sábado, 31 de dezembro de 2011
Aviso
Caros amigos do Torto... Estou do outro lado do mundo e só agora estou tendo um acesso razoavel a internet, por isto n postei esta semana. Um abraço a todos...
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Anoitece no Marivan
Ao meu antigo vizinho Paulinho, morto no ano passado
Eu corria pleno pela estrada de chão, carregando os pés de barro alaranjado, sem fazer caso dos cipós e do cansanção que me desfiguravam as canelas delgadas. O mundo que conhecia ganhava brilho à luz prata da lua enorme e o seu cheiro era o do mato virgem em que os grilos e as cigarras se escondiam para cantar. Se bem me lembro, não pensava em Deus nem era forçado a rezar o Padre-Nosso à noite, em menção da ceia mal repartida e do pai descuidado que foi embora. Os ruídos altissonantes da televisão Sharp de umas poucas polegadas corroíam o silêncio absoluto das 20:00 horas e, para evitar as indesejáveis muriçocas e os pernilongos, assistíamos àqueles chuviscos de dentro do mosquiteiro azulado e grande, protegidos do frio interiorano sob cobertas muito algodoadas e grossas. O céu estrelado se mostrava através dos buracos de ventilação abertos na parede do quarto, fazendo florescer em mim reminiscências infantes sobre a distância, as quais crispavam o meu coração carente. Por vezes uma cobra ou um escorpião apareciam famintos à entrada da porta e a minha mãe, mesmo que com medo, ia até eles e os matava com golpes fortes de vassoura. Via a tudo temeroso e inócuo, recolhido sob os lençóis a um canto seguro da cama, com os meus quatro ou cinco anos insignificantes de vida mostrando-me, já ali, em qu’eu sucederia: um covarde.
Eu corria pleno pela estrada de chão, carregando os pés de barro alaranjado, sem fazer caso dos cipós e do cansanção que me desfiguravam as canelas delgadas. O mundo que conhecia ganhava brilho à luz prata da lua enorme e o seu cheiro era o do mato virgem em que os grilos e as cigarras se escondiam para cantar. Se bem me lembro, não pensava em Deus nem era forçado a rezar o Padre-Nosso à noite, em menção da ceia mal repartida e do pai descuidado que foi embora. Os ruídos altissonantes da televisão Sharp de umas poucas polegadas corroíam o silêncio absoluto das 20:00 horas e, para evitar as indesejáveis muriçocas e os pernilongos, assistíamos àqueles chuviscos de dentro do mosquiteiro azulado e grande, protegidos do frio interiorano sob cobertas muito algodoadas e grossas. O céu estrelado se mostrava através dos buracos de ventilação abertos na parede do quarto, fazendo florescer em mim reminiscências infantes sobre a distância, as quais crispavam o meu coração carente. Por vezes uma cobra ou um escorpião apareciam famintos à entrada da porta e a minha mãe, mesmo que com medo, ia até eles e os matava com golpes fortes de vassoura. Via a tudo temeroso e inócuo, recolhido sob os lençóis a um canto seguro da cama, com os meus quatro ou cinco anos insignificantes de vida mostrando-me, já ali, em qu’eu sucederia: um covarde.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Feliz Natal
Caros leitores e autores tortos,
Antes de tecer qualquer comentaios sobre o meu texto dessa semana, peco - lhes desculpas pelo meu horario nao programado. O natal atingiu ate as operadoras de telefonias e internet. Acredito que nao houve nenhuma alta cotacao do euro. As ruas de Dublin estavam incontrolavelmente povoadas. Sabemos o porque, o espirito natalino invadiu as portas de cada morador. Nao entendi muito bem, pois o euro, falo especificamente na Irlanda, esta em saltitante queda. Mas a compra e mais forte para que o Natal sobreviva. O que vale sao os presentes ao redor dos pes da arvore natalina. O menino Jesus ha muitos anos nao temos noticias. Se eu ou voce temos familia, nunca deixemos de exercer o espirito materialista da compra. Nao importa se estamos em crise, pois os produtos nas vitrines imploram para que todos os olhem e assim os levem para casa. Os precos caem drasticamente, leve dois e pague um. Tudo por amor a familia.E e claro, tudo por amor as compras natalinas.
Desejo a todos os leitores e amigos tortos boas compras, independente de pouco ou muito dinheiro no bolso, e um feliz natal. Proximo ano nos encontramos com mais abordagens e discussoes aqui no Torto. Abracos!
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Nietzsche
Especificamente no século 19, recrudescendo os ataques que alguns filósofos vinham desferindo à religião enquanto unidade de conhecimento e horizonte de vida, a filosofia genealógica de Nietzsche, seguindo um caminho similar, acrescenta àqueles alguns elementos inovadores e talvez mais letais, elencando como principal propósito a derrubada de ídolos.
Ao identificar a moral como um problema e tudo o que se escreveu em termos de filosofia como exemplo caricato da negação da vida, o filósofo tenta contornar tal forma merencória e pudica de pensar o mundo destacando que ela, enquanto terreno onde tudo é medido segundo a sua essência e o seu valor moral, é, entre outras coisas, também uma espécie de disfunção fisiológica cujos fins são, quase sempre, a negação do sujeito como repositório de instintos. Ora, no capítulo dedicado a Sócrates presente em O Crepúsculo dos ídolos, trazendo a punho o seu martelo, a ironia levado a cabo por Nietzsche contra o precursor de Platão é certeira, e o atinge talvez no seu momento mais áureo: quando de sua morte, Sócrates, tornando-se cônscio da dívida que tinha para com Asclépio, denuncia-se grato pelo prazer decorrente dea morte próxima, enxergando o fim como o oásis no qual a sua alma pura e inteligente passará a descansar dos desassossegos da vida terrena. O dialético e melhorador do mundo então fenecem, reservando à posteridade o que escondia em si de mais íntimo: ser ele, nas palavras de Nietzsche, um decadente.
Quando vislumbra no cristianismo os traços de um “platonismo para o povo”, é evidente que o pensador alemão alcança nessa religião fundamentos próximos aos da linha socrática de pensamento, um emparelhamento que torna ambos epistemologicamente simétricos, urgindo pois que aí também sejam dadas marteladas. E não fica por menos: apontando para a estratégia cristã de deslocar o homem de sua existência concreta e de tudo aquilo que a circunda, Nietzsche identifica no cristianismo como que o germe de uma doença que, ao afetar o indivíduo, condiciona-o a não mais enxergar valor nas coisas de baixo, tapando-lhe os poros para as sensações terrenas, porque elas, além de fugazes e sem sentido, também são imperfeitas.
A alternativa que lança a essa avaliação, é válido que se diga, deriva de sua própria experiência como enfermo: na ausência de meios que o curem da letargia que lhe assegurava severos transtornos, passa a amar sua doença incontornável. Ora, usando as palavras de Sartre ao se referir à feiúra de que era dono, em Nietzsche, a contragosto de qualquer pretensão que pudesse ter acerca de si mesmo enquanto projeto a ser completado mediante a presença do futuro, a barbaridade do destino parece ter realizado o próprio sentido da vida, dado que esta, sendo mediada pela contingência e pelo devir ininterrupto, assalta-nos à consciência, depois de testada e madura, com igual ou maior tragicidade, fato para o qual as religiões tornam-nos quase cegos. E é aí onde tem gênese a filosofia afirmativa de Nietzsche: descartada a má-fe de não se apreender a vida em sua face ontológica, abre-se mão de delegá-la a um deus limitado ao espaço da especulação e da possibilidade, tornando-se para o indivíduo, em sua integralidade mesmo, responsabilidade, fardo... – trabalho de Sísifo!
Ao identificar a moral como um problema e tudo o que se escreveu em termos de filosofia como exemplo caricato da negação da vida, o filósofo tenta contornar tal forma merencória e pudica de pensar o mundo destacando que ela, enquanto terreno onde tudo é medido segundo a sua essência e o seu valor moral, é, entre outras coisas, também uma espécie de disfunção fisiológica cujos fins são, quase sempre, a negação do sujeito como repositório de instintos. Ora, no capítulo dedicado a Sócrates presente em O Crepúsculo dos ídolos, trazendo a punho o seu martelo, a ironia levado a cabo por Nietzsche contra o precursor de Platão é certeira, e o atinge talvez no seu momento mais áureo: quando de sua morte, Sócrates, tornando-se cônscio da dívida que tinha para com Asclépio, denuncia-se grato pelo prazer decorrente dea morte próxima, enxergando o fim como o oásis no qual a sua alma pura e inteligente passará a descansar dos desassossegos da vida terrena. O dialético e melhorador do mundo então fenecem, reservando à posteridade o que escondia em si de mais íntimo: ser ele, nas palavras de Nietzsche, um decadente.
Quando vislumbra no cristianismo os traços de um “platonismo para o povo”, é evidente que o pensador alemão alcança nessa religião fundamentos próximos aos da linha socrática de pensamento, um emparelhamento que torna ambos epistemologicamente simétricos, urgindo pois que aí também sejam dadas marteladas. E não fica por menos: apontando para a estratégia cristã de deslocar o homem de sua existência concreta e de tudo aquilo que a circunda, Nietzsche identifica no cristianismo como que o germe de uma doença que, ao afetar o indivíduo, condiciona-o a não mais enxergar valor nas coisas de baixo, tapando-lhe os poros para as sensações terrenas, porque elas, além de fugazes e sem sentido, também são imperfeitas.
A alternativa que lança a essa avaliação, é válido que se diga, deriva de sua própria experiência como enfermo: na ausência de meios que o curem da letargia que lhe assegurava severos transtornos, passa a amar sua doença incontornável. Ora, usando as palavras de Sartre ao se referir à feiúra de que era dono, em Nietzsche, a contragosto de qualquer pretensão que pudesse ter acerca de si mesmo enquanto projeto a ser completado mediante a presença do futuro, a barbaridade do destino parece ter realizado o próprio sentido da vida, dado que esta, sendo mediada pela contingência e pelo devir ininterrupto, assalta-nos à consciência, depois de testada e madura, com igual ou maior tragicidade, fato para o qual as religiões tornam-nos quase cegos. E é aí onde tem gênese a filosofia afirmativa de Nietzsche: descartada a má-fe de não se apreender a vida em sua face ontológica, abre-se mão de delegá-la a um deus limitado ao espaço da especulação e da possibilidade, tornando-se para o indivíduo, em sua integralidade mesmo, responsabilidade, fardo... – trabalho de Sísifo!
A tradução da Bíblia para uma língua popular (o alemão)
Você realmente acredita que essa tradução não teve nada de manipulação? Vejamos: Sabemos que toda leitura de um texto não parte de um ponto zero. A leitura de textos, na verdade, é um processo de decodificação que utiliza textos internalizados pelo leitor. É o domínio desses códigos que nos permite apreender o sentido do novo texto. A leitura é nesse sentido, uma redecodificação, pois sem essa voz interior, não temos como processar a nova informação. Sabemos também que os códigos sociais nos influenciam de forma marcante na compreensão do texto, seja esse escrito ou oral, assim, a tradução de alguma coisa deve estar diretamente dependente desses códigos assim como nós o somos, e deles não conseguimos nos separar com facilidade. A tradução da Bíblia deve ter seguido esse fundamento. Lutero não podia escapar deles. A interpretação do texto sagrado foi, então, a meu ver, uma leitura Bíblica para uma burguesia ascendente, pois, as pressões sofridas por Lutero; e a História não mente nesse caso, eram para que houvesse uma via de legitimização do estado burguês. O princípio da livre interpretação da Bíblia, por exemplo, reflete claramente esse pensamento incrustado na mente do reformador agostiniano. A liberdade de interpretar o livro de Deus é a liberdade de um emergente estado liberal de existir enquanto tal, sem as ingerências exógenas exercidas pela Cúria Romana. Tenho dito, ou melhor, escrito.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Lemon Tastin Life (musicada)
Caros amigos, eis a execução do meu poema. Esta é a minha banda, Lêmures.
______________________________________________________________
Eu desejo a cada asfalto
A diversão do acidental
Que a desordem vire rima
E brotem versos no quintal
Desse pesadelo em Vós
Nos sirvamos com arroz
Now I see the Old Dirty Man
Then, He grabs another beer can
Hey, good boy, just take a seat near…
May I ask a little question?
DO YOU LOVE YOUR LEMON TASTIN’ LIFE?
Que a sarjeta vire teta
Que em teu colo eu tenha paz
Que eu durma vinte horas
Como um gato em vis jornais
Que vivamos nós
Sem a espera de um depois
Now I see Bukowski
Then, He grabs another beer can
Hey, good boy, just take a seat near…
May I ask a little question?
DO YOU LOVE YOUR LEMON TASTIN’ LIFE?
Sem manhãs e sem razões
Sem o brilho da palavra encantada
Meu amor caiu ao chão
E o que me sobra é uma velha risada
______________________________________________________________
Eu desejo a cada asfalto
A diversão do acidental
Que a desordem vire rima
E brotem versos no quintal
Desse pesadelo em Vós
Nos sirvamos com arroz
Now I see the Old Dirty Man
Then, He grabs another beer can
Hey, good boy, just take a seat near…
May I ask a little question?
DO YOU LOVE YOUR LEMON TASTIN’ LIFE?
Que a sarjeta vire teta
Que em teu colo eu tenha paz
Que eu durma vinte horas
Como um gato em vis jornais
Que vivamos nós
Sem a espera de um depois
Now I see Bukowski
Then, He grabs another beer can
Hey, good boy, just take a seat near…
May I ask a little question?
DO YOU LOVE YOUR LEMON TASTIN’ LIFE?
Sem manhãs e sem razões
Sem o brilho da palavra encantada
Meu amor caiu ao chão
E o que me sobra é uma velha risada
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Copias de um rosto
Series de partes de um rosto
que demonstra o outro lado de uma pressuposta beleza.
Uma beleza estranha,
ao nosso desconhecido eu.
Beleza assimetrica,
cheia de marcas e detalhes.
*A fotografia acima ilustra uma expressao da artista cubana Ana Mendieta (1948-1985). Uma performance artistica em manifesto aos padroes de beleza da nossa cultura moderna.
quinta-feira, 15 de dezembro de 2011
Crise
Ao mais que professor Romero
No interior do país um grande desrespeito foi lançado ao povo,
sob o signo inscrito em uma bandeira desfraldada o batalhão cadavérico marcha hegemônico, os golpes dados com violência fizeram de cada palavra opositiva um rumor de liberdade, e mesmo as lágrimas que caíram incontáveis, mesmo os gritos que se tumultuaram irrompendo sobre paz como se fossem sólidos, a nós que fizemos até do sangue uma arma, que encontramos no medo natural um indicativo de que continuávamos vivos, tudo isso foi também atos de resistência, a louca fraqueza humana traduzida em coragem...
O ar podre que entra pelas narinas, que percorre o corpo sucumbindo-lhe à náusea,
figurando-se nos rostos em tom verde abatido e opaco; o cansaço estorvando o progresso das pernas, exercendo sobre elas um peso acrescido ao da gravidade, dando a elas a determinação fisiológica para a desistência imediata; o ferimento aberto que reconhece no movimento que resiste em cessar a elevação no nível da dor; os mortos pela estrada e os que nela se fincaram como pedintes; a ausência do óbolo e do pão para si mesmo; a inexistência de condições para que o sorriso faça dos pequenos crianças...
Terra devastada...
Até agora o direito ao prazer não suscitou sequer uma guerra nem acordou uma paz, muito menos a vida simplória em cujo esteio encontramos o essencial à felicidade, sendo todas as trincheiras abertas pela força selvagem da ignorância imoral dos reis e do abatimento antecipado das massas.
Então os acovardados que duelem, oferecendo o próprio crânio como espoco da burrice, assumindo para si responsabilidades que nunca previra porque não havia como...
A necessidade de redenção faz da política o centro em redor do qual os oprimidos devem orbitar, mas as disfunções que nela encontramos ocasionam um tédio que pode ser facilmente quebrado com violência e mais violência. No entanto, uma advertência: é preciso sentir-se um nada primeiro.
No interior do país um grande desrespeito foi lançado ao povo,
sob o signo inscrito em uma bandeira desfraldada o batalhão cadavérico marcha hegemônico, os golpes dados com violência fizeram de cada palavra opositiva um rumor de liberdade, e mesmo as lágrimas que caíram incontáveis, mesmo os gritos que se tumultuaram irrompendo sobre paz como se fossem sólidos, a nós que fizemos até do sangue uma arma, que encontramos no medo natural um indicativo de que continuávamos vivos, tudo isso foi também atos de resistência, a louca fraqueza humana traduzida em coragem...
O ar podre que entra pelas narinas, que percorre o corpo sucumbindo-lhe à náusea,
figurando-se nos rostos em tom verde abatido e opaco; o cansaço estorvando o progresso das pernas, exercendo sobre elas um peso acrescido ao da gravidade, dando a elas a determinação fisiológica para a desistência imediata; o ferimento aberto que reconhece no movimento que resiste em cessar a elevação no nível da dor; os mortos pela estrada e os que nela se fincaram como pedintes; a ausência do óbolo e do pão para si mesmo; a inexistência de condições para que o sorriso faça dos pequenos crianças...
Terra devastada...
Até agora o direito ao prazer não suscitou sequer uma guerra nem acordou uma paz, muito menos a vida simplória em cujo esteio encontramos o essencial à felicidade, sendo todas as trincheiras abertas pela força selvagem da ignorância imoral dos reis e do abatimento antecipado das massas.
Então os acovardados que duelem, oferecendo o próprio crânio como espoco da burrice, assumindo para si responsabilidades que nunca previra porque não havia como...
A necessidade de redenção faz da política o centro em redor do qual os oprimidos devem orbitar, mas as disfunções que nela encontramos ocasionam um tédio que pode ser facilmente quebrado com violência e mais violência. No entanto, uma advertência: é preciso sentir-se um nada primeiro.
Dialogismo e assimetria lingüística na educação
UMA INTRODUÇÃO A ASSIMETRIA LINGUÍSTICA NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
POR ROOSEVELT VIEIRA LEITE
A tradição judaica nos diz que os homens antes falavam uma só língua e por motivos morais, em um lugar chamado Babel, as línguas sugiram como um castigo de Jeová. A idéia de uma Babel que crescia na vertical até o céu parece que assustou ou indignou o ser divino Adonai. Falar por meio de uma só língua, morar no mesmo lugar, e pensar em subir até o céu (poder) causou castigo, que segundo os religiosos, separou o mundo de acordo com suas línguas.
A explicação reducionista do mito bíblico da origem das línguas esconde muitas verdades que os teóricos da linguagem devem ter desvelado ao longo dos séculos. A primeira delas é que a língua estava associada ao pensamento. A segunda é que as línguas estavam associadas ao poder. A terceira é que Deus separou os homens segundo suas línguas, ou seja, segundo seus sentidos ou suas capacidades de produção de sentidos.
O texto bíblico diz que eles pensavam uma só coisa, e estavam com a intenção clara de fazer uma torre para uma ligação com Deus. “Dividir as pessoas pela fala”. Esta tática é velha. Fora muito usada pelos babilônios e pelos assírios, Etc., eles misturavam as pessoas de diversas etnias para que elas perdessem suas falas, seus falares e com isso, suas identidades e culturas.
Penso eu que o domínio da fala das pessoas, o controle lingüístico promovido pelo Estado seja ele qual for, tem uma intenção muito parecida com a de Adonai em Sinear: “Impedir que os homens se entendam e ascendam na linha vertical do poder”. A assimetria lingüística presente nas sociedades visa o controle, e nosso caso, o caso brasileiro – não só o controle - a exclusão.
Dialogismo e assimetria lingüística na educação
Os índios que moravam nessas terras não entenderam bem qual era o propósito da visita ilustre do cidadão europeu. As caravelas carregadas de homens e armas aportaram em terras tupiniquins não para estabelecerem aqui o sistema sócio – econômico comum em terras européias. Nosso território foi jogado nas mãos de senhores que comandavam as sesmarias e capitanias hereditárias. Estes eram os donos da terra. O sistema sócio – econômico adotado no Brasil como modelo de colonização nos remete, então, ao feudo, a concentração de terra, e de capital. E por que não dizer ao controle do discurso, da fé, e da palavra de poder.
O padre José de Anchieta também achava que a conversão do índio devia se fazer de qualquer forma. Em uma de suas cartas afirmava: “vindo para aqui muitos cristãos sujeitarão os gentios ao jugo de Cristo, e assim estes serão obrigados a fazer aquilo a que não é possível por amor”. Dizia ainda em outra carta: “Parece-nos agora que estão as portas abertas nesta Capitania para a conversão dos gentios, se Deus nosso Senhor quiser dar maneira, com que sejam postos debaixo de jugo, porque para este gênero de gente não há melhor pregação do que a espada e a vara de ferro (...)”. (Piletti, p.23, 1994)
O retrocesso histórico se deu devido ao interesse dos colonizadores de explorar tudo, de ter lucro total sobre essas terras e suas populações. O que orientava as ações lusitanas em terras tupiniquins era o interesse pelas riquezas do novo mundo. Desta forma, o Estado instalado no Brasil representava esses interesses que foram consagrados como legítimos pela pregação Cristã Católica. O discurso religioso dava valor sagrado às ações políticas seculares. Havia duas grandes matrizes discursivas em nosso território: A Coroa, e a Cadeira de Pedro. A segunda exerceu uma influência muito mais expressiva de que a primeira. Pois, a Pedro foi dada a missão de educar as populações locais que eram constituídas de nativos ou não.
