sábado, 29 de junho de 2013

LINDAURA





Minha velha e cansada pessoa estava no Missionário numa tarde de terça feira dia do Orixá Ogun. O Missionário era um pequeno zoológico que durante um período de tempo muito alegrou o povo de Campos. Recordo-me do rosto de muitas pessoas que passaram por lá. Uma delas foi uma mulher nos seus trinta três anos. A mulher passeava tranquilamente pelas ruelas entre as jaulas e quartinhos onde estavam os animais. Ela não me viu, mas, quando olhei para seus olhos eu vi neles a seguinte pergunta: “Onde está Deus?” Confesso; esse velho cansado não suportou e chorou por um instante. Por acidente uma lágrima caiu na grama verde do lugar e minha pessoa adormeceu:
- Como é seu nome, minha filha?
- Lindaura.
- Você está procurando Deus?
- É, sim, senhor. Minha vida acabou desde o dia que meu noivo foi embora sem me deixar recados.
- Eu ouvi dizer que Deus andou em muitos lugares e se apresenta de muitas maneiras. Será muito difícil reconhecer Deus quanto mais acha-lo. Disse eu a jovem.
- Mas, o moço num pode me dizer como começar a procura-lo?
- Sei sim senhora. Feche os olhos. Lindaura fechou os olhos e adormeceu com o toque de minha mão.

