Falar o nome música brega já se tornou um lugar comum nos discursos cotidianos. Contudo, não é fácil se encontrar um consenso acerca do que seja música brega. Uma das perguntas que devem ser feitas é a seguinte: o termo brega estaria mais associado à música em si ou se encontra vinculado a um tipo de comportamento? Outra pergunta que deve ser feita é: a quem interessa o termo brega e quais foram os contextos que possibilitaram a consolidação desse termo?
Respondendo a primeira pergunta, o que eu acho é que brega, antes de ser algo vinculado apenas a um gênero musical, encontra-se voltado para um tipo de comportamento considerado brega. Porém, como delimitarmos com precisão alguma coisa como brega? Acredito que brega é um conceito que parte dos julgamentos de cada um. O que para mim pode não ser brega, para o outro pode ser. Não existe um termômetro, nem algum critério objetivo para definirmos o que é brega.
Como se pode notar, o termo brega é algo muito mais relacionado ao critério estético subjetivo do que necessariamente uma definição exata. Porém, a dificuldade de se encontrar uma definição precisa para a música brega aumenta devido à conotação do que é ser brega. Ora, ninguém aceita o fato de ser considerado brega, uma vez que brega significa algo feio, de baixo escalão, de mau gosto. Com isso, cabe respondermos a questão, ou seja, a quem interessa o termo brega.
Por que existiu a necessidade de se articular um termo negativo a um estilo musical? O brega é brega para quem? Se vasculharmos a literatura bibliográfica referente à história da música no Brasil, verificaremos que ao longo dos tempos, devido ao fato do Brasil ser marcado claramente por uma forte desigualdade, a música sempre esteve diretamente relacionada ao poder. O gosto musical sempre foi julgado como melhor ou pior por estar associado aos interesses de classe.
No inicio do século XX, por exemplo, muitos compositores legitimados por setores sociais prestigiados e considerados como artistas de “elevações do gosto”, vendiam suas composições de caráter mais popular sob forma de pseudônimos para que seus nomes não se tornassem tão expostos, pois isso faria com que eles perdessem a credibilidade dentro de seus meios sociais. Como se nota, pensar em música no contexto brasileiro, é pensar nas barreiras sociais que são construídas.
Também podemos lembrar do samba, uma música vista como um perigo para a sociedade, e por isso mesmo, tocada nos fundos das casas para que a polícia não ouvisse e prendesse os artistas. Temos exemplos como Luiz Gonzaga que se via obrigado a tocar musicas européias para não ser associado à miséria, ao imigrante nordestino, temos Lupicínio Rodrigues taxado como música de dor de cotovelo, sem contar Nelson Golçalves, as duplas caipiras, a própria Jovem Guarda, etc.
A música brega não foge desse contexto e resulta de uma tática que as elites intelectuais criaram como forma de condenar qualquer coisa que fosse consumida pelos setores desprestigiados da sociedade. Para explicar quais os fatores contextuais que levaram a associação de um tipo de música ao termo brega, vamos fazer um breve passeio pela história do Brasil na década de 60 e 70 observando as relações dos setores intelectualizados com essa estética musical.
Vale lembrar que o termo brega só foi vinculado a um gênero musical na década de 80, porém, antes disso, o termo para essa vertente era conhecido como cafona, mas que já se relacionava a algo brega. Várias características da música brega já vêm de muito tempo atrás. As serestas já traziam teores do que viria a ser considerado brega, principalmente através de Vicente Celestino, assim como nos anos 40 com a forte entrada do bolero e seus cantores de rádio com suas vozes operísticas.
No entanto, a consolidação da música que viria a ser considerada brega veio a surgir entre o final dos anos 60, momento em que o Brasil passava por um forte investimento industrial e as indústrias fonográficas iam ganhando terreno. A política daquele momento histórico estava diretamente vinculada a uma forte entrada de capital estrangeiro, principalmente o norte-americano. Não só o fator econômico se adentrou no país, como também a influência cultural norte-americana.
Como a indústria da cultura sempre procurou obter grandes lucros, por ela não encontrar um grande índice de vendagem entre os artistas consumidos pela elite do país, prensava um número maior de discos para os artistas vinculados aos setores populares já que neles ela garantia uma grande vendagem. Esses discos careciam de grandes de complexidades técnicas devido ao interesse das indústrias em baratearem o custo do produto e por verem assegurada a sua vendagem para esse público mais popular.
Pelo fato do país passar naquele momento por uma ditadura, havia entre os setores acadêmicos uma idéia de engajamento político como forma de resistir às opressões políticas pelas quais o Brasil passava naquele período. Nesse tempo surgiram muitas manifestações políticas de cunho partidário. Vale lembrar que, além do Brasil se encontrar tolhido com a forte entrada de capital estrangeiro, novamente houve a necessidade em se pensar em uma identidade nacional.
Com essa breve explanação, eu pergunto: onde se encontra a música brega em meio a tudo isso? Vejamos: devido à grande influência norte-americana, os artistas da música que viria a ser considerada brega, também se apropriaram dessa influência, além de se inspirarem com a Jovem Guarda, movimento marcado pelo rock. Pelo Brasil passar por um momento de excessiva brasilidade, devido a essa apropriação da cultura norte-americana, os artistas foram taxados de adesistas, americanizados, etc.
Por obterem grandes vendagens, os artistas passaram a ser vistos como coniventes com o sistema capitalista norte-americano também a nível econômico. Por outro lado, o público-consumidor passou a ser taxado de consumista. Portanto, a música que passou a ser considerada como brega ficou diretamente associada à submissão ao capital, tendo como única finalidade, sua venda e o grande lucro das empresas hegemônicas e ao mero consumo alienado de seu público.
Por outro lado, pelo fato da música brega ser influenciada pelo romantismo da Jovem Guarda, das serestas, do bolero, seus artistas também passaram a ser negados pelo conteúdo de suas canções, uma vez que, pelo fato do contexto brasileiro passar por uma necessidade de engajamento político e superação da crise militar que o assolava, o fato de se produzir canções românticas significava estar alheio às reais dificuldades pelas quais passava o país naquele momento histórico.
Por representar a parcela de artistas que produziam e lançavam discos no mercado sem grandes critérios técnicos, esse tipo de canção passou a ser vinculada a idéia de uma canção pobre. Isso faz se criar uma idéia de associar à música ao mau gosto. Além disso, devemos lembrar que as barreiras sociais no Brasil sempre criaram classificações pejorativas por parte da elite em relação às canções geralmente mais consumidas pelos setores desfavorecidos da sociedade.
Concluindo, a associação pejorativa a determinada música ao brega resultou na apropriação da cultura norte-americana em meio a um contexto marcada pela busca de uma identidade nacional, o que levou os artistas e público serem criticados pela americanização; a questão da grande vendagem dessas produções a qual trouxe como consequência a ideia da música brega a uma música meramente voltada ao consumo e os interesses capitalistas de capital empresarial e ao mau gosto.
Portanto, devemos lembrar que o termo brega vinculado à música, surgiu em um contexto histórico, e não podemos falar dessa música sem antes pensarmos nas questões políticas, culturais e estéticas que ela carrega. A música brega, assim como as músicas geralmente marcadas por um forte consumo entre os setores desprivilegiados da sociedade, nada mais é do que um resultado das relações de poder existentes em um país historicamente marcado por fortes desigualdades sociais.
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