O marco pioneiro da educação institucional no Brasil só ocorreu quase cinqüenta anos após o Descobrimento. O Brasil ficou sob o regime de Capitanias Hereditárias de 1532 até 1549, quando então D. João III criou o Governo Geral e, na primeira administração deste, com Tomé de Souza, aportaram aqui o Padre Manoel de Nóbrega e dois outros jesuítas que iniciaram a instrução e a catequese dos indígenas. Mais tarde, outras levas de jesuítas vieram ajudar e complementar os esforços de Nóbrega. Tendo também que encontrar meios de formar outros padres, esses jesuítas pioneiros desenvolveram as escolas de ordenação e, então, como subproduto delas, levaram a instrução aos filhos dos colonos brancos e aos mestiços, é claro que tudo isto de um modo bem restrito e sob dificuldades imensas. (Junior, p.13, 2001)
Somente após a reforma pombalina foi que a Igreja perdeu parte do monopólio da educação no Brasil, pois, a perseguição de Pombal não visava os Franciscanos, os Beneditinos, etc. Contudo, Pombal não trouxe as idéias liberais que estavam iluminando a educação de um Portugal que namorava um Estado iluminista monárquico. Sua educação não tinha “pé e nem cabeça” – O país foi entregue ao caos de Pombal. Os professores eram qualquer um, a escola qualquer casa, e os conteúdos qualquer coisa, contanto que não se ensinasse contra os interesses do discurso dominante que na época era secular, e estava interiorizado nas populações como verdade e modelo de mundo. Ademais, Pombal entendia que necessitava reformar a educação das colônias, mas, esse projeto, embora, inspirado nas idéias liberais ensinadas em Portugal com a nova educação de lá, não teve aqui um eco fidedigno. A educação aqui visava à manutenção da condição de colônia, por outro lado, em Portugal, torná-lo uma economia mais competitiva diante das potências européias, principalmente, a Inglaterra, mesmo, sem romper com o sistema monárquico.
A Companhia de Jesus foi expulsa de Portugal e do Brasil quando o Marquês de Pombal, então Ministro de Estado em Portugal, empreendeu uma série de reformas no sentido de adaptar aquele país e suas colônias ao mundo moderno, tanto do ponto de vista econômico quanto político e cultural. Neste último campo, tratava-se da implementação de idéias mais ou menos próximas do Iluminismo. Em ambos os países, ainda que a mão de obra para o ensino continuasse a ser aquela formada pelos jesuítas, nasceu o que, de certo modo, podemos chamar de ensino público; ou seja, um ensino mantido pelo Estado e voltado para a cidadania enquanto noção que se articularia ao Estado, e não mais um ensino atrelado a uma ordem religiosa que, de fato como denunciou Pombal estava tendo preponderância sobre o Estado. Assim, a partir de 1759, o Estado assumiu a educação em Portugal e no Brasil, de modo a realizar concursos, verificar a literatura que deveria ser usada e a que deveria ser censurada e assim por diante. No nosso caso, desapareceu o curso de Humanidades, ficando em seu lugar as “aulas régias”. Eram aulas avulsas de latim, grego, filosofia e retórica. (Junior, p.15, 2001)
Precisamos considerar na perspectiva dialogística que esse contexto sócio – cultural foi o berço da construção da personalidade brasileira. Foi nessa época que nossos mitos foram constituídos. Ora, se os mitos se originam de nossas relações com o meio, então, nossos mitos ainda refletem o discurso trazido pelas caravelas de Cabral. Não é por acaso, que a prioridade nacional não é o Brasil e suas populações. Veja que ou bem ou mal, havia um sistema educacional no país e que de uma hora para outra desmoronou. Ninguém perguntou nada a ninguém. Foi uma imposição – um discurso hegemônico!
Assim como havia o discurso hegemônico, havia também a raça dominante. O discurso produzido por essa raça em relação de hibridização com o discurso das outras categorias raciais produziu o conjunto de nossos mitos, portanto, o miolo de nossos arquétipos, a potência para nossa conduta enquanto nação. A hibridização discursiva em um território continental e com pluralidade de raças é compreensível. Mas, a hibridização dos discursos que formam a nossa totalidade discursiva não anula a hegemonia discursiva das classes dominantes. A mistura racial e a mistura discursiva não eliminaram o modelo hegemônico europeu. Vejo, então, os primeiros passos de Cabral em nossa terra; seus primeiros enunciados e estes comportavam o “ethos primo” de nossa brasilidade – um país de imensas oportunidades e grandes exclusões.
Caio do Prado Junior nos dá uma boa idéia sobre o sentido geral da colonização no Brasil. O que Portugal queria para sua colônia é que fosse uma simples produtora e fornecedora de gêneros úteis ao comércio metropolitano e que se pudessem vender com grandes lucros no mercado europeu. Este será o fim da política portuguesa até o fim da era colonial. (Piletti, p.31, 1994)
Esse era o modelo de homem produzido pelo discurso educacional e religioso. Um homem subalterno as outras potências. O discurso educacional construiu um homem dócil e pronto para aceitar todas as mudanças da metrópole. Ele era um homem servo da metrópole.
A identidade, a subjetividade, a ideologia, as representações que fazemos sobre quem somos e como atuamos no mundo social são afetadas, em grande medida, pelos discursos que circulam no tecido social e cultural que nos cerca. (Balloco, p.2, Análise crítica do discurso)
E ainda mais...
As vozes pós-coloniais caracterizam-se fundamentalmente por sua
heterogeneidade discursiva: por conterem traços de discursos dominantes (produzidos da perspectiva dos colonizadores) e de discursos não-dominantes (Balloco, p.6, Análise crítica do discurso)
O ensino da língua européia por imposição política, uma vez que em nossa terra se falava o tupy – guarani nos mostra de maneira clara que a intenção do governo colonial português não era o diálogo com as populações locais e sim a dominação territorial e política de nosso continente. Portanto, a condição de dominado era o resultado de uma ação de dominação, e essa relação é sobre tudo assimétrica. A assimetria lingüística perpassa todas as formas de políticas desde então. Até os dias atuais percebemos que o discurso político brasileiro sobre a educação trabalha a hipótese de que as caravelas estão chegando. O que eu quero dizer é que eles fazem política de passagem – aquela que não tem compromisso com um projeto coerente de nação e, sim, de exploração, de dominação, e de manutenção das oligarquias, e das classes dominantes, alguns são fiéis representantes das antigas sesmarias e capitanias hereditárias.
Se, nos termos de Bhabha (1994:13), o “local da cultura” pode ser definido como uma posição discursiva híbrida, fundada nas mútuas contaminações entre colonizadores e colonizados, então precisamos de um aparato teórico que possibilite o pensamento sobre como se constrói esta posição discursiva híbrida. (Balloco, p.2, Análise Crítica do discurso)
Posto isso, urge perguntar: “Será mesmo o discurso da educação um discurso contaminado de mitos coloniais?" Para tanto seria necessário uma pesquisa mais ampla para que possamos dizer com mais propriedade sobre isso.
Acredito que ficou nítido que tanto a educação de Pedro (Jesuítas), como a da Coroa (Pombal) foram implantadas de forma anti - dialógica. Estes discursos trouxeram o ethos da dominação lusitana em terras de índio. A primeira serviu sobre tudo para domar, ou domesticar aquele ser que andava nu e parecia homem; a segunda para ajustar a nossa a realidade às necessidades políticas e econômicas de Portugal. Tanto a primeira como a segunda foi realizada a baixo custo do erário público Português. Educação barata e sem qualidade é um discurso colonial presente em nossa realidade pós-colonial, é, portanto, uma contaminação discursiva de natureza assimétrica, pois, é uma imposição de classe.
Os jesuítas responsabilizaram-se pela educação dos filhos dos senhores de engenho, dos colonos, dos índios e dos escravos. A todos procuravam transformar em filhos da Companhia de Jesus e da Igreja, exercendo grande influencia em todas as camadas da população. (Piletti, p.34, 1994)
Tanto Bakhtin como Bourdieu viram de formas diferentes que as relações lingüísticas presentes no mundo social são desiguais. Não existe uma abordagem horizontal e eqüidistante entre os falantes. As classes sociais, as influências e o prestigio ditam as ordens do discurso. Falar qualquer coisa é uma condição humana. Todavia falar e ser ouvido pelas estruturas são coisas bem diferentes. Temos visto ao longo deste ensaio que desde a educação de Pedro que o dominado (o colonizado), não teve o direito a fala. Sua língua foi literalmente censurada, quanto mais sua fala. Outra classe presente nesse contexto foi a do negro – o escravo. Tiraram-lhe sua humanidade, duvidaram de sua alma. Negaram-lhe o discurso.
“Uma ciência rigorosa da linguagem substitui a questão saussuriana das condições de possibilidade da intelecção (isto é, a língua) pela questão das condições sociais de possibilidade da produção e da circulação lingüísticas. O discurso deve sempre suas características mais importantes às relações de produção lingüísticas nas quais ele é produzido. O signo não tem existência (salvo abstrata, nos dicionários) fora de um modo de produção lingüístico concreto. Todas as transações lingüísticas particulares dependem da estrutura do campo lingüístico, ele próprio expressão particular da estrutura das relações de força entre os grupos que possuem as competências correspondentes (ex.: língua "polida" e língua "vulgar" ou, numa situação multilingüística, língua dominante e língua dominada)”. (Bourdieu, p.34. 1977)
A gênesis de nossa educação, tomando por base o primeiro período – a educação colonial, que nos remete ao Brasil colonial com todos os seus conflitos nos diz que as classes subalternas não foram ouvidas em virtude de uma abordagem discursiva assimétrica, ou seja, somente os interesses da Coroa Lusitana foram colocados. Em virtude disso a formação de nossa consciência brasileira, ou, quem sabe, da subjetividade brasileira – nossa forma de pensar o nosso país foi marcantemente influenciada por essa assimetria. O espírito do discurso colonial continua vagando pelos corredores e câmaras do Congresso Nacional. Somente um estudo mais apurado poderá esclarecer melhor a relevância das marcas discursivas colônias presentes nas nossas atuais políticas educacionais. Vejamos o que diz Pilleti:
A companhia de Jesus foi fundada para contrapor-se ao avanço da reforma protestante, através do trabalho educativo (produção de discursos) e da ação missionária (catequética). No Brasil, os Jesuítas integraram-se desde o início à política colonizadora do rei de Portugal (discurso oficial) e foram os responsáveis pela a educação durante 210 anos. (Piletti, p.38, 1994)
O discurso era passado para a sociedade por meio de ações pedagógicas como ocorre hoje, afinal, a educação, em um primeiro momento, visa construir um homem, ou um modelo de homem que em um dado momento histórico as pessoas acham que deve ser. Diz Pilleti:
As escolas de primeiras letras (método silábico fonético) foi um dos instrumentos de que lançaram mão os jesuítas para alcançar seu objetivo mais importante: a difusão e conservação da fé católica entre os senhores de engenho, colonos, negros escravos e índios. Após as aulas elementares de ler e escrever, os colégios jesuíticos ofereciam três cursos: Letras humanas, de nível secundário e abrangendo estudos de gramática (ensino de classe de palavras) latina, humanidades e retórica; filosofia e ciências, também de nível secundário, compreendendo estudos de lógica, metafísica, moral, matemática e ciências físicas naturais; teologia e ciências sagradas, de nível superior. (Piletti, p.38, 1994).
Com a reforma de Pombal em 1759, deixaram de existir, segundo Pilleti:
18 estabelecimentos de ensino secundário e cerca de 25 escolas de ler e escrever. Em seu lugar passaram a ser instituídas algumas aulas régias, sem nenhuma ordenação entre elas. (Piletti, p.38, 1994)
Em virtude do que já foi posto, inferimos que mesmo diante de grandes melhorias na educação ainda encontramos realidades semelhantes as da época do Brasil colônia. Escolas sem a menor estrutura. O descaso com a educação pública. O conteúdo dissociado da realidade. O ensino voltado para a educação superior. Metodologias defasadas, a ingerência político partidária, a centralização da gestão, etc. Tudo isso e muito mais me diz que reproduzimos por meio do discurso a relação Brasil – Portugal do século XVI. Essa reprodução tem num primeiro momento, sua razão de ser na forma como o discurso colonizador chegou aqui. Depois entendemos que os discursos se misturaram e hoje formam a grande malha discursiva de natureza sobre tudo inconsciente. Os discursos das diversas classes, ao longo do século, sofreram contaminação. Eles se contaminaram com marcas uns dos outros. Os discursos viram genes discursivos no interior de outros discursos. Assim, os genes se reproduzem na consciência das pessoas. Isso se torna potência para a organização social.
Bakhtin coloca igualmente em evidência a inadequação de todos os procedimentos de análise lingüística (fonéticos, morfológicos e sintáticos) para dar conta da enunciação completa, seja ela uma palavra, uma frase ou uma seqüência de frases. A enunciação, compreendida como uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua, trata-se de discurso interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social, portanto ideológica. Ela não existe fora de um contexto social, já que cada locutor tem um “horizonte social”. Há sempre um interlocutor, ao menos potencial. O locutor pensa e se exprime para um auditório social bem definido. “A filosofia marxista da linguagem deve colocar como base de sua doutrina a enunciação, como realidade da língua e como estrutura sócio-ideológica.” (Mikhail, p.9, 2006)
Não podemos negar a força semiótica do discurso. A forma como as pessoas reagem aos enunciados nos diz do processo de hospedagem do discurso do outro. A contra – fala do índio, do negro, do branco pobre, do emigrante e de todos que viveram esse processo histórico foi hospedada no dominador e no dominado. Todos os dois pólos possuem marcas discursivas dos dois lados. Isto prova que os discursos que se conflitam depois passam a constituir estruturas em outros discursos. Podemos usar como exemplo um enunciado muito comum em nossa região: /Vi João com uma “nega” linda ontem/. Sabemos que o termo nega escrita da forma como é pronunciada pelas classes populares não é referência obrigatória a uma mulher de etnia africana. O termo “nega” nos remete a senzala e as relações escusas entre escravos e senhores. Assim, as pessoas sem se aperceberem pensam e falam coisas da colônia, o que prova a apropriação inconsciente da fala, e por que não da relação assimétrica entre as classes.
O psiquismo e a ideologia estão em “interação dialética constante”. Eles têm como terreno comum o signo ideológico: “O signo ideológico vive graças à sua realização no psiquismo e, reciprocamente, a realização psíquica vive do suporte ideológico”. (Mikhail, p.9, 2006)
Freire fala da apatia do aluno, do medo de perguntar e de falar. O contexto de Freire foi a ditadura. A ditadura ainda continua em forma de marcas discursivas tanto na educação formal como na informal. A sociedade ainda fala o discurso da ditadura em muitas situações, quero destacar a escola: Muitas de nossas escolas se comportam como quartéis: A disciplina é vista como ordem, o conhecimento como resposta a uma ação pedagógica, a avaliação quantitativa e mensurada; tudo isso nos lembra do Brasil dos anos 60, 70. Este discurso ao longo dos anos se incorpora a outros discursos que constituirão outras mentalidades. No entanto, os resíduos dos discursos produzem marcas no comportamento das pessoas. Assim como reagimos a um cheiro de perfume; não sei a palavra no momento que o sinto, mas, a percepção sensorial do cheiro provoca em mim um turbilhão de sentidos. O mesmo ocorre com os discursos que se tornam genes em outros discursos, eles provocam em nós comportamentos e reações inconscientes. O jeito de ser brasileiro é o resultado desses genes discursivos. A apatia do aluno não é apenas timidez, pois, podemos falar da apatia nacional diante de sua precária realidade social.
Se considerarmos que tudo começou com uma relação desigual na linguagem, no direito a expressão; entenderemos que a assimetria lingüística daquela época continua presente nos discursos que estruturam as relações de desigualdade na sociedade brasileira. As pessoas não vêem a necessidade do diálogo por que de alguma forma, elas não vêem as outras como pessoas com o mesmo direito. Alguém encarnou o ego do dominador e outro do dominado, pois, a situação de dominação se perpetua por que foi legitimada em forma de discurso e de comportamento – apatia nacional. Freire vai um pouco mais além e em “A Pedagogia do Oprimido” e diz que a relação entre aluno e professor não deve ser assimétrica. O discurso do professor, para Freire, não deve se sobrepor ao do aluno calando sua fala. Em Freire, tudo que cala a fala do outro é anti - dialógico – é pedagogia bancária – é educação pombalina.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Não podemos cair no torpe erro de não dizer que a educação jesuítica e pombalina embora tivesse suas precariedades formaram grandes mentes para este país. Elas foram a educação que tivemos no período conhecido como Brasil colônia. O presente ensaio não analisou os outros períodos da educação brasileira para confirmar sua tese: “A assimetria lingüística passou para os outros períodos em formas de discursos?” Como foi dito, somente um estudo maior pode nos mostrar a verdade dos fatos. O termo assimetria neste ensaio se refere ao que Bourdieu e Bakhtin colocam sobre o uso da língua. As relações lingüísticas são desiguais.
BLIBIOGRAFIA
Pilleti, Nelson. História da Educação no Brasil. Ática, São Paulo, 1994.
Jr. Paulo Giraldelli. Introdução a Educação escolar Brasileira: História, Política e filosofia da Educação. Sem editora. 2001.
Balloco, Anna Elisabeth. Análise Crítica do discurso e o conceito de interdiscurso: Sua pertinência para o estudo de narrativas pós coloniais. Texto extraído da internet. UERJ.
Bourdieu, Pierre. Economia das trocas lingüísticas. Tradução de Paulo Montero. Texto extraído da internet.
Mikhail, Bakhtin. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 2006 – HUCITEC.
Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17a. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
Obs: O ensaio estava muito grande. Preferimos reduzi-lo. Algumas referências estão sem a fonte. Peço compreensão.
POR ROOSEVELT VIEIRA LEITE
A tradição judaica nos diz que os homens antes falavam uma só língua e por motivos morais, em um lugar chamado Babel, as línguas sugiram como um castigo de Jeová. A idéia de uma Babel que crescia na vertical até o céu parece que assustou ou indignou o ser divino Adonai. Falar por meio de uma só língua, morar no mesmo lugar, e pensar em subir até o céu (poder) causou castigo, que segundo os religiosos, separou o mundo de acordo com suas línguas.
A explicação reducionista do mito bíblico da origem das línguas esconde muitas verdades que os teóricos da linguagem devem ter desvelado ao longo dos séculos. A primeira delas é que a língua estava associada ao pensamento. A segunda é que as línguas estavam associadas ao poder. A terceira é que Deus separou os homens segundo suas línguas, ou seja, segundo seus sentidos ou suas capacidades de produção de sentidos.
O texto bíblico diz que eles pensavam uma só coisa, e estavam com a intenção clara de fazer uma torre para uma ligação com Deus. “Dividir as pessoas pela fala”. Esta tática é velha. Fora muito usada pelos babilônios e pelos assírios, Etc., eles misturavam as pessoas de diversas etnias para que elas perdessem suas falas, seus falares e com isso, suas identidades e culturas.
Penso eu que o domínio da fala das pessoas, o controle lingüístico promovido pelo Estado seja ele qual for, tem uma intenção muito parecida com a de Adonai em Sinear: “Impedir que os homens se entendam e ascendam na linha vertical do poder”. A assimetria lingüística presente nas sociedades visa o controle, e nosso caso, o caso brasileiro – não só o controle - a exclusão.
Dialogismo e assimetria lingüística na educação
Os índios que moravam nessas terras não entenderam bem qual era o propósito da visita ilustre do cidadão europeu. As caravelas carregadas de homens e armas aportaram em terras tupiniquins não para estabelecerem aqui o sistema sócio – econômico comum em terras européias. Nosso território foi jogado nas mãos de senhores que comandavam as sesmarias e capitanias hereditárias. Estes eram os donos da terra. O sistema sócio – econômico adotado no Brasil como modelo de colonização nos remete, então, ao feudo, a concentração de terra, e de capital. E por que não dizer ao controle do discurso, da fé, e da palavra de poder.
O padre José de Anchieta também achava que a conversão do índio devia se fazer de qualquer forma. Em uma de suas cartas afirmava: “vindo para aqui muitos cristãos sujeitarão os gentios ao jugo de Cristo, e assim estes serão obrigados a fazer aquilo a que não é possível por amor”. Dizia ainda em outra carta: “Parece-nos agora que estão as portas abertas nesta Capitania para a conversão dos gentios, se Deus nosso Senhor quiser dar maneira, com que sejam postos debaixo de jugo, porque para este gênero de gente não há melhor pregação do que a espada e a vara de ferro (...)”. (Piletti, p.23, 1994)
O retrocesso histórico se deu devido ao interesse dos colonizadores de explorar tudo, de ter lucro total sobre essas terras e suas populações. O que orientava as ações lusitanas em terras tupiniquins era o interesse pelas riquezas do novo mundo. Desta forma, o Estado instalado no Brasil representava esses interesses que foram consagrados como legítimos pela pregação Cristã Católica. O discurso religioso dava valor sagrado às ações políticas seculares. Havia duas grandes matrizes discursivas em nosso território: A Coroa, e a Cadeira de Pedro. A segunda exerceu uma influência muito mais expressiva de que a primeira. Pois, a Pedro foi dada a missão de educar as populações locais que eram constituídas de nativos ou não.
O marco pioneiro da educação institucional no Brasil só ocorreu quase cinqüenta anos após o Descobrimento. O Brasil ficou sob o regime de Capitanias Hereditárias de 1532 até 1549, quando então D. João III criou o Governo Geral e, na primeira administração deste, com Tomé de Souza, aportaram aqui o Padre Manoel de Nóbrega e dois outros jesuítas que iniciaram a instrução e a catequese dos indígenas. Mais tarde, outras levas de jesuítas vieram ajudar e complementar os esforços de Nóbrega. Tendo também que encontrar meios de formar outros padres, esses jesuítas pioneiros desenvolveram as escolas de ordenação e, então, como subproduto delas, levaram a instrução aos filhos dos colonos brancos e aos mestiços, é claro que tudo isto de um modo bem restrito e sob dificuldades imensas. (Junior, p.13, 2001)
Somente após a reforma pombalina foi que a Igreja perdeu parte do monopólio da educação no Brasil, pois, a perseguição de Pombal não visava os Franciscanos, os Beneditinos, etc. Contudo, Pombal não trouxe as idéias liberais que estavam iluminando a educação de um Portugal que namorava um Estado iluminista monárquico. Sua educação não tinha “pé e nem cabeça” – O país foi entregue ao caos de Pombal. Os professores eram qualquer um, a escola qualquer casa, e os conteúdos qualquer coisa, contanto que não se ensinasse contra os interesses do discurso dominante que na época era secular, e estava interiorizado nas populações como verdade e modelo de mundo. Ademais, Pombal entendia que necessitava reformar a educação das colônias, mas, esse projeto, embora, inspirado nas idéias liberais ensinadas em Portugal com a nova educação de lá, não teve aqui um eco fidedigno. A educação aqui visava à manutenção da condição de colônia, por outro lado, em Portugal, torná-lo uma economia mais competitiva diante das potências européias, principalmente, a Inglaterra, mesmo, sem romper com o sistema monárquico.