Na beira da lagoa do Missionário os patos lavavam os bicos e as pessoas se deleitavam nas obras do Criador. Um pato gordinho se aproxima de Lindaura e lhe diz: “O Pai andou pelas as bandas do Riacho Fundo; por que você não vai lá?” Lindaura agradeceu ao amigo pato dizendo-lhe que ele era muito bonitinho e foi para o Riacho Fundo. A caminhada até o povoado foi cansativa, Lindaura precisou descansar. Logo na entrada do lugarejo havia uma pequena casa onde vivia uma velha solitária.
- A menina tá pálida num quer beber um pouco de água não?
- Obrigado senhora. Aqui é o Riacho Fundo?
- É moça, chamamos esse lugar de Riacho Fundo.
- E por quê? Não vejo nenhum riacho.
- As pessoas acharam esse nome bonito. O que a menina procura aqui?
- Procuro por Deus. Um senhor de idade me disse que ele andou por aqui.
- Ah, minha menina, isso foi há muito tempo atrás. Agora Ele deve estar para as bandas do Canine. Se você se apressar o encontrará lá no alto da serra. Lindaura seguiu na direção da Serra do Canine. A jornada foi muito pesada. No pé da serra estava um lavrador plantando feijão.
- Moço, o senhor tem visto Deus?
- Tem uns quinze dias que ele passou por aqui.
- Então ele num tá mais lá não?
- Bem moça, é o que eu sei. O homem tornou a trabalhar na enxada. A moça se despede e segue seu destino ao alto da Serra do Canine. Na metade do caminho, Lindaura escuta o cântico de um rouxinol. A beleza era tão grande que a menina para de andar e senta sobre uma pedra. “Há no mundo coisa mais bela?” Essa fala saía de dentro de uma gruta. “O que?” Perguntou a moça à voz que saia da gruta. “Eu digo, a beleza do canto desse pássaro”. Falou novamente a voz da gruta. “Por que você não sai pra cá; estou à procura de Deus”. Disse a menina Lindaura.
- Deus?
- Sim, Deus.
- Atualmente, poucas pessoas tem essa preocupação. Via de regra as pessoas procuram solução.
- Solução? Como assim?
- As pessoas querem resolver seus problemas e dizem que procuram por Deus.
- Entendi. A menina Lindaura parou por um momento, e pensou consigo: “Será que procuro Deus, ou uma solução como os outros?” Essa reflexão deixou a moça constrangida. A voz que saía do interior da gruta disse.
- Ele conhece os corações de todos, quem sabe ele saiba que você procura por ele mesmo? Lindaura rumou para mais alto na serra. No topo da grande Serra do Canine a menina viu a imensidão do vale de Campos de Rio Real. Tobias Barreto estava lá embaixo. A visão era esplendida e a natureza fervilhava por todo canto. A moça decide sentar e esperar um pouco mais, afinal, o lugar era de arrebatar o coração. Um camaleão matreiro passa correndo defronte a moça e para olhando para ela balançando a cabeça. O bichinho mudava de cor constantemente até que ele resolve falar alguma coisa.
- Dona mulher, está todo mundo sabendo que você está procurando por ele. Será que você vai acha-lo?
- Sei não. Parece tão difícil encontrar Deus. O mundo está cheio de templos dedicados a Ele, mas, estão tão cheios que a gente mal ouve a voz de nosso coração.
- Deve ter sido por isso que Elias foi à montanha. Disse o camaleão.
- Como você sabe disso?
- Moça toda a natureza sabe que Deus virou moda. Agora é o costume as pessoas resolverem seus problemas com Deus. Acho que ele se retirou; deve ter tirado uma férias.
- Mas, você sabe quando ele volta? O camaleão tornou a ficar verde, balançou o rabo e disse: “Sei não”. A moça chorou porque ela queria apenas uma palavra com Deus sobre sua dor.
- Então eu vou descer a serra.
- O camaleão se apiedou da menina e disse: “Desça pelo lado que aponta para o leste; alguns irmãos meus viram as pegadas dele no caminho”. Muito agradecida a menina tomou a direção do leste. O sol estava quente; o sertão de Campos é zangado no verão. A moça desceu até um poço de água para matar sua sede. “Que água fria e limpa!” Admirou-se a moça com a pureza da água da serra. Uns peixinhos que nadavam no tanque pulavam de alegria no frescor do líquido regenerador. Um peixinho muito miúdo chama a moça pelo nome convidando-a para banhar-se com eles. A moça disse-lhes que era muito constrangedor despir-se defronte aos pequenos rapazes. Um peixe do tamanho de um palmo protestou dizendo que isso era assédio sexual. Segundo ele, a moça deveria ficar de fora da água; ela poderia apenas lavar o rosto. A moça enche as mãos de água e lava cuidadosamente seu rosto para refresca-lo. O sol, o calor, e a água fria fizeram a menina cair na grama desacordada. “Lindaura teve um treco”. Pensou o cardume de peixes.
- Lindaura!
- Sim.
- Você está melhor?
- Estou. Nem sei o que houve.
- Foi a insolação.
- E o senhor quem é?
- Eu sou um pescador.
- Ah, então você pode me dizer onde está Deus!
- Calma! Essa pergunta é muito complicada e você andou por esses sertões sem se alimentar. Venha comer alguma coisa. Havia a beira do tanque uma fogueira e peixes assados. O homem era baixinho; tinha os cabelos crespos, e sua barba era rala. Sua aparência era comum – um homem da roça. Os dois comeram calados, aqui e ali havia um dedo de prosa.
- Sabe seu pescador tenho procurado Deus pelo sertão. Tem sido difícil encontra-lo.
- Moça, o sertão tem de tudo, mas, parece que Deus se esqueceu dele. Os homens por essas bandas são como os carcarás quando veem a carniça. A maldade faz o sertão mais seco que já é. Há muito tempo atrás não tinha fome no sertão, e nem tinha gado. Foi o gado e com ele as cercas que fizeram o sertão ser uma terra de muita tristeza.
- Por que, moço fome num lugar tão lindo como esse?
- A feiura e a beleza, às vezes, dependem da bondade e da malvadeza. Quem não pode ficar foi para a cidade morar na periferia e fazer bicos para viver, os que ficaram por aqui foram esquecidos como um bicho que se embrenhou no mato.
- Meu noivo me deixou no altar, e agora estou perdida sem entender o que me aconteceu.
- Ah, ele deve ter enrabichado por outra. Esses rapazes de hoje!
- Num diga assim, moço! Eu gostava tanto dele que sai pelo mundo afora procurando de Deus uma resposta.
- Sabe moça, acho que Ele anda tão ocupado que num vai dar atenção a um fricote de mulher não. Paciência!
- Num diga assim não moço, pois, estou com o coração partido.
- Está bom, desculpe. Gostou do peixe?
- Ah, sim estava uma delícia. Seu pescador mora a onde?
- Bem ali! O homem apontou para uma casinha de barro cravada na pedra da serra. O pescador se despediu da menina e foi fazer alguma coisa. A moça, no entanto, continuou caminhando para o leste. A serra majestosa do Canine é cheia de mistérios. Muitos guerreiros cariris morreram por causa dela na época de Belchior Dias Moreira. A Serra do Canine era um lugar de vida e de morte. Lindaura seguiu seu rumo até que encontrou no lado leste um ferreiro.
- Boa tarde, moço!
- Oh, boa tarde mocinha! O que é que uma dama como você faz nesse sertão?
- Moço, eu estou a procurar por Deus.
- Deus? O homem se apavorou com a pergunta da moça.
- Sim, Deus! Tem algum problema em alguém procurar por Deus?
- Não senhora! É que aqui só aparece caçador, ladrão de gado, ou o povo que vem tomar cachaça e tomar banho nos tanques.
- É, mas, eu não. Eu quero encontrar Deus. No Riacho Fundo uma velha disse que ele estava por aqui. O amigo pode me dizer? O homem tirou o chapéu da cabeça, coçou a testa e disse: “Para achar Ele desça a serra que ele deve estar na casa de Antenor”.
- Antenor? Mas, como achar essa casa?
- Num se preocupe. Lá embaixo, logo no pé da serra vão te dizer. Vá rápido por que está escurecendo! A moça foi rápido, mas, não tão rápido. Antes de sair da serra, o tempo escureceu. “E agora meu Deus, o que vou fazer nesse breu?” A noite trouxe a chuva, a chuva trouxe o raio, e o raio o ribombar dos trovões. A menina Lindaura estava com medo.
- Psiu!
- O que? Quem?
- Aqui?
- Onde?
- Aqui! Uns vagalumes iluminaram a copa de uma árvore frondosa. Era um pé de umbuzeiro. A moça correu para o umbuzeiro e ali ficou até a chuva passar. O vento soprou e a moça ficou toda molhada.
- Desculpe pobre criatura, mas, eu estava todo encharcado.
- Não tem problema. Disse a menina!
- Uma moça há essa hora pelos matos; isso num me cheira bem. A árvore frutífera resmungou.
- É por que meu noivo me deixou no altar e eu virei a cabeça. O amigo sabe onde anda Deus?

