quinta-feira, 20 de dezembro de 2012
INQUIETUDE URBANA
Naquela rua me recordo das pessoas sentadas nas calçadas;
Das bocas abertas, das línguas ocupadas, das vidas mal faladas.
Naquela rua havia uma mulher; uma velha senhora de ar muito pouco para poder dizer.
Sua asma a impedia, ou de noite ou de dia de fazer o que seus irmãos faziam sem o perceberem.
Naquela rua abri uma porta para viver com homens.
Quando me viram fecharam as suas e se pudessem, a rua.
Andei pelo calçamento velho, batido por demais sofrido de suportar o peso de tanta gente.
A rua, um dia cansou, protestou, gritou a infâmia humana.
Aqui é rua de banana, de coentro, cavalo solto, peão e ninguém segura o vento.
O vento que levanta a poeira; a poeira que fere os olhos, os olhos que perdem a visão.
Um dia arranquei uma pedra da velha rua.
Ela não me disse nada.
A guardei em meu baú - uma velha e pesada peça de madeira.
A pedra foi esquecida.
Mudamo-nos.
Fomos para outra rua melhor construída.
As casas eram de lei, e as pessoas todas bem parecidas.
Não havia gente nas calçadas, nem gritos desesperados nas madrugadas.
As coisas eram muito bem arrumadas.
Tão arrumadas que o tédio tomou conta de mim.
Lembrei-me da pedra da rua velha de gente feia, e da mulher asmática.
Joguei-a ao chão limpo e bem varrido e fechei a porta atrás de mim...
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
O Torto: MANDACARUS
O Torto: MANDACARUS: O mandacaru é uma cacatácea muito comum no sertão nordestino. Em Sergipe ele aparece em quase todo o estado. Nossa caatinga é hipoxerófita, ...
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
MANDACARUS
O mandacaru é uma cacatácea muito comum no sertão nordestino. Em Sergipe ele aparece em quase todo o estado. Nossa caatinga é hipoxerófita, e isso faz com que as condições sejam favoráveis para o principado das cactáceas. Tanto nas regiões de aridez grande quanto nas de aridez mais branda, o mandacaru estará por lá. De vez em quando, um louco dessas terras ouve algum deles contar uma história...
- O professor Rozental tá indo para onde? Perguntou Felipe, um vendedor de vísceras de porco.
- Olá Felipe! Estou indo para o Povoado Jabiberi. Respondeu Rozental olhando para a telinha de seu celular.
- O professor tem um trocado aí? Pediu um dinheirinho o jovem evadido da escola aos 14 anos, hoje com 21, vende carne na feira e divide o lucro com o sócio, o tal Pedrinho da Barragem.
- Não Felipe. Não ando com dinheiro, o amigo sabe.
- Vá com Deus professor! Rozental subiu no ônibus amarelo e preto com o nome “escolar” escrito nos lados e na frente. O ônibus estava repleto de alunos e professores que iam para os povoados Batata, Agrovila, e o Jabiberi. O mestre de crianças se sentou do lado esquerdo do carro, o lado que dá para a serra na viagem de ida. A serra do Canine logo surgiu na paisagem daquele sertão. Rozental lembrou-se da revolta dos urubus e pensou seriamente em mudar seu modo de trabalhar. “Acho que a natureza exige uma nova relação com o homem”.
No mês de novembro as pedras do sertão gemem e lascam. O sol dialoga com elas e com toda a natureza desse bioma sertanejo. O mandacaru, herdeiro legítimo do trono da família nobre das cactáceas, não se curva perante o astro rei – ele é o verdadeiro coronel dessas terras secas.
Rozental se deleitava com a visão de seus olhos. Embora cinzento e seco, o sertão tem pontos verdes espalhados pelo pasto aqui e ali. São os joás ou juazeiros. Eles foram aliados políticos das cactáceas por muito tempo. Mas, depois que Belchior Dias Moreira dominou essas terras, tudo foi repartido e divido por cercas de arame farpado. A ditadura do arame continua até hoje e o conselho dos velhos de cãs e de experiência é: “Cada um dentro de seu cercado”.
- Rozental! Rozental! O professor não acorda e parece pálido! Falou um pouco alto o professor Cerqueira. O ônibus que estava se esvaziando defronte a escola do povoado Jabiberi se torna o centro dos olhares docentes e discentes naquela tarde. “O que houve com Rozental?” Alguns diziam uma coisa outros diziam outra e havia alguns que nada diziam apenas olhavam curiosos. Enquanto isso Rozental estava preso a sua visão:
Um mandacaru de sete metros, muito robusto, de braços fortes, na verdade ele tinha uns seis braços e alguns toquinhos ainda desabrochando, decidiu caminhar pelos pastos, e conversar com seus familiares. Rozental, em sua vidência via tudo e caminhava pelos campos cercados e pastos do Jabiberi. Os animais não lhe viam e nem as pessoas. Somente os mandacarus percebiam a presença do docente.
- Seu mandacaru!
- Sim!
- O senhor não me leve a mal, mas, o que está acontecendo?
- Dizem que Virgulino ressuscitou. As almas que ele prendeu nos mandacarus agora pedem justiça.
- Mas, assim, depois de tanto tempo?
- Quem te disse que a natureza esquece as ações dos homens? No tempo certo cada um pisará no seu espinho e sentirá sua dor. O espinho do mandacaru pode até matar, depende do lugar que ele perfure no corpo, por isso, Rozental se preocupou, pois, suas crianças lhe eram muito queridas.
- Onde está Virgulino?
- Ele chegou a Riachão, e amanhã estará no povoado Jabiberi. Com a resposta do ilustre mandacaru, Rozental se entristeceu e desceu até uma baixada onde havia um pequeno riacho, ali, ele pondera sobre os fatos.
“Esse sol quente; essa terra seca; deve ser tudo isso junto mais a idade. Acho que estou broco, será?” “Mandacaru falante, Lampião ressuscitado, meu Deus, o que não fazem as cãs!” “Afinal, por que tudo isso? Acho que preciso de médico urgente!”
- Rozental! Rozental!
- Quem é?
