Quero discutir nesse texto sobre compartilhamento de imagens e vídeos íntimos de mulheres por meio das redes sociais. Para interpretar isso, partirei da ideia de que esses fóruns de discussão e compartilhamento abrem espaço para “tribunais moralistas” que não contribuem para rever a situação da mulher em nossa sociedade, tão farta de casos de violência.
A construção e reprodução do significado do feminino em nossa sociedade parte da submissão moral e social atribuída às mulheres e fundamentada em concepções religiosas, patriarcais e sexistas. A mulher é orientada desde criança a se resguardar para evitar qualquer tipo de julgamento moral, ao mesmo tempo em que é orientada a ser sua guardiã. No mínimo, contraditório e estratégico, já que a formação desses valores parte da construção social voltada a um controle objetivo no campo dos significados e sentidos do ser mulher em sociedade. E nada mais conveniente do que fazer do oprimido o seu próprio algoz.
Junto a isso vemos um crescimento desse tipo de violência simbólica por meio das tecnologias da informação e redes sociais. Há uma grande difusão de gravações de vídeo e fotos íntimas como forma de vingança, visando exclusivamente a exposição da intimidade, compartilhada indiscriminadamente através de e-mails, de sites pornôs, de blogs, de grupos em redes sociais e até mesmo por meio de comercialização de vendedores ambulantes.Diante dessa superexposição, abre-se espaço para toda carga e julgamento moral que recai sobre a mulher, cobrada por estar no vídeo em uma situação de intimidade, seja transando, ou seminua, ou dançando sensualmente ou em qualquer situação sensual. Fazendo com que muitas mulheres tenham que se recolher em suas casas ou, até mesmo, tenham que mudar de cidade, rejeitadas pelos familiares e amigos após o vídeo se tornar público.
A hipocrisia disso tudo parte dos nossos tabus fundamentados em justificativas moralistas provenientes do patriarcalismo, concepções religiosas ou sexistas. A reprodução mais tradicional desses valores desconsidera qualquer direito que essas mulheres possam ter e as localizam em um tribunal inquisitório, depreciativo e falso moralista. Refiro-me a falso moralismo, já que o sexo é praticado por grande parte das pessoas e os julgamentos simplesmente recriminam o ato como se fosse algo que não é praticado, como um crime por ter sido revelado o que existe. Outro exemplo, é que o algoz da distribuição dos vídeos, provavelmente homens, entra nesse tribunal absolvido. A exposição não chega a ser um fardo para o homem, pois para a nossa sociedade é comum e aceitável que o homem demonstre sua virilidade e que seja sexualmente ativo. E que a quantidade é um trunfo, enquanto que para a mulher a relação é inversamente proporcional do ponto de vista do índice moral. Nada de novo.
Como podemos ver, essas situações nos colocam frente a frente com os significados construídos e reproduzidos pela nossa sociedade, pelo que esperamos do papel social de homens e de mulheres. O que, de certo modo, beira ao absurdo continuar sustentando uma estrutura de gênero em que existem todas as permissões sexuais para homens, e que esses utilizam como justificativa para atos de perversão e violência sexual; e por outro lado, mulheres que precisam se proteger e se defender da animalesca atitude masculina e do julgamento das convenções sociais. Enquanto continuarmos compartilhando e alimentando esses tribunais morais, estaremos dando vazão para que as mulheres continuem sendo desrespeitadas como mulheres, com iguais direitos, como seres humanos.