Os trovões retornaram e com ele a chuva pesada. O umbuzeiro falava muito, mas, a moça nada podia ouvir, exceto, que a árvore dizia alguma coisa. Mas, o que? Depois do temporal, Lindaura viu o brilho de uma candeia a uma distância de uns duzentos metros para o leste. Ela seguiu o brilho da luz. Ao chegar ao lugar, percebeu que as pessoas rezavam com muito fervor. Uma verdadeira multidão de pessoas estava à porta da casa. Dentro dela uma senhora estava entre a vida e a morte. A criança atravessada em seu ventre não encontrava passagem, e a mulher agonizava. Dona Margarida, moradora antiga do Cancelão, dois dias antes, teve um sonho que um anjo vinha socorrer a parturiente. Quando ela sentiu o perfume de rosas de Lindaura era gritou: “Deus chegou!” O povo apavorado olhava para todo canto e nada de ver Deus. Margarida se levanta e caminha na direção de Lindaura.
- Minha filha Deus me disse que viria há dois dias atrás. Faz dois dias que lido com essa coitada e nada do menino nascer.
- Mas, eu não sou enfermeira, nada entendo disso!
- Mulher! Creia! Ele te mandou aqui! Lindaura pensou um pouco, depois disse: “Posso ver a mulher?”
- Claro, entre! Respondeu margarida. O calor era grande, o fedor também. Os lençóis sujos de sangue e o rosto pálido de uma mãe em agonia completavam o cenário do lugar. Enquanto Lindaura entra no quarto apertado, a ladainha continua: “Ave Maria cheia de graça...” O povo clamava pela salvação da mulher que respondia pelo nome de Dona Deusinha. Lindaura então, pergunta a Margarida: “Posso rezar?” “Claro minha filha!”

“Meu bom Deus te procurei o dia inteiro e já é noite alta, não te encontrei em lugar algum, agora me deparo com um sofrimento maior que o meu; o de uma mãe e seu filho entre a vida e a morte; Senhor meu Pai tem piedade”. As lagrimas de Lindaura molharam o ventre da moribunda que logo deu um grito e o povo se apavorou.
- Essa aí veio a mando do capeta! Está vendo não?
- Calma, Deuoclécio, Calma!
- Mas você num viu não? A mulher piorou! Alguns segundos depois a mãe recobra forças e faz seu último esforça; em seguida o povo ouve o choreo de uma menina. A criança era uma mulher. A alegria do povo o fez varar a noite até o dia clarear. Lindaura, então, chama Margarida e pergunta-lhe: “Sua pessoa é rezadeira, pode me dizer onde Deus se encontra?” Margarida com os olhos cheios de lágrimas diz: “Ele veio hoje, você não viu?”