A Companhia de Jesus foi expulsa de Portugal e do Brasil quando o Marquês de Pombal, então Ministro de Estado em Portugal, empreendeu uma série de reformas no sentido de adaptar aquele país e suas colônias ao mundo moderno, tanto do ponto de vista econômico quanto político e cultural. Neste último campo, tratava-se da implementação de idéias mais ou menos próximas do Iluminismo. Em ambos os países, ainda que a mão de obra para o ensino continuasse a ser aquela formada pelos jesuítas, nasceu o que, de certo modo, podemos chamar de ensino público; ou seja, um ensino mantido pelo Estado e voltado para a cidadania enquanto noção que se articularia ao Estado, e não mais um ensino atrelado a uma ordem religiosa que, de fato como denunciou Pombal estava tendo preponderância sobre o Estado. Assim, a partir de 1759, o Estado assumiu a educação em Portugal e no Brasil, de modo a realizar concursos, verificar a literatura que deveria ser usada e a que deveria ser censurada e assim por diante. No nosso caso, desapareceu o curso de Humanidades, ficando em seu lugar as “aulas régias”. Eram aulas avulsas de latim, grego, filosofia e retórica. (Junior, p.15, 2001)
Precisamos considerar na perspectiva dialogística que esse contexto sócio – cultural foi o berço da construção da personalidade brasileira. Foi nessa época que nossos mitos foram constituídos. Ora, se os mitos se originam de nossas relações com o meio, então, nossos mitos ainda refletem o discurso trazido pelas caravelas de Cabral. Não é por acaso, que a prioridade nacional não é o Brasil e suas populações. Veja que ou bem ou mal, havia um sistema educacional no país e que de uma hora para outra desmoronou. Ninguém perguntou nada a ninguém. Foi uma imposição – um discurso hegemônico!
Assim como havia o discurso hegemônico, havia também a raça dominante. O discurso produzido por essa raça em relação de hibridização com o discurso das outras categorias raciais produziu o conjunto de nossos mitos, portanto, o miolo de nossos arquétipos, a potência para nossa conduta enquanto nação. A hibridização discursiva em um território continental e com pluralidade de raças é compreensível. Mas, a hibridização dos discursos que formam a nossa totalidade discursiva não anula a hegemonia discursiva das classes dominantes. A mistura racial e a mistura discursiva não eliminaram o modelo hegemônico europeu. Vejo, então, os primeiros passos de Cabral em nossa terra; seus primeiros enunciados e estes comportavam o “ethos primo” de nossa brasilidade – um país de imensas oportunidades e grandes exclusões.
Caio do Prado Junior nos dá uma boa idéia sobre o sentido geral da colonização no Brasil. O que Portugal queria para sua colônia é que fosse uma simples produtora e fornecedora de gêneros úteis ao comércio metropolitano e que se pudessem vender com grandes lucros no mercado europeu. Este será o fim da política portuguesa até o fim da era colonial. (Piletti, p.31, 1994)
Esse era o modelo de homem produzido pelo discurso educacional e religioso. Um homem subalterno as outras potências. O discurso educacional construiu um homem dócil e pronto para aceitar todas as mudanças da metrópole. Ele era um homem servo da metrópole.
A identidade, a subjetividade, a ideologia, as representações que fazemos sobre quem somos e como atuamos no mundo social são afetadas, em grande medida, pelos discursos que circulam no tecido social e cultural que nos cerca. (Balloco, p.2, Análise crítica do discurso)
E ainda mais...
As vozes pós-coloniais caracterizam-se fundamentalmente por sua
heterogeneidade discursiva: por conterem traços de discursos dominantes (produzidos da perspectiva dos colonizadores) e de discursos não-dominantes (Balloco, p.6, Análise crítica do discurso)
O ensino da língua européia por imposição política, uma vez que em nossa terra se falava o tupy – guarani nos mostra de maneira clara que a intenção do governo colonial português não era o diálogo com as populações locais e sim a dominação territorial e política de nosso continente. Portanto, a condição de dominado era o resultado de uma ação de dominação, e essa relação é sobre tudo assimétrica. A assimetria lingüística perpassa todas as formas de políticas desde então. Até os dias atuais percebemos que o discurso político brasileiro sobre a educação trabalha a hipótese de que as caravelas estão chegando. O que eu quero dizer é que eles fazem política de passagem – aquela que não tem compromisso com um projeto coerente de nação e, sim, de exploração, de dominação, e de manutenção das oligarquias, e das classes dominantes, alguns são fiéis representantes das antigas sesmarias e capitanias hereditárias.
Se, nos termos de Bhabha (1994:13), o “local da cultura” pode ser definido como uma posição discursiva híbrida, fundada nas mútuas contaminações entre colonizadores e colonizados, então precisamos de um aparato teórico que possibilite o pensamento sobre como se constrói esta posição discursiva híbrida. (Balloco, p.2, Análise Crítica do discurso)
Posto isso, urge perguntar: “Será mesmo o discurso da educação um discurso contaminado de mitos coloniais?" Para tanto seria necessário uma pesquisa mais ampla para que possamos dizer com mais propriedade sobre isso.
Acredito que ficou nítido que tanto a educação de Pedro (Jesuítas), como a da Coroa (Pombal) foram implantadas de forma anti - dialógica. Estes discursos trouxeram o ethos da dominação lusitana em terras de índio. A primeira serviu sobre tudo para domar, ou domesticar aquele ser que andava nu e parecia homem; a segunda para ajustar a nossa a realidade às necessidades políticas e econômicas de Portugal. Tanto a primeira como a segunda foi realizada a baixo custo do erário público Português. Educação barata e sem qualidade é um discurso colonial presente em nossa realidade pós-colonial, é, portanto, uma contaminação discursiva de natureza assimétrica, pois, é uma imposição de classe.
Os jesuítas responsabilizaram-se pela educação dos filhos dos senhores de engenho, dos colonos, dos índios e dos escravos. A todos procuravam transformar em filhos da Companhia de Jesus e da Igreja, exercendo grande influencia em todas as camadas da população. (Piletti, p.34, 1994)
Tanto Bakhtin como Bourdieu viram de formas diferentes que as relações lingüísticas presentes no mundo social são desiguais. Não existe uma abordagem horizontal e eqüidistante entre os falantes. As classes sociais, as influências e o prestigio ditam as ordens do discurso. Falar qualquer coisa é uma condição humana. Todavia falar e ser ouvido pelas estruturas são coisas bem diferentes. Temos visto ao longo deste ensaio que desde a educação de Pedro que o dominado (o colonizado), não teve o direito a fala. Sua língua foi literalmente censurada, quanto mais sua fala. Outra classe presente nesse contexto foi a do negro – o escravo. Tiraram-lhe sua humanidade, duvidaram de sua alma. Negaram-lhe o discurso.
“Uma ciência rigorosa da linguagem substitui a questão saussuriana das condições de possibilidade da intelecção (isto é, a língua) pela questão das condições sociais de possibilidade da produção e da circulação lingüísticas. O discurso deve sempre suas características mais importantes às relações de produção lingüísticas nas quais ele é produzido. O signo não tem existência (salvo abstrata, nos dicionários) fora de um modo de produção lingüístico concreto. Todas as transações lingüísticas particulares dependem da estrutura do campo lingüístico, ele próprio expressão particular da estrutura das relações de força entre os grupos que possuem as competências correspondentes (ex.: língua "polida" e língua "vulgar" ou, numa situação multilingüística, língua dominante e língua dominada)”. (Bourdieu, p.34. 1977)
A gênesis de nossa educação, tomando por base o primeiro período – a educação colonial, que nos remete ao Brasil colonial com todos os seus conflitos nos diz que as classes subalternas não foram ouvidas em virtude de uma abordagem discursiva assimétrica, ou seja, somente os interesses da Coroa Lusitana foram colocados. Em virtude disso a formação de nossa consciência brasileira, ou, quem sabe, da subjetividade brasileira – nossa forma de pensar o nosso país foi marcantemente influenciada por essa assimetria. O espírito do discurso colonial continua vagando pelos corredores e câmaras do Congresso Nacional. Somente um estudo mais apurado poderá esclarecer melhor a relevância das marcas discursivas colônias presentes nas nossas atuais políticas educacionais. Vejamos o que diz Pilleti:
A companhia de Jesus foi fundada para contrapor-se ao avanço da reforma protestante, através do trabalho educativo (produção de discursos) e da ação missionária (catequética). No Brasil, os Jesuítas integraram-se desde o início à política colonizadora do rei de Portugal (discurso oficial) e foram os responsáveis pela a educação durante 210 anos. (Piletti, p.38, 1994)
O discurso era passado para a sociedade por meio de ações pedagógicas como ocorre hoje, afinal, a educação, em um primeiro momento, visa construir um homem, ou um modelo de homem que em um dado momento histórico as pessoas acham que deve ser. Diz Pilleti:
As escolas de primeiras letras (método silábico fonético) foi um dos instrumentos de que lançaram mão os jesuítas para alcançar seu objetivo mais importante: a difusão e conservação da fé católica entre os senhores de engenho, colonos, negros escravos e índios. Após as aulas elementares de ler e escrever, os colégios jesuíticos ofereciam três cursos: Letras humanas, de nível secundário e abrangendo estudos de gramática (ensino de classe de palavras) latina, humanidades e retórica; filosofia e ciências, também de nível secundário, compreendendo estudos de lógica, metafísica, moral, matemática e ciências físicas naturais; teologia e ciências sagradas, de nível superior. (Piletti, p.38, 1994).
Com a reforma de Pombal em 1759, deixaram de existir, segundo Pilleti:
18 estabelecimentos de ensino secundário e cerca de 25 escolas de ler e escrever. Em seu lugar passaram a ser instituídas algumas aulas régias, sem nenhuma ordenação entre elas. (Piletti, p.38, 1994)
Em virtude do que já foi posto, inferimos que mesmo diante de grandes melhorias na educação ainda encontramos realidades semelhantes as da época do Brasil colônia. Escolas sem a menor estrutura. O descaso com a educação pública. O conteúdo dissociado da realidade. O ensino voltado para a educação superior. Metodologias defasadas, a ingerência político partidária, a centralização da gestão, etc. Tudo isso e muito mais me diz que reproduzimos por meio do discurso a relação Brasil – Portugal do século XVI. Essa reprodução tem num primeiro momento, sua razão de ser na forma como o discurso colonizador chegou aqui. Depois entendemos que os discursos se misturaram e hoje formam a grande malha discursiva de natureza sobre tudo inconsciente. Os discursos das diversas classes, ao longo do século, sofreram contaminação. Eles se contaminaram com marcas uns dos outros. Os discursos viram genes discursivos no interior de outros discursos. Assim, os genes se reproduzem na consciência das pessoas. Isso se torna potência para a organização social.
Bakhtin coloca igualmente em evidência a inadequação de todos os procedimentos de análise lingüística (fonéticos, morfológicos e sintáticos) para dar conta da enunciação completa, seja ela uma palavra, uma frase ou uma seqüência de frases. A enunciação, compreendida como uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua, trata-se de discurso interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social, portanto ideológica. Ela não existe fora de um contexto social, já que cada locutor tem um “horizonte social”. Há sempre um interlocutor, ao menos potencial. O locutor pensa e se exprime para um auditório social bem definido. “A filosofia marxista da linguagem deve colocar como base de sua doutrina a enunciação, como realidade da língua e como estrutura sócio-ideológica.” (Mikhail, p.9, 2006)
Não podemos negar a força semiótica do discurso. A forma como as pessoas reagem aos enunciados nos diz do processo de hospedagem do discurso do outro. A contra – fala do índio, do negro, do branco pobre, do emigrante e de todos que viveram esse processo histórico foi hospedada no dominador e no dominado. Todos os dois pólos possuem marcas discursivas dos dois lados. Isto prova que os discursos que se conflitam depois passam a constituir estruturas em outros discursos. Podemos usar como exemplo um enunciado muito comum em nossa região: /Vi João com uma “nega” linda ontem/. Sabemos que o termo nega escrita da forma como é pronunciada pelas classes populares não é referência obrigatória a uma mulher de etnia africana. O termo “nega” nos remete a senzala e as relações escusas entre escravos e senhores. Assim, as pessoas sem se aperceberem pensam e falam coisas da colônia, o que prova a apropriação inconsciente da fala, e por que não da relação assimétrica entre as classes.
O psiquismo e a ideologia estão em “interação dialética constante”. Eles têm como terreno comum o signo ideológico: “O signo ideológico vive graças à sua realização no psiquismo e, reciprocamente, a realização psíquica vive do suporte ideológico”. (Mikhail, p.9, 2006)
Freire fala da apatia do aluno, do medo de perguntar e de falar. O contexto de Freire foi a ditadura. A ditadura ainda continua em forma de marcas discursivas tanto na educação formal como na informal. A sociedade ainda fala o discurso da ditadura em muitas situações, quero destacar a escola: Muitas de nossas escolas se comportam como quartéis: A disciplina é vista como ordem, o conhecimento como resposta a uma ação pedagógica, a avaliação quantitativa e mensurada; tudo isso nos lembra do Brasil dos anos 60, 70. Este discurso ao longo dos anos se incorpora a outros discursos que constituirão outras mentalidades. No entanto, os resíduos dos discursos produzem marcas no comportamento das pessoas. Assim como reagimos a um cheiro de perfume; não sei a palavra no momento que o sinto, mas, a percepção sensorial do cheiro provoca em mim um turbilhão de sentidos. O mesmo ocorre com os discursos que se tornam genes em outros discursos, eles provocam em nós comportamentos e reações inconscientes. O jeito de ser brasileiro é o resultado desses genes discursivos. A apatia do aluno não é apenas timidez, pois, podemos falar da apatia nacional diante de sua precária realidade social.
Se considerarmos que tudo começou com uma relação desigual na linguagem, no direito a expressão; entenderemos que a assimetria lingüística daquela época continua presente nos discursos que estruturam as relações de desigualdade na sociedade brasileira. As pessoas não vêem a necessidade do diálogo por que de alguma forma, elas não vêem as outras como pessoas com o mesmo direito. Alguém encarnou o ego do dominador e outro do dominado, pois, a situação de dominação se perpetua por que foi legitimada em forma de discurso e de comportamento – apatia nacional. Freire vai um pouco mais além e em “A Pedagogia do Oprimido” e diz que a relação entre aluno e professor não deve ser assimétrica. O discurso do professor, para Freire, não deve se sobrepor ao do aluno calando sua fala. Em Freire, tudo que cala a fala do outro é anti - dialógico – é pedagogia bancária – é educação pombalina.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Não podemos cair no torpe erro de não dizer que a educação jesuítica e pombalina embora tivesse suas precariedades formaram grandes mentes para este país. Elas foram a educação que tivemos no período conhecido como Brasil colônia. O presente ensaio não analisou os outros períodos da educação brasileira para confirmar sua tese: “A assimetria lingüística passou para os outros períodos em formas de discursos?” Como foi dito, somente um estudo maior pode nos mostrar a verdade dos fatos. O termo assimetria neste ensaio se refere ao que Bourdieu e Bakhtin colocam sobre o uso da língua. As relações lingüísticas são desiguais.
BLIBIOGRAFIA
Pilleti, Nelson. História da Educação no Brasil. Ática, São Paulo, 1994.
Jr. Paulo Giraldelli. Introdução a Educação escolar Brasileira: História, Política e filosofia da Educação. Sem editora. 2001.
Balloco, Anna Elisabeth. Análise Crítica do discurso e o conceito de interdiscurso: Sua pertinência para o estudo de narrativas pós coloniais. Texto extraído da internet. UERJ.
Bourdieu, Pierre. Economia das trocas lingüísticas. Tradução de Paulo Montero. Texto extraído da internet.
Mikhail, Bakhtin. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 2006 – HUCITEC.
Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17a. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
Obs: O ensaio estava muito grande. Preferimos reduzi-lo. Algumas referências estão sem a fonte. Peço compreensão.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Aviso
Por estar na última e mais apertada semana de aula, não preparei texto para hoje.
Abraço aos leitores e colegas de site.
Abraço aos leitores e colegas de site.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
O MACUMBEIRO
Soraia saiu do trabalho na “Avenida dos Boxes” seguiu direto para casa. Sentia cólica, a moça filha de Agenor, “O louco”, aquele que nas segundas feiras ia para o meio do povo dizer que se arrependesse de seus pecados. A feira de Tobias era grande. Um mar de gente. Muitos sonhos, poucas certezas. O povo vinha de todos os lugares do município, e até de outras cidades e estados. A fé de Agenor era maior que a feira de Tobias. Por isso o homem pregava a Salvação.
Contudo Soraia, sua Filha do meio, pois, ela era a segunda filha do casal, a que nascera quando seu pai se convertera, ou enlouquecera, estava namorando um rapaz que era macumbeiro. Isso a dava muita dores de cabeça. Seu pai não aceitava o romance.
- Menina, você não sabe que os feiticeiros não herdarão o Reino de Deus! Disse Agenor com ar de quem sabe o que diz.
- Eu sei meu pai, mas, eu gosto de Venceslau. Não consigo tirá-lo da cabeça! Disse a menina com os olhos marejados.
- Então, se você já conhece a verdade, ela vai te libertar dessa paixão do diabo. Concluiu teologicamente seu Agenor.
Enquanto os dois conversavam, um rato de grande porte entra em um buraco cavado na parede de blocos da casa velha de Agenor. Os ratos aproveitavam quando as pessoas estavam na calçada para fazerem a festa com o que sobrava da refeição da família. Acho que toda casa deve ter ratos. Eles estão a onde os homens vivem.
- Pai, e se ele se convertesse? Se de repente ele visse o erro, e deixasse a macumba, e se tornasse um de nós?
- Seria uma benção minha filha! Mas, este caso é muito raro. Os feiticeiros tem parte com o demônio. E este não os deixa livres. Quando eu prego na feira, vejo quantos estão perdidos, sem rumo, sem direção. Só a nossa fé tem a verdade de Jesus. Os evangélicos são a verdadeira Igreja de Cristo porque obedecemos as Escrituras. Um rato miúdo, do tipo calunguinha foi até perto dos dois e deu uma olhada rápida. O rato, logo correu de volta para o seu buraco. Parecia apavorado.
Era uma sexta feira, o dia em que pai e filha estavam sós em casa e conversaram na calçada como é o costume da terra. Todavia a conversa com Agenor não convenceu a jovem Soraia de deixar o rapaz esotérico. Naquela mesma noite quando seu Agenor se recolhia com sua esposa, Soraia foi até a Praça do Cruzeiro ver o seu amor.
- Venceslau, por que você não deixa a macumba e vem comigo para a igreja?
- Meu bem, eu te amo, mas, não posso deixar meu Pai de Santo na mão. Eu tenho compromissos no terreiro e não posso abandoná-los.
- Que compromissos são esses, Venceslau! Isso é tudo macumba! É feitiçaria! Gritou a menina desconsolada. Aquela noite os dois não se beijaram, nem trocaram afetos. A noite foi sem graça, apenas a tristeza e a expectativa de uma separação.
No sábado pela manhã Venceslau tinha um amaci para aprontar com seu Pai de Santo. Seu Domingos era um negro que viera de Feira de Santana tentar a vida em Tobias. Os negócios fracassaram e restando-lhe somente a fé nos Orixás para sobreviver. Era um homem de caridade. Sua idade avançada não dificultava o seu trabalho, no entanto, isso não lhe desobrigava da necessidade de ter alguém de sua confiança para passar os conhecimentos de sua religião. O homem não tinha filhos. Sua mulher era idosa e cega. Passava o tempo inteiro rezando pelas almas aflitas.
- Meu véio! Dona Maria Conga tem uma palavra.
- E é minha véia?
Venceslau chegou cedo ao terreiro, fez as obrigações e foi ter com seu Domingos.
- Seu Domingos: Estou triste com uma situação.
- Qual meu filho? Perguntou seu Domingos com sua voz doce. A voz de seu Domingos parecia com a voz de um preto velho vivo, encarnado. O povo da redondeza dizia que o velho era “um preto velho vivo”.
- Minha namorada é evangélica e quer que eu deixe o terreiro para ficar com ela. Estou triste, pois, considero a religião dela legítima. Então, por que a minha não é? Dizem que servimos ao diabo.
- Meu fio: A forma como as pessoas julgam as coisa e as outras pessoas nem sempre vê com clareza. Passa muitos sentidos que lhes são obscuros. Deus é um só. Ele é a fonte suprema de onde emanam todas as virtudes e bondades possíveis. Ele é o arquiteto do Universo.
- Eu sei meu pai. Desde criança que sua pessoa me conta das lendas dos orixás. De Deus emanam sete raios. E estes raios são as manifestações de Deus para os homens e toda a natureza.
- Então, meu fio.
Venceslau saiu mais em paz. Não podemos dizer o mesmo da pequena Soraia. Seu pai a aguardava para saber qual foi a decisão do rapaz.
- Minha filha, o rapaz decidiu aceitar Jesus?
- Não meu pai. Ele nada prometeu.
Soraia foi para seu quarto. A menina queria ficar a sós. Em seu quarto ela orou a Deus e decidiu deixar Venceslau.
“Meu Senhor, muito obrigado pela força que o Senhor me dar nesse momento para esquecer Venceslau. Eu o entrego em suas mãos. Se ele for para ser meu, converte-o para ti”. Soraia se deitou para descansar e pegou no sono.
Enquanto isso seu pai sai para o mercado comprar algumas coisas. Sua mulher dona Anita o pediu para comprar algumas verduras. Anita era a segunda mulher de Agenor. A primeira morrera do vento. Dizem que o vento passa e a pessoa morre. Seu Agenor aproveitou o ensejo para abrir a Bíblia defronte às barracas da “Feira da Verdura” às dez da manhã. Seu Agenor alertava o povo sobre a Volta de Cristo quando um homem forte e alto tombou nele no meio da rua caindo sobre seu frágil corpo. Seu Agenor fez muita força para sair de debaixo do homem. Acho que esse esforço agravou as condições do profeta de Tobias, Agenor dos Anjos. Agenor dizia aleluia, aleluia, e aí, aí, aí. A dor era grande. O povo teve piedade e levou o homem para o Hospital de Caridade.
“A situação do homem é grave; atingiu a cabeça. Foi traumatismo craniano. Estamos aguardando para leva-lo para Aracaju”.