- Olhe aqui! Sou eu! O pedagogo olhou em todas as direções e nada viu. Rozental olhou para o riacho na direção da raiz de uma jurema. De fato, uma raiz de jurema rasgou a terra e deu n’água. Nela estava sentada uma moça que segurava uma vara de joá na mão direita.
- Ah, agora sim! Meu nome é Lizandra. Eh, como podes ver sou uma ondina.
- Pelo nome do Cristo vivo, o que é isso “ondina”?
- A natureza é regulada pelos espíritos encarnados nela as ondinas estão na água. Somos elementais hídricos.
- Olhe moça, eu não tenho tempo para mitos. Sou um homem racional. Diga-me o que desejas.
- Vossa razão é a causa de vossa dor. O alívio que dela advém não se compara a angústia que toda a terra sofre por causa de vossa lógica. A terra deve ter gelo, água, e fogo. A terra deve ter árvores e todos os bichos, pois tudo está em tudo, somos da mesma matéria, única, em todo o universo. As formas reclama justiça!
- Perdoe-me moça minha ignorância, mas, estou perdido, nem sei se estou aqui.
- Não há distancia entre a lógica e a imaginação; se o pensar é idealizar, isto é, por em forma de ideia as coisas da mente, então pensar é também sonhar. Quem sabe você acorde algum dia!
- O que queres dizer então dona sereia?
- Você deve comparecer a conferência dos mandacarus que ocorrerá perto da Lagoa Real, o último lugar pisado por Lampião nessas terras do Barão de Jeremoabo.
- Por que devo ir?
- Porque se sua pessoa não for, a coisa vai ficar pior porque a natureza está buscando o equilíbrio, e se ele não for feito, o povoado pagará a conta. “Devo estar com insolação; deve ser isso, logo vai passar”. Pensou o mestre do interior. A ondina se levantou da raiz e pegou uma cabaça para banhar-se nas águas. Quando água fria tocava em sua pele etérea, pequeninas gotas de água subiam à atmosfera e lá formaram um arco-íris muito bonito. Rozental meditou sobre o sentido daquele arco colorido.
Lampião chagou com seus homens no alto do povoado Saquinho em Tobias Barreto. Olhou os campos por onde passara algumas vezes. O cangaceiro sentiu o cheiro do beiju que uma índia Kariri fazia quando ele chegava a esses sertões.
- Umbuzeiro, vá ver a índia com os beijus!
- Sim senhor coronel! O homem montou um jegue chamado carinhosamente de “Aritana”. Os dois desceram a ladeira até a aldeia que ficava no pé da serra do Canine. A índia os espera com os surrões de beiju.
- Diga a seu Ferreira que num faça má não ao nosso povo!
- Que é isso bugre feme! Virgulino é boa gente. Poucos caíram por essas bandas. Por que ele fará má a seu povo?
- Nosso povo sabe da lenda dos mandacarus e parece que é agora ou nunca.
- O que sua índia? Que estória é essa?
- Pois, um mandacaru, agora, é o rei do sertão! Diga a lampião!
- Essa mulher tá doida! Umbuzeiro e Aritana voltam para o acampamento.
Lampião apeava os cavalos para descerem até o pé da serra do Canine, no mesmo lugar onde esteve em 1931 com sua amada Maria Bonita.
- Chefe! Chefe!
- Isso é jeito de falar Umbuzeiro!
- Coroné, a índia tá dizendo que tem um mandacaru alegando ser o grande chefe do sertão!
- E eu com isso! Mandacaru não sai do canto, só serve quando a gente precisa espetar alguém, é ou num é Pinga fogo? Seu Pinga fogo, um caboclo forte, balançou a cabeça. Sua mão direita segurava um punhal, e a esquerda uma laranja doce como o mel.
- É seu Virgulino, se eles vierem tem, vai ser que nem em Serra Talhada. O bando comia beiju enquanto isso Rozental procura a reunião dos mandacarus na Lagoa Real “Mas, onde vai ser essa reunião na Lagoa Real?” Perguntou Rozental a si mesmo, pois, o lugar era muito grande e bonito. O homem caminhou pelos pastos e pelas águas da lagoa e nada de reunião. “Estou andando em círculos”. Pensou ele novamente.
- Psiu! Psiu! Rozental! O homem vira-se para ver quem o chamava e a ninguém viu.
- Ei, é aqui! Rozental olhou para uma pedra; era, na verdade, uma rocha metamórfica. Muito dura por sinal.
- Você precisa seguir as cercas onde o arame tá quebrado, foi por lá que ele passou. Rozental agradeceu e quis sair da presença da pedra para seguir seu caminho.
- Ei, moço! Tá vendo a serra?
- Estou.
- Pois Lampião chegou com seus jagunços e vão comer beiju no pé de serra onde ele ficava pelos idos de 1931. Cuidado que o homem é perigoso. Foi aqui mesmo, em cima de meus lombos que ele furou um peão de nome Nonato que trabalhava para um povo aí da cidade de Campos.
- Mas, dona pedra, esse deve ser seu nome. Desculpe, não tenho o costume de falar com pedras, contudo, preciso entender o que ocorre. Afinal, estou morto, sonhando, ferido, demente, ou o que?
- Meu caro professor espere um pouco, pois, preciso estalar. O sol aquece a pedra e com a queda da tarde, um vento frio desce a serra; é nessa hora que as pedras gemem. A pedra deu um estalo, e da rachadura escorreu sangue e água.
- Você é uma pedra cristã?
- ah, você pergunta por causa do sangue e da água, num é?
- Isso! Como você fez isso?
- Não fui eu, foi você. Quem diz de nós é a criatura inteligente, vossa fé fez o mundo. Mas, deixa isso para outro sertão. Sim, falávamos da reunião, siga as cercas quebradas que você encontrará a irmandade das cactáceas. Mas, seja rápido, o tempo se esgota! Rozental seguiu caminho, e a pedra ficou no mesmo lugar.