            Minha pessoa cansada de tanta história esperou Lindaura acordar e voltar para casa. Os patinhos continuaram se banhando na lagoa do Missionário, e eu tinha certeza que Lindaura sabia agora onde Deus está...




sexta-feira, 14 de junho de 2013

DO OUTRO



Cartas Pedagógicas


O outro está em algum lugar fora de mim. O outro não sou eu. Contudo compartilhamos das mesmas ideologias que nos moldam, nos constroem, nos direcionam a um dado objeto. O objeto do outro pode ser diferente do meu, mas, a força que o impele na direção do ato é a mesma presente em mim – a vontade. No princípio era o instinto que me arrastava sobre a crosta terrestre, agora são os instintos modificados pela força psíquica que me insere na teia das relações discursivas e semióticas. De alguma forma o abstrato se torna concreto e o concreto se torna abstrato, uma ideia na minha mente. Houve um enervamento da ideia que se materializa pela força de minha vontade transformada em ação. A minha ação na forma de trabalho mudou a natureza na sua forma, entretanto, a natureza modificada permanece natureza – não há como descriar[1] a natureza, pois, o homem que é a natureza a manipula pelo trabalho dando-lhe uma nova organização, mas, os átomos construtores da matéria permanecem. A natureza é matéria.

O outro construído num sistema organizado e igual ao meu tende a olhar para mim como o outro que se apresenta. Assim eu sou o outro em um dado momento para alguém. Essa relação que individualiza os sujeitos foi fundamental para que nossa espécie construísse a civilização. Ela foi o motivo do fundamento de códigos para que a relação entre os sujeitos fosse organizada e regulada. Isso garantiu a continuação do homo sapiens até os dias atuais.

Mas, a civilização não desanimalizou o homem, ou, os sujeitos; ele traz consigo, em suas células, a lembrança do animal instintual – aquele onde a Id reina. A construção do sujeito social não destruiu o sujeito animal. Digo então, que o real enquanto sentido é um sonho, uma história, que os sujeitos enquanto atores atuam e realizam o seu papel possível. Digo possível, porque o real é o animal puro e concreto; sua existência enquanto acidente está sujeita as contigencialidades. O homem sabe disso, e pensa que seu animal é pré – histórico. Mas que engano! O outro, quase sempre é o algoz de seu irmão, se isso não fosse real não precisaríamos do Estado Organizado. O Estado nasce da necessidade de uma ordem entre os animais psiquificados. Ele é a força que tanto dá a vida como a tira em nome da Ordem Social.
O Estado funciona como o Outro muito mais forte do que Eu. O Estado exige do indivíduo a sujeição. Ser sujeito é estar em sujeição as regras impostas pelo Estado Organizado. Assim o Estado é inimigo da Id e amante do super ego. Se o outro e o eu não se reproduzissem pelas ideologias, a humanidade teria que recomeçar tudo de novo a cada geração. O que ocorre são mudanças de ideologias, mas, o método de sujeitar é o mesmo – A Educação – uma ferramenta de sujeição ao Estado. Devo acrescentar que o estado mesmo tendo sua função reguladora, apresenta as pulsões da Id como os seus cidadãos.
O pai, a mãe, um irmão mais velho é o outro agindo sobre mim. O outro que sanciona; que aprova; que cria uma natureza meritória. Para que haja uma relação pacífica entre os sujeitos criaram o merecimento ou o mérito. Só a nossa espécie merece alguma coisa. As demais vivem sem precisarem merecer nada, pois, a criação do Estado é a criação de uma pequena parte da natureza chamada de homon sapiens. O homo sapiens entendeu que a carniça, a colheita, a coleta, etc., precisava de uma ordem, um regulamento, pois, o outro se acha, na maioria dos casos, melhor de que seu irmão. O egoísmo é coisa nossa e do outro.