Foi isso que Dona Anita, Sorai, Francisca, e Antenor ouviram dos médicos quando chegaram para ver o pobre Agenor. Venceslau soube do ocorrido e foi ao hospital consolar sua amada.
- Meu bem, como está seu Agenor?
- Vão levá-lo para Aracaju.
- Não sei, a coisa parece grave.
- Não tema Oxalá não nos desampara.
- Como? Venceslau, como foi que você disse?
- Eu disse que Jesus vai nos abençoar e seu pai vai ficar bom. Dona Anita ouvia a conversa e se meteu no meio com a intenção de constranger o rapaz. “Eu não te disse minha filha? Namorar macumbeiro é coisa séria. Olha seu pai! Como foi isso? Ele fica invocando os demônios dele, sei lá?” Venceslau ficou tão envergonhado que saiu do hospital sem ser percebido. Isso o feriu muito. Naquele dia Venceslau viu que aquele amor era impossível. O jovem retornou ao terreiro e pediu a sua mãe de cabeça Oxum para tirar a jovem Soraia de seu coração.
- Por que está chorando Venceslau? Perguntou o velho Babalorixá.
- É Soraia, seu Domingos. A coisa ficou preta. A família dela não me aceita.
- Meu filho nada é impossível quando os Orixás tem um plano.
- O senhor acha que Zambi quer esse amor?
- Zambi quer todo amor do mundo. Todo amor é bem-vindo aos olhos de Zambi. Ele é todo amor. Espere e veja o que Oxum fará.
- Seu Domingos está tendo uma vidência?
- Digamos que tenho uma intuição. Concluiu seu Domingos.
Toda a família desceu com Agenor para Aracaju. O estado dele se agravara durante a viagem. Os médicos acharam por bem colocá-lo nos aparelhos em uma UTI.
- Soraia o diabo é astuto. Seu pai, um pregador do Evangelho nessa situação que ocorreu do nada. Agora vou perder meu marido. Disse Anita com os olhos cheios de lágrimas.
- Você está me culpando?
- Não Soraia. Apenas, estou pensando como as coisas são.
- Não! Você quis dizer que foi por causa do meu romance com o macumbeiro que isso ocorreu.
- Não foi bem assim...
As duas foram interrompidas pelo o médico que se aproximava: “Lamento, mas, o paciente não está reagindo à medicação. Ele tem plano de saúde?” Soraia e seus irmãos entraram em pranto.
- Não fiquem assim! Disse o médico tentando amenizar as coisas.
- Como doutor? Nós somos pobres!
- Lamento, mas, ele terá que ir para um hospital público. No domingo, levaram seu Domingos para o Hospital João Alves. Não havia leitos disponíveis; o homem teve que esperar no corredor. A situação de seu Agenor seu agravou com a espera. Quando foram cuidar do homem , ele já estava sem sentir as pernas e a boca havia entortado. O pregador de Cristo agora não mais poderia falar desse nome.
Os meses passaram. Seu Agenor não se conformava com sua nova vida. Sua mulher Anita nunca parara de fazer sua fé no jogo do bicho. Havia uma barraca de jogo no final da Avenida Luiz Alves. Era lá que ela tinha um compromisso todos os dias: “Paz do Senhor irmã!”
- Deixe de brincadeira Otávio! Você num sabe que isso é coisa séria. Cuidado Deus pode te castigar!
- Se ele me castigar, castigará a você também sua danada! Vai fazer uma fé em que hoje?
- Na cobra! Disse sorrindo dona Anita.
- As sete? Combinado?
- Certo!
Anita e Otávio estavam tendo um caso desde o dia que seu Agenor recebera o chamado de Cristo para pregar. O homem tinha que se santificar para sua missão e evitava a mulher constantemente. O celibato era quase uma rotina em sua vida. Com isso, sua mulher, uma baixinha dos cabelos lisos e feições europeias, não resistiu a seca, e se envolveu com o vendedor de bilhetes do jogo do bicho – O Otávio. Este nada fazia na terra, exceto, vender jogo e beber com mulheres de família. O homem era de porte e chamava a atenção das mulheres mal servidas.
Seu Agenor padecia sem aceitar a sua nova condição. Não podia andar e mal abria a boca para falar. Falava com muita dificuldade o pobre homem de Deus. Ele dizia: “Assim como Deus provou a Jó, está me provando também”. Venceslau e Soraia nunca mais se viram. O rapaz continuou freqüentando o terreiro de seu Domingos. “O moço aprende rápido!”Dizia seu Domingos. Quanto a moça Soraia a doença do pai tirou Venceslau um pouco de sua cabeça. Anita saia quase toda noite, e Soraia era única que ficava em casa. Ela tinha terminado o ensino médio e trabalhava pela manhã como caixa de supermercado. Aquela noite os ratos estavam agitados. Começaram a andar pela casa cedo. Qualquer fragmento de alimento era motivo de festa para a ratarada. A casa de Agenor tinha muitos ratos. Todas as casas devem ter ratos.
- Será meu véio?
- Deve ser minha véia, deve ser.
Aquela noite Soraia sonhou que entrava na casa de Pai Domingos. Ela chegou a pé ao centro. Abriu o portão de madeira e entrou um pouco tímida. Ela ouvia à proporção que ia vendo as plantas e as árvores do jardim da casa uma canção que lhe despertava lembranças de algo que não tinha consciência que vivera: “cheira cravo, cheira rosa, cheira flor de laranjeira... oh, abre a porta deixa as almas trabalhar...” Do lado de fora do barracão ela avista Venceslau dançando com uma espada na mão. A dança era muito bonita; era uma dança marcial. O rapaz em transe se vira e olha para Soraia. Seus olhos como que distantes não encontram o foco do olhar da moça. Apenas diz aquele que estava nele: “Deus é maior que o mundo!” Soraia ainda em seu sonho encontra uma cega sentada em um banco defronte a entrada da casa do casal. A velha fumava um cachimbo de madeira e chamou a moça para uma prosa.
- Minha fia que faz aqui?
- Num sei.
- Qual é o tamanho de Deus?
- Que pergunta besta senhora! Desculpe-me a franqueza.
- A sua pessoa acha que Deus só tem um tamanho. Será que Deus é igual na cabeça das pessoas? Num será que Deus é diferente em cada cabeça, contudo, ele é o mesmo Deus?
- Deve ser. Mas as Escrituras nos ensinam a verdade.
- Assim como as nossas consciências. Deus é um só em cabeças diferentes. Você verá que ele é maior que o mundo e não cabe dentro de uma casa só. Soraia acordou do sonho e Anita estava em pé do seu lado junto com seus irmãos. Ela não percebera, mas, durante o sono ela falava e sua língua como disseram estava “atrapalhada”. De manhã a menina saiu para comprar umas verduras e algo muito estranho aconteceu.
- Você viu seu Guilherme? Viu o vento?
- Claro que vi! Formou-se um redemoinho bem no meio da encruzilhada!
- Você ouviu a gargalhada alta?
- Não! Teve gargalhadas?
- Teve! eu ouvi! Como você não ouviu?
- Eu não ouvi gargalhada, não? Concluiu seu Guilherme com um tom de surpresa. Soraia saiu da barraca sob o olhar desconfiado das pessoas que passavam e das pessoas próximas que estavam escutando a prosa dos dois. Em Tobias é assim: “O particular logo se torna público”. Soraia caminha na direção da Avenida Luiz Alves, de longe a moça avista Anita dando risadas conversando com Otavio. Os dois estavam tão à vontade que nem perceberam a chegada da filha de Agenor.
- Anita o que você tem com Otavio? Eu estava vendo vocês de longe, e senti que havia algo. Vou dizer para meu pai!
- Deixe de ser histérica moça! Eu ia passando e Otavio, esse cretino, me chamou para apostar no bicho, e aí, você chegou. Soraia tentou falar novamente e caiu numa crise de risadas, sua fala estava toda atrapalhada. Levaram-na para a casa. Lá, seu Agenor e os irmãos da igreja oraram por ela: “Satanás! Sai desta vida em nome de Jesus! Seu Agenor queria gritar Aleluia, mas, sua voz não saia. Os outros crentes entoavam cânticos desafiando o demônio que estava no corpo da menina: “Sai, Sai, Sai, todo poder das trevas! Sai! “Mas, a minha fé você não leva...” A menina recobrou os sentidos. Uma irmã profetiza disse que ela estava com Exu.
- Tá vendo minha filha? Ainda vai andar com macumbeiro?
- Faz é tempo que não vejo Venceslau. A pergunta da crente profeta abriu uma ferida no peito de Soraia. Fazia tanto tempo. Os meses passaram sem piedade. Mesmo com a dor do pai, a menina nunca esqueceu seu amor. “Onde ele está? Será que pensa em mim?” Os ratos se multiplicaram na casa de Agenor. Agora eles andavam até de dia pela casa. Um rato calunga e sua namorada desfilavam pelas ripas da casa. Uma ratazana gorda amamentava os filhotes debaixo da peça que apoiava a televisão. As pessoas estavam tão preocupadas com o diabo que nem perceberam a festa dos ratos.
- Minha véia, as pessoas não entendem que o mundo tem tudo.
- Sim, sinhô, os ratos devem viver no seu lugar.
- Minha véia, por que os ratos gostam de morar na casa dos encarnados?
- Lá tem muita comida! Deve ser, num é?
No mês de Junho Tobias à noite vira uma geladeira. Todos foram dormir cedo. Anita voltou do culto as nove e foi direto para o quarto. As dez, a casa estava toda quieta. Somente o ronco de Agenor com as estripulias dos ratos quebravam o silêncio do lugar. Uma ratinha cinzenta muito danada foi brincar no quarto de Agenor. O pé do mesmo estava fora do cobertor. A ratinha pensando ser comida estragada por causa do cheiro deu uma mordidinha no dedão de Agenor. O homem parou o ronco assustando o animal. Os passarinhos cantaram cedo aquela manhã. O inchaço no pé de Agenor foi percebido logo: “Deve ter sido a posição de dormir”. Disse Anita. De tarde a febre tomou conta do pregador. O levaram para o hospital. Os médicos suspeitaram da mordida e disseram que era doença de rato. A cidade ficou alarmada: “Agenor meu Deus, tão bom; mordido pelo rato, e agora? Vai morrer”. O hospital de caridade estava cheio de curiosos para verem o coitado “louco” padecer do mal do rato. Venceslau soube do fato e foi até o hospital.
- Como vai Soraia? A menina Soraia quando viu seu amor correu para os seus braços. Sua alma se derreteu como manteiga apoiada em seu ombro.
- Não chore! Deus é maior que tudo. Soraia lembrou-se do sonho e pediu a Venceslau para levá-la a casa de seu Domingos. Eles mal conversaram no caminho devido à ansiedade da moça. Venceslau nada entendia, mas, acompanhava seu amor. Ele estava sem acreditar no que estava acontecendo. “Soraia, na casa de Pai Domingos?” A casa estava deserta. À porta estava uma cega sentada em um banco de madeira. Era a esposa de Domingos. Ela nunca saia de casa, mas, naquele dia ela estava do lado de fora como que esperando alguém.
- Você veio minha fia? Ontem muito padeci por tua causa.
- Como assim, senhora?
- Seu pai minha fia miorou?
- Não.
- Mas, vai miorá.
- Deus é grande. Ele é maior que nossas imaginações. O povo diz tudo dele. Uns de bem, outros de mal. No entanto, ela nada diz. Deus é maior que os nossos ditos, num é minha fia? Venceslau traz uma vela e faz um mingau para o Vovô comer! Dona Maria Conga rezou as orações dos pretos velhos, arriou a oferenda, e entrou em casa.
Seu Agenor se recuperou da doença do rato. Mas, não foi só isso. Ele voltou a andar e a falar. Em pouco tempo o velho estava pregando na feira. As pessoas que vinham de diversas localidades procuravam um lugar no meio dos outros para ouvir o “Louco de Tobias”. A igreja fez um culto de ações de graças pelo “Milagre de Deus” na vida de Agenor. Comentava-se na igreja que no próximo ano ele seria consagrado a obreiro. Os crentes falavam com muita alegria sobre a cura do homem, outros apenas falavam: “Está vendo mulher como a oração é forte?” “Também, tanta gente orando por ele, Deus só podia fazer um milagre!” “Que nada tudo isso é invenção!” As opiniões eram muitas. Contudo a opinião de seu Agenor não mudava sobre o jovem Venceslau.
- Tá vendo minha véia como Deus é bom?
- É.
- Dona Maria, e Venceslau com a moça? O que deu?
Venceslau e Soraia foram morar em Feira de Santana. Ela passou a receber uma Preta Velha que responde pelo nome de Maria Conga. Os dois abriram uma casa de axé. Venceslau se tornou Pai Jorge, e Soraia, dona Maria. Anita nunca deixou de ver o jogador de bicho. Agenor continuou pregando na feira. A cega, mulher de seu Domingos, morreu de dengue. Depois da partida de sua amada, seu Domingos perdeu a graça. Foi recolhido com os santos em Aruanda.
- Pois é meu véio, Deus é maior que o mundo.
- Num é...
Contudo Soraia, sua Filha do meio, pois, ela era a segunda filha do casal, a que nascera quando seu pai se convertera, ou enlouquecera, estava namorando um rapaz que era macumbeiro. Isso a dava muita dores de cabeça. Seu pai não aceitava o romance.
- Menina, você não sabe que os feiticeiros não herdarão o Reino de Deus! Disse Agenor com ar de quem sabe o que diz.
- Eu sei meu pai, mas, eu gosto de Venceslau. Não consigo tirá-lo da cabeça! Disse a menina com os olhos marejados.
- Então, se você já conhece a verdade, ela vai te libertar dessa paixão do diabo. Concluiu teologicamente seu Agenor.
Enquanto os dois conversavam, um rato de grande porte entra em um buraco cavado na parede de blocos da casa velha de Agenor. Os ratos aproveitavam quando as pessoas estavam na calçada para fazerem a festa com o que sobrava da refeição da família. Acho que toda casa deve ter ratos. Eles estão a onde os homens vivem.
- Pai, e se ele se convertesse? Se de repente ele visse o erro, e deixasse a macumba, e se tornasse um de nós?
- Seria uma benção minha filha! Mas, este caso é muito raro. Os feiticeiros tem parte com o demônio. E este não os deixa livres. Quando eu prego na feira, vejo quantos estão perdidos, sem rumo, sem direção. Só a nossa fé tem a verdade de Jesus. Os evangélicos são a verdadeira Igreja de Cristo porque obedecemos as Escrituras. Um rato miúdo, do tipo calunguinha foi até perto dos dois e deu uma olhada rápida. O rato, logo correu de volta para o seu buraco. Parecia apavorado.
Era uma sexta feira, o dia em que pai e filha estavam sós em casa e conversaram na calçada como é o costume da terra. Todavia a conversa com Agenor não convenceu a jovem Soraia de deixar o rapaz esotérico. Naquela mesma noite quando seu Agenor se recolhia com sua esposa, Soraia foi até a Praça do Cruzeiro ver o seu amor.
- Venceslau, por que você não deixa a macumba e vem comigo para a igreja?
- Meu bem, eu te amo, mas, não posso deixar meu Pai de Santo na mão. Eu tenho compromissos no terreiro e não posso abandoná-los.
- Que compromissos são esses, Venceslau! Isso é tudo macumba! É feitiçaria! Gritou a menina desconsolada. Aquela noite os dois não se beijaram, nem trocaram afetos. A noite foi sem graça, apenas a tristeza e a expectativa de uma separação.
No sábado pela manhã Venceslau tinha um amaci para aprontar com seu Pai de Santo. Seu Domingos era um negro que viera de Feira de Santana tentar a vida em Tobias. Os negócios fracassaram e restando-lhe somente a fé nos Orixás para sobreviver. Era um homem de caridade. Sua idade avançada não dificultava o seu trabalho, no entanto, isso não lhe desobrigava da necessidade de ter alguém de sua confiança para passar os conhecimentos de sua religião. O homem não tinha filhos. Sua mulher era idosa e cega. Passava o tempo inteiro rezando pelas almas aflitas.
- Meu véio! Dona Maria Conga tem uma palavra.
- E é minha véia?
Venceslau chegou cedo ao terreiro, fez as obrigações e foi ter com seu Domingos.
- Seu Domingos: Estou triste com uma situação.
- Qual meu filho? Perguntou seu Domingos com sua voz doce. A voz de seu Domingos parecia com a voz de um preto velho vivo, encarnado. O povo da redondeza dizia que o velho era “um preto velho vivo”.
- Minha namorada é evangélica e quer que eu deixe o terreiro para ficar com ela. Estou triste, pois, considero a religião dela legítima. Então, por que a minha não é? Dizem que servimos ao diabo.
- Meu fio: A forma como as pessoas julgam as coisa e as outras pessoas nem sempre vê com clareza. Passa muitos sentidos que lhes são obscuros. Deus é um só. Ele é a fonte suprema de onde emanam todas as virtudes e bondades possíveis. Ele é o arquiteto do Universo.
- Eu sei meu pai. Desde criança que sua pessoa me conta das lendas dos orixás. De Deus emanam sete raios. E estes raios são as manifestações de Deus para os homens e toda a natureza.
- Então, meu fio.
Venceslau saiu mais em paz. Não podemos dizer o mesmo da pequena Soraia. Seu pai a aguardava para saber qual foi a decisão do rapaz.
- Minha filha, o rapaz decidiu aceitar Jesus?
- Não meu pai. Ele nada prometeu.
Soraia foi para seu quarto. A menina queria ficar a sós. Em seu quarto ela orou a Deus e decidiu deixar Venceslau.
“Meu Senhor, muito obrigado pela força que o Senhor me dar nesse momento para esquecer Venceslau. Eu o entrego em suas mãos. Se ele for para ser meu, converte-o para ti”. Soraia se deitou para descansar e pegou no sono.
Enquanto isso seu pai sai para o mercado comprar algumas coisas. Sua mulher dona Anita o pediu para comprar algumas verduras. Anita era a segunda mulher de Agenor. A primeira morrera do vento. Dizem que o vento passa e a pessoa morre. Seu Agenor aproveitou o ensejo para abrir a Bíblia defronte às barracas da “Feira da Verdura” às dez da manhã. Seu Agenor alertava o povo sobre a Volta de Cristo quando um homem forte e alto tombou nele no meio da rua caindo sobre seu frágil corpo. Seu Agenor fez muita força para sair de debaixo do homem. Acho que esse esforço agravou as condições do profeta de Tobias, Agenor dos Anjos. Agenor dizia aleluia, aleluia, e aí, aí, aí. A dor era grande. O povo teve piedade e levou o homem para o Hospital de Caridade.
“A situação do homem é grave; atingiu a cabeça. Foi traumatismo craniano. Estamos aguardando para leva-lo para Aracaju”.
Foi isso que Dona Anita, Sorai, Francisca, e Antenor ouviram dos médicos quando chegaram para ver o pobre Agenor. Venceslau soube do ocorrido e foi ao hospital consolar sua amada.
- Meu bem, como está seu Agenor?
- Vão levá-lo para Aracaju.
- Não sei, a coisa parece grave.
- Não tema Oxalá não nos desampara.
- Como? Venceslau, como foi que você disse?
- Eu disse que Jesus vai nos abençoar e seu pai vai ficar bom. Dona Anita ouvia a conversa e se meteu no meio com a intenção de constranger o rapaz. “Eu não te disse minha filha? Namorar macumbeiro é coisa séria. Olha seu pai! Como foi isso? Ele fica invocando os demônios dele, sei lá?” Venceslau ficou tão envergonhado que saiu do hospital sem ser percebido. Isso o feriu muito. Naquele dia Venceslau viu que aquele amor era impossível. O jovem retornou ao terreiro e pediu a sua mãe de cabeça Oxum para tirar a jovem Soraia de seu coração.
- Por que está chorando Venceslau? Perguntou o velho Babalorixá.
- É Soraia, seu Domingos. A coisa ficou preta. A família dela não me aceita.
- Meu filho nada é impossível quando os Orixás tem um plano.
- O senhor acha que Zambi quer esse amor?
- Zambi quer todo amor do mundo. Todo amor é bem-vindo aos olhos de Zambi. Ele é todo amor. Espere e veja o que Oxum fará.
- Seu Domingos está tendo uma vidência?
- Digamos que tenho uma intuição. Concluiu seu Domingos.
Toda a família desceu com Agenor para Aracaju. O estado dele se agravara durante a viagem. Os médicos acharam por bem colocá-lo nos aparelhos em uma UTI.
- Soraia o diabo é astuto. Seu pai, um pregador do Evangelho nessa situação que ocorreu do nada. Agora vou perder meu marido. Disse Anita com os olhos cheios de lágrimas.
- Você está me culpando?
- Não Soraia. Apenas, estou pensando como as coisas são.
- Não! Você quis dizer que foi por causa do meu romance com o macumbeiro que isso ocorreu.
- Não foi bem assim...
As duas foram interrompidas pelo o médico que se aproximava: “Lamento, mas, o paciente não está reagindo à medicação. Ele tem plano de saúde?” Soraia e seus irmãos entraram em pranto.
- Não fiquem assim! Disse o médico tentando amenizar as coisas.
- Como doutor? Nós somos pobres!
- Lamento, mas, ele terá que ir para um hospital público. No domingo, levaram seu Domingos para o Hospital João Alves. Não havia leitos disponíveis; o homem teve que esperar no corredor. A situação de seu Agenor seu agravou com a espera. Quando foram cuidar do homem , ele já estava sem sentir as pernas e a boca havia entortado. O pregador de Cristo agora não mais poderia falar desse nome.
Os meses passaram. Seu Agenor não se conformava com sua nova vida. Sua mulher Anita nunca parara de fazer sua fé no jogo do bicho. Havia uma barraca de jogo no final da Avenida Luiz Alves. Era lá que ela tinha um compromisso todos os dias: “Paz do Senhor irmã!”
- Deixe de brincadeira Otávio! Você num sabe que isso é coisa séria. Cuidado Deus pode te castigar!
- Se ele me castigar, castigará a você também sua danada! Vai fazer uma fé em que hoje?
- Na cobra! Disse sorrindo dona Anita.
- As sete? Combinado?
- Certo!
