Me ajustar aos grupos sociais sempre foi a minha dificuldade. Mesmo na adolescência, fase na qual a gente tem a necessidade muito maior de pertencimento às tribos, eu não me via apto em viver sob as determinações coletivas dos grupos.
Chegando a vida adulta, o que eu passei a perceber é que o problema dos grupos sociais era a forma pela qual os indivíduos que se encontravam inseridos neles passavam a concebê-lo. Quando tentei vivenciar a experiência em pertencer a algum grupo, logo notei que o “coletivo” tentava me convencer a me submeter aos seus códigos instituídos.
Na verdade, a sensação que sempre tive era a de obrigatoriedade de submissão aos valores que se tornavam sacralizados por essas tribos. O que eu notei e noto, é que viver dentro de um grupo significa sacralizar verdades, significa adorar um ídolo. Para você ser amado e acolhido pelo rebanho, você enquanto singularidade precisa se anular em prol das concepções impostas como legitimas por esse “coletivo” para se “identificar” com ele.
Sinceramente eu não consigo acreditar em verdades partilhadas consensualmente em lugar algum. Falo isso, pois o que cada vez eu percebo é que, apesar de haver uma possível aproximação de um suposto denominador comum que conecta os integrantes de um grupo, esse coletivo é marcado pelas diferenças.
Diferenças e não sujeição às regras externas impostas como modelos representacionais. Sim, foi compreendendo assim minha relação com o mundo que “de cara” passei a simpatizar com a perspectiva do filósofo Gilles Deleuze.
Aviso de antemão aos leitores que eu não vou me aprofundar nas ideias de Deleuze. Apesar de muito simpático às suas teorias, eu sou mentalmente hiperativo e curioso para me prender a Deleuze. Sempre gostei de brincar de ciranda. Assim como puxo a mão de Deleuze para entrar na roda, também puxo Comte, Paulo Coelho, Turma da Mônica, Karl Marx e a Bíblia Sagrada.
Posso dizer que foi por isso que eu também passei a me encantar com o pensamento de Deleuze. Sempre vi nele uma abertura para a pluralidade. De fato quando o leio, sempre sinto a polifonia rondar em tudo a minha volta. Realmente sempre me esbaldei na perspectiva recheada de vários ditos camaleônicos de Deleuze.
Todavia, eu as vezes penso que devido às diferenças e singularidades de cada leitor, a minha compreensão de Deleuze se esbarra nesse posicionamento fechado que sempre encontrei nos grupos sociais. O que eu percebo é que os indivíduos que se afirmam simpáticos à Deleuze muitas vezes assumem um lugar de “levantamento de bandeiras” que para mim vai de encontro ao que ele tentou elucidar em seus escritos.
Esse “levantamento de bandeiras” me faz achar que existe uma tendência ao que chamamos de fascismo. Apesar de indicarmos o termo fascismo às pessoas ditas de extrema direita, eu penso que agir de forma fascista está muito mais ligada a forma como nos comportamos. Agir de forma fascista significa venerarmos líderes, além de adorarmos uniformizações e centralismos.
Pois bem: líderes, uniformização e centralismo é tudo o que eu vejo acontecer muitas vezes entre os indivíduos ou grupos que se dizem simpáticos à Deleuze. O que eu noto é uma adoração à Deleuze como se ele fosse um ídolo. O fato de se afirmar como “deleuziano” para mim já é uma fetichização sobre o cara.
Quando eu me deparo com os grupos ou com os indivíduos negando certos temas ou perspectivas de conhecimento só por que Deleuze apontou críticas sobre elas, eu noto um centralismo ideológico acerca de suas ideias. Quando eu vejo que se estabelecem “verdades” ou afirmações que tendem a hierarquizar, mostrando que o que é inferior é tudo aquilo que Deleuze criticou e o que é superior é tudo aquilo que Deleuze aceitou ou produziu, eu enxergo nisso uma uniformização.
Como eu disse, apesar de entender Deleuze como alguém que sempre prezou pela importância da singularidade e da diferença, desculpe-me, mas acho estabelecermos leis para o que um deleuziano pode ler ou não, ou o que se é aceito ou não, creio que estamos fuzilando o objetivo central de toda a obra de Deleuze que é a aceitação da diferença, a pluralidade experimental das interpretações e a crítica a todo tipo de modelo externo que nos é imposto e que nos obriga a ter que reproduzir fórmulas prontas.
Simpatizar Deleuze é ter afinidades com ele, o que não significa negar o que ele criticou em suas obras. Simpatizar Deleuze é se permitir a curtir uma bela de uma suruba de infinitas possibilidades interpretativas. Aceitar apenas Deleuze é colocá-lo em uma Representação, ou seja, naquilo que ele mais chamou atenção como equívoco de uma cultura racionalista, metafísica e teleológica. Aceitar Deleuze é insistir na ciranda. Faz-se de profunda importância beijarmos o paraíso, o inferno, o caos, Herodes e Jesus Cristo...
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