Enquanto a ambulância não chegava de Tobias, a comunidade do Jabiberi fazia uma vigília de intercessão pelo velho professor de crianças. Ninguém sabia nada, tudo que se tinha era que seu coração batia. De súbito, Rozental deu um sorriso. Suely, ex – aluna do educador chorou de emoção e disse: “Rozental tá vendo os anjos!” Com isso a comoção do povo foi muito grande. Ruanês, um funcionário público, disse alguns versos em voz alta com a mão direita erguida na direção da Serra do Canine:
“Foi de lá que veio Belchior Moreira;
O homem tinha sede de prata como se ela fosse água.
Atrás dele vieram os vagueiros, e o gado pisando o chão;
Daí pra frente, a terra de Campos perdeu seu irmão;
E o Kariri foi enterrado na lama do rio coberto com folhas de aroeira”.
Rozental caminha seguindo a pista dada pela pedra. De fato, por onde passou o mandacaru, as cercas estavam quebradas. Atrás de seu rasto caminhava o ilustre tobiense Rozental Barreto. Numa baixada, próxima a um ribeiro que alimenta a Lagoa Real estavam todos os mandacarus reunidos. O som de suas falas assustou os carcarás e os urubus que estavam querendo se aquietar porque a tarde virava tardinha. Um camaleão bem verde e grande conversava calmamente com um teiú parente seu.
- Por mim, que todos os homens morram! Estou cansado de ser caça. Disse o camaleão alternando suas cores conforme as impressões de seus nervos.
- Ah, coisa é comigo! Estou farto de ser caçado nos cemitérios! Vai faltar defunto depois, mas, a gente se adapta, entendeu parente?
- Sei meu caro! Por isso, nós que somos natureza pura precisamos nos unir.
- Mas, há um problema.
- Qual?
- A falta de cobra é muito grande. Para construírem os pastos e suas cidades eles mataram as cobras quase todas. Restam algumas famílias aqui e ali. Isso significa que teremos escassez de alimentos por causa dos humanos.
- Acredito que o mundo será melhor sem eles. O camaleão viu uma mutuca e foi caça-la, a moça parecia saudável e era uma iguaria muito valiosa para aqueles répteis. O teiú seguiu seu caminho, melhor dizendo, entrou em seu buraco e sumiu.
Rozental avista a reunião dos mandacarus. Todo aquele pasto ficara verde, tão verde que não se via o verde do juazeiro. Alguém, na roça falou que eles foram convidados para a reunião, mas, não foram por causa do sentimento que eles têm pelos humanos e seus bichinhos. “Os humanos podem melhorar, tenham fé em Okaru!” Okaru era a deusa mãe que para os índios de lá representava a natureza e suas leis.
A presença de Rozental foi sentida de imediato. Um mandacaru vidente viu, olhando num cactos pequenino, que viria até o mundo deles, dois grandes homens com estradas diferentes. Um vinha do presente, e o outro do passado. O primeiro havia chegado – Rozental – o professor do sertão e do sertanejo!
- Sua presença desonra nossa espécie. É por causa de vocês que nós estamos desaparecendo e o equilíbrio magnético do sertão está abalado.
- Meu caro mandacaru, vejo pelos seus espinhos grandes e afiados que sua pessoa é um homem feito, digo, desculpe, um mandacaru feito. Eu nada tenho a ver com isso, estou aqui somente de passagem, na verdade, me responda, eu estou aqui mesmo?
- Vejam a prova cabal do que digo: “Eles não acreditam em seus próprios sonhos”.
- Não! Eu acredito! Todos os mandacarus sorriram em coro escarnecendo de Rozental. O mandacaru rei continuou.
- Vejam que eliminar o povoado e depois a cidade vai nos libertar das ideias dos humanos, de seu sistema político, e de suas loucuras; eu admito, detesto quando eles põem fogo no pasto, é um absurdo! Um mandacaru baixinho com voz afeminada pergunta ao grupo.
- Olha, eu gostaria de saber se isso vai nos trazer alguma chuva porque apesar de ser uma cactácea, eu também tenho sede e não chove há muitos dias. Gente o calor está insuportável!
- Isso é uma vergonha! Disse o mandacaru rei. Este tipo de cactácea envergonha nossa espécie!
- Por que meu bem? Por que?
- Todos temos direitos! Até que fim nós temos consciência, bem! Hoje eu sei o que é ser um mandacaru gay. O grupo inteiro deu risada. As fêmeas se juntaram ao moço sensível e o consolava.
- Saiam suas danadas! Vocês estão me espetando! Mas muito obrigada pela gentileza!
O mandacaru rei continuou sua fala com o docente Rozental.
- Vocês humanos gostam de destruir para construir suas vidas. Será que vocês nunca viram que destruindo o meio onde está a vida a vida seria ameaçada? Nós mandacarus decidimos nos revoltar e vamos impor a ordem natural novamente.
- Mas, com todo respeito a vossa excelência, sua magnânima pessoa deve entender que sois poucos atualmente, e vossos espinhos de nada servem contra as armas humanas. Não tens aliados, ou tens?
- As garças tem, sim, um interesse forte em se unir a nós. Estou agora mesmo esperando a garça chefe para dialogarmos. Ela produz sons orais incompreensíveis, precisamos de alguém que domine a língua de sinais. O amigo sabe essa língua.
- Sim, posso ajudar, mas, não tem como mudar esses planos de atacar os humanos? Penso mais em vocês de que em nós. Nossas armas são quase invencíveis. Concluiu Rozental.
- Veja a sua presunção! Mal o mandacaru terminou a palavra, a garça chefe pousa na galha de um pé de aroeira vermelha. O dialogo entre o mandacaru e garça começa.
- Precisamos de artilharia aérea. Você garças podem fazer isso?