Educar, punir, castigar, recompensar são paradigmas fundantes do grande sonho chamado civilização. A relação entre o eu e o outro criou um mundo, embora natural, mas, constituído de valores, de representações simbólicas que muitas vezes não se sustentam diante do olhar atento da razão. Com todo respeito aos juristas, aos cientistas da justiça: “Existem leis que não são justas; são apenas legitimações da exploração de uma classe sobre a outra”. Há 500 anos atrás a sociedade achava justa e certa a escravidão negra. Os advogados, os juízos e os doutores da jurisprudência serviram de atores para que o sistema escravagista continuasse e tivesse legitimação legal, assim, podemos entender que o real ocorre num dado momento, como um sonho ou um pesadelo. “Quem pode me garantir que esse mundo é o que deve ser, ou, que essas ideologias são justas para todos?” Se indignar é um direito do homo sapiens.

Durante muito tempo meditei sobre as formas de dominação. E vi que elas se expressam em forma de múltiplas linguagens. Desde o olhar sisudo de meu pai, ou um sorriso de aprovação estamos em processo de sujeição às regras que nós não construímos, elas estão na lógica dos que nos antecederam. Falando como Paulo, o apostolo: “Que tenho a ver com isso?” Tudo! Nossa relação com o outro foi a gêneses do Estado como disse alhures, e é a possibilidade das rupturas e mudanças de paradigmas. A história nos diz muito bem sobre isso mesmo sendo ela amante das hegemonias dos grandes Estados. A dominação se torna natural porque o outro vive dentro de nossa casa. A criança percebe com o tempo que ela é ela e ele é ele que existe uma relação hierárquica no seio familiar – eis o começo da sujeição, ou construção do sujeito submisso; todavia, na família também existe o subversivo, a transgressão! Pode-se, então inferir que a vontade de dominar, e a condição de dominado são tão naturais como tudo que há na natureza. A democracia plena é um sonho, uma gravura em alguma parede da pré – história, a Id sempre resistirá à dominação do superego. Portanto, nossa verdadeira condição psíquica é a de neurose.

Tudo isso é natural! É uma espécie animal que se organizou e construiu no seio da natureza pura, uma natureza humanizada, mas, que ainda é natureza; pensar o mundo fora desse olhar, como disse minha pessoa em outros textos, foi um grande erro!

O distanciamento do homem da natureza o fez produzir um tipo de metafísica. A metafísica do humano super-humano que vive até sem comer como os irmãos da índia por acharem que a comida os torna pecaminosos. No campo das ciências, o distanciamento da natureza produziu técnicas e modelos de vida que em pouco tempo fez o homem um ser mais individualizado – “O outro particularizado” que dependente das técnicas e está distante das relações humanas concretas do dia- a- dia. A Pós – modernidade tem um grande abacaxi para descascar – ‘a desumanização[2] do homem sem torna-lo uma besta como antes fora’. A ciência se voltou muito mais para a realização do sonho das grandes corporações de que servir ao sujeito, a pessoa humana. Isso me diz que o outro quando diz do progresso, ele não está sendo totalmente consciente de seus enunciados – O progresso nunca foi para todos!

Quanto mais o homo sapiens se racionalizou, mais ele aprimorou seus modos de dominação. O fármaco, o narco, a mídia, a religião que resolve tudo. Os aparelhos de dominação raramente são percebidos pelo vulgo. O olhar do outro nunca sai de sobre mim. Eu sou seu objeto e ele o meu! Foi nessa relação de tensão, uma relação assimétrica, e de desigualdade que nossa psique foi formada. A educação do Brasil reproduz os modos de produção da época da colonização; para provar isso eu preciso falar sobre o olhar do outro no eixo diacrônico.

O que é a filosofia, a arte, a estética, a ética senão um olhar de alguém no seio da mãe natureza! O que o homem disse de si; o que o homem fez com o outro, o que os Estados fizeram a outros Estados durante séculos de civilização foi um olhar para o outro! Esse olhar nasceu do olhar para si. Olhar para o outro exige um olhar para si, pois, eu sou um pequeno fragmento do outro. Se vejo o outro é por que vejo a mim mesmo! Essa besta carnívora chamada homem é um lobo pronto a devorar o outro. Nossa história e nossos heróis nos contam da mortandade, da desgraça que no discurso histórico dos vencedores os responsáveis foram imortalizados. A história do homem é também um olhar sobre si. Nossa memória tem caráter seletivo; existe a valoração dos fatos históricos. A história que sabemos é a que “devemos saber”. A história de um povo ou de um determinado período de tempo é a narração dos vencedores. Por essa razão, a maior função do estudo da história é poder dizer dela como um discurso proferido por um agente com prestígio para dizer, e dizer na sua época.

