segunda-feira, 19 de outubro de 2015

SEXISMO EM REDE


Quero discutir nesse texto sobre compartilhamento de imagens e vídeos íntimos de mulheres por meio das redes sociais. Para interpretar isso, partirei da ideia de que esses fóruns de discussão e compartilhamento abrem espaço para “tribunais moralistas” que não contribuem para rever a situação da mulher em nossa sociedade, tão farta de casos de violência.

A construção e reprodução do significado do feminino em nossa sociedade parte da submissão moral e social atribuída às mulheres e fundamentada em concepções religiosas, patriarcais e sexistas. A mulher é orientada desde criança a se resguardar para evitar qualquer tipo de julgamento moral, ao mesmo tempo em que é orientada a ser sua guardiã. No mínimo, contraditório e estratégico, já que a formação desses valores parte da construção social voltada a um controle objetivo no campo dos significados e sentidos do ser mulher em sociedade. E nada mais conveniente do que fazer do oprimido o seu próprio algoz.

Junto a isso vemos um crescimento desse tipo de violência simbólica por meio das tecnologias da informação e redes sociais. Há uma grande difusão de gravações de vídeo e fotos íntimas como forma de vingança, visando exclusivamente a exposição da intimidade, compartilhada indiscriminadamente através de e-mails, de sites pornôs, de blogs, de grupos em redes sociais e até mesmo por meio de comercialização de vendedores ambulantes.Diante dessa superexposição, abre-se espaço para toda carga e julgamento moral que recai sobre a mulher, cobrada por estar no vídeo em uma situação de intimidade, seja transando, ou seminua, ou dançando sensualmente ou em qualquer situação sensual. Fazendo com que muitas mulheres tenham que se recolher em suas casas ou, até mesmo, tenham que mudar de cidade, rejeitadas pelos familiares e amigos após o vídeo se tornar público.

A hipocrisia disso tudo parte dos nossos tabus fundamentados em justificativas moralistas provenientes do patriarcalismo, concepções religiosas ou sexistas. A reprodução mais tradicional desses valores desconsidera qualquer direito que essas mulheres possam ter e as localizam em um tribunal inquisitório, depreciativo e falso moralista. Refiro-me a falso moralismo, já que o sexo é praticado por grande parte das pessoas e os julgamentos simplesmente recriminam o ato como se fosse algo que não é praticado, como um crime por ter sido revelado o que existe. Outro exemplo, é que o algoz da distribuição dos vídeos, provavelmente homens, entra nesse tribunal absolvido. A exposição não chega a ser um fardo para o homem, pois para a nossa sociedade é comum e aceitável que o homem demonstre sua virilidade e que seja sexualmente ativo. E que a quantidade é um trunfo, enquanto que para a mulher a relação é inversamente proporcional do ponto de vista do índice moral. Nada de novo.

Como podemos ver, essas situações nos colocam frente a frente com os significados construídos e reproduzidos pela nossa sociedade, pelo que esperamos do papel social de homens e de mulheres. O que, de certo modo, beira ao absurdo continuar sustentando uma estrutura de gênero em que existem todas as permissões sexuais para homens, e que esses utilizam como justificativa para atos de perversão e violência sexual; e por outro lado, mulheres que precisam se proteger e se defender da animalesca atitude masculina e do julgamento das convenções sociais. Enquanto continuarmos compartilhando e alimentando esses tribunais morais, estaremos dando vazão para que as mulheres continuem sendo desrespeitadas como mulheres, com iguais direitos, como seres humanos.

Música Brega: Modinha Retrô II

Texto dedicado a Alysoul e Rebeca Machado

No texto “Música Brega: Modinha Retrô I” publicado por mim aqui no blog, eu atentei para o fato de que a música brega, quando relacionada com a realidade do setor social oriundo dos meios universitários, tende a ser valorizada apenas quando os artistas não ameaçam mais os cânones das pirâmides estéticas desse setor. Não é por acaso que os artistas legitimados por ele, são os artistas dos anos setenta, ou seja, aqueles que já não penetram com tanta intensidade no cotidiano e na memória auditiva do público mais periférico.

Neste segundo momento, gostaria de prolongar a discussão, porém, inserindo um termo utilizado por Rebeca Machado no evento “A noite mais brega da cidade” produzida pelo “Cine Vitrola” o qual ela denominou “Fetichização da Música Brega”. Para chegar a essa questão, proponho um debate acerca da apropriação/ interpretação do conteúdo do cancioneiro brega pela chamada elite intelectual, assim como o inevitável capital cultural manifestado na apropriação e na interpretação desse conteúdo e a forma como essa estética termina por se assumir para esse setor social.

Antes do tema referente à música brega ter sido explanado pelo professor Romero Venâncio no evento, foi transmitido o documentário “Eu Vou Rifar Meu Coração” de Ana Rieper que, com uma espécie de viagem ao imaginário romântico brasileiro a partir da obra dos principais nomes da música brega, é construído com uma série de entrevistas, não só com os chamados representantes da música brega, mas também com pessoas comuns que de alguma forma se sentem atraídas por aquela estética musical.