- Com certeza! Temos todo interesse de destruir os humanos. Nossa simbiose com o gado nos diz que os rebanhos se multiplicarão caso parem a matança. Se não tiver gente para comer o boi eles não mais serão mortos. Os carrapatos são nossa dieta favorita. Mais gado, mais carrapato, mais garças felizes! Concluiu ave sinistra. Rozental perguntou, na linguagem de sinais, se não seria melhor uma reunião com os humanos antes do ataque. A garça respondeu que foram muito humilhadas no passado, e que suas existências na terra se explicam pelo funcionalismo “garça come carrapato garça merece viver”, e isso era muito humilhante para um ser aéreo. O mandacaru, nervoso recebe uma visita inesperada. Era a cobra cascavel. Ela contou que soube da reunião enquanto se alimentava de insetos, próximo à barragem, e que logo veio para dizer que essa batalha é dos anfíbios também, “Em nome de todas as cobras mortas por mera diversão e lazer, nós nos rebelamos nesses sertões”. Os mandacarus deram risadas, um pouco apertadas devido aos espinhos que nasceram próximo à suas bocas. A estratégia então seria essa: Exército terrestre – a infantaria de mandacarus; equipe aérea – garças que usariam espinhos envenenados e os atirariam nos humanos. E a equipe rasteira e traiçoeira – as cobras, animais sofredores, caluniados desde o Éden. Rozental foi convidado pelo mandacaru secretário, um tipo de escrivão que registrava tudo, a ser chanceler da natureza e observador para que, em caso de violação das leis de Genebra, ele denunciasse ao Greenpeace. “Estamos em suas mãos Rozental”.
Enquanto isso Lampião chega ao povoado Jabiberi. O coronel do sertão e seus homens ocupam a cidade e violentam algumas moças. Depois de violentadas, as meninas andaram como zumbis pela praça do povoado. Dona Quidinha que vendia geladinho, e que segundo Marcos, aluno da escola pública, era o melhor geladinho do mundo, disse para Lampião ouvir: “Todas as almas que você matou foram para os mandacarus e eles vão te pegar”. A mulher mal fechou a boca levou um tiro na cabeça. O povo do povoado estava desesperado. Roselito, irmão de um professor local teve um passamento quando viu o punhal de Corisco. Assim ele comentou: “Meu Deus enfiar um punhal daquele nos outros é muita crueldade!” A noite chegou no sertão, o outro dia seria decisivo para todos.
A ambulância demorava a chegar e Rozental estava deitado no ônibus assistido pelas orações do povo do povoado. Ele não sabia que era tão querido naquele lugar. “Deus salve Rozental” Pediu dona Guilhermina que faz bordados. “Meu Deus ajude Rozental, não o deixe morrer!” Pediu com muita fé Dona Maria.
Amanheceu com sol forte o sertão de Campos. A população local percebeu rápido que havia algo errado. A terra estava rasgada porque os mandacarus se arrastavam para poderem andar. Seus pés estavam enfincados no chão. As aves iniciaram o ataque aéreo contra o povoado. Os espinhos envenenados surtiram efeito e o povo foi caindo morto. Lampião soube do ocorrido e entrou em alerta. “Mas que diabo é isso?” Perguntou o cangaceiro. Ele tinha cinquenta valentes a sua disposição. “Homens, atirem em tudo que se mover, fiquem alertas, Aqui tem mandinga!” Alguns homens de Lampião morreram envenenados, outros mordidos por cobra, e outros pelos mandacarus. A morte causada por um mandacaru era terrível. Durante séculos eles desenvolveram o espinho encefálico. Quando um mandacaru se aproxima de você ele injeta no seu bulbo craniano ou pelos olhos um espinho de sete centímetros que causa morte dolorosa quase imediata. As pessoas não sabiam. Elas se aproximavam dos mandacarus e os espinhos eram lançados.
Rozental soube da presença de Lampião no Jabiberi. Ele disse que parece que o tempo se cruza. O passado se cruza com o presente, é somente os homens acreditarem em seus sonhos. A morte de cangaceiros e de civis sensibilizou o Jabiberi. Esta foi uma das poucas vezes que o cangaceiro Lampião perdeu uma peleja. Contudo, Lampião não deixaria o povoado abandonado. “Em nome do padim do Juazeiro eu vou lutar inté a morte, mas, vamos salvar o Jabiberi!”. De vilão a herói, passou o coronel Virgulino Ferreira.
As baixas foram se tornando grande dos dois lados. Os humanos perceberam quem eram seus inimigos, e mesmo sem nada entender partiram para o ataque sistematizado. Uma nuvem gigante de garças cobre o povoado e logo em seguida uma chuva de espinhos envenenados cai sobre a população. Os tiros eram disparados em todas as direções, garças e homens tombavam ao chão a todo instante. Dona Luzia que era Protestante disse que aquilo era a volta de Cristo. Sebastião que era testemunha de Jeová disse que era Deus limpando o mundo para transformá-lo em paraíso novamente. As opiniões eram várias, e as mortes eram muitas.
Rozental se angustiou e pediu aos mandacarus que parassem o ataque para um diálogo. Ele aceitou em nome da reputação que sua espécie tem no sertão que, aliás, deveria ser mais respeitada. Lampião reuniu o povoado no mercado atrás da igreja, o cangaceiro aceitou negociar com os mandacarus. O chanceler Rozental intermediaria o encontro das duas forças militares.
- Rapaz, que covardia da peste macho, atacar o povo de cima, com espinhos envenenados com veneno de cobra? Coisa feia, macho espinhento!
- Em primeiro lugar, peço a Rozental que diga a esse cavalheiro que esses não são modos de falar com uma autoridade. Sua pessoa, Lampião, é um assassino cruel e vem me falar de mortes? Isso é ridículo!
- As pessoas dizem o que querem de mim, Uns me dão bondade outros maldade.
- Mas, existem os fatos e contra eles não tem argumentos. Você é um assassino cruel com arroubos de bondade. É um quadro psicótico típico.
- Olhe seu ruma de pontas, nós vamos acabar com a raça de vocês! Virgulino puxou o punhal e partiu para cima do mandacaru rei, mas, sem sucesso, uma moita de cobras coral apareceu entre os dois. As últimas palavras de Virgulino foram: “Vou levar o professor, ou vocês param, ou amanhã a cabeça dele estará pendurada no cruzeiro na entrada do povoado!” Os jagunços levaram Rozental e o prenderam em seu acampamento.