O Brasil foi, e é o foco do olhar de Estados que criam discursos assimétricos para nossa sociedade. O primeiro foi o português, depois vieram os outros – a lógica ainda é a mesma! O Brasil, enquanto foco do olhar do outro, é uma quase – nação, mas, é muito mais uma grande mina de ouro a espera da extração de riquezas legitimada dentro e fora de nossas fronteiras. Para o mundo, ainda somos seres civilizando – um civilizando brasileiro! Coisificar essa terra foi preciso, assim como foi o civilizar o mestiço. É pena que tenha de dizer que a igreja foi e continua sendo a maior responsável pela inercia mental do povo[3]. A igreja tira os olhos do povo do concreto onde estão as contradições e o joga no mar das crenças onde a lei não pode ser testada. O discurso enquanto moral serve ao bem estar social, mas, a ideologia implícita em seus sintagmas; em suas crenças, e seus rituais formam a consciência entorpecida, infantilizada ou ingênua do fiel.

Nosso povo, gente passiva, e inerte, foi educado para isso; interiorizou o olhar do outro como sendo o seu. Agora a necessidade exógena é prioridade nacional. Todos acreditam que isso é real. É esse o limite de nossa existência; a possibilidade de nossas escolhas. Pensar assim é preciso, pois, o outro precisa que eu veja os seus interesses como sendo os meus. Esse foi um trabalho contínuo ao longo da história.

A lógica do meu discurso e do outro é a exploração. O meu instinto animal de comer carne fresca está mim. A Id sabe disso muito bem. Os discursos proferidos pelo sujeito sempre o defendem, salvo os do que se dissociaram da estrutura psíquica coletiva. Precisamos, então, conhecer o sujeito no implícito de seus enunciados. O outro diz de si como amigo. E eu me sinto amigo do outro. O implícito presente nos atos falhos do diálogo mostra que isso não é sempre verdade. Há em nós a tendência animal de criar uma realidade “cover”, ou mascara social. A história, embora necessária é a mascara do herói no rosto do vilão. Pensemos nos “cesares”, na expansão do Império Romano, e o processo de romanização do mundo, muitos dizem: “Mas que magnifico!” O cidadão romano falou no dito[4] do sujeito atual nesse enunciado. A expansão do Império Romano, e de todos os outros impérios nada mais foram de que a expressão da ganancia e egoísmo humano. Para alguém viver não é preciso um império!

O animal humano não nasce assim – um lobo. É fato que os instintos estão presentes. Mas, o maior responsável pela criação do sujeito egoísta é a malha discursiva de sua sociedade. A mente social é a interiorização dos valores de certa sociedade. É a dominação do outro sobre o sujeito. O signo linguístico é o gene que modifica o “homem natureza pura” em “homem natureza humanizada”. Esses dois tipos de homem estão em conflito permanente. Esse é o objeto da Psicanálise: “O conflito entre o ser e o devia ser”. O animal psiquificado tende a imitar os comportamentos de seu grupo. A grande massa humana entende ser certo o que uma minoria diz ser certo. Isso ocorre porque há uma diferença entre o ‘falar cotidiano’ e o ‘discurso enquanto representação de uma vontade imperiosa’. O consumismo da massa deixa essa assertiva muito clara. É aqui que o outro se torna ainda mais violento.

Uma das maiores verdade das ciências humanas é entender que o homem é um animal social e que as relações sociais dependem dos modos de produção. O capitalismo, por exemplo, esbarrará na falta de matéria prima. O planeta tem um limite. A sociedade que se inspira no capitalismo olha para o outro como uma possibilidade de bons negócios ou uma concorrência inevitável, ou um consumidor de bens, serviços, alimentos, etc;. A acumulação de capital fez o outro ser ainda mais complexo. O outro e o eu se encontram quando os interesses se afinam. As relações sociais tem sua gênese nas necessidades anteriores, quando o homo sapiens principiava seus primeiros passos. Contudo, o olhar entre os dois trará sempre um brilho de estranheza, pois, os grupos humanos se rivalizam desde os tempos primitivos.

