Tenho me debruçado a vasculhar com bastante insistência acerca de referências bibliográficas referentes à relação do uso das artes de vanguarda nas salas de aula do ensino médio. Confesso que, se por motivo de falta de destreza da minha parte em descobrir esses materiais ou por carência de fontes sobre esse tema (o que eu tenho achado mais coerente por enquanto), a verdade é que acredito que isso seja algo bastante pertinente e que tem passado despercebido nas pesquisas. Apesar de ser um termo atualmente quase sem uso, a arte de vanguarda possui uma importância pedagógica.
Quando lemos materiais acerca da arte de vanguarda, deparamo-nos com algumas questões referentes a ela bastante precisas, mas que acredito que precisam ser repensadas. Uma dessas questões diz respeito ao fim da arte de vanguarda devido ao seu obscurantismo, ou seja, por causa de sua linguagem ser “não figurativa”, isto é, não compreensível aos sentidos dos observadores comuns da arte. Outro ponto diz respeito ao elitismo, visto que essa arte, devido à sua postura dada ao estranhamento, sempre se manteve afastada e desentendida pelo grande público.
Ora, se a arte de vanguarda possui essa espécie de hermetismo com sua linguagem de difícil acesso e seu elitismo gerando com isso um afastamento do público “leigo” da arte, não significa dizer que por isso devemos decretar simplesmente a sua crise, o seu fim ou a algo não importante. Tenho para mim que a arte de vanguarda pode ser de grande pertinência para a educação básica. Se os docentes buscassem compreendê-la enquanto projeto estético-político-pedagógico, tenho certeza de que ela seria um indispensável recurso a ser utilizado em sala de aula nas turmas do ensino médio.
Se queremos de fato que a arte de vanguarda seja utilizada nas aulas, temos que saber se realmente a escola ou o docente tem o interesse em fazer da educação um instrumento voltado para a emancipação do discente, e não uma mera ferramenta destinada a perpetuar a dominação. Se o docente se mostrar preocupado em proporcionar uma educação baseada na formação crítica, a arte de vanguarda será um excelente recurso; se o educador quiser fazer da educação apenas mais um meio para se transmitir conhecimento, a arte de vanguarda parecerá sem utilidade alguma.
Se analisarmos as pretensões da arte de vanguarda, perceberemos que ela busca romper com a perspectiva tradicional da arte, não só enquanto estrutura em si, mas também enquanto ideia. A arte de vanguarda se propõe a provocar ruptura nos modelos consagrados de arte. Não é por acaso que ela se encontra disposta a questionar esses modelos através de novas combinações discursivas, criando novas formas de linguagens. A vanguarda vem com o intuito de questionar as classificações e hierarquizações engessadas como arte, não-arte; como também ideias de valor estético, etc.
Vale lembrar que essas características não pressupõem apenas um rompimento vazio de propósitos. O que podemos perceber é que por trás disso existe todo um projeto de ruptura, de consciência do olhar sobre a realidade. Para isso se inverte a ideia de representação da realidade, alterando a ideia acerca da criação do artista e da interpretação do leitor da arte. O artista não costuma disponibilizar em sua obra significados prontos, cabendo ao leitor construir seus próprios sentidos através de sua própria interpretação. Isso dá ao leitor a liberdade de exercitar sua liberdade e sua criação.
Acredito que a liberdade e a criação são elementos fundamentais para uma educação que se quer crítica e emancipadora. Uma educação que faça uso da arte de vanguarda provoca o discente não só a se estranhar e a desnaturalizar a realidade a sua volta, condições fundamentais para um conhecimento que se quer crítico, como também produz um espaço para que este exercite sua imaginação, sua criatividade, estimulando assim, sua criticidade por se ver capaz e livre para produzir seu próprio conhecimento a partir do espaço que lhe é dado para construir seu próprio raciocínio.
Certa vez eu pedi que os discentes levassem revistas, colas, tesouras e cartolinas. Separamos várias equipes e eu propus a construção de uma atividade a partir das colagens, método utilizado pelo Surrealismo - movimento de vanguarda surgido na França na década de 20. Propus que recortassem gravuras, palavras, anúncios na forma de associação livre, ou seja, no que os surrealistas chamaram de automatismo, isto é, a construção de colagens sem fazer uso predeterminado da lógica racional, mas sim em usos aleatórios desses elementos na cartolina. Antes da atividade debatemos sobre Indivíduo e Sociedade.
Ao fazerem a colagem, pedi que cada equipe se apresentasse na frente expondo a cartolina. Ao fixarem a cartolina no quadro, pedi para que cada equipe criasse uma trama a partir da colagem apresentada na cartolina sobre Indivíduo e Sociedade. Houve um debate instigante, invenções de narrativas e imaginações inesgotáveis. Na outra aula pedi que trouxessem um texto falando sobre a experiência do trabalho e o resultado foi satisfatório, pois mostraram o quanto foi importante produzir ideias fazendo pontes com o conhecimento trazido em sala a partir da liberdade da criação e da imaginação
Essa liberdade unida à criticidade, à criação, à imaginação, e, portanto, a autonomia, além de ter provocado o prazer estético, terminou gerando uma emancipação do discente. É por isso que insisto que a arte de vanguarda, antes de ser considerada como algo reduzido ao hermetismo e ao elitismo, pode ser repensada e colocada dentro do ambiente educacional, afinal, é a partir do lugar que ela confere ao leitor da arte, que ela estimula caminhos promissores para a construção de humanos críticos e politicamente ativos, participativos na construção de seus projetos individuais e coletivos.