Os mandacarus se reuniram com as cobras e as garças. Viram que o professor era um homem bom e não merecia perder a cabeça. Mas, a situação não podia continuar. Uma jiboia entra na conversa e diz. “Vamos sequestrar o docente esta noite, e depois a gente continua o ataque”. O povo do Jabiberi dizia: “Bem feito, quem mandou andar com coisa ruim, ah, uma escopeta!” Naquela mesma noite, as cobras foram libertar Rozental. O professor estava dormindo quando uma jaracuçu verdinha o acorda dizendo: “Vamos se vista!” Rozental pôs as calças e foi com as cobras. Infelizmente, não se sabe o que houve; sabe-se apenas que um grupo grande de cururus interceptaram as cobras e as comeram; o coaxo anfíbio acordou o acampamento. “Olhem, Rozental está fugindo!”. No outro dia, às dez da manhã, Rozental é executado, sua cabeça pendurada na trave vertical do cruzeiro, na entrada do povoado. Todo o povoado se entristece. O povo chorava a morte do ilustre pedagogo. Os mandacarus, muito emotivos mandaram condolências à família da vítima, mas, não tiveram resposta. Todos foram para suas casas, inclusive o cangaceiro Lampião.
- Rozental! Rozental! Gritou o paramédico do SAMU. O homem não dava resposta.
- Temos que leva-lo a Aracaju! A ambulância saiu do Jabiberi rumo a capital; nela Rozental continuava sua vidência:
Em respeito à morte de Rozental, os mandacarus pararam os ataques; Lampião decidiu subir para Olindina, pois, queria ele acertar umas contas por lá. Logo, logo as pessoas se esqueceram da guerra com os mandacarus e de Lampião. O finado Rozental teve missa de sete e vinte um dias, depois só mais uma, a de ano. Foi nessa quadra que um grupo de alunos da escola pública do Jabiberi se deparou com uma coisa muito estranha. Uma pedra gemia muito.
- Uma pedra gemendo? Olhem deixem de absurdo! Parem com isso! Disse o professor Vicente.
- Mas, é verdade professor!
- Vocês são crianças e estão imaginando coisas. A conversa foi encerrada.
Todo mundo sabe que criança é muito leal ao que ver e elas viram a pedra gemendo. No dia seguinte tornaram lá. A pedra que atendeu a Rozental tornara a gemer. A população foi às pressas ver o mistério.
- Olha a pedra tem lágrimas!
- Veja Ruanês aqui em cima parece uma barriga de mulher grávida.
- Rapaz, é mesmo!
Quanto mais se falava, mais chegava gente. Uma multidão, agora, cercava pedra metamórfica.
- Veja, a pedra está abrindo as pernas!
- Tá doida mulher, a pedra não tem pernas!
- Rapaz, olha aí! Está se formando. Eu vejo certinho!
- Rapaz, é mesmo, e tem barriga também! O povo do Jabiberi entrou em prece pela pedra. A ladainha ia longe. Susana Alves, líder do Grupo de Oração Coração de Jesus, iniciou uma novena in locus pela pedra. Ninguém mais falava outra coisa – “a Pedra parturiente”. Foi numa terça-feira, ao meio dia, com o sol ardente e implacável, que a pedra rachou formando uma vagina. A dor foi grande, escorria água e sangue de suas entranhas. As mulheres experientes disseram: “Rasgou a bolsa, agora é questão de tempo”. Outras disseram: “E se for uma cesariana? Como vão levar a pedra?” Estas e outras questões povoavam a mente do povo quando o céu se torna subitamente cinzento; uma garoa fina começa a cair. Alguns foram procurar abrigo em suas casas, outros continuaram ao lado da pedra. Os gemidos da rocha metamórfica eram agudos e sentidos. As pessoas sabiam que ela estava sofrendo. A chuva ficou mais forte; choveu sem cessar por cinco minutos; os tanque ficaram cheios, os rios, ribeiros e riachos transbordaram, e pasmem! Os mandacarus floresceram, sim, todos os mandacarus floresceram. Quando a chuva parou, o professor Rozental estava todo molhado ao lado da pedra que aos poucos virava areia.
Desde então, ninguém mais se lembrou de Lampião nem dos mandacarus rebeldes. O Sertão voltou a ter paz. Todas as estradas levam a algum lugar. A de Rozental o levou ao hospital em Aracaju.
- Rapaz que paciente estranho é esse?
- Doutor Nonato! Nunca vi em toda a minha vida, uma cabeça humana costurada de volta ao corpo. Alguém costurou a cabeça desse cara e usou algum tipo de instrumento desconhecido pela ciência. Sim, veja aqui!
Levaram o pedaço de tecido de pele de Rozental. No microscópio, viram que a fibra que estava no tecido de pele do pescoço do professor, era fibra de espinho de alguma cactácea. Esse sertão tem coisas. Não tem? Tem muita coisa nesse sertão de Deus, mas, também tem gente, tem muita gente...
quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
EDUCAÇÃO E MUDANÇA SOCIAL Comentários e apontamentos de citações
Freire, Paulo. Educação e mudança. (p.14). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979
Nessa primeira parte dos estudos freireanos optamos por comentar algumas citações da introdução do livro ‘Educação e Mudança’ por entender que Freire abre seu trabalho destacando pontos que considero crucial para o entendimento de seu dialogismo. Ele inicia nos alertando que a pedagogia necessita do olhar antropológico, da compreensão das relações de poder entre os homens, do entendimento de nosso inacabamento como a raiz da educação, de nossa historicidade, da necessidade de ser mais em detrimento do ter mais, e da busca pelo conhecimento em interação com os outros. Freire diz que não somos objetos da educação e sim sujeitos dessa. O objetivo dessa série de estudos é coletar os postulados freireanos que, segundo meu ponto de vista, servem de fundamento para afirmarmos que o pensamento pedagógico de Freire é dialogista.
“Não é possível fazer educação sem refletir sobre o próprio homem”. (Freire, 1979, p.14)
Para Freire pensar a educação sem pensar o homem é um grande erro, portanto, a teoria educacional exclusivamente apoiada em bases teóricas econômicas, no pensar de Freire, não nos dá uma ideia nítida do que realmente seja esse fenômeno. Porém, não podemos achar que estudar o homem sem considerar os modos de produção e distribuição de riquezas nos dará uma ideia mais lúcida dele. O homem deve ser dissecado, e suas vísceras, uma por uma, estudadas para que possamos apreender, com máxima clareza, esse fenômeno humano chamado educação. Para tanto, o estudo das leis de diretrizes educacionais pode muito contribuir para uma apreensão mais larga da mentalidade brasileira sobre educação, pois, isto significa um olhar para o passado, para a nossa história. O olhar para a história do homem, é o olhar para sua dialética, é dialogar com suas contradições. O olhar antropológico em Freire, de acordo com nosso estudo, é um olhar para o homem enquanto história.