Mais uma vez podemos por em dúvida a razão. A história escava o passado e quando faz isso cria uma escada no tempo onde os acontecimentos se desencadeiam. Esse procedimento nos revela os diferentes discursos da ciência e o que lá encontramos são linguagens e nelas diversas formas de expressão da racionalidade humana. A cadeia de pensamento coletivo por ser inconsciente não percebe a aridez de seu discurso no senso comum, contudo, esse árido discurso é quase uma coluna para a descoberta de uma grande verdade. O outro sempre tem a nos ensinar. A nossa cadeia de signos não está no encéfalo do individuo em sua totalidade, o sujeito tem um limite de representações da realidade e da capacidade de decodifica-la, e de interpreta-la, ou indo mais longe – torna-la parte de seu dicionário semântico e, sobretudo, de seu psiquismo. O individuo interioriza a língua de se contexto social e material. Não se pode entender o código linguístico de uma sociedade se não ouvirmos as suas diversas expressões, e sem levar em conta o tempo e o espaço onde ocorrem os enunciados. A diacronia de uma língua está intimamente relacionada às transformações materiais da sociedade. Encontramos aqui certo funcionalismo – a língua para um eixo diacrônico; o conjunto dos eixos nos dá uma visão mais totalitária da linguagem humana.

A fundação do signo fez o homem sentir-se Deus. O sagrado está verticalmente relacionado ao material, ao objetivo. A objetivação da realidade na mente do homo sapiens corresponde a significação, ou a representação do mundo que constitui a sua mente social. A interfase entre o simbólico e o orgânico encontra-se na natureza dos dois elementos que estão em relação. O processo de representar o mundo, o ato em si de pensar, e todas as sinapses relacionadas às representações são ligações eletroquímicas realizadas na máquina neurológica, portanto, o pensar e o pensamento possuem massa e gastam energia. A natureza criou diversas linguagens e uma delas é a língua humana, porem a totalidade de seus códigos não pertence a um único indivíduo. O léxico da língua num corte sincrônico está na totalidade dos seus falantes, assim, não podemos enunciar tudo, existe um limite de dizer que dura somente o momento da criação de mais uma palavra. O termo ‘língua’, nesse trabalho, é a “língua no momento concreto, no discurso, no diálogo, no texto, etc”. O outro interage comigo por meio de muitas linguagens, mas, é a língua a conecção mais perfeita criada pela natureza.

No entanto, a língua não é neutra, nem se expressa por mim ou pelo outro sem uma posição; na verdade quando enunciamos tomamos uma posição no espaço e no tempo. O eu e o outro se comunicam por meio de uma malha de signos constituídos historicamente e que se expressam no ato concreto da fala e dos enunciados escolhidos pelos interlocutores. A escolha é uma intenção; a intenção no mundo do discurso nos remete ao convencimento do eu ou do outro para que a estrutura material da realidade se reproduza naturalmente. Desta forma, a realidade sendo constituída de ideologias que mudam no eixo diacrônico é, de certa forma um par com as mudanças linguísticas da mesma, ou seja, assim como os meios de produção, e as relações materiais mudam na sociedade, a língua também muda as estruturas. Portanto, a realidade é uma estrutura que se reestrutura – um ser ‘estruturante’[5]; e esse mover dialético nunca cessará, exceto, se nossa espécie desaparecer do mundo.

Notas finais:
Foi olhando para o outro e este para mim que nossa espécie constituiu o tecido social e nele os códigos que fundaram a civilização. O outro foi tão necessário quanto eu, na verdade os dois se completam no olhar dialogista na forma do ‘eu-tu’. A humanidade só pode ser considerada na sua totalidade, e seu surgimento foi tão natural quanto as papoulas do jardim da casa de meu pai. O signo, o mito, os arquétipos foram surgindo a partir da relação entre o sujeito e o meio e o outro. A presença do eu-tu no mundo implica a presença de um terceiro elemento, o ele. As ações pedagógicas meu caro Souza devem considerar, em minha opinião, essas verdades. Um grande abraço!
          










   









[1] O termo descriar se refere a impossibilidade do homem de desfazer a matéria. O que ele pode pela ciência é transforma-la, contudo, a matéria permanece.
[2] Desumanizar nesse texto refere-se a um olhar para nós enquanto parte do ecossistema e que se o quebrarmos pereceremos.
[3] O termo povo não se refere a totalidade da sociedade brasileira, mas,  a massa acéfala.
[4] O termo dito refere-se ao hábito de falar sem pensar. O enunciado humano é contaminado de ditos.
[5] O termo estruturante significa no texto uma estrutura que não é cristalizada, inerte. A estrutura estruturante é viva e dinâmica, imprevisível como o humano.