandas do Canine. Se você se apressar
o encontrará lá no alto da serra. Lindaura seguiu na direção da Serra do
Canine. A jornada foi muito pesada. No pé da serra estava um lavrador plantando
feijão.
- Moço, o senhor tem visto Deus?
- Tem uns quinze dias que ele passou por
aqui.
- Então ele num tá mais lá não?
- Bem moça, é o que eu sei. O homem
tornou a trabalhar na enxada. A moça se despede e segue seu destino ao alto da
Serra do Canine. Na metade do caminho, Lindaura escuta o cântico de um
rouxinol. A beleza era tão grande que a menina para de andar e senta sobre uma
pedra. “Há no mundo coisa mais bela?” Essa fala saía de dentro de uma gruta. “O
que?” Perguntou a moça à voz que saia da gruta. “Eu digo, a beleza do canto
desse pássaro”. Falou novamente a voz da gruta. “Por que você não sai pra cá;
estou à procura de Deus”. Disse a menina Lindaura.
- Deus?
- Sim, Deus.
- Atualmente, poucas pessoas tem essa
preocupação. Via de regra as pessoas procuram solução.
- Solução? Como assim?
- As pessoas querem resolver seus
problemas e dizem que procuram por Deus.
- Entendi. A menina Lindaura parou por
um momento, e pensou consigo: “Será que procuro Deus, ou uma solução como os
outros?” Essa reflexão deixou a moça constrangida. A voz que saía do interior
da gruta disse.
- Ele conhece os corações de todos, quem
sabe ele saiba que você procura por ele mesmo? Lindaura rumou para mais alto na
serra. No topo da grande Serra do Canine a menina viu a imensidão do vale de
Campos de Rio Real. Tobias Barreto estava lá embaixo. A visão era esplendida e
a natureza fervilhava por todo canto. A moça decide sentar e esperar um pouco
mais, afinal, o lugar era de arrebatar o coração. Um camaleão matreiro passa
correndo defronte a moça e para olhando para ela balançando a cabeça. O
bichinho mudava de cor constantemente até que ele resolve falar alguma coisa.
- Dona mulher, está todo mundo sabendo
que você está procurando por ele. Será que você vai acha-lo?
- Sei não. Parece tão difícil encontrar
Deus. O mundo está cheio de templos dedicados a Ele, mas, estão tão cheios que
a gente mal ouve a voz de nosso coração.
- Deve ter sido por isso que Elias foi à
montanha. Disse o camaleão.
- Como você sabe disso?
- Moça toda a natureza sabe que Deus
virou moda. Agora é o costume as pessoas resolverem seus problemas com Deus. Acho
que ele se retirou; deve ter tirado uma férias.
- Mas, você sabe quando ele volta? O
camaleão tornou a ficar verde, balançou o rabo e disse: “Sei não”. A moça
chorou porque ela queria apenas uma palavra com Deus sobre sua dor.
- Então eu vou descer a serra.
- O camaleão se apiedou da menina e
disse: “Desça pelo lado que aponta para o leste; alguns irmãos meus viram as
pegadas dele no caminho”. Muito agradecida a menina tomou a direção do leste. O
sol estava quente; o sertão de Campos é zangado no verão. A moça desceu até um
poço de água para matar sua sede. “Que água fria e limpa!” Admirou-se a moça
com a pureza da água da serra. Uns peixinhos que nadavam no tanque pulavam de
alegria no frescor do líquido regenerador. Um peixinho muito miúdo chama a moça
pelo nome convidando-a para banhar-se com eles. A moça disse-lhes que era muito
constrangedor despir-se defronte aos pequenos rapazes. Um peixe do tamanho de
um palmo protestou dizendo que isso era assédio sexual. Segundo ele, a moça
deveria ficar de fora da água; ela poderia apenas lavar o rosto. A moça enche
as mãos de água e lava cuidadosamente seu rosto para refresca-lo. O sol, o
calor, e a água fria fizeram a menina cair na grama desacordada. “Lindaura teve
um treco”. Pensou o cardume de peixes.
- Lindaura!
- Sim.
- Você está melhor?
- Estou. Nem sei o que houve.
- Foi a insolação.
- E o senhor quem é?
- Eu sou um pescador.
- Ah, então você pode me dizer onde está
Deus!
- Calma! Essa pergunta é muito
complicada e você andou por esses sertões sem se alimentar. Venha comer alguma
coisa. Havia a beira do tanque uma fogueira e peixes assados. O homem era
baixinho; tinha os cabelos crespos, e sua barba era rala. Sua aparência era
comum – um homem da roça. Os dois comeram calados, aqui e ali havia um dedo de
prosa.
- Sabe seu pescador tenho procurado Deus
pelo sertão. Tem sido difícil encontra-lo.
- Moça, o sertão tem de tudo, mas,
parece que Deus se esqueceu dele. Os homens por essas bandas são como os
carcarás quando veem a carniça. A maldade faz o sertão mais seco que já é. Há
muito tempo atrás não tinha fome no sertão, e nem tinha gado. Foi o gado e com
ele as cercas que fizeram o sertão ser uma terra de muita tristeza.
- Por que, moço fome num lugar tão lindo
como esse?
- A feiura e a beleza, às vezes, dependem
da bondade e da malvadeza. Quem não pode ficar foi para a cidade morar na
periferia e fazer bicos para viver, os que ficaram por aqui foram esquecidos
como um bicho que se embrenhou no mato.
- Meu noivo me deixou no altar, e agora
estou perdida sem entender o que me aconteceu.
- Ah, ele deve ter enrabichado por
outra. Esses rapazes de hoje!
- Num diga assim, moço! Eu gostava tanto
dele que sai pelo mundo afora procurando de Deus uma resposta.