Na realidade brasileira, temos o olhar brasileiro de educação, o que felizmente pode ser visto pelas as sucessivas LDBs. Tomemos como ponto de partida à primeira LDB de nosso país:
“Conhecida como Lei 4.024/61, a nossa primeira LDBEN garantiu igualdade de tratamento por parte do Poder Público para os estabelecimentos oficiais e os particulares, o que garantia que as verbas públicas poderiam, inexoravelmente, ser carreadas para a rede particular de ensino em todos os graus. A Lei, que ficou treze anos no Congresso, e que inicialmente destinava-se a um país pouco urbanizado, acabou sendo aprovada para um Brasil industrializado e com necessidades educacionais que o Parlamento não soube perceber. A visão de Florestan Fernandes a respeito da LDBEN contrastou com a dos contendores mais citados da época, em especial, pelo lado liberal, Anísio Teixeira, e pelo lado dos setores conservadores, o deputado Carlos Lacerda, bastante conhecido pela sua preleção contrária a todo e qualquer projeto de esquerda, fosse este sob o cunho populista ou sob qualquer outra rubrica. Carlos Lacerda, diante do resultado, disse: “foi alei a que pudemos chegar”. Anísio Teixeira, no Diário de Pernambuco, disse: ‘meia vitória, mas vitória’”. (Ghiraldelli, 2001, p. 90).
Paulo Ghiraldelli destaca o seguinte:
- foi uma LDB fora do prazo sem qualquer conexão com a nova realidade nacional;
- foi uma LDB que nasceu dos interesses representados pelo confronto entre Florestan Fernandes1(lado idealista), Anísio Teixeira (lado liberal), Carlos Lacerda (lado conservador), e o lado não presente na citação, mas, no contexto da mesma, os interesses da Igreja Romana;
- Foi uma meia vitória. ‘foi o que podemos chegar’. Disse Anísio Teixeira.
Não podemos deixar de ver que a educação em qualquer país não está separada dos interesses de classe como dizia Marx, Althusser e outros. Por treze anos nossos políticos discutiram uma lei que ao ser sancionada não mais representava as necessidades de nossa sociedade. Ao longo de nossa história nos deparamos com fenômenos semelhantes. Portanto, devo acreditar nas palavras de Freire no que se refere, em um primeiro momento, ao aspecto ontológico do homem brasileiro – O homem ser histórico, transcendente, em permanente mudança; num segundo momento, este homem histórico deixa em sua história as marcas de sua personalidade, e de seus interesses políticos. Nossa primeira LDB é uma comprovação dessa tese. Mas, isso nos leva a duas perguntas chave: “Quais foram os interesses que levaram a construção da lei 4.024/61?” “Qual a razão que levou a sua descontextualização histórica?” O presente trabalho não visa responder a estas perguntas.
“(...), algo que possa constituir o núcleo fundamental onde se sustente o processo de educação. [...] Este núcleo seria o inacabamento ou a inconclusão do homem”. (Freire,1979, p.14)
Para Freire o sujeito possui a capacidade de perceber a si mesmo e ao mundo. Em ‘Educação e Mudança’ ele não nos diz como o homo sapiens chegou a esse nível de evolução, nem ele expõe uma teoria geral sobre a construção do sujeito. Ele apenas cita que somos sujeitos, e que esse sujeito que somos é histórico, por isso inacabado. No entanto, em ‘A Importância do ato de ler’ Freire faz alusão às experiências na fase infantil como base para o surgimento do ‘homem leitor de mundo’, o que para Freire não significa dizer que esse homem principia o processo como leitor de textos escritos; isso me leva a crer que Freire ver o desenvolvimento ontológico como uma relação entre o animal e o meio, e nessa interação surge, então, o sujeito histórico; o elo perdido, a interfase entre o ser animal e o ser humano não é explicado em Freire. A educação, só existe em nossa espécie, porque esta construiu o sujeito, e uma vez no mundo, o sujeito consegue dizer o que ele é, e o que é o mundo.
Para a teoria neo-marxista de Althusser, o sujeito é um construto ideológico. Sobre o homo sapiens incidem os conceitos de mundo, de real, de valores, de certo e errado, o peso da cultura, etc. Dessa forma o neo – marxismo entende que são os modos de produção, a forma de organização política e social, e as instituições que disso derivam que constituem o que a psicologia e a sociologia chamam de ‘sujeito’. Ao não definir de forma clara o que é sujeito, a teoria de Freire sofre uma redução muito grande. No entanto, o mérito de dizer que o sujeito é histórico, portanto, educável e dialógico permanece.
“(...), o homem se sabe inacabado e por isso se educa. Não haveria educação se o homem fosse um ser acabado. (...). O homem pode refletir sobre si mesmo e colocar-se num determinado momento, numa certa realidade: é um ser na busca constante de ser mais e, como pode fazer esta auto reflexão, pode descobrir-se como um ser inacabado, que está em constante busca. Eis aqui a raiz da educação”. (Freire, 1979, p.14)
O argumento freireano do ‘sujeito em construção’ que confronta de forma cabal o maniqueísmo puritano e o criacionismo calvinista é uma força propulsora para uma abordagem dialógica em educação. O sujeito em construção é o sujeito do diálogo, da experiência, da tentativa – o que faz da realidade uma escola natural da vida. O ‘ser mais’ para Freire diz respeito às descobertas que o sujeito pode fazer de si para melhorar sua realidade; a forma como lida com ela, ou, em outras palavras, a possibilidade de transformação histórica como uma fenomenologia do homo sapiens – nada permanece como é, até as pedras descascam – o homo sapiens é um animal ‘ser – em – construção’. Sendo assim, o diálogo é possível e necessário, pois, o dogma, a verdade inquestionável não pode ter existência material num mundo em experiência. Essa é a força maior que move a ciência e a filosofia.
