domingo, 27 de dezembro de 2015

Música Brega e Universidade: Apropriações e Exclusões

Quando vamos falar sobre a música brega em relação aos setores universitários, notamos duas grandes confusões das quais precisamos urgentemente retirar de cena. Uma delas diz respeito à diluição entre as fronteiras sociais no que diz respeito ao consumo da cultura de massa; a outra se refere ao sistema de cotas implementado nas universidades brasileiras. Esses dois pontos fazem com que as pessoas não aceitem mais a ideia de que a música brega sofre preconceitos dentro dos meios acadêmicos.

De fato o que percebemos é que com a cultura de massa, diferentemente de décadas anteriores, podemos encontrar pessoas dos mais diversos meios sociais consumindo um mesmo artista. Com relação às cotas, sabemos que com elas, indivíduos historicamente excluídos dos meios universitários, passaram a ter acesso a esses meios, contudo, isso não significa dizer que a universidade por ter em seu corpo mais indivíduos oriundos dos meios populares, não segregue a música brega.

Acredito que tanto para o primeiro ponto quanto para o segundo, a questão relacionada ao capital escolar, social, cultural e simbólico não pode deixar de ser salientado, assim como as relações de poder contidas em meio a esses capitais. Com capitais diferenciados, ou seja, com bagagens culturais e de valores acumulados por cada meio, o mesmo artista consumido pode ser interpretado de diversas maneiras; assim como, para se legitimar em seu meio, os indivíduos sofrem certas pressões comportamentais.

Apesar de ter havido uma diluição entre as barreiras sociais com a cultura de massa, não podemos negar que os valores sociais se revelam na forma como cada indivíduo se apropria das mensagens do cancioneiro brega. Uma pessoa de um setor socialmente privilegiado pode entender “Raquel dos teclados” como legal para curtir, mas reconhecer aspectos poéticos e melódicos diferentes de um indivíduo oriundo de um setor menos privilegiado que tem a música brega como uma música recorrente em seus valores cotidianos.

Eu posso ouvir o mesmo trabalho musical que uma pessoa oriunda de uma realidade social diferente da minha, mas a forma como interpreto a letra, resulta dos meus valores de classe. Mesmo “Pablo do Arrocha”, por exemplo, hoje em dia sendo consumido tanto pela patroa, quanto pela doméstica, as motivações da patroa ao ouvir esse artista podem ter outras finalidades daquelas da doméstica, isto é, enquanto para a patroa, Pablo é bom para dançar, para a doméstica, as letras dele afetam-na por achá-las belas.

Um exemplo são as festas bregas. Se alguém for aos eventos que acontecem no Mercado Tales Ferraz, local geralmente consumido por setores populares, verá que as vestimentas, a forma como se relacionam, vai se diferenciar das festas bregas nas universidades. Enquanto nos meios populares a música brega faz parte do cotidiano cultural deles, nas festinhas universitárias encontramos outras leituras, que por sinal, mostram-se fortemente marcadas por estereótipos e caricaturas do que para esse setor é considerado brega.

Portanto, a expectativa que cada ouvinte vai ter, assim como a motivação que cada um vai ter acerca dessa música, estará diretamente vinculada aos valores agregados em seus cotidianos em relação aos seus meios sociais. É devido a isso que, o fato de pessoas oriundas de diferentes meios consumirem a mesma estética musical, por exemplo, não retira delas a bagagem acumulada de valores, sejam eles morais, estéticos, culturais, que elas recebem a partir das transmissões advindas dos meios sociais nos quais elas se encontram.

Com relação às cotas, como dito anteriormente, o fato destas terem permitido o acesso aos indivíduos historicamente excluídos dos meios universitários, não significa dizer que a estética do brega seja considerada válida dentro desse meio, isso por que dentro de cada lugar existem códigos que delimitam certos comportamentos e que fazem com que certas práticas sejam reconhecidas ou negadas. Enfim, em cada lugar social se opera uma espécie de demarcação identitárias e diversas relações de poder.

Em outras palavras, o que podemos verificar dentro das relações sociais em determinados meios, é que, mesmo havendo indivíduos oriundos se setores sociais que possuem a música brega como uma estética recorrente, o fato de se encontrarem no ambiente universitário com suas regras de aceitação e de reprovação, faz com que estes indivíduos muitas vezes, mesmo tendo essa música como bagagem em seu repertório musical, coloquem-se em uma condição de aceitabilidade nesse meio.

Eu posso gostar de “Silvano Sales”, por exemplo, mas como forma de compensar minha aceitação diante do meio social no qual me encontro, ou seja, na universidade, eu justifico o consumo dele por outras razões que não seja a de identificação ou qualquer forma de afinidade, afinal, dentro do ambiente universitário, por ser um lugar onde a música brega não é uma música recorrente no cotidiano dos setores historicamente privilegiados ao seu acesso, ela tende a ser vista de forma reprovativa.

Existem as pressões sociais para determinadas músicas que fazem com que os indivíduos se utilizem de argumentos compensatórios para justificar o seu consumo acerca delas. Essa compensação faz com que esse indivíduo se posicione de acordo com os valores impostos pelo meio social no qual ele se encontra. Como forma de se sentir pertencido a esse meio no qual compartilha valores, ele afirma um ponto de vista que seja capaz de não torná-lo segregado ou desprestigiado pelos outros indivíduos inseridos nele.

Portanto, o fato da cultura de massa ter misturado os setores sociais no que diz respeito aos seus consumos musicais, assim como o fato da universidade ter garantido acesso às pessoas historicamente excluídas dela, não significa afirmar que não haja relações de poder e de segregação e exclusão com a música brega. Mesmo o setor social que tem a música brega como cotidiano, ao se encontrar em meio a uma realidade com capitais culturais, sociais e escolares diferenciados, assume um outro discurso acerca dessa estética.

Os setores sociais, como forma de afirmarem seu lugar de prestígio na pirâmide e na sociedade, inevitavelmente criam relações de poder entre eles, gerando assim, formas de disputas, de prestígio. Obviamente que, por cada indivíduo ter seu capital diferenciado, é inevitável que ele vá se apropriar de forma diferente das mensagens e dos discursos da música brega, mas o problema é quando não colocamos mais o setor universitário como chave importante para a segregação dessa estética musical.

Um comentário:

  1. Meu caro, Vina. Que texto lúcido. Seus últimos textos sobre o brega traçam um caminho de analise incrível. Nesse texto, em especial, a discussão sobre essa resignificação que a música brega ganha a partir do contato com os setores médios e, em especial no campo representado pela universidade, mostra como a academia ainda é conservadora e elitista.
    Quanto a adaptação dos setores populares que entreram pelas cotas se adequarem ao padrão de valores imposto pelo ambiente universitário. Acredito que é um terreno bem flexível. É uma dedução, penso que as pessoas de setores médios evidenciam seus valores e suas preferencias no ambiente universitário , já que o discuroso da indústria cultural é mais forte que o discurso seletivo e restrito do setores médios e da academia. Penso que as conversas nos corredores e nas áreas de alimentação são ambientes que podem ser ambientes de "subversão" dessa imposição academicista/setores médios, tendo em vista que é onde se estabelece a troca simbólica e cultural de uma forma mais fluída.

    ResponderExcluir