terça-feira, 22 de setembro de 2015

Música Brega: uma modinha retrô I

Texto dedicado a Alysson Cristian (Alysoul)

Depois que o historiador Paulo César de Araújo lançou o livro “Eu não sou cachorro, não”, começou a chover uma série de artigos científicos abordando sobre a música brega. Devido a esse crescimento referente a essas pesquisas, tendemos a achar que o universo musical brega, por agora se encontrar inserido e debatido no universo acadêmico, deixou para trás aquela triste representação pejorativa historicamente criada e reforçada pelos setores médios da sociedade.

Mas com isso eu pergunto: de qual música brega estamos falando? Ora, por terem se influenciado com o livro do autor citado anteriormente, os pesquisadores insistiram e insistem em problematizar a questão do gosto e do preconceito musical a partir da música brega estudada por Paulo César, ou seja, a que existiu entre os anos de 1968/1978, que vale lembrar, na época era taxada como música cafona. Porém, será que a música brega atual, assim como a cafona, tem sido defendida e pesquisada?

Antes de tentar responder a essa última questão, gostaria de fazer uma observação: não acredito que só pelo fato da cultura de massa ter diluído mais essa separação de música para ricos e para pobres, que se deixou de haver preconceito de um universo social para o outro. Em uma sociedade de classe como a nossa, todo o setor social privilegiado, como forma de se afirmar identitariamente, necessita estabelecer critérios de valores estéticos e artísticos com o intuito de manter as barreiras sociais. A música brega não escapa dessas barreiras.

Mesmo sendo consumida por universos sociais heterogêneos, ela, por ser historicamente advinda de setores sociais mais periféricos, ainda sofre preconceito. Isso acontece devido a uma disputa pelo prestígio, pois para que o setor privilegiado não tenha seus cânones ameaçados, ele busca uma tentativa de manutenção de seu poder na hierarquia a partir de classificações. No caso da música brega, o setor socialmente favorecido é o setor médio representado por pesquisadores oriundos dos universos acadêmicos.

O meio mais eficaz para que esse setor privilegiado consiga consolidar esse poder é a partir do discurso e a relação com o passado. O discurso porque através dele, esse setor, a partir de suas argumentações e tendências ideológicas, insere seus valores de classe; a relação com o passado por que é dela que esse setor consegue encontrar uma estratégia para se aparentar como “salvador e representante da cultura periférica” ao mesmo tempo mantendo suas táticas de exclusão no contexto presente.

É nessa relação com o passado e com o discurso que se encontra a música brega em meio à produção acadêmica. Como dito no início, geralmente os pesquisadores recorrem à música brega da década de 60 e 70. Essa necessidade de legitimar a estética do brega só a partir dessas décadas, diz respeito a uma necessidade que esse setor tem de se apropriar das manifestações populares no momento em que elas não mais oferecem perigo aos seus cânones, para com isso, não perderem a condição privilegiada da pirâmide social.

Artistas como Paulo Sérgio, Odair José, Fernando Mendes, Waldick Soriano dentre outros, apesar de terem sido bastante consumidos no passado, hoje são artistas que não mais possuem tanta frequência entre os setores periféricos. Valorizando esses artistas, o pesquisador representando o setor médio da sociedade, aparenta estar salvando os artistas populares e evitando que estes caiam no esquecimento, mas só o aceitam por que eles já não são tão frequentes e vivos atualmente na memória auditiva dos setores periféricos.

Por esses artistas não serem mais tão ativos no cotidiano desse setor, o pesquisador ao confirmar o valor apenas da música cafona dos anos sessenta e setenta, agrega essas produções ao seu “Museu Intocável”, construindo através das ideologias dos seus discursos de classe, uma visão restrita que interessa apenas e unicamente a esse setor social. É por isso que a música cafona das décadas de sessenta e setenta hoje aparece como estética cult, modinha retrô para intelectual se divertir.

Quanto às músicas bregas atuais? Estas continuam sendo vistas com discriminação, pois atuam de forma intensa na comunidade na qual são geralmente produzidas e provocam o medo desse setor médio que é a possibilidade dos desfavorecidos se igualarem a ele na pirâmide social pelo menos a nível estético-artístico-cultural. Em outras palavras, o setor médio precisa insistir naquele discurso: só as minhas músicas prestam e as que não prestavam passam a prestar desde que eu decida se elas prestam ou não.

Podemos notar esse uso do passado como legitimação da manutenção de um poder do setor médio quando vamos vasculhar os estudos acerca da música brega produzida atualmente. Com essa música a relação continua a ser de despeito. Artistas como Silvano Salles, Pablo do Arrocha, Michelle Melo, Banda Prazer de amar, Gang do Eletro, Banda Fruto Sensual, Raquel dos Teclados, dentre outros, continuam sendo desprovidos de aceitação por parte desse setor detentor do capital cultural, e, portanto, do prestígio social.

Aceitar a condição de que a música brega atual, assim como a dita música cafona dos anos sessenta e setenta deve ser aceita, é como se colocasse uma estética musical de forte presença geralmente entre os setores periféricos em uma relação de igualdade na pirâmide social. Ora, coloca-la nessa igualdade significa não deixar transparecer a posição social nítida que confere poder e prestígio ao setor responsável pelas pesquisas referentes a esse gênero musical, ou seja, o pesquisador.

A resposta para isso são os discursos que afirmam que a música brega hoje é lixo cultural. Porém, a história comprova que essa relação de apreciação pela música do passado não vem de agora. Podemos conferir isso com a juventude na década de sessenta oriunda dos setores médios da sociedade que rechaçava da mesma forma artistas ditos bregas que hoje são consagrados, mas que consagravam artistas do samba, por exemplo, que também em tempos anteriores aos anos sessenta eram rechaçados da mesma forma.

O que posso dizer, portanto, é que, não é que a música brega atualmente é inferior a do passado, e por isso mesmo, não deve ser aceita. O que acontece é que, aceitar o passado é muito mais fácil para se manter enquanto prestígio social, afinal, não oferece mais perigo, ainda mais quando o setor médio se usurpa desse passado para resguardá-lo em seu “Museu Intocável”. Não é que a música brega passou a ser valorizada. Na verdade, a música produzida geralmente pela periferia continua sofrendo preconceitos.

Equivocamo-nos quando achamos que o fato da música brega ser pesquisada, significa uma forma de resistência à opressão de classe. No momento em que desqualificamos um momento de produção dessa musica e ficamos a pesquisaro "mais do mesmo" acerca da música brega do passado, é por que estamos preservando dispositivos de opressão de maneira inversa, pois no final das contas, a opinião sobre o que se produz nas periferias continua a mesma, ou seja, a mesma negação dos valores, e, portanto, o reforço das barreiras sociais.

O que existe é nada mais do que um joguinho de poder criado pelo setor médio da sociedade. Engana-se quem acha que o pesquisar a música brega significa aceita-la ou no mínimo respeitá-la. Muitos estão aí dizendo defender a estética periférica, mas quando o assunto entra na música brega atual, o que ouvimos e lemos é uma negação dessas produções. Continua tudo do mesmo jeitinho: o pobre que fique em seu lugar de pobre e que seja rebaixado musicalmente também. A música brega não passa de uma modinha retrô.

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