Os postulados filosóficos de Freire sobre educação na introdução de sua obra são os seguintes:
A educação é:
a. uma resposta da finitude da infinitude;
b. (a educação) é possível para o homem, porque este é inacabado e sabe-se inacabado;
c. (isso implica) uma busca realizada por um sujeito que é o homem;
d. o homem deve ser sujeito de sua própria educação;
e. não pode ser objeto dela;
f. ninguém educa ninguém.
A educação não cessa, mesmo fora do contexto formal de educação, o sujeito continua na via do aprender e do apreender. O sujeito é um ser epistêmico, gnosiológico. E isto é externado no mundo objetivo pela nossa erotização (não aplico aqui o conceito freudiano de erotização relacionado às neuroses), mas, apenas digo que o homem sente prazer em conhecer, em descobrir; isso o realiza, o dá prazer. O conhecer para Freire é compartilhado, é adquirido e realizado em conjunto com outras consciências. Conhecer para Freire é estar em interação, em diálogo. No processo de aprender e apreender, o homem é sujeito. Se a ordem for invertida, para Freire, não há educação, ou pelo menos, será uma educação opressiva, pois, o homem objeto da educação é o homem alienado por ela.
O ‘ter mais’ que forma um par com o ‘ser mais’ diz respeito à ganância dos homens de locupletarem bens materiais em detrimento do oprimido, do pobre. Uma sociedade utópica, solidária está o imaginário freireano. Freire não separa a educação dos processos sócio – econômicos das sociedades e neles as contradições do capitalismo.
Para Freire, mais vale uma busca permanente de si mesmo; uma busca que não seja solitária, pois esta poderia traduzir-se em ‘ter mais’. O ‘ter mais’, um ethos capitalista, segundo Freire, coisifica as pessoas; é, portanto, o ‘ter mais’, a causa da miséria no mundo. O coisificar pessoas atua em duas polaridades distintas no pensamento de Freire: O coisificador (dominador) é coisificado, pois, sua consciência passa a achar normal e legitimo o ato de explorar o outro pela via ideológica e material – o coisificador é o dominador que perdeu sua liberdade de andar no mundo por causa de sua ganância de sempre ter mais; essa é a origem das desigualdades sociais e suas mazelas. E o coisificado, acéfalo, alienado – o que está no curral do sertão, o boi para a matança. Uma nação erguida sobre esses pilares não vai muito longe! Pois, os sujeitos que constituem o tecido social enfermam o mesmo; essa doença, como um câncer necrosa todo o corpo. Por isso, a busca pelo conhecimento em Freire deve ser em comunhão para a comunhão entre os homens, onde o coisificador e a coisa se educam para serem livres; dessa forma, homens críticos e cidadãos do mundo.
“Esta busca deve ser feita com outros seres que também procuram ser mais’ em comunhão com outras consciências, caso contrário, se faria de umas consciências objetos de outras, seria coisificar as consciências”. (Freire, 1979, p.14)
Meu caro Souza, eu sou um humilde pedagogo sem muitas pretensões, com toda humildade percebi em nossos estudos sobre o dialogismo que ainda tem muito chão pela frente. Todavia, no final desse pequeno apontamento, separei alguns indicativos do dialogismo em Freire, o que comprova minha tese que esse pedagogo brasileiro compartilhava de ideias muito a frente de sua época. Na presente geração o dialogismo é uma necessidade epistemológica:
- o ser histórico dialético é condição precípua para a existência de diálogo no mundo;
- a natureza da educação como discurso interpessoal, como processo entre pessoas ou sujeitos;
- a necessidade de se não coisificar as pessoas – uma semente monológica está na reificação;
- O compromisso ético com o mundo nos exige o diálogo;
- a natureza da episteme é dialógica. O conhecimento não pode ter uma única via.
Referencias:
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª Edição. Paz e Terra. Rio de Janeiro, 1979.
Jr, Paulo Ghiraldelli. Introdução à Educação Escolar Brasileira: História, Política e Filosofia da Educação. Versão prévia, 2001.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23a ed. São Paulo, 1989.
[1] Seu comprometimento intelectual com o desenvolvimento da ciência no Brasil, entendido como requisito básico para a inserção do país na civilização moderna, científica e tecnológica, situa sua atuação na Campanha de Defesa da Escola Pública, em prol do ensino público, laico e gratuito enquanto direito fundamental do cidadão do mundo moderno. http://pt.wikipedia.org/wiki/Florestan_Fernandes
domingo, 2 de dezembro de 2012
O declínio da arte?
A arte está em crise? Na verdade, sou da opinião de que a arte, por ser um dos infindáveis fenômenos que implicam formas de expressões da sociedade, anda passando por um momento de perda de apreciação. As pessoas andam em plena correria em seus cotidianos e têm perdido o hábito de entrar em devaneio com a arte. O elemento artístico parece que ficou reservado a um aspecto utilitário. Não me utilizo da arte para transcender. Eu me utilizo da arte para preencher um tempo de descanso.
Basta observarmos no cotidiano social para vermos que as pessoas quando se utilizam da música, por exemplo, têm tido um hábito muito freqüente de ligar o som no mais alto dos decibéis e buscado consumir de forma excessiva ritmos e canções preocupadas apenas com o movimento. Se pensarmos isso nas artes plásticas, uma tela, antes de ser permeada por significações aos olhos do sujeito, serve ou apenas para um enfeite ou para uma autoafirmação de poder, isto é para mostrar que tem um “bom” gosto.
Vivemos em um tempo tão marcado pela correria, pela busca de resultados, que viramos seres praticamente robóticos. Produzimos, mas não refletimos. Esse excessivo ritmo de produção faz com que a gente se mantenha em um estado frenético sonhando com muitas coisas e seguros pelo alicerce do vazio. Com isso passamos temer o silêncio e a brincadeira de nos aventurarmos pelo nosso espírito. Diante de um mundo marcado pelos cronômetros, as contradições devem ser expurgadas de nós.