Anita e Otávio estavam tendo um caso desde o dia que seu Agenor recebera o chamado de Cristo para pregar. O homem tinha que se santificar para sua missão e evitava a mulher constantemente. O celibato era quase uma rotina em sua vida. Com isso, sua mulher, uma baixinha dos cabelos lisos e feições europeias, não resistiu a seca, e se envolveu com o vendedor de bilhetes do jogo do bicho – O Otávio. Este nada fazia na terra, exceto, vender jogo e beber com mulheres de família. O homem era de porte e chamava a atenção das mulheres mal servidas.
Seu Agenor padecia sem aceitar a sua nova condição. Não podia andar e mal abria a boca para falar. Falava com muita dificuldade o pobre homem de Deus. Ele dizia: “Assim como Deus provou a Jó, está me provando também”. Venceslau e Soraia nunca mais se viram. O rapaz continuou freqüentando o terreiro de seu Domingos. “O moço aprende rápido!”Dizia seu Domingos. Quanto a moça Soraia a doença do pai tirou Venceslau um pouco de sua cabeça. Anita saia quase toda noite, e Soraia era única que ficava em casa. Ela tinha terminado o ensino médio e trabalhava pela manhã como caixa de supermercado. Aquela noite os ratos estavam agitados. Começaram a andar pela casa cedo. Qualquer fragmento de alimento era motivo de festa para a ratarada. A casa de Agenor tinha muitos ratos. Todas as casas devem ter ratos.
- Será meu véio?
- Deve ser minha véia, deve ser.
Aquela noite Soraia sonhou que entrava na casa de Pai Domingos. Ela chegou a pé ao centro. Abriu o portão de madeira e entrou um pouco tímida. Ela ouvia à proporção que ia vendo as plantas e as árvores do jardim da casa uma canção que lhe despertava lembranças de algo que não tinha consciência que vivera: “cheira cravo, cheira rosa, cheira flor de laranjeira... oh, abre a porta deixa as almas trabalhar...” Do lado de fora do barracão ela avista Venceslau dançando com uma espada na mão. A dança era muito bonita; era uma dança marcial. O rapaz em transe se vira e olha para Soraia. Seus olhos como que distantes não encontram o foco do olhar da moça. Apenas diz aquele que estava nele: “Deus é maior que o mundo!” Soraia ainda em seu sonho encontra uma cega sentada em um banco defronte a entrada da casa do casal. A velha fumava um cachimbo de madeira e chamou a moça para uma prosa.
- Minha fia que faz aqui?
- Num sei.
- Qual é o tamanho de Deus?
- Que pergunta besta senhora! Desculpe-me a franqueza.
- A sua pessoa acha que Deus só tem um tamanho. Será que Deus é igual na cabeça das pessoas? Num será que Deus é diferente em cada cabeça, contudo, ele é o mesmo Deus?
- Deve ser. Mas as Escrituras nos ensinam a verdade.
- Assim como as nossas consciências. Deus é um só em cabeças diferentes. Você verá que ele é maior que o mundo e não cabe dentro de uma casa só. Soraia acordou do sonho e Anita estava em pé do seu lado junto com seus irmãos. Ela não percebera, mas, durante o sono ela falava e sua língua como disseram estava “atrapalhada”. De manhã a menina saiu para comprar umas verduras e algo muito estranho aconteceu.
- Você viu seu Guilherme? Viu o vento?
- Claro que vi! Formou-se um redemoinho bem no meio da encruzilhada!
- Você ouviu a gargalhada alta?
- Não! Teve gargalhadas?
- Teve! eu ouvi! Como você não ouviu?
- Eu não ouvi gargalhada, não? Concluiu seu Guilherme com um tom de surpresa. Soraia saiu da barraca sob o olhar desconfiado das pessoas que passavam e das pessoas próximas que estavam escutando a prosa dos dois. Em Tobias é assim: “O particular logo se torna público”. Soraia caminha na direção da Avenida Luiz Alves, de longe a moça avista Anita dando risadas conversando com Otavio. Os dois estavam tão à vontade que nem perceberam a chegada da filha de Agenor.
- Anita o que você tem com Otavio? Eu estava vendo vocês de longe, e senti que havia algo. Vou dizer para meu pai!
- Deixe de ser histérica moça! Eu ia passando e Otavio, esse cretino, me chamou para apostar no bicho, e aí, você chegou. Soraia tentou falar novamente e caiu numa crise de risadas, sua fala estava toda atrapalhada. Levaram-na para a casa. Lá, seu Agenor e os irmãos da igreja oraram por ela: “Satanás! Sai desta vida em nome de Jesus! Seu Agenor queria gritar Aleluia, mas, sua voz não saia. Os outros crentes entoavam cânticos desafiando o demônio que estava no corpo da menina: “Sai, Sai, Sai, todo poder das trevas! Sai! “Mas, a minha fé você não leva...” A menina recobrou os sentidos. Uma irmã profetiza disse que ela estava com Exu.
- Tá vendo minha filha? Ainda vai andar com macumbeiro?
- Faz é tempo que não vejo Venceslau. A pergunta da crente profeta abriu uma ferida no peito de Soraia. Fazia tanto tempo. Os meses passaram sem piedade. Mesmo com a dor do pai, a menina nunca esqueceu seu amor. “Onde ele está? Será que pensa em mim?” Os ratos se multiplicaram na casa de Agenor. Agora eles andavam até de dia pela casa. Um rato calunga e sua namorada desfilavam pelas ripas da casa. Uma ratazana gorda amamentava os filhotes debaixo da peça que apoiava a televisão. As pessoas estavam tão preocupadas com o diabo que nem perceberam a festa dos ratos.
- Minha véia, as pessoas não entendem que o mundo tem tudo.
- Sim, sinhô, os ratos devem viver no seu lugar.
- Minha véia, por que os ratos gostam de morar na casa dos encarnados?
- Lá tem muita comida! Deve ser, num é?
No mês de Junho Tobias à noite vira uma geladeira. Todos foram dormir cedo. Anita voltou do culto as nove e foi direto para o quarto. As dez, a casa estava toda quieta. Somente o ronco de Agenor com as estripulias dos ratos quebravam o silêncio do lugar. Uma ratinha cinzenta muito danada foi brincar no quarto de Agenor. O pé do mesmo estava fora do cobertor. A ratinha pensando ser comida estragada por causa do cheiro deu uma mordidinha no dedão de Agenor. O homem parou o ronco assustando o animal. Os passarinhos cantaram cedo aquela manhã. O inchaço no pé de Agenor foi percebido logo: “Deve ter sido a posição de dormir”. Disse Anita. De tarde a febre tomou conta do pregador. O levaram para o hospital. Os médicos suspeitaram da mordida e disseram que era doença de rato. A cidade ficou alarmada: “Agenor meu Deus, tão bom; mordido pelo rato, e agora? Vai morrer”. O hospital de caridade estava cheio de curiosos para verem o coitado “louco” padecer do mal do rato. Venceslau soube do fato e foi até o hospital.
- Como vai Soraia? A menina Soraia quando viu seu amor correu para os seus braços. Sua alma se derreteu como manteiga apoiada em seu ombro.
- Não chore! Deus é maior que tudo. Soraia lembrou-se do sonho e pediu a Venceslau para levá-la a casa de seu Domingos. Eles mal conversaram no caminho devido à ansiedade da moça. Venceslau nada entendia, mas, acompanhava seu amor. Ele estava sem acreditar no que estava acontecendo. “Soraia, na casa de Pai Domingos?” A casa estava deserta. À porta estava uma cega sentada em um banco de madeira. Era a esposa de Domingos. Ela nunca saia de casa, mas, naquele dia ela estava do lado de fora como que esperando alguém.
- Você veio minha fia? Ontem muito padeci por tua causa.
- Como assim, senhora?
- Seu pai minha fia miorou?
- Não.
- Mas, vai miorá.
- Deus é grande. Ele é maior que nossas imaginações. O povo diz tudo dele. Uns de bem, outros de mal. No entanto, ela nada diz. Deus é maior que os nossos ditos, num é minha fia? Venceslau traz uma vela e faz um mingau para o Vovô comer! Dona Maria Conga rezou as orações dos pretos velhos, arriou a oferenda, e entrou em casa.
Seu Agenor se recuperou da doença do rato. Mas, não foi só isso. Ele voltou a andar e a falar. Em pouco tempo o velho estava pregando na feira. As pessoas que vinham de diversas localidades procuravam um lugar no meio dos outros para ouvir o “Louco de Tobias”. A igreja fez um culto de ações de graças pelo “Milagre de Deus” na vida de Agenor. Comentava-se na igreja que no próximo ano ele seria consagrado a obreiro. Os crentes falavam com muita alegria sobre a cura do homem, outros apenas falavam: “Está vendo mulher como a oração é forte?” “Também, tanta gente orando por ele, Deus só podia fazer um milagre!” “Que nada tudo isso é invenção!” As opiniões eram muitas. Contudo a opinião de seu Agenor não mudava sobre o jovem Venceslau.
- Tá vendo minha véia como Deus é bom?
- É.
- Dona Maria, e Venceslau com a moça? O que deu?
Venceslau e Soraia foram morar em Feira de Santana. Ela passou a receber uma Preta Velha que responde pelo nome de Maria Conga. Os dois abriram uma casa de axé. Venceslau se tornou Pai Jorge, e Soraia, dona Maria. Anita nunca deixou de ver o jogador de bicho. Agenor continuou pregando na feira. A cega, mulher de seu Domingos, morreu de dengue. Depois da partida de sua amada, seu Domingos perdeu a graça. Foi recolhido com os santos em Aruanda.
- Pois é meu véio, Deus é maior que o mundo.
- Num é...
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Alguns arranhoes
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
Infância
Ao Marivan, onde talvez eu tenha passado os melhores anos da minha vida
O matraqueio de galhos redivivos ceifavam o breu contra o qual dispúnhamos os candeeiros. Ao longe, reduzida a um quadro displicentemente pintado, a extensa trilha de barro, através da qual alcançávamos nossa casa, incandescia à luz sublime da lua lívida, e a contemplávamos extáticos, geralmente sentados sobre a madeira úmida de um banco improvisado há algum tempo, inebriados pelo cheiro quimérico do querosene sendo consumido para alimentar o fogo. Entre uma e outra lenda mirabolante sobre os encantos da cidade desconhecida que existia além do mato e do mangue, lacunas de silêncio necessárias para ouvir o vento frio e litorâneo em cujas correntes se grudavam os eflúvios diversos da fauna, dando àquele entorno os caracteres mais vivos que, logo adiante, se tornariam uma constante póstuma à lembrança de quem os pôde sentir intimamente, todos os dias, no ritual etéreo da vida pobre e simples, repleta de imagens cativantes de que nunca cansamos de sentir sinceras saudades.
O matraqueio de galhos redivivos ceifavam o breu contra o qual dispúnhamos os candeeiros. Ao longe, reduzida a um quadro displicentemente pintado, a extensa trilha de barro, através da qual alcançávamos nossa casa, incandescia à luz sublime da lua lívida, e a contemplávamos extáticos, geralmente sentados sobre a madeira úmida de um banco improvisado há algum tempo, inebriados pelo cheiro quimérico do querosene sendo consumido para alimentar o fogo. Entre uma e outra lenda mirabolante sobre os encantos da cidade desconhecida que existia além do mato e do mangue, lacunas de silêncio necessárias para ouvir o vento frio e litorâneo em cujas correntes se grudavam os eflúvios diversos da fauna, dando àquele entorno os caracteres mais vivos que, logo adiante, se tornariam uma constante póstuma à lembrança de quem os pôde sentir intimamente, todos os dias, no ritual etéreo da vida pobre e simples, repleta de imagens cativantes de que nunca cansamos de sentir sinceras saudades.
Tchau torto
(OBSERVAÇÃO: GOSTARIA DE TER POSTADO ESTE TEXTO NA QUINTA, MAS COMO PENSEI QUE DEPOIS DE DUAS SEMANAS DE AUSÊNCIA ROOSEVELT LEITE VOLTARIA A POSTAR, PENSEI EM PUBLICÁ-LO NO FINAL DE SEMANA, MAS PARA ACABAR DE VEZ COM A MINHA FRUSTRAÇÃO, RESOLVI ENTÃO POSTAR NA MADRUGADA DA SEXTA. PEÇO DESCULPAS A JOÃO POR PEGAR UM HORÁRIO DO SEU DIA DE POSTAGEM)
Não tenho como negar que o torto foi de grande importância para o meu crescimento. Não poderia ser diferente. O torto chegou ao seu segundo aninho de vida com diversas produções textuais referentes a infinitas temáticas. Inclusive, me empolga bastante pensar que futuras gerações ao vasculharem a internet, terão um sitio arqueológico virtual disponibilizado pelo torto. Terão idéia dos valores que permeavam determinado tempo da história, farão suas criticas e repensarão outras tantas.
Entretanto, o torto atingiu o segundo semestre de 2011 com uma apatia enorme. Sim, eu sei que as crises fazem parte, e eu sempre tive em mente que o vazio que reinou no torto por esse tempo se deveu a muitos fatores como falta de tempo, outras prioridades, falta de inspiração, dentre outras tantas questões que prefiro deixar para falar mais a frente. Inclusive existe uma grande probabilidade de algum autor sequer saber da minha saída por sequer ter o interesse de ler esse texto.
Também sei que como um cara que admira a vulnerabilidade torta da vida, que essa condição do torto não o torna incoerente com suas propostas. Nos passos tortos que traçamos ao longo de nossas experiências, um dia estamos alegres, no próximo segundo estaremos tristes, empolgados, desanimados e por aí vai. Porém, assim como um cara que, por admitir essas oscilações fazem parte dessa vida torta, também sei que o meu torto não nega possuir escolhas sobre as coisas.
Bom, e a minha escolha é a seguinte: gostava do torto participativo, daquele torto onde os textos se enchiam de opiniões. Gostava daquele torto aberto às contradições e consumido pelo louco ímpeto de seus autores e leitores em provocar mais pontos de vista acerca dos temas abordados nos textos. Atualmente, ao entrar no torto, sinto um mal estar muito grande. Como eu gosto de fazer coisas que não me provoquem mal estar, optei em sair do torto, pois o torto já não me faz bem.
Mas mesmo ficando muito triste com essa crise, eu gostaria de dizer que até mesmo nessas situações, eu pude aprender com o torto. Além daqueles pontos que elenquei mais acima sobre o porquê do torto ter se tornado apático em suas participações, eu tenho comigo mais dois pontos: o primeiro se refere à relação de impessoalidade dos autores diante da multiplicidade de seus interesses; o segundo se refere à confusão de se entender liberdade individual com ausência de regras.
Sobre o primeiro ponto: quando o torto possuía um numero menor de autores, assim como uma tribo, as motivações e as problemáticas eram mais discutidas entre seus membros e isso os tornava mais ligados ao torto. Ou seja, quanto maior foi à pluralidade dos autores, maior foi o numero de interesses e maior foi à probabilidade de alguns deles fazerem do torto algo provisório, alheio e sem laços mais consolidados. Acredito que seja essa sensação que ocorre nas sociedades mais complexas.
Não estou querendo dizer que a entrada de novos autores tenha sido prejudicial ao torto. Ao contrário. Um exemplo é Maira que prova ter um carinho enorme pelo torto. O que estou dizendo é que a distância e a dificuldade de dialogarmos com os vários autores pode ter influenciado a crise. Devemos lembrar que houve aqueles autores que mal entraram e saíram e que se quer tiveram a consideração de avisar no torto a sua saída, pois não tiveram qualquer tipo de pertencimento com o torto.
O outro ponto se refere à idéia deturpada que se fez ao entender a liberdade de opinião proposta pelo torto com a necessidade da ausência de regras para o seu funcionamento. Todos os autores ao entrarem no torto, souberam que um dos critérios dizia respeito ao compromisso de se postar um texto semanalmente no dia escolhido por eles. Entretanto, começou a haver esquecimentos, falta de tempo e outras coisas e eu me dava o trabalho de lembrar aos autores sobre a postagem.
Isso me fez pagar um preço caro, pois começaram a me recriminar. Enfim, para alguns autores eu passei a representar a tirania do torto, e que o torto, antes de ser um espaço aberto para todos, tinha a minha pessoa como representante da centralização dele. Essas concepções aconteceram pelo fato de associarem liberdade com ausência de regras, gerando inclusive atritos com alguns autores. Para evitar problemas maiores, deixei rolar as coisas de acordo com o interesse de cada autor.
Com isso, muitos autores passaram a postar de forma desregulada e cada vez mais as produções foram ficando mais soltas sem qualquer tipo de frequência. Não digo isso com relação a todos os autores, porém, quem talvez ainda acompanhe o torto, poderá notar claramente que toda semana tem um dia que fica vazio devido a autores que passam mais de uma semana sem postar e sequer possuem algum comprometimento de pelo menos avisar aos leitores a não-postagem.
Antes de concluir o texto, gostaria de avisar aos leitores que o fato de eu optar em deixar o torto, não significa que eu nunca mais queira entrar no torto. Estou saindo com uma imensa saudade antes mesmo de partir, mas realmente eu sou uma pessoa que gosta de participar do que me faz bem, e essa indiferença que ando sentindo no torto não tem me feito bem. No entanto, nada impede de que em tempos futuros eu resolva mudar de opinião e peça aos autores para retornar ao torto.
Por enquanto, o meu interesse está em continuar produzindo textos, afinal, ando num momento de muita inspiração. Só que eu quero escrever apenas para mim. Quero produzir mais textos sobre o torto, tentando realizar uma vontade antiga que é montar uma epistemologia torta; também tenho um projeto de continuar com a trama “Rebeca no Planeta Torto” que anda guardada e que eu sinto que pode ser retomada devido às muitas idéias que estão surgindo em minha cabeça.
Tchau torto.
Não tenho como negar que o torto foi de grande importância para o meu crescimento. Não poderia ser diferente. O torto chegou ao seu segundo aninho de vida com diversas produções textuais referentes a infinitas temáticas. Inclusive, me empolga bastante pensar que futuras gerações ao vasculharem a internet, terão um sitio arqueológico virtual disponibilizado pelo torto. Terão idéia dos valores que permeavam determinado tempo da história, farão suas criticas e repensarão outras tantas.
Entretanto, o torto atingiu o segundo semestre de 2011 com uma apatia enorme. Sim, eu sei que as crises fazem parte, e eu sempre tive em mente que o vazio que reinou no torto por esse tempo se deveu a muitos fatores como falta de tempo, outras prioridades, falta de inspiração, dentre outras tantas questões que prefiro deixar para falar mais a frente. Inclusive existe uma grande probabilidade de algum autor sequer saber da minha saída por sequer ter o interesse de ler esse texto.
Também sei que como um cara que admira a vulnerabilidade torta da vida, que essa condição do torto não o torna incoerente com suas propostas. Nos passos tortos que traçamos ao longo de nossas experiências, um dia estamos alegres, no próximo segundo estaremos tristes, empolgados, desanimados e por aí vai. Porém, assim como um cara que, por admitir essas oscilações fazem parte dessa vida torta, também sei que o meu torto não nega possuir escolhas sobre as coisas.
Bom, e a minha escolha é a seguinte: gostava do torto participativo, daquele torto onde os textos se enchiam de opiniões. Gostava daquele torto aberto às contradições e consumido pelo louco ímpeto de seus autores e leitores em provocar mais pontos de vista acerca dos temas abordados nos textos. Atualmente, ao entrar no torto, sinto um mal estar muito grande. Como eu gosto de fazer coisas que não me provoquem mal estar, optei em sair do torto, pois o torto já não me faz bem.
Mas mesmo ficando muito triste com essa crise, eu gostaria de dizer que até mesmo nessas situações, eu pude aprender com o torto. Além daqueles pontos que elenquei mais acima sobre o porquê do torto ter se tornado apático em suas participações, eu tenho comigo mais dois pontos: o primeiro se refere à relação de impessoalidade dos autores diante da multiplicidade de seus interesses; o segundo se refere à confusão de se entender liberdade individual com ausência de regras.
Sobre o primeiro ponto: quando o torto possuía um numero menor de autores, assim como uma tribo, as motivações e as problemáticas eram mais discutidas entre seus membros e isso os tornava mais ligados ao torto. Ou seja, quanto maior foi à pluralidade dos autores, maior foi o numero de interesses e maior foi à probabilidade de alguns deles fazerem do torto algo provisório, alheio e sem laços mais consolidados. Acredito que seja essa sensação que ocorre nas sociedades mais complexas.
Não estou querendo dizer que a entrada de novos autores tenha sido prejudicial ao torto. Ao contrário. Um exemplo é Maira que prova ter um carinho enorme pelo torto. O que estou dizendo é que a distância e a dificuldade de dialogarmos com os vários autores pode ter influenciado a crise. Devemos lembrar que houve aqueles autores que mal entraram e saíram e que se quer tiveram a consideração de avisar no torto a sua saída, pois não tiveram qualquer tipo de pertencimento com o torto.
O outro ponto se refere à idéia deturpada que se fez ao entender a liberdade de opinião proposta pelo torto com a necessidade da ausência de regras para o seu funcionamento. Todos os autores ao entrarem no torto, souberam que um dos critérios dizia respeito ao compromisso de se postar um texto semanalmente no dia escolhido por eles. Entretanto, começou a haver esquecimentos, falta de tempo e outras coisas e eu me dava o trabalho de lembrar aos autores sobre a postagem.
Isso me fez pagar um preço caro, pois começaram a me recriminar. Enfim, para alguns autores eu passei a representar a tirania do torto, e que o torto, antes de ser um espaço aberto para todos, tinha a minha pessoa como representante da centralização dele. Essas concepções aconteceram pelo fato de associarem liberdade com ausência de regras, gerando inclusive atritos com alguns autores. Para evitar problemas maiores, deixei rolar as coisas de acordo com o interesse de cada autor.
Com isso, muitos autores passaram a postar de forma desregulada e cada vez mais as produções foram ficando mais soltas sem qualquer tipo de frequência. Não digo isso com relação a todos os autores, porém, quem talvez ainda acompanhe o torto, poderá notar claramente que toda semana tem um dia que fica vazio devido a autores que passam mais de uma semana sem postar e sequer possuem algum comprometimento de pelo menos avisar aos leitores a não-postagem.
Antes de concluir o texto, gostaria de avisar aos leitores que o fato de eu optar em deixar o torto, não significa que eu nunca mais queira entrar no torto. Estou saindo com uma imensa saudade antes mesmo de partir, mas realmente eu sou uma pessoa que gosta de participar do que me faz bem, e essa indiferença que ando sentindo no torto não tem me feito bem. No entanto, nada impede de que em tempos futuros eu resolva mudar de opinião e peça aos autores para retornar ao torto.
