Um dos discursos referentes à educação diz respeito à questão da preparação do discente para enfrentar a vida em sociedade. Ora, o fato de os prepararmos para a vida social, em nenhum instante nos dá o direito de achar que podemos nos colocar como personagens completos, dotados de plena consciência e incapazes de falhas. Preparar para a vida significa olhar para ela dentro de sua condição marcada por alegrias e frustrações. A vida é composta por ônus e bônus e isso deve ser trazido recorrentemente em sala de aula.
Ao recorrermos aos livros e teorias que em geral buscam abordar os problemas vivenciados no cotidiano escolar, não conseguimos visualizar de forma mais constante uma discussão referente aos erros e transgressões como valores que também fazem parte do ambiente escolar. Fala-se muito em realidade sócio-cultural, articulação da prática escolar com o contexto do discente, mas existe de forma bastante clara uma lacuna quando o assunto diz respeito ao deslize como forma de aprendizado.
Penso ser de bastante importância questionarmos sobre isso quando optamos em discorrer acerca dos meios e estratégias possíveis referentes ao exercício educacional. A sociedade precisa se deparar com essas questões para romper com a idéia comportamentalista na educação. Os próprios docentes e demais servidores também. Questões como o caos, a desordem, o acidente, o erro, também devem ser reconhecidos como elementos imprescindíveis à prática escolar.
Para esses deslizes e imprevistos eu optei em chamar de “Educação da crise”. Pois bem, a educação por fazer parte da vida, não está em nenhum instante livre dos percalços que esta oferece. O aprendizado, mesmo o formal transmitido no ambiente escolar, vai se configurar de acordo com as predisposições do aluno tais como as suas motivações, alegrias, frustrações que eles trazem de seus ambientes familiares ou de qualquer outra esfera, seja ela de ordem privada ou pública.
A Educação da crise anda em crise pelo fato da nossa cultura escolar se negar a aceitar os desvios de conduta como inevitáveis ao contexto escolar, pois, a partir do instante em que a educação se nega a olhar a crise como parte integrante da vida, ela entra em crise também por não se reconhecer como uma educação feita para e por humanos. Devemos aceitar que errar e acertar são condições humanas, e, por isso mesmo, a crise e a resolução dos problemas na aprendizagem e na vida não se encontram separadas.
O fato de pensarmos a educação como um lugar onde ensinamos os discentes a se inserirem na vida, faz com que a gente tenha que se sentir obrigado a apresentar aos discentes a vida como ela é, como ela deveria ser e como ela não é, pois essas afirmações se sucedem constantemente entre os humanos ao longo de suas existências pessoais e coletivas em meio às suas oscilações de contaminações positivas de esperanças, mas também de frustrações e de arrependimentos.
Quando negamos a crise, inevitavelmente nos acomodamos no controle, pois o controle implica a ilusão de que somos capazes de estabelecer um manuseio do risco. O controle como forma de frear as contradições e as incessantes desordens e imprevisibilidades que fazem parte da crise, tende a produzir conseqüências nocivas para os discentes no plano político. Falo do político no sentido das ações e das éticas construídas pelas decisões vivenciadas pelos sujeitos ao longo de sua convivência com a sociedade.
São conseqüências nocivas pelo fato de educar o discente pelo viés da domesticação já que a negação da crise quer apenas se alimentar da ordem e da previsibilidade. A educação da crise é importante pois coloca o discente em uma situação com a qual nem ele mesmo tem controle, deixando-o como responsável pelas suas escolhas, mostrando ao mesmo tempo que todas essas escolhas implicam conseqüências. Quer faltar aula? Falte; quer chegar tarde à aula? Chegue; não quer fazer a atividade passada em aula? Não faça.
Essas escolhas devem ser sentidas pelos alunos. Os discentes precisam assumir o sentido que eles querem dá as suas vidas, do contrário, em nenhum instante se tornarão personagens ativos de suas histórias. É só sentindo o risco de suas escolhas e as crises por essas escolhas que o discente pode ir aprendendo a se inserir na vida social e ir descobrindo que o seu cotidiano, assim como de qualquer sujeito, implica em rasuras, borrões, acidentes, dores, mas também aprendizados dos mais valiosos.
Como podemos afirmar que preparamos o discente para ser um sujeito cidadão, crítico e consciente de sua atuação no mundo, se não o fazemos sentir em sua pele as dores de suas escolhas? Como fazer a tentativa da construção da cidadania a partir das nossas experiências em sala de aula se o discente se acostuma a ter alguém na hierarquia institucional ditando o que é certo e o que é errado sem deixar com que ele mesmo se implique nas dolorosas e arriscadas escolhas feitas por ele?
Obviamente que não estou aqui defendendo o caos em seu sentido mais extremo. Sei muito bem que é necessário reconhecermos as normatizações, afinal, elas também fazem parte da vida, assim como devem fazer. O que eu me atenho como crítica é a uma educação fadada ao engessamento de normas como se estas, antes de serem cumpridas por consciência, fossem apenas reproduzidas em forma de domesticações e preceitos muitas vezes dogmáticos, falsos moralistas e inquestionáveis.
Eu como docente tenho que mostrar ao discente que o bem é uma condição histórica, social e cultural e se este vive em sociedade, é de fundamental buscar atuar segundo esse bem ou qualquer tipo de entendimento do que seja justiça. No entanto, eu devo mostrar também que a justiça, o bem, dentre outras coisas, são construções humanas e que muitas vezes essas construções dizem respeito aos interesses de grupos sociais que buscam se manter no poder e tornar a sociedade aparentemente coesa e harmônica.
Aceitando o pecado, a desonestidade, a injustiça e não apenas a ordem, a justiça, a paz ou o amor, os discentes construirão as rédeas de seus próprios destinos, responsabilizando-se pelos seus atos para que amanhã na vida adulta, eles não reproduzam o discurso da vitimização política por terem sido educados por uma escola na qual o docente é o dono da verdade. Os discentes precisam do risco e da crise para aprenderem a reconhecer as conseqüências de seus atos, não os culpabilizando apenas para os outros.
Não podemos mais insistir na educação do receio. A educação da crise não pode mais viver o risco de ser esquecida de uma vez por todas.
A cultura política brasileira está permeada de práticas políticas que mostram essa relação opressora em que os detentores do poder e seus seguidores fazem as regras a partir de uma relação hierarquica definida pelo prestigio econômico, intelectual e político. Nessa estrutura quem não tem poder ou aliança com os poderosos fica em um limbo ou é perseguido, em resumo.
ResponderExcluirA educação da crise é o caminho para a promoção da cidadania, elemento do qual as escolas vem esquecendo a um bom tempo, já que a opção escolhida foi a formação para o mercado de trabalho da pior espécie, sem princípios e valores morais e éticos, a regra é pegar o canudo para ser um “bom profissional” para ter a sensação de estar incluído nessa sociedade consumista. A discussão e participação na política em suas instancias representativas ganhou caráter de algo imutável e que tem dono e esses donos são todos corruptos e pronto, não tem como mudar. Por conta disso as reações são as mais toscas, já que se criam categoria paradoxais, como o “apolítico”, o que não gosta e não se envolve com política, e o que fala mal dos favores e corrupções, ou que não vê nada de errado nisso, e se submete a fazer, mesmo assim reclama.