- Sabe moça, acho que Ele anda tão
ocupado que num vai dar atenção a um fricote de mulher não. Paciência!
- Num diga assim não moço, pois, estou
com o coração partido.
- Está bom, desculpe. Gostou do peixe?
- Ah, sim estava uma delícia. Seu
pescador mora a onde?
- Bem ali! O homem apontou para uma
casinha de barro cravada na pedra da serra. O pescador se despediu da menina e
foi fazer alguma coisa. A moça, no entanto, continuou caminhando para o leste.
A serra majestosa do Canine é cheia de mistérios. Muitos guerreiros cariris
morreram por causa dela na época de Belchior Dias Moreira. A Serra do Canine
era um lugar de vida e de morte. Lindaura seguiu seu rumo até que encontrou no
lado leste um ferreiro.
- Boa tarde, moço!
- Oh, boa tarde mocinha! O que é que uma
dama como você faz nesse sertão?
- Moço, eu estou a procurar por Deus.
- Deus? O homem se apavorou com a
pergunta da moça.
- Sim, Deus! Tem algum problema em
alguém procurar por Deus?
- Não senhora! É que aqui só aparece
caçador, ladrão de gado, ou o povo que vem tomar cachaça e tomar banho nos
tanques.
- É, mas, eu não. Eu quero encontrar
Deus. No Riacho Fundo uma velha disse que ele estava por aqui. O amigo pode me
dizer? O homem tirou o chapéu da cabeça, coçou a testa e disse: “Para achar Ele
desça a serra que ele deve estar na casa de Antenor”.
- Antenor? Mas, como achar essa casa?
- Num se preocupe. Lá embaixo, logo no
pé da serra vão te dizer. Vá rápido por que está escurecendo! A moça foi
rápido, mas, não tão rápido. Antes de sair da serra, o tempo escureceu. “E
agora meu Deus, o que vou fazer nesse breu?” A noite trouxe a chuva, a chuva
trouxe o raio, e o raio o ribombar dos trovões. A menina Lindaura estava com
medo.
- Psiu!
- O que? Quem?
- Aqui?
- Onde?
- Aqui! Uns vagalumes iluminaram a copa
de uma árvore frondosa. Era um pé de umbuzeiro. A moça correu para o umbuzeiro
e ali ficou até a chuva passar. O vento soprou e a moça ficou toda molhada.
- Desculpe pobre criatura, mas, eu
estava todo encharcado.
- Não tem problema. Disse a menina!
- Uma moça há essa hora pelos matos;
isso num me cheira bem. A árvore frutífera resmungou.
- É por que meu noivo me deixou no altar
e eu virei a cabeça. O amigo sabe onde anda Deus?
Os trovões retornaram e
com ele a chuva pesada. O umbuzeiro falava muito, mas, a moça nada podia ouvir,
exceto, que a árvore dizia alguma coisa. Mas, o que? Depois do temporal,
Lindaura viu o brilho de uma candeia a uma distância de uns duzentos metros
para o leste. Ela seguiu o brilho da luz. Ao chegar ao lugar, percebeu que as
pessoas rezavam com muito fervor. Uma verdadeira multidão de pessoas estava à
porta da casa. Dentro dela uma senhora estava entre a vida e a morte. A criança
atravessada em seu ventre não encontrava passagem, e a mulher agonizava. Dona
Margarida, moradora antiga do Cancelão, dois dias antes, teve um sonho que um
anjo vinha socorrer a parturiente. Quando ela sentiu o perfume de rosas de
Lindaura era gritou: “Deus chegou!” O povo apavorado olhava para todo canto e
nada de ver Deus. Margarida se levanta e caminha na direção de Lindaura.
- Minha filha Deus me disse que viria há
dois dias atrás. Faz dois dias que lido com essa coitada e nada do menino
nascer.
- Mas, eu não sou enfermeira, nada
entendo disso!
- Mulher! Creia! Ele te mandou aqui!
Lindaura pensou um pouco, depois disse: “Posso ver a mulher?”
- Claro, entre! Respondeu margarida. O
calor era grande, o fedor também. Os lençóis sujos de sangue e o rosto pálido
de uma mãe em agonia completavam o cenário do lugar. Enquanto Lindaura entra no
quarto apertado, a ladainha continua: “Ave Maria cheia de graça...” O povo
clamava pela salvação da mulher que respondia pelo nome de Dona Deusinha.
Lindaura então, pergunta a Margarida: “Posso rezar?” “Claro minha filha!”
“Meu bom Deus te procurei o dia inteiro
e já é noite alta, não te encontrei em lugar algum, agora me deparo com um
sofrimento maior que o meu; o de uma mãe e seu filho entre a vida e a morte;
Senhor meu Pai tem piedade”. As lagrimas de Lindaura molharam o ventre da
moribunda que logo deu um grito e o povo se apavorou.
- Essa aí veio a mando do capeta! Está
vendo não?
- Calma, Deuoclécio, Calma!
- Mas você num viu não? A mulher piorou!
Alguns segundos depois a mãe recobra forças e faz seu último esforça; em
seguida o povo ouve o choreo de uma menina. A criança era uma mulher. A alegria
do povo o fez varar a noite até o dia clarear. Lindaura, então, chama Margarida
e pergunta-lhe: “Sua pessoa é rezadeira, pode me dizer onde Deus se encontra?”
Margarida com os olhos cheios de lágrimas diz: “Ele veio hoje, você não viu?”
Minha
pessoa cansada de tanta história esperou Lindaura acordar e voltar para casa. Os
patinhos continuaram se banhando na lagoa do Missionário, e eu tinha certeza
que Lindaura sabia agora onde Deus está...