Por enquanto, o meu interesse está em continuar produzindo textos, afinal, ando num momento de muita inspiração. Só que eu quero escrever apenas para mim. Quero produzir mais textos sobre o torto, tentando realizar uma vontade antiga que é montar uma epistemologia torta; também tenho um projeto de continuar com a trama “Rebeca no Planeta Torto” que anda guardada e que eu sinto que pode ser retomada devido às muitas idéias que estão surgindo em minha cabeça.
Tchau torto.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Notas sobre o Positivismo e a Psicologia Social
Já virtualmente presente no pensamento de Saint-Simon, o positivismo foi sistematizado pelo filósofo Auguste Comte, que enxergava no desenvolvimento histórico das ciências a passagem evolutivo por três estágios, quais sejam, o teológico, o metafísico e, finalmente, o positivo. Na esteira de Comte, as ciências eram ainda pensadas hierarquicamente, ficando a psicologia até mesmo fora de sua classificação, por possuir ela, segundo o filósofo, alto teor metafísico. Isto ofendia sobremaneira um dos critérios que se pode observar na epistemologia positivista – o fenomenalismo, que advogava ser eliminado da ciência tudo o que não se desse à experiência.
Não obstante tudo isto, o positivismo, em suas diferentes versões, influenciou significativamente a consolidação da sociologia e da psicologia enquanto disciplinas independentes.
Tido como pai da psicologia moderna, o alemão Wilhelm Wundt patrocinava a ideia, de grande influência positivista, de que a psicologia científica deveria guiar-se pelos parâmetros das ciências naturais. Influenciado pelos princípios do positivismo, Wundt afirmava ser impossível apreender os processo mentais mais profundos por via do experimento. Ao mudar o foco da psicologia da psique para o organismo, Wundt promove um deslocamento que significou a transposição da filosofia para a biologia enquanto matriz-mor da psicologia.
O supra-citado princípio do fenomenalismo empreendido pelo positivismo se fez presente, mais tarde, na obra de Durkheim, figura-mor da sociologia, quando em seu clássico Regras do Método Sociológico afirma que caberia neste método tratar os fatos sociais como coisas, sendo estas tudo o que se impunha à observação. Como reputava a sociedade como indpendente dos indivíduos que a compõem, Durkheim evita recorrer a causas psicológicas na explicação de fenômenos sociais, lançando mão, para tal, do conceito de consciência coletiva. Esta determinaria, portanto, a consciência individual. Uma figura emblemática desta concepção é apresentada em seu estudo sobre o suicídio, em que o sociólogo em tela tenta provar que tal conduta não se explica por princípios de natureza psicológica.
Como corolário das conclusões de Durkheim temos a influência de sua teoria das representações coletivas sobre a teoria das representações sociais do psicólogo social romeno Serge Moscovici, que encabeça um dos principais recortes da psicologoia social hodierna, tendo sua origem na crítica ao sociólogo francês. Há também, segundo Alport, relevante influência sobre a concepção de realismo moral, do pensador suiço Jean Piaget, em que a criança analisa uma conduta como apreciável ou não em relação às consequências objetivas que aquela trouxe.
Não obstante tudo isto, o positivismo, em suas diferentes versões, influenciou significativamente a consolidação da sociologia e da psicologia enquanto disciplinas independentes.
Tido como pai da psicologia moderna, o alemão Wilhelm Wundt patrocinava a ideia, de grande influência positivista, de que a psicologia científica deveria guiar-se pelos parâmetros das ciências naturais. Influenciado pelos princípios do positivismo, Wundt afirmava ser impossível apreender os processo mentais mais profundos por via do experimento. Ao mudar o foco da psicologia da psique para o organismo, Wundt promove um deslocamento que significou a transposição da filosofia para a biologia enquanto matriz-mor da psicologia.
O supra-citado princípio do fenomenalismo empreendido pelo positivismo se fez presente, mais tarde, na obra de Durkheim, figura-mor da sociologia, quando em seu clássico Regras do Método Sociológico afirma que caberia neste método tratar os fatos sociais como coisas, sendo estas tudo o que se impunha à observação. Como reputava a sociedade como indpendente dos indivíduos que a compõem, Durkheim evita recorrer a causas psicológicas na explicação de fenômenos sociais, lançando mão, para tal, do conceito de consciência coletiva. Esta determinaria, portanto, a consciência individual. Uma figura emblemática desta concepção é apresentada em seu estudo sobre o suicídio, em que o sociólogo em tela tenta provar que tal conduta não se explica por princípios de natureza psicológica.
Como corolário das conclusões de Durkheim temos a influência de sua teoria das representações coletivas sobre a teoria das representações sociais do psicólogo social romeno Serge Moscovici, que encabeça um dos principais recortes da psicologoia social hodierna, tendo sua origem na crítica ao sociólogo francês. Há também, segundo Alport, relevante influência sobre a concepção de realismo moral, do pensador suiço Jean Piaget, em que a criança analisa uma conduta como apreciável ou não em relação às consequências objetivas que aquela trouxe.
terça-feira, 6 de dezembro de 2011
Sobre o anarquismo
Antes, eu gostaria de dizer que apesar de não gostar de me limitar às classificações, dentre as correntes questionadoras do capitalismo, o anarquismo é a que mais me provoca identificação. No entanto, falar de anarquismo pede uma gama enorme de questões. Por isso que optei em fazer um recorte e resolvi trazer uma discussão acerca da relação do anarquismo com a ordem e à hierarquia, assim como uma critica referente à intenção de tornar o anarquismo uma prática militante.
Pelo fato do anarquismo ir de encontro a qualquer tipo de autoridade, temos a mania de associá-lo como algo que não aceita a existência de regras, nem de hierarquias. Tenho que admitir que muitas intenções de seguidores acéfalos vinculados a uma militância, facilitou com que a gente passasse a associar a essa proposta como anti-ordem, uma vez que se disseram anarquistas por se oporem ao Estado sem perceber que não passavam de rebeldes sem causa e estimuladores da baderna.
Porém, não é por que o anarquismo preza a liberdade individual, que ele nega a ordem das coisas. As comunas independentes dentro de federações livres, como pensado por muitas correntes anarquistas, já são formas de ordem. Os contratos livres propostos pelo anarquismo mutualista de Proudhon, já é uma forma de se estabelecer a organização das coisas. O que o anarquismo critica é a ordem imposta por uma autoridade sem o consentimento dos demais indivíduos.
É por isso que para mim o anarquismo não nega a hierarquia, mas sim, a sujeição construída sob a base da tirania. Na música “Nova Aeon”, por exemplo, Raul Seixas, ao falar acerca da sociedade alternativa, diz o seguinte: “é ser carregado ou carregar gente nas costas/ direito de ter riso e prazer” Nota-se com isso que o anarquismo não nega o fato de um indivíduo ser gerenciado pelo outro. Em uma leitura rápida, podemos interpretar isso como uma relação de poder, mas não é.
Eu entendo isso da seguinte forma: existem indivíduos que possuem uma predisposição em assumir posições de liderança e outros em receber comandos. Obviamente que dentro de uma economia desigual capitalista, a tendência é que isso venha a gerar uma concentração maior de capital, e, portanto, de propriedade privada, no entanto, no anarquismo, o indivíduo que optou em receber comando, optou por CONTA PROPRIA sem necessariamente se encontrar explorado por isso.
Entendo que para o anarquismo, o problema de existir quem comanda e quem cumpre a ordem não é o problema. O problema é o fato de haver uma imposição na qual o outro não tem direito a voz. Não há como negarmos que existem indivíduos que possuem um potencial em cumprir ordem, assim como existem indivíduos que tendem a ter uma capacidade incrível de liderar. Para mim o que o anarquismo propõe é a liberdade de cada um viver da forma mais prazerosa possível.
É isso que o anarquismo para mim tenta propor, ou seja, um espaço no qual o indivíduo que se identifica com a produção intelectual, por exemplo, viva da produção intelectual da forma igual a do indivíduo que não possui interesse pela leitura e que prefere varrer a rua. O varredor teria um indivíduo administrando as suas funções, mas não necessariamente esse indivíduo teria o direito de intervir na liberdade desse varredor, nem tampouco de exercer uma imposição a esse varredor.
A discrepante desigualdade de valor dada pelo sistema capitalista acerca de cada função social é que é o problema. Muitos profissionais fazem o que gostam, mas são infelizes pelo fato do capitalismo tornar sua escolha profissional menos favorecida que outras; assim como muitos têm uma profissão valorizada, mas que também não são felizes, pois na verdade, gostariam de estar executando outras funções e só não exercem porque o capitalismo negligencia a função preferida deles.
Apesar da admiração que tenho pelo anarquismo, acredito que o seu grande problema foi tentar assumir uma posição militante. Ora, se eu digo que a liberdade individual é um dos grandes objetivos do anarquismo, como eu vou propor um modelo de sociedade anarquista? Propor um modelo já significa criar uma fôrma e retirar as opiniões singulares de cada um! Eu acredito que modelo, fôrma, imposição, são palavras inadequadas no que diz respeito às teorias anarquistas.
O anarquismo é um Ideal, e, portanto, jamais pode ser concretizado, uma vez que ele é fruto da opinião subjetiva de cada um. É por isso que eu acho que não existe O anarquista, e sim, anarquistaS. Não estou querendo dizer que os olhares plurais impossibilitem a alteração das estruturas do capitalismo. Só acho que cada um tem a liberdade de entender o anarquismo de acordo com sua individualidade e acredito que é o respeito a essa singularidade que marca uma das características primordiais do anarquismo.
Obviamente que o anarquismo ao propor a liberdade e a individualidade sem perder o senso de coletividade já desestabiliza o modelo capitalista. Só vou ter consciência da minha responsabilidade social quando eu reconhecer a minha pessoa e o outro enquanto extensão de mim nesse social. Enxergando-me enquanto individualidade, exercitarei a minha liberdade e reconhecerei a importância do outro. O meu senso de coletividade ocorrerá no instante em que eu tomar consciência do MEU lugar na coletividade.
Não quer dizer com isso que o indivíduo esteja desvinculado do social. Somos seres sociais por sermos educados a partir dos valores da sociedade. Entretanto, de nada valerá uma “coletividade” tentar conscientizar um indivíduo se esse indivíduo não se reconhecer enquanto parte do coletivo. Aceitar a idéia apenas de um social educando o individual, é aceitar que um grupo particular camuflado de coletivo venha impor seus valores de mundo negando a liberdade do indivíduo.
Para concluir, quero dizer o seguinte: o anarquismo busca alterar as formas de dominação do capitalismo. É a dominação desigual que se encontra na critica que o anarquismo faz ao capitalismo, o que não significa dizer que ele não conceba formas de hierarquias capazes de gerar ordem; assim como não acredito que seria válido atingirmos um modelo de sociedade anarquista, pois se o anarquismo respeita a individualidade, a única coisa que ele não quer é buscar modelos e fins para seus ideais.
Pelo fato do anarquismo ir de encontro a qualquer tipo de autoridade, temos a mania de associá-lo como algo que não aceita a existência de regras, nem de hierarquias. Tenho que admitir que muitas intenções de seguidores acéfalos vinculados a uma militância, facilitou com que a gente passasse a associar a essa proposta como anti-ordem, uma vez que se disseram anarquistas por se oporem ao Estado sem perceber que não passavam de rebeldes sem causa e estimuladores da baderna.
Porém, não é por que o anarquismo preza a liberdade individual, que ele nega a ordem das coisas. As comunas independentes dentro de federações livres, como pensado por muitas correntes anarquistas, já são formas de ordem. Os contratos livres propostos pelo anarquismo mutualista de Proudhon, já é uma forma de se estabelecer a organização das coisas. O que o anarquismo critica é a ordem imposta por uma autoridade sem o consentimento dos demais indivíduos.
É por isso que para mim o anarquismo não nega a hierarquia, mas sim, a sujeição construída sob a base da tirania. Na música “Nova Aeon”, por exemplo, Raul Seixas, ao falar acerca da sociedade alternativa, diz o seguinte: “é ser carregado ou carregar gente nas costas/ direito de ter riso e prazer” Nota-se com isso que o anarquismo não nega o fato de um indivíduo ser gerenciado pelo outro. Em uma leitura rápida, podemos interpretar isso como uma relação de poder, mas não é.
Eu entendo isso da seguinte forma: existem indivíduos que possuem uma predisposição em assumir posições de liderança e outros em receber comandos. Obviamente que dentro de uma economia desigual capitalista, a tendência é que isso venha a gerar uma concentração maior de capital, e, portanto, de propriedade privada, no entanto, no anarquismo, o indivíduo que optou em receber comando, optou por CONTA PROPRIA sem necessariamente se encontrar explorado por isso.
Entendo que para o anarquismo, o problema de existir quem comanda e quem cumpre a ordem não é o problema. O problema é o fato de haver uma imposição na qual o outro não tem direito a voz. Não há como negarmos que existem indivíduos que possuem um potencial em cumprir ordem, assim como existem indivíduos que tendem a ter uma capacidade incrível de liderar. Para mim o que o anarquismo propõe é a liberdade de cada um viver da forma mais prazerosa possível.
É isso que o anarquismo para mim tenta propor, ou seja, um espaço no qual o indivíduo que se identifica com a produção intelectual, por exemplo, viva da produção intelectual da forma igual a do indivíduo que não possui interesse pela leitura e que prefere varrer a rua. O varredor teria um indivíduo administrando as suas funções, mas não necessariamente esse indivíduo teria o direito de intervir na liberdade desse varredor, nem tampouco de exercer uma imposição a esse varredor.
A discrepante desigualdade de valor dada pelo sistema capitalista acerca de cada função social é que é o problema. Muitos profissionais fazem o que gostam, mas são infelizes pelo fato do capitalismo tornar sua escolha profissional menos favorecida que outras; assim como muitos têm uma profissão valorizada, mas que também não são felizes, pois na verdade, gostariam de estar executando outras funções e só não exercem porque o capitalismo negligencia a função preferida deles.
Apesar da admiração que tenho pelo anarquismo, acredito que o seu grande problema foi tentar assumir uma posição militante. Ora, se eu digo que a liberdade individual é um dos grandes objetivos do anarquismo, como eu vou propor um modelo de sociedade anarquista? Propor um modelo já significa criar uma fôrma e retirar as opiniões singulares de cada um! Eu acredito que modelo, fôrma, imposição, são palavras inadequadas no que diz respeito às teorias anarquistas.
O anarquismo é um Ideal, e, portanto, jamais pode ser concretizado, uma vez que ele é fruto da opinião subjetiva de cada um. É por isso que eu acho que não existe O anarquista, e sim, anarquistaS. Não estou querendo dizer que os olhares plurais impossibilitem a alteração das estruturas do capitalismo. Só acho que cada um tem a liberdade de entender o anarquismo de acordo com sua individualidade e acredito que é o respeito a essa singularidade que marca uma das características primordiais do anarquismo.
Obviamente que o anarquismo ao propor a liberdade e a individualidade sem perder o senso de coletividade já desestabiliza o modelo capitalista. Só vou ter consciência da minha responsabilidade social quando eu reconhecer a minha pessoa e o outro enquanto extensão de mim nesse social. Enxergando-me enquanto individualidade, exercitarei a minha liberdade e reconhecerei a importância do outro. O meu senso de coletividade ocorrerá no instante em que eu tomar consciência do MEU lugar na coletividade.
Não quer dizer com isso que o indivíduo esteja desvinculado do social. Somos seres sociais por sermos educados a partir dos valores da sociedade. Entretanto, de nada valerá uma “coletividade” tentar conscientizar um indivíduo se esse indivíduo não se reconhecer enquanto parte do coletivo. Aceitar a idéia apenas de um social educando o individual, é aceitar que um grupo particular camuflado de coletivo venha impor seus valores de mundo negando a liberdade do indivíduo.
Para concluir, quero dizer o seguinte: o anarquismo busca alterar as formas de dominação do capitalismo. É a dominação desigual que se encontra na critica que o anarquismo faz ao capitalismo, o que não significa dizer que ele não conceba formas de hierarquias capazes de gerar ordem; assim como não acredito que seria válido atingirmos um modelo de sociedade anarquista, pois se o anarquismo respeita a individualidade, a única coisa que ele não quer é buscar modelos e fins para seus ideais.
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Quando os sacos enchem
Os sacos encheram de porra,
toda a porosidade dos corpos cavernosos se embeberam de sangue,
o que resta e deixar que tudo corra, que os espermas saiam numa inquieta velocidade e assim siga: erupcao vulcanica.
Porque insistimos em denominar a grossa e corpulenta salcinha de penis nos livros cientificos, se pau e muito mais significativo. Por que ter uma relacao sexual e nao ter uma trepada para acalmar os animos dos instintos endiabrados?
Os instintos clamam, as fantasias florescem e o pinto cresce. Cresce, cresce e precisa ser atendido depois de uma reacao brusca anti- gravitacional. E quando a gravidade e mais forte, a frustracao turva a identidade masculina. Biologico? Talvez. Cultural? Nao sei.
toda a porosidade dos corpos cavernosos se embeberam de sangue,
o que resta e deixar que tudo corra, que os espermas saiam numa inquieta velocidade e assim siga: erupcao vulcanica.
Porque insistimos em denominar a grossa e corpulenta salcinha de penis nos livros cientificos, se pau e muito mais significativo. Por que ter uma relacao sexual e nao ter uma trepada para acalmar os animos dos instintos endiabrados?
Os instintos clamam, as fantasias florescem e o pinto cresce. Cresce, cresce e precisa ser atendido depois de uma reacao brusca anti- gravitacional. E quando a gravidade e mais forte, a frustracao turva a identidade masculina. Biologico? Talvez. Cultural? Nao sei.
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
Acerca da amizade
Certa tarde, quando fui visitar um amigo em sua casa, empreendemos uma conversa demorada sobre objetos antigos. Um interesse comum em discussões sobre o passado, em cuja cova não cansamos de fincar a pá a fim de desenterrar destroços quase sempre apodrecidos, levou-nos a descobrir uma fita cassete escondida na gaveta inferior da velha estante do seu quarto. Constava na capa de papelão alguns agravos e diminutas manchas amarelas, ambos os danos surgidos sob os auspícios do tempo, que, impossibilitado de reduzir a velocidade dos seus passos ou mesmo pará-los por força de sua natureza atlética, não oferece a si uma paz mais duradoura, uma felicidade passível ao amadurecimento. Analisamos, então, toda a superfície do objeto e decidimos verificar que tesouro fílmico se segredava ali dentro: depois de rebobinada, pusemos a fita no vídeo-cassete. E que surpresa atroz aquele encontro casual nos trouxe, obstruindo às nossas almas todas as vias por onde os adultos deixam vazar insensibilidade, somando-se às recordações aquecidas pela conversa sobre eventos já distantes como o incremento mais nostálgico entre todos os outros: O último dos moicanos, animação singela que vimos sentados sobre um sofá caquético falecido há alguns anos, enterneceu-me a tal ponto o peito arfante que, inspirado pelas circunstâncias, escrevi no bloco de notas uma reflexão ligeira sobre a amizade: se a ilusão não tivesse entremeado os interesses de Dom Quixote e Sancho Pança, apagada pela implacável borracha da história, a relação de amizade que tiveram não haveria resistido ao primeiro crítico.
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Fantasmas da Noite
Homenagem aos Lêmures nesta terra de ímpares...
__________________________________________
Vivo saltitando de lado
Ocupando pouco espaço
A vizinhaça se incomoda
Pois bem, não fique muito inculcado
O esporte deles é o fracasso
E a vingança mesmo que a galope
Sempre vem
Olhos vigilantes
A contingência é constante
E a confiança é a falsa antagonista do romance
Pérolas aos porcos
Não as jogue
Deixe que eles façam com o que têm
Só me restam os outros primatas
E os moais da Ilha de Páscoa
Vivo sem par e sem pátria pra cantar!
__________________________________________
Vivo saltitando de lado
Ocupando pouco espaço
A vizinhaça se incomoda
Pois bem, não fique muito inculcado
O esporte deles é o fracasso
E a vingança mesmo que a galope
Sempre vem
Olhos vigilantes
A contingência é constante
E a confiança é a falsa antagonista do romance
Pérolas aos porcos
Não as jogue
Deixe que eles façam com o que têm
Só me restam os outros primatas
E os moais da Ilha de Páscoa
Vivo sem par e sem pátria pra cantar!
terça-feira, 29 de novembro de 2011
As escolas e as bibliotecas
Esta semana li um livro intitulado “Ordenar para desordenar” de Luiz Milanesi que vai fazer uma análise acerca dos professores, dos bibliotecários, da comunidade e dos alunos em relação à biblioteca. Resolvi trazer uma resenha breve acerca dessa obra, principalmente por que me lembrei de uma vez (apenas uma!) que fui à biblioteca pública aqui em Aracaju com meu amigo torto Josué Maia e saí decepcionado por ela não ter provocado qualquer motivação que me fizesse voltar lá outra vez.
Segundo o autor, diferente da Europa, onde a história da escrita e da leitura teve tempo suficiente para amadurecer e pertencer a um hábito mais cotidiano da população, no Brasil, a prática com a leitura, antes mesmo de conseguir atingir uma totalidade do território brasileiro, perdeu lugar para os meios de comunicação de massa. Em outras palavras, antes da população se alfabetizar e passar por um processo de educação voltada à prática da leitura, ela passou a ser educada por esses meios massivos.
Para complicar ainda mais a situação, no Brasil foi se criando uma idéia de acesso à leitura como algo reservado aos ditos intelectuais. Portanto, a biblioteca passou a significar inacessibilidade. Já os meios de comunicação, com o intuito de gerar consumo em suas emissoras, passaram a se utilizar de discursos populares. Como o país era marcado por alto índice de analfabetismo, as bibliotecas se tornaram lugares chatos, enquanto os meios de comunicação de massa passaram a ser consumidos.
Juntando o fato da leitura não ter tido tempo de se alastrar entre os brasileiros, além de se criar a idéia de uma biblioteca serviente apenas aos interesses de uma categoria letrada, somou-se ainda a forma como os professores passaram a utilizar a biblioteca. Ao invés de pensá-la como algo capaz de produzir questionamentos, esse espaço passou a representar formas de obrigação, uma vez que ele significa o meio pelo qual os alunos se utilizam apenas para adquirirem suas notas.