Entretanto, apesar da proposta do documentário, o que podemos notar ao longo dele é que em nenhum instante algum depoente para falar sobre sua experiência de vida ou sobre sua relação com a música brega, necessitou criar um tipo, ou seja, um esteriotipo para se afirmar como um fá incondicional daquele gênero musical. Em outras palavras, mesmo consumindo a chamada produção musical brega, tanto seu público quanto os seus artistas não precisavam usar roupas esdrúxulas, roupas descombinadas, artefatos exagerados.

Na verdade, os ambientes pelos quais o documentário passou, eram ambientes normais àquelas pessoas, ou seja, faziam parte de seus cotidianos, enfim, estavam dentro de uma normalidade corriqueira. Em Canindé de São Francisco, eu tive o prazer de entrevistar Bartô Galeno com Márcio Santos, meu aluno na época e atual amigo. Na entrevista ele estava vestido com uma calça jeans, tênis e uma blusa bege. Simples assim. Quem não conhecesse o autor de “No Toca Fita do Meu Carro”, veria Bartô se misturar a qualquer outro na multidão.

No entanto, geralmente quando vamos a uma festa organizada por pessoas que em sua maioria não fazem parte de uma realidade periférica, ou seja, nos eventos organizados pelas pessoas dos setores médios da sociedade e que querem fazer uma espécie de elogio à chamada música brega, tendemos a encontrar indivíduos com roupas espalhafatosas, com acessórios cheios de descombinações gritantes, ambientes com ornamentos exagerados e com coloridos desconexos.

Por que é construído esse tipo de representação acerca da música brega? Será que mesmo com esses eventos homenageando essa estética musical historicamente segregada do repertório musical considerado de “bom gosto” por essa mesma elite no passado, a música brega pode ser considerada uma música de fato legitimada no repertório musical desse setor social? Será, portanto, que a criação de tipos bregas afirma realmente uma aceitação ou revelam muito mais uma nova ferramenta de segregação cultural?

Devemos observar a forma pela qual o setor médio da sociedade se apropria das mensagens contidas no cancioneiro brega, assim como a forma como ela produz sentidos através das interpretações que esse setor faz delas. Ora, como eu disse no texto anterior, apesar da música brega se encontrar mais diluída em diversos setores sociais, é fato que em geral ela ainda tende a ser uma estética musical ainda mais consumida entre os setores menos favorecidos. Nisso podemos pensar acerca do capital cultural.

O capital cultural diz respeito à bagagem de informação acumulada por cada setor social. Essa bagagem é resultante do que cada indivíduo, de acordo com suas experiências vivenciadas em sua vida a partir das interações construídas em seus ciclos sociais, vai agregando enquanto valores, crenças, etc. Ao se deparar com os discursos da música brega, os indivíduos desses setores geralmente vão tender a considerar as mensagens “bobas”, “superficiais”, “infantis”, isso por que as expectativas linguísticas e culturais são diferentes do repertório cultural dos artistas e do público geralmente consumidor da música brega.

O problema é que o setor médio cria uma realidade a partir do parâmetro dele e isso faz com que o universo da música brega termine se expressando de uma forma não condizente com as expectativas dos meios sociais de onde ela geralmente advém. Surgem então os caricatos. Essa imposição de perspectivas culturais faz com que se confundam algumas intenções, isto é, aparentemente, ao legitimar esse gênero musical, os discursos dos setores médios parecem se mostrar preocupados em pronunciar uma defesa a essa estética; por outro lado, por se impor um valor de classe mesmo defendendo essa música, a segregação termina por se manter.

No final das contas, o que podemos averiguar nessa relação de apropriação dos setores médios da sociedade é uma espécie de fetichização da música brega. Faço uso desse termo, pois de fato o fetiche diz respeito a uma excessiva admiração por um determinado objeto, no caso a música brega, mas esse excesso termina por não ser esclarecedor por quem o cria. O fetiche nada mais é do que uma espécie de alienação em relação a um objeto, ou seja, eu gozo com ele, mas não sou capaz de simbolizá-lo, isto é, de analisa-lo criticamente.

Enfim, o fetiche não passa de um objeto a que se atribui poder sobrenatural ou mágico e se presta culto. A música brega como é apropriada pelos setores médios da sociedade tende a ser o próprio fetiche. Indivíduos dizem supervalorizá-la, por isso mesmo prestam culto a ela como se ela fosse algo além do mundo concreto, porém, deixam de visualizá-la em seu contexto real. Por isso mesmo que ela tende a ser caricatural para o setor médio, e, portanto, excluída dos padrões do “bom gosto”. Continua sendo ridicularizada e “homenageada”. Assim como um fetiche, ela é admirada alienadamente.

A música brega é cantada porque suas músicas são engraçadas e o riso é uma excelente ferramenta para a manutenção do poder, afinal, o riso estabiliza, põe as coisas em seu devido lugar, ele é o fiscalizador de toda a moral social. Assim como nós marcamos nossas bochechas com carimbos vermelhos da vergonha ao escorregarmos em uma casca de banana, nada mais favorável a uma boa gaitada do que se deparar com uma frase rimando amor com dor. É o capital cultural e escolar sempre mostrando as garras do poder baby!