O uso da biblioteca passou apenas a cumprir uma obrigação exigida pelo professor. Os docentes, ao proporem essas pesquisas, colocam essa atividade como algo voltado a uma utilidade prática. A biblioteca, ao invés de abrir a possibilidade de inúmeras formas de leituras, provocando o reconhecimento das contradições, passou a servir apenas para a reprodução de um conhecimento exposto em sala de aula, o qual passou a se caracterizar pela necessidade da praticidade acrítica, fazendo da informação apenas uma cópia.
Entretanto, mesmo reconhecendo características perpetuadoras do sistema nas instituições educacionais, Milanesi admite que o espaço da escola, por reproduzir o discurso da ordem vigente, inevitavelmente cria possibilidades de resistências, servindo como brechas dentro das instituições de ensino, fazendo com que o conhecimento não se resuma apenas à memorização dos conteúdos, e sim, a algo capaz de provocar nos alunos o reconhecimento das contradições e alternativas de como superá-las.
Outra crítica se referiu à condição dos bibliotecários no Brasil. Estes se preparam para serem técnicos e atuam no espaço apenas com a função de catalogar e de classificar. Sem contar que muitos que assumem esse posto são indivíduos sem nenhum preparo e que foram removidos de seus cargos anteriores. Isso gera desestímulos nos usuários, visto que os bibliotecários não se preocupam em conhecer as reais necessidades do alunado, tornando a biblioteca um espaço descontextualizado.
Apesar do autor reconhecer que as bibliotecas são descontextualizadas das reais necessidades dos usuários, e de não fornecer serviços de qualidade, ele também entende a biblioteca como um espaço de transformação da sociedade, uma vez que para ele, a biblioteca dentro de sua ordenação nas prateleiras, apresenta ao leitor a possibilidade de se adentrar em uma pluralidade de pontos vista e com isso, promover o encontro desse público com as contradições expostas diante da diversidade textual.
No entanto, a biblioteca não deve se restringir a um espaço voltado unicamente ao contato do público leitor, mas deve também se preocupar com o público majoritário analfabeto que representa a parcela mais alheia a ela. Para isso, essas instituições têm o papel de não reduzir sua função apenas à prática da leitura textual, mas deve trazer possibilidades de outros tipos de atividades dentro delas como debates, amostra de filmes, utilização de áudios, dentre outras coisas.
Essa perspectiva decorre pelo fato do autor conceber a capacidade dos setores iletrados em produzir conhecimentos, obter e expor informações da mesma forma que o público preparado para lidar com a leitura. Para ele, deve-se compreender que as linguagens imagéticas ou de qualquer outra ordem, podem propiciar o contato do público com novas questões, com a possibilidade de re-elaboração de sentidos, de novas formas de compreensão acerca do mundo também através desses meios.
A idéia é formular uma biblioteca que não se resuma ao apático cotidiano monótono e mecanicista que mais parece um funcionalismo público. O olhar de Milanesi se encontra voltado a uma biblioteca que, através da ordem colocada em sua organização, seja capaz de provocar desordens a partir do instante em que possibilita o usuário a ler o mundo de forma mais crítica pelo fato desse conhecimento se encontrar diretamente vinculado ao seu cotidiano cultural.
Milanesi mostra a possibilidade das bibliotecas exporem as histórias dos setores excluídos, fazendo-os se sentirem pertencidos e atuantes na história. O autor salienta que a apresentação de produções ditas eruditas para esse setor é também de profunda importância, pois é através delas que esse público, ao se estranhar com uma prática não-recorrente em seu meio cultural, questiona os valores, possibilitando a re-significação de uma ordem, produzindo assim, uma desordem e gerando uma nova ordem.
Para Milanesi, deve se haver um diálogo entre bibliotecários e professores. Ao bibliotecário é dada a função não só da sua técnica enquanto catalogação das obras, como o papel de buscar compreender, mesmo que de forma superficial, conteúdos das obras, assim como os reais interesses dos usuários. Já com relação aos professores, cabe a eles provocarem questões em salas de aula, propor aos alunos pesquisas que façam com que eles detectem contradições para que essas contradições sejam posteriormente superadas.
Para finalizar, gostaria de deixar uma observação acerca de uma lacuna percebida por mim ao ler o livro. Antes preciso dizer que achei formidável a análise do autor sobre a biblioteca no Brasil, como fiquei bastante satisfeito com o esclarecimento que ele me proporcionou sobre o papel do bibliotecário. Posso dizer também que a proposta de articular o diálogo entre professores-bibliotecários-alunos foi muito pertinente, além de admitir que a visão acerca da biblioteca pela ótica de Milanesi foi extasiante.
Entretanto, apesar dessa análise crítica em tornar a biblioteca um lugar mais agradável, eu fiquei a me questionar sobre como a partir dessa proposta, atingir o objetivo de fazer o aluno também se usufruir do consumo de livros na biblioteca. Não acredito que é apenas disponibilizando livros mais vinculados aos reais interesses do público que uma biblioteca possibilitará o consumo do livro em uma cultura marcada pelo analfabetismo e pela falta de hábito com a leitura.
Investir em outros recursos é de fato um caminho bastante pertinente, mas como estimular a partir disso um interesse pela leitura? As bibliotecas podem abrir possibilidades de outras atividades, mas ao sair delas, ou os alunos vão se deparar geralmente com a falta de habito de leitura dos pais e da sociedade em geral, ou a comunidade, em particular os analfabetos continuarão sem ler justamente pela carência de ferramentas provocadas pela sua falta de contato com a alfabetização.
Como a partir da utilização de outros recursos disponibilizados pelas bibliotecas, o público em geral vai passar a ter interesse em tornar a leitura um hábito, levando-se em conta que ele pode se deparar com esses entraves em seu cotidiano? Como fazer com que os meios de comunicação, mesmo passando a produzir novas formas de conhecimento, sejam ao menos mais distribuídos entre as prioridades do público para que com isso a leitura também faça parte de suas vidas?
REFERÊNCIA
MILANESI, Luiz. Ordenar para desordenar. 2 edição: São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
Segundo o autor, diferente da Europa, onde a história da escrita e da leitura teve tempo suficiente para amadurecer e pertencer a um hábito mais cotidiano da população, no Brasil, a prática com a leitura, antes mesmo de conseguir atingir uma totalidade do território brasileiro, perdeu lugar para os meios de comunicação de massa. Em outras palavras, antes da população se alfabetizar e passar por um processo de educação voltada à prática da leitura, ela passou a ser educada por esses meios massivos.
Para complicar ainda mais a situação, no Brasil foi se criando uma idéia de acesso à leitura como algo reservado aos ditos intelectuais. Portanto, a biblioteca passou a significar inacessibilidade. Já os meios de comunicação, com o intuito de gerar consumo em suas emissoras, passaram a se utilizar de discursos populares. Como o país era marcado por alto índice de analfabetismo, as bibliotecas se tornaram lugares chatos, enquanto os meios de comunicação de massa passaram a ser consumidos.
Juntando o fato da leitura não ter tido tempo de se alastrar entre os brasileiros, além de se criar a idéia de uma biblioteca serviente apenas aos interesses de uma categoria letrada, somou-se ainda a forma como os professores passaram a utilizar a biblioteca. Ao invés de pensá-la como algo capaz de produzir questionamentos, esse espaço passou a representar formas de obrigação, uma vez que ele significa o meio pelo qual os alunos se utilizam apenas para adquirirem suas notas.
O uso da biblioteca passou apenas a cumprir uma obrigação exigida pelo professor. Os docentes, ao proporem essas pesquisas, colocam essa atividade como algo voltado a uma utilidade prática. A biblioteca, ao invés de abrir a possibilidade de inúmeras formas de leituras, provocando o reconhecimento das contradições, passou a servir apenas para a reprodução de um conhecimento exposto em sala de aula, o qual passou a se caracterizar pela necessidade da praticidade acrítica, fazendo da informação apenas uma cópia.
Entretanto, mesmo reconhecendo características perpetuadoras do sistema nas instituições educacionais, Milanesi admite que o espaço da escola, por reproduzir o discurso da ordem vigente, inevitavelmente cria possibilidades de resistências, servindo como brechas dentro das instituições de ensino, fazendo com que o conhecimento não se resuma apenas à memorização dos conteúdos, e sim, a algo capaz de provocar nos alunos o reconhecimento das contradições e alternativas de como superá-las.
Outra crítica se referiu à condição dos bibliotecários no Brasil. Estes se preparam para serem técnicos e atuam no espaço apenas com a função de catalogar e de classificar. Sem contar que muitos que assumem esse posto são indivíduos sem nenhum preparo e que foram removidos de seus cargos anteriores. Isso gera desestímulos nos usuários, visto que os bibliotecários não se preocupam em conhecer as reais necessidades do alunado, tornando a biblioteca um espaço descontextualizado.
Apesar do autor reconhecer que as bibliotecas são descontextualizadas das reais necessidades dos usuários, e de não fornecer serviços de qualidade, ele também entende a biblioteca como um espaço de transformação da sociedade, uma vez que para ele, a biblioteca dentro de sua ordenação nas prateleiras, apresenta ao leitor a possibilidade de se adentrar em uma pluralidade de pontos vista e com isso, promover o encontro desse público com as contradições expostas diante da diversidade textual.
No entanto, a biblioteca não deve se restringir a um espaço voltado unicamente ao contato do público leitor, mas deve também se preocupar com o público majoritário analfabeto que representa a parcela mais alheia a ela. Para isso, essas instituições têm o papel de não reduzir sua função apenas à prática da leitura textual, mas deve trazer possibilidades de outros tipos de atividades dentro delas como debates, amostra de filmes, utilização de áudios, dentre outras coisas.
Essa perspectiva decorre pelo fato do autor conceber a capacidade dos setores iletrados em produzir conhecimentos, obter e expor informações da mesma forma que o público preparado para lidar com a leitura. Para ele, deve-se compreender que as linguagens imagéticas ou de qualquer outra ordem, podem propiciar o contato do público com novas questões, com a possibilidade de re-elaboração de sentidos, de novas formas de compreensão acerca do mundo também através desses meios.
A idéia é formular uma biblioteca que não se resuma ao apático cotidiano monótono e mecanicista que mais parece um funcionalismo público. O olhar de Milanesi se encontra voltado a uma biblioteca que, através da ordem colocada em sua organização, seja capaz de provocar desordens a partir do instante em que possibilita o usuário a ler o mundo de forma mais crítica pelo fato desse conhecimento se encontrar diretamente vinculado ao seu cotidiano cultural.
Milanesi mostra a possibilidade das bibliotecas exporem as histórias dos setores excluídos, fazendo-os se sentirem pertencidos e atuantes na história. O autor salienta que a apresentação de produções ditas eruditas para esse setor é também de profunda importância, pois é através delas que esse público, ao se estranhar com uma prática não-recorrente em seu meio cultural, questiona os valores, possibilitando a re-significação de uma ordem, produzindo assim, uma desordem e gerando uma nova ordem.
Para Milanesi, deve se haver um diálogo entre bibliotecários e professores. Ao bibliotecário é dada a função não só da sua técnica enquanto catalogação das obras, como o papel de buscar compreender, mesmo que de forma superficial, conteúdos das obras, assim como os reais interesses dos usuários. Já com relação aos professores, cabe a eles provocarem questões em salas de aula, propor aos alunos pesquisas que façam com que eles detectem contradições para que essas contradições sejam posteriormente superadas.
Para finalizar, gostaria de deixar uma observação acerca de uma lacuna percebida por mim ao ler o livro. Antes preciso dizer que achei formidável a análise do autor sobre a biblioteca no Brasil, como fiquei bastante satisfeito com o esclarecimento que ele me proporcionou sobre o papel do bibliotecário. Posso dizer também que a proposta de articular o diálogo entre professores-bibliotecários-alunos foi muito pertinente, além de admitir que a visão acerca da biblioteca pela ótica de Milanesi foi extasiante.
Entretanto, apesar dessa análise crítica em tornar a biblioteca um lugar mais agradável, eu fiquei a me questionar sobre como a partir dessa proposta, atingir o objetivo de fazer o aluno também se usufruir do consumo de livros na biblioteca. Não acredito que é apenas disponibilizando livros mais vinculados aos reais interesses do público que uma biblioteca possibilitará o consumo do livro em uma cultura marcada pelo analfabetismo e pela falta de hábito com a leitura.
Investir em outros recursos é de fato um caminho bastante pertinente, mas como estimular a partir disso um interesse pela leitura? As bibliotecas podem abrir possibilidades de outras atividades, mas ao sair delas, ou os alunos vão se deparar geralmente com a falta de habito de leitura dos pais e da sociedade em geral, ou a comunidade, em particular os analfabetos continuarão sem ler justamente pela carência de ferramentas provocadas pela sua falta de contato com a alfabetização.
Como a partir da utilização de outros recursos disponibilizados pelas bibliotecas, o público em geral vai passar a ter interesse em tornar a leitura um hábito, levando-se em conta que ele pode se deparar com esses entraves em seu cotidiano? Como fazer com que os meios de comunicação, mesmo passando a produzir novas formas de conhecimento, sejam ao menos mais distribuídos entre as prioridades do público para que com isso a leitura também faça parte de suas vidas?
REFERÊNCIA
MILANESI, Luiz. Ordenar para desordenar. 2 edição: São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.
sexta-feira, 25 de novembro de 2011
Sebos
Ao mítico Fúria
Eldorado à vista! O pirata solitário atraca na costa deste país encantado após ter rasgado mares turbulentos e enfrentado feras marinhas. O seu paquete é resistente e feroz como um Davi que carrega nas mãos uma pequena arma cuja função é atirar pedras e que se tornara pretensioso o suficiente para desfraldar um peito guerreiro e humano nos combates. ainda que mais frágil e menos veloz que os grandes veleiros projetados com compartimentos generosos e portanto capazes de carregar tripulações maciças, como qualquer embarcação pilotada por um aventureiro destemido pode levar quem a conduz aos lugares mais fantásticos onde se encontram valiosos tesouros. A paisagem suntuosa segreda no seu âmago peças raríssimas, empoleiradas por camadas opacas de pó e teias de aranha em quase toda a sua superfície. Atônito com as novidades, as quais projetou em sonho ao ser provocado à busca por quem falou sobre elas, quando o corajoso pirata as toma em suas mãos fazendo caso de modo a não degenerá-las, passa a destinar aplicações àquela quantidade de riquezas que encontrara alocadas em estantes muito velhas, depois do esforço despendido ao transpassar ondas enormes e correntes marítimas brutais. Policia, calmo e feliz, cada objeto. Senta-se, por fim, com um deles sobre o colo e descansa admirando-o.
Eldorado à vista! O pirata solitário atraca na costa deste país encantado após ter rasgado mares turbulentos e enfrentado feras marinhas. O seu paquete é resistente e feroz como um Davi que carrega nas mãos uma pequena arma cuja função é atirar pedras e que se tornara pretensioso o suficiente para desfraldar um peito guerreiro e humano nos combates. ainda que mais frágil e menos veloz que os grandes veleiros projetados com compartimentos generosos e portanto capazes de carregar tripulações maciças, como qualquer embarcação pilotada por um aventureiro destemido pode levar quem a conduz aos lugares mais fantásticos onde se encontram valiosos tesouros. A paisagem suntuosa segreda no seu âmago peças raríssimas, empoleiradas por camadas opacas de pó e teias de aranha em quase toda a sua superfície. Atônito com as novidades, as quais projetou em sonho ao ser provocado à busca por quem falou sobre elas, quando o corajoso pirata as toma em suas mãos fazendo caso de modo a não degenerá-las, passa a destinar aplicações àquela quantidade de riquezas que encontrara alocadas em estantes muito velhas, depois do esforço despendido ao transpassar ondas enormes e correntes marítimas brutais. Policia, calmo e feliz, cada objeto. Senta-se, por fim, com um deles sobre o colo e descansa admirando-o.
quarta-feira, 23 de novembro de 2011
terça-feira, 22 de novembro de 2011
IFAL na rádio
(RESULTADOS ACERCA DAS DECISÕES TOMADAS NA REUNIÃO REALIZADA NO DIA 17 DE NOVEMBRO NA RÁDIO INDEPEDENTE 98.1 LOCALIZADA EM PIRANHAS-ALAGOAS).
Como eu fiz questão de observar na semana passada, acredito que o projeto “O velho Chico em ação” com o programa “A voz da juventude” que está sendo realizado conjuntamente por mim e pelos alunos do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) na Rádio Independente 98.1, deve se preocupar com a idéia de extensão. Para isso, fiz algumas observações sobre o cuidado que devemos ter ao julgarmos determinados formatos de programas como bons apenas para os nossos critérios, para que o projeto de extensão não se reduza a julgamentos elitistas.
No entanto, na reunião que foi realizada nessa quinta-feira (17/11), um dos primeiros discursos que ouvi de um dos alunos que não puderam comparecer a reunião passada foi acerca da não-inclusão de músicas que não viessem a trazer nada de formativo para os ouvintes. Volto a dizer: acho importante respeitarmos o gosto estético geralmente mais consumido pela comunidade, não só para praticarmos a tal diversidade cultural tão aclamada, como também para trazermos esse público para consumir o programa e ao mesmo tempo, expor outros formatos de programação para ele.
Sou da opinião de que o papel de uma instituição educacional é abrir a possibilidade de construir uma programação que possa provocar reflexões e conscientização nos ouvintes. Para isso, foi colocada no nosso encontro a possibilidade de convidarmos algum professor capacitado em discorrer acerca de algumas problemáticas que geralmente são encontradas em determinadas músicas como a condição da mulher, um debate sobre os ganhos e os perigos acerca da abertura do sexo na sociedade, etc, apresentando ao mesmo tempo na programação, músicas referentes a essas temáticas.
Acho que dessa forma, não só respeitaremos as diversas tendências musicais nas grades da programação, aceitando por conseqüência, o habito estético e musical da comunidade, motivando-a a consumir o programa, assim como traremos novas indagações que talvez não possam ter sido refletidas por ela. Mesmo assim, buscamos ter um cuidado acerca das afirmações sobre a capacidade interpretativa da comunidade. Para isso, optamos em formar algumas equipes para a partir dessa semana, aplicar um questionário para sabermos quais são as reais necessidades e opiniões do ouvinte.
Optamos primeiramente aplicar os questionários dentro das escolas para sabermos a opinião dos alunos e dos demais servidores acerca de qual programação seria mais interessante para eles, assim como a programação que não condiz com seus interesses, quais estilos musicais eles gostam de ouvir, quais estilos musicais eles não se identificam, etc. As escolas foram as escolhidas em primeiro plano, pois aproveitamos que alguns alunos envolvidos nos grêmios estudantis que também fazem parte do projeto já estão passando pelas escolas divulgando suas pautas políticas.
A idéia do projeto é também abrir a possibilidade do aluno participar dos programas. Acredito que colocando os alunos como locutores e responsáveis pela construção das pautas a serem discutidas no programa, possibilitaremos não só que eles passem a se interessar em angariar notícias referentes à educação, e por conseqüência, regulamentos que dizem respeito aos seus direitos e deveres, como também fazer com que eles observem através das suas práticas na rádio, a importância da comunicação como uma ferramenta capaz de possibilitar uma possível troca de informações, e, portanto, de novas reivindicações entre eles.
Como sabemos que os alunos não possuem experiências em apresentações de rádio, formamos equipes para serem treinadas por Claudevânia Freitas, que além de ter experiências como apresentadora de rádio, também é aluna do curso de agroindústria do IFAL. Ficou decidido que as equipes começaram a ter cursos de manuseio com os equipamentos disponíveis na rádio no sábado (19/11). Acredito que a instrumentalização desses alunos estimulará um aumento positivo em sua auto-estima, uma vez que se sentirão úteis à sociedade.
Como forma de incentivar os alunos e de institucionalizar o programa no IFAL, apresentei na reunião o projeto de extensão elaborado por mim durante a semana. Enviei o projeto para a reitoria do Instituto pedindo ajuda de custos para a contratação de dois bolsistas. Como forma de motivar os alunos que não receberão bolsas, propus no projeto a possibilidade de entregas de certificados para que eles possam angariar títulos importantes em seus currículos, favorecendo uma maior possibilidade de inclusão no mercado depois que tiverem finalizado seus cursos no IFAL.
Houve uma discussão referente à possibilidade da criação de uma rádio-novela. Como a idéia foi gerada por Daniel, professor de artes do IFAL, decidimos convocá-lo para participar da elaboração da trama e para organizar os ensaios. Falamos também acerca da elaboração de um documento referente à autorização dos pais em liberar seus filhos para participar do projeto, já que alguns alunos dos cursos técnicos, por serem menor de idade, têm sofrido empecilhos em comparecer aos nossos encontros. Esse documento será apresentado em uma reunião que acontecerá na próxima quarta-feira (23/11).
Gostaria de pedir aos leitores que se possível, provocassem novas questões acerca do projeto, tentando ao máximo possível, contribuir com novas sugestões, críticas, etc, pois acredito que quanto maior for o numero de observações sobre este projeto, maior a nossa possibilidade de enriquecê-lo, uma vez que eu acredito que é através de novas contribuições que o projeto poderá se aperfeiçoar cada vez mais. Por enquanto, eu fico à espera da próxima reunião que será realizada na próxima quinta-feira (24/11) para trazer de forma atualizada novas realizações do projeto.
Como eu fiz questão de observar na semana passada, acredito que o projeto “O velho Chico em ação” com o programa “A voz da juventude” que está sendo realizado conjuntamente por mim e pelos alunos do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) na Rádio Independente 98.1, deve se preocupar com a idéia de extensão. Para isso, fiz algumas observações sobre o cuidado que devemos ter ao julgarmos determinados formatos de programas como bons apenas para os nossos critérios, para que o projeto de extensão não se reduza a julgamentos elitistas.
No entanto, na reunião que foi realizada nessa quinta-feira (17/11), um dos primeiros discursos que ouvi de um dos alunos que não puderam comparecer a reunião passada foi acerca da não-inclusão de músicas que não viessem a trazer nada de formativo para os ouvintes. Volto a dizer: acho importante respeitarmos o gosto estético geralmente mais consumido pela comunidade, não só para praticarmos a tal diversidade cultural tão aclamada, como também para trazermos esse público para consumir o programa e ao mesmo tempo, expor outros formatos de programação para ele.
Sou da opinião de que o papel de uma instituição educacional é abrir a possibilidade de construir uma programação que possa provocar reflexões e conscientização nos ouvintes. Para isso, foi colocada no nosso encontro a possibilidade de convidarmos algum professor capacitado em discorrer acerca de algumas problemáticas que geralmente são encontradas em determinadas músicas como a condição da mulher, um debate sobre os ganhos e os perigos acerca da abertura do sexo na sociedade, etc, apresentando ao mesmo tempo na programação, músicas referentes a essas temáticas.
Acho que dessa forma, não só respeitaremos as diversas tendências musicais nas grades da programação, aceitando por conseqüência, o habito estético e musical da comunidade, motivando-a a consumir o programa, assim como traremos novas indagações que talvez não possam ter sido refletidas por ela. Mesmo assim, buscamos ter um cuidado acerca das afirmações sobre a capacidade interpretativa da comunidade. Para isso, optamos em formar algumas equipes para a partir dessa semana, aplicar um questionário para sabermos quais são as reais necessidades e opiniões do ouvinte.
Optamos primeiramente aplicar os questionários dentro das escolas para sabermos a opinião dos alunos e dos demais servidores acerca de qual programação seria mais interessante para eles, assim como a programação que não condiz com seus interesses, quais estilos musicais eles gostam de ouvir, quais estilos musicais eles não se identificam, etc. As escolas foram as escolhidas em primeiro plano, pois aproveitamos que alguns alunos envolvidos nos grêmios estudantis que também fazem parte do projeto já estão passando pelas escolas divulgando suas pautas políticas.
A idéia do projeto é também abrir a possibilidade do aluno participar dos programas. Acredito que colocando os alunos como locutores e responsáveis pela construção das pautas a serem discutidas no programa, possibilitaremos não só que eles passem a se interessar em angariar notícias referentes à educação, e por conseqüência, regulamentos que dizem respeito aos seus direitos e deveres, como também fazer com que eles observem através das suas práticas na rádio, a importância da comunicação como uma ferramenta capaz de possibilitar uma possível troca de informações, e, portanto, de novas reivindicações entre eles.
Como sabemos que os alunos não possuem experiências em apresentações de rádio, formamos equipes para serem treinadas por Claudevânia Freitas, que além de ter experiências como apresentadora de rádio, também é aluna do curso de agroindústria do IFAL. Ficou decidido que as equipes começaram a ter cursos de manuseio com os equipamentos disponíveis na rádio no sábado (19/11). Acredito que a instrumentalização desses alunos estimulará um aumento positivo em sua auto-estima, uma vez que se sentirão úteis à sociedade.
Como forma de incentivar os alunos e de institucionalizar o programa no IFAL, apresentei na reunião o projeto de extensão elaborado por mim durante a semana. Enviei o projeto para a reitoria do Instituto pedindo ajuda de custos para a contratação de dois bolsistas. Como forma de motivar os alunos que não receberão bolsas, propus no projeto a possibilidade de entregas de certificados para que eles possam angariar títulos importantes em seus currículos, favorecendo uma maior possibilidade de inclusão no mercado depois que tiverem finalizado seus cursos no IFAL.
Houve uma discussão referente à possibilidade da criação de uma rádio-novela. Como a idéia foi gerada por Daniel, professor de artes do IFAL, decidimos convocá-lo para participar da elaboração da trama e para organizar os ensaios. Falamos também acerca da elaboração de um documento referente à autorização dos pais em liberar seus filhos para participar do projeto, já que alguns alunos dos cursos técnicos, por serem menor de idade, têm sofrido empecilhos em comparecer aos nossos encontros. Esse documento será apresentado em uma reunião que acontecerá na próxima quarta-feira (23/11).
Gostaria de pedir aos leitores que se possível, provocassem novas questões acerca do projeto, tentando ao máximo possível, contribuir com novas sugestões, críticas, etc, pois acredito que quanto maior for o numero de observações sobre este projeto, maior a nossa possibilidade de enriquecê-lo, uma vez que eu acredito que é através de novas contribuições que o projeto poderá se aperfeiçoar cada vez mais. Por enquanto, eu fico à espera da próxima reunião que será realizada na próxima quinta-feira (24/11) para trazer de forma atualizada novas realizações do projeto.
segunda-feira, 21 de novembro de 2011
carne apodrecida
os corpos amontoados nas ruas
denunciam a acefalia do sistema
apodrecido.
os dedos nao se movem
os olhos nao assimilam
o sangue escorrem nas valas
podre das avenidas.
os carros estao parados
em posicoes desgovernadas
nao a vida pulsante
a cidade esta morta.
denunciam a acefalia do sistema
apodrecido.
os dedos nao se movem
os olhos nao assimilam
o sangue escorrem nas valas
podre das avenidas.
os carros estao parados
em posicoes desgovernadas
nao a vida pulsante
a cidade esta morta.
sexta-feira, 18 de novembro de 2011
Dois apontamentos literários
Bons romances: As primeiras frases ilustram o argumento. Quando elas são ruins, não se pode cobrar atenção às verdades nele depositadas. Um livro de Ken Kesey, cujo título é Um Estranho No Ninho, há um tempo atrás, quando o li, me convenceu disso: fundado com imagens chamativas, o impacto causado pela forma como são descritas impulsiona o leitor, arrematado por elas, às páginas seguintes, em que se percebem, não obstante haja a ressalva da tradução, uma queda visível no estilo como é levada adiante a narrativa. A esperança de que o final faça justiça ao começo idiossincrático, sujeita o interlocutor a não abandonar o livro, a perseverar no apanhado de páginas mal contadas que sucedem àquelas frases iniciais que prometiam muito. E o final, a contragosto, por vezes não guarda nada que não pudesse ter sido premeditado. Isso posto, agora entendo o personagem do romance A Peste, um dos melhores de Camus, que não consegue transpor as primeiras linhas do conto que está querendo narrar, reelaborando as primeiras frases infinitas vezes.
A arte de narrar: O tema abordado pelo narrador não pode vir a ser interceptado por interpretações que fujam àquelas pensadas por si enquanto elaborava a obra. O processo, opus magnum de Kafka, caracteriza a rigor a presente tese: determinada pela experiência do escritor como advogado em um escritório, as desagradáveis burocracias encontradas no decorrer da narrativa podem se estender, apenas, a uma dimensão metafísica em que o leitor, interrogativo, dilui-se nas páginas do romance, fazendo do mundo jurídico a própria vida, e vê-se como um condenado que cometera um delito cuja natureza desconhece, sentenciado a remediar seu crime com a própria vida, e isso depois de já ter assumido a pele de Josef K – isto é, de ter-se tornado consciencioso para com o seu destino. Se o sucedâneo do enredo pensado pelo autor é a livre interpretação de seus leitores, o testemunho filosófico da obra, ainda que se trate de um trabalho literário magnífico, tende a se estagnar em virtude da mediocridade interpretativa dos incautos: embora mereça ser entronizado por ter deixado a questão da traição em aberto, Machado, com o seu belíssimo Dom Casmurro, foi vítima disso, sobretudo quando se constata a confusão que fazem entre ceticismo e achismo tendencioso. A menos que a confusão dos incautos tenha sido uma possibilidade calculada friamente por si – o que, devido a sua genialidade como contador de histórias, é o mais provável -, cabe a ele, se não, esta única ressalva: o brasileiro só entende as coisas quando lhas desenhamos.
A arte de narrar: O tema abordado pelo narrador não pode vir a ser interceptado por interpretações que fujam àquelas pensadas por si enquanto elaborava a obra. O processo, opus magnum de Kafka, caracteriza a rigor a presente tese: determinada pela experiência do escritor como advogado em um escritório, as desagradáveis burocracias encontradas no decorrer da narrativa podem se estender, apenas, a uma dimensão metafísica em que o leitor, interrogativo, dilui-se nas páginas do romance, fazendo do mundo jurídico a própria vida, e vê-se como um condenado que cometera um delito cuja natureza desconhece, sentenciado a remediar seu crime com a própria vida, e isso depois de já ter assumido a pele de Josef K – isto é, de ter-se tornado consciencioso para com o seu destino. Se o sucedâneo do enredo pensado pelo autor é a livre interpretação de seus leitores, o testemunho filosófico da obra, ainda que se trate de um trabalho literário magnífico, tende a se estagnar em virtude da mediocridade interpretativa dos incautos: embora mereça ser entronizado por ter deixado a questão da traição em aberto, Machado, com o seu belíssimo Dom Casmurro, foi vítima disso, sobretudo quando se constata a confusão que fazem entre ceticismo e achismo tendencioso. A menos que a confusão dos incautos tenha sido uma possibilidade calculada friamente por si – o que, devido a sua genialidade como contador de histórias, é o mais provável -, cabe a ele, se não, esta única ressalva: o brasileiro só entende as coisas quando lhas desenhamos.
quinta-feira, 17 de novembro de 2011
UM BEIJO PARA VOCÊ MEU BEM
UM BEIJO PARA VOCÊ MEU BEM
Um beijo para você meu bem.
Tudo de bom para você querido.
Vamos.
Vamos.
Eles foram juntos.
Nem imaginavam a quilometragem da estrada.
É relativo.
Pode demorar um dia.
Pode demorar uma vida.
Sabe-se que o chão é duro.
Às vezes cheio de lama.
Outras, uma estrada vazia, solitária.
O sol nasceu e morreu centenas de vezes.
Um beijo para você meu bem.
Tudo de bom para você querido.
É difícil, mas ainda existe...
Um beijo para você meu bem.
Tudo de bom para você querido.
Vamos.
Vamos.
Eles foram juntos.
Nem imaginavam a quilometragem da estrada.
É relativo.
Pode demorar um dia.
Pode demorar uma vida.
Sabe-se que o chão é duro.
Às vezes cheio de lama.
Outras, uma estrada vazia, solitária.
O sol nasceu e morreu centenas de vezes.
Um beijo para você meu bem.
Tudo de bom para você querido.
É difícil, mas ainda existe...
quarta-feira, 16 de novembro de 2011
Ser Alguém na Capital das Ruas sem Sal?
É difícil. O que há por trás das ruas cujos prédios tendem a envelhecer no modo rápido e eterno é aquele velho refrão de se priorizar, enquanto critério de legitimação, a senilidade em detrimento do mérito.
Não que eu esteja aqui propondo a destruição massiva do que se afirmou por sua velhice. Mas já cabe, instantaneamente, uma proposta: a de não se contentar com o mero fato da sobrevivência de algo há séculos, e sim perquirir a maneira por que tal coisa continua a se afirmar. Sua existência barra a chegada de novas concepções mais efetivas? O fato de ainda existir não acaba sendo contraproducente, quando vamos além do politicamente correto? O feijão com arroz de sempre não enjoa, sei, mas não me impede de ver a esquina, a gasolina, a Carolina etc.?
Sim, em todo o mundo a senilidade traz consigo o fator legitimador da tradição. Porém, há lugares em que isto não se dá em prejuízo da eficiência de outras e novas coisas. É tanto que, em tais lugares, vemos um peso um pouco menor da tradição. E aí não interessa, de forma decisiva ao menos, se professor X lecionou trinta anos em Harvard, se uma banda de apenas três meses ganhou um festival de música frente a uma de quarenta anos, se o ator que foi indicado quinhentas vezes ao Oscar tenha que por isto necessariamente ganhá-lo etc.
E esta é uma proposta que eu faço a minha cidade, para que não vivamos de alguns ídolos que ninguém conhece, de alguns magos que não tiram sequer um camundongo da cartola, da felicidade do casamento de cinquenta anos etc. Priorize-se o fogo, não importa o quanto a chama deva durar; apenas que ela queime.
Não que eu esteja aqui propondo a destruição massiva do que se afirmou por sua velhice. Mas já cabe, instantaneamente, uma proposta: a de não se contentar com o mero fato da sobrevivência de algo há séculos, e sim perquirir a maneira por que tal coisa continua a se afirmar. Sua existência barra a chegada de novas concepções mais efetivas? O fato de ainda existir não acaba sendo contraproducente, quando vamos além do politicamente correto? O feijão com arroz de sempre não enjoa, sei, mas não me impede de ver a esquina, a gasolina, a Carolina etc.?
Sim, em todo o mundo a senilidade traz consigo o fator legitimador da tradição. Porém, há lugares em que isto não se dá em prejuízo da eficiência de outras e novas coisas. É tanto que, em tais lugares, vemos um peso um pouco menor da tradição. E aí não interessa, de forma decisiva ao menos, se professor X lecionou trinta anos em Harvard, se uma banda de apenas três meses ganhou um festival de música frente a uma de quarenta anos, se o ator que foi indicado quinhentas vezes ao Oscar tenha que por isto necessariamente ganhá-lo etc.
E esta é uma proposta que eu faço a minha cidade, para que não vivamos de alguns ídolos que ninguém conhece, de alguns magos que não tiram sequer um camundongo da cartola, da felicidade do casamento de cinquenta anos etc. Priorize-se o fogo, não importa o quanto a chama deva durar; apenas que ela queime.
terça-feira, 15 de novembro de 2011
Um diálogo entre a educação e a comunidade
O Instituto Federal de Alagoas (IFAL) do Campus de Piranhas, conjuntamente com seus alunos e demais servidores, tem discutido a possibilidade de concretizar um programa de rádio chamado “A voz da juventude” que será transmitido pela Rádio Independente 98.1. Acredita-se que esse programa terá a sua primeira execução prevista para o dia 10 de dezembro deste ano. Apesar do nítido esforço para a concretização deste projeto, como professor de sociologia do IFAL e membro envolvido neste projeto, pretendo a partir deste texto, abordar acerca de alguns pontos que acredito serem de grande relevância.
De forma freqüente encontramos discursos referentes ao tripé ensino-pesquisa-extensão. Obviamente que eu sou extremamente a favor desse tripé, até por que eu não posso produzir um bom conhecimento se eu não estimulo os alunos a uma prática com a pesquisa para constantemente buscar renovar esse conhecimento, assim como eu não consigo visualizar uma importante função social produzida pelo conhecimento se eu não consigo realizar profundas alterações na realidade, e é por isso que acredito ser de grande importância dialogar com a comunidade.
Entretanto, eu acredito que devemos antes de tudo, refletir um pouco sobre o que estamos falando de extensão. O que muitas vezes eu percebo é que quando o assunto se trata de extensão, a idéia que temos é apenas de uma responsabilidade da instituição educacional elaborar e desenvolver projetos para a comunidade. Acredito que essa ótica guarda alguns perigos. O IFAL não vai estabelecer um contato com a comunidade se a comunidade não se vê pertencida no projeto elaborado por ele. Tanto a comunidade quanto o IFAL precisam dialogar.
Devemos entender que extensão significa diálogo, e não existe diálogo se não houver trocas de informações entre as várias partes que compõem esse diálogo. Por que atento para isso? Ora, não devemos cair no erro de achar que o fato de pensarmos estar criando um programa para a comunidade, signifique que de fato estamos falando para a comunidade. Antes de se realizar um programa com esse perfil, faz-se necessário buscarmos compreender e estarmos cientes acerca de quais são os interesses dessa comunidade para que com isso possamos também inserir suas expectativas culturais na grade do programa.
Muitas vezes as instituições educacionais constroem projetos sociais para dialogar com a comunidade, mas sem dialogar com essa comunidade. Antes de pôr em prática os projetos desenvolvidos, as instituições não podem determinar apenas por elas mesmas quais são os objetivos dos projetos, sem antes partir para uma exploração de campo para verificar quais são as reais necessidades das pessoas da comunidade. Ou seja, faz-se necessário procurar entender quais tipos de programas de rádios preferidos por elas, saber quais críticas que elas possuem acerca da programação das rádios, etc.
Gostaria de dizer que não é meu intuito tentar propor uma mera reprodução dos programas de rádio que a comunidade costuma ouvir, até por que a intenção deste projeto navega também na possibilidade de trazer à comunidade um acesso a outros tipos de informação e não apenas aos que estão sendo comumente transmitidos nas mídias massivas. Além disso, eu compactuo com a idéia de que o papel de uma instituição voltada à educação seja a de promover novos leques de informação, novas linguagens musicais, novos olhares acerca da realidade, ou seja, uma educação que busque estimular a diversidade social.
No entanto, para um programa de rádio estabelecer de fato um diálogo com a comunidade temos que nos preocupar em organizar uma programação que atenda aos interesses culturais da comunidade, assim como inserirmos nessa programação, formatos de atrações diferenciadas, para com isso, mostrarmos que a realidade cultural não se resume apenas as cartilhas impostas pelas mídias comerciais. Acredito que o projeto do programa trará bons frutos se soubermos aceitar os hábitos cotidianos da comunidade, acrescentando ao mesmo tempo, outras formas de conteúdo.
Se colocarmos na programação apenas debates referentes às problemáticas trazidas dentro do contexto educacional, temos que estar cientes de que esse tipo de discurso não é o discurso que o público geralmente tem o interesse de conhecer por não fazer parte do cotidiano deles. Por outro lado, se abrirmos um espaço para que as pessoas da comunidade também sejam entrevistadas e tenham direito a voz, trazendo paralelamente entrevistas vinculadas às problemáticas mais acadêmicas, teremos a chance de atrair o público ao programa, e “por tabela” traremos novas propostas.
Agregando uma programação que produza identificação com a comunidade, motivaremos esse público a consumir o programa. Por outro lado, inserindo novas propostas no programa, estamos fazendo com que essa comunidade passe a ter um contato com produções que comumente ela não tem acesso. Com isso, seremos capazes de unir o interesse da comunidade com o interesse do IFAL, pois possibilitaremos uma identificação dessa comunidade com o programa, além de apresentarmos outras propostas. Enfim, haverá um diálogo entre as duas partes, e, portanto, uma extensão.
(ARTIGO PRODUZIDO PARA A REUNIÃO QUE FOI REALIZADA NO DIA 12 DE NOVEMBRO NA RÁDIO INDEPENDENTE 98.1 EM PIRANHAS-ALAGOAS)
De forma freqüente encontramos discursos referentes ao tripé ensino-pesquisa-extensão. Obviamente que eu sou extremamente a favor desse tripé, até por que eu não posso produzir um bom conhecimento se eu não estimulo os alunos a uma prática com a pesquisa para constantemente buscar renovar esse conhecimento, assim como eu não consigo visualizar uma importante função social produzida pelo conhecimento se eu não consigo realizar profundas alterações na realidade, e é por isso que acredito ser de grande importância dialogar com a comunidade.
Entretanto, eu acredito que devemos antes de tudo, refletir um pouco sobre o que estamos falando de extensão. O que muitas vezes eu percebo é que quando o assunto se trata de extensão, a idéia que temos é apenas de uma responsabilidade da instituição educacional elaborar e desenvolver projetos para a comunidade. Acredito que essa ótica guarda alguns perigos. O IFAL não vai estabelecer um contato com a comunidade se a comunidade não se vê pertencida no projeto elaborado por ele. Tanto a comunidade quanto o IFAL precisam dialogar.
Devemos entender que extensão significa diálogo, e não existe diálogo se não houver trocas de informações entre as várias partes que compõem esse diálogo. Por que atento para isso? Ora, não devemos cair no erro de achar que o fato de pensarmos estar criando um programa para a comunidade, signifique que de fato estamos falando para a comunidade. Antes de se realizar um programa com esse perfil, faz-se necessário buscarmos compreender e estarmos cientes acerca de quais são os interesses dessa comunidade para que com isso possamos também inserir suas expectativas culturais na grade do programa.
Muitas vezes as instituições educacionais constroem projetos sociais para dialogar com a comunidade, mas sem dialogar com essa comunidade. Antes de pôr em prática os projetos desenvolvidos, as instituições não podem determinar apenas por elas mesmas quais são os objetivos dos projetos, sem antes partir para uma exploração de campo para verificar quais são as reais necessidades das pessoas da comunidade. Ou seja, faz-se necessário procurar entender quais tipos de programas de rádios preferidos por elas, saber quais críticas que elas possuem acerca da programação das rádios, etc.
Gostaria de dizer que não é meu intuito tentar propor uma mera reprodução dos programas de rádio que a comunidade costuma ouvir, até por que a intenção deste projeto navega também na possibilidade de trazer à comunidade um acesso a outros tipos de informação e não apenas aos que estão sendo comumente transmitidos nas mídias massivas. Além disso, eu compactuo com a idéia de que o papel de uma instituição voltada à educação seja a de promover novos leques de informação, novas linguagens musicais, novos olhares acerca da realidade, ou seja, uma educação que busque estimular a diversidade social.
No entanto, para um programa de rádio estabelecer de fato um diálogo com a comunidade temos que nos preocupar em organizar uma programação que atenda aos interesses culturais da comunidade, assim como inserirmos nessa programação, formatos de atrações diferenciadas, para com isso, mostrarmos que a realidade cultural não se resume apenas as cartilhas impostas pelas mídias comerciais. Acredito que o projeto do programa trará bons frutos se soubermos aceitar os hábitos cotidianos da comunidade, acrescentando ao mesmo tempo, outras formas de conteúdo.
Se colocarmos na programação apenas debates referentes às problemáticas trazidas dentro do contexto educacional, temos que estar cientes de que esse tipo de discurso não é o discurso que o público geralmente tem o interesse de conhecer por não fazer parte do cotidiano deles. Por outro lado, se abrirmos um espaço para que as pessoas da comunidade também sejam entrevistadas e tenham direito a voz, trazendo paralelamente entrevistas vinculadas às problemáticas mais acadêmicas, teremos a chance de atrair o público ao programa, e “por tabela” traremos novas propostas.
Agregando uma programação que produza identificação com a comunidade, motivaremos esse público a consumir o programa. Por outro lado, inserindo novas propostas no programa, estamos fazendo com que essa comunidade passe a ter um contato com produções que comumente ela não tem acesso. Com isso, seremos capazes de unir o interesse da comunidade com o interesse do IFAL, pois possibilitaremos uma identificação dessa comunidade com o programa, além de apresentarmos outras propostas. Enfim, haverá um diálogo entre as duas partes, e, portanto, uma extensão.
(ARTIGO PRODUZIDO PARA A REUNIÃO QUE FOI REALIZADA NO DIA 12 DE NOVEMBRO NA RÁDIO INDEPENDENTE 98.1 EM PIRANHAS-ALAGOAS)
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