O hábito de se deitar em uma rede ou de se aconchegar em qualquer outro lugar para sentir a melodia, os acordes, os arranjos, as letras de uma canção, por exemplo, são negados por uma sociedade calada pelo excesso de barulho e pelas intensas ansiedades devoradoras do amanhã e negadoras do presente. Sentir é uma palavra assustadora para uma humanidade que apenas tem cumprido de forma robótica os seus projetos em seu dia a dia. Sentir é pensar e pensar é se confrontar com os nossos emaranhados.
A arte é justamente esse se aventurar no emaranhado de fraquezas que compõem os seres humanos. A arte implora para que seu apreciador encontre seus próprios sentidos a partir do instante em que ele vasculha, se perde e se descobre em seus próprios labirintos. Dialogar com a arte significa se adentrar nos vulcões aparentemente adormecidos de nossa alma, significa transitar em novas experiências, se abster do óbvio e deixar fluir nossas dores e nossas incertezas.
Aceitar a arte significa se deparar com o exercício do diálogo, mas como se dialogar em uma sociedade que não nos dá o tempo suficiente para o diálogo com os outros e com nós mesmos? Estamos inseridos em um contexto marcado pelo excesso de informações, porém, estamos pouco dados ao convívio com o outro. Estamos recheados de conhecimento, mas solitários. Ninguém mais tem tempo para dialogar com o outro e muito menos em se confrontar com suas próprias fraquezas.
Se é para se ouvir uma música, que se ouça de forma alta, afinal, não precisamos conversar, uma vez que conversar é perigoso, pois cai em questões da existência. Em uma sociedade onde o relógio comanda cada passo, existência é uma coisa que não se reconhece, e se reconhece, dói pra caramba. Se é para se ter uma tela em nossa casa, que seja para combinar com a cor do sofá. Se é para se ouvir música em casa, que seja enquanto fazemos outra coisa, pois não queremos sentir a força do que nos maltrata.
Agora eu repito a pergunta que fiz no início do texto: a arte está em crise? Enquanto apreciação, sim. Entretanto devemos sempre lembrar que a arte expressa a sociedade de seu tempo e a sociedade atual, apesar dos grandes avanços tecnológicos, também tem se mostrado em crise com relação ao exercício da apreciação. A arte não tem sido utilizada de forma a estimular a sensibilização e o diálogo, assim como a família tem passado pela mesma situação, a política, etc.
Como recuperar o exercício com a apreciação? Essa é uma pergunta que deve ser repetida e pensada. No entanto eu também me questiono se o parâmetro que eu estou fazendo da apreciação pode se encontrar atualizado com o contexto. Será que não existe apreciação da arte ou essa apreciação mudou sua forma? Será que a sensibilidade com a expressividade do objeto artístico morreu ou a sociedade anda reinventando uma nova forma de convívio e de sentimentos? Perguntas e perguntas...
Basta observarmos no cotidiano social para vermos que as pessoas quando se utilizam da música, por exemplo, têm tido um hábito muito freqüente de ligar o som no mais alto dos decibéis e buscado consumir de forma excessiva ritmos e canções preocupadas apenas com o movimento. Se pensarmos isso nas artes plásticas, uma tela, antes de ser permeada por significações aos olhos do sujeito, serve ou apenas para um enfeite ou para uma autoafirmação de poder, isto é para mostrar que tem um “bom” gosto.
Vivemos em um tempo tão marcado pela correria, pela busca de resultados, que viramos seres praticamente robóticos. Produzimos, mas não refletimos. Esse excessivo ritmo de produção faz com que a gente se mantenha em um estado frenético sonhando com muitas coisas e seguros pelo alicerce do vazio. Com isso passamos temer o silêncio e a brincadeira de nos aventurarmos pelo nosso espírito. Diante de um mundo marcado pelos cronômetros, as contradições devem ser expurgadas de nós.
O hábito de se deitar em uma rede ou de se aconchegar em qualquer outro lugar para sentir a melodia, os acordes, os arranjos, as letras de uma canção, por exemplo, são negados por uma sociedade calada pelo excesso de barulho e pelas intensas ansiedades devoradoras do amanhã e negadoras do presente. Sentir é uma palavra assustadora para uma humanidade que apenas tem cumprido de forma robótica os seus projetos em seu dia a dia. Sentir é pensar e pensar é se confrontar com os nossos emaranhados.
A arte é justamente esse se aventurar no emaranhado de fraquezas que compõem os seres humanos. A arte implora para que seu apreciador encontre seus próprios sentidos a partir do instante em que ele vasculha, se perde e se descobre em seus próprios labirintos. Dialogar com a arte significa se adentrar nos vulcões aparentemente adormecidos de nossa alma, significa transitar em novas experiências, se abster do óbvio e deixar fluir nossas dores e nossas incertezas.
Aceitar a arte significa se deparar com o exercício do diálogo, mas como se dialogar em uma sociedade que não nos dá o tempo suficiente para o diálogo com os outros e com nós mesmos? Estamos inseridos em um contexto marcado pelo excesso de informações, porém, estamos pouco dados ao convívio com o outro. Estamos recheados de conhecimento, mas solitários. Ninguém mais tem tempo para dialogar com o outro e muito menos em se confrontar com suas próprias fraquezas.
Se é para se ouvir uma música, que se ouça de forma alta, afinal, não precisamos conversar, uma vez que conversar é perigoso, pois cai em questões da existência. Em uma sociedade onde o relógio comanda cada passo, existência é uma coisa que não se reconhece, e se reconhece, dói pra caramba. Se é para se ter uma tela em nossa casa, que seja para combinar com a cor do sofá. Se é para se ouvir música em casa, que seja enquanto fazemos outra coisa, pois não queremos sentir a força do que nos maltrata.
Agora eu repito a pergunta que fiz no início do texto: a arte está em crise? Enquanto apreciação, sim. Entretanto devemos sempre lembrar que a arte expressa a sociedade de seu tempo e a sociedade atual, apesar dos grandes avanços tecnológicos, também tem se mostrado em crise com relação ao exercício da apreciação. A arte não tem sido utilizada de forma a estimular a sensibilização e o diálogo, assim como a família tem passado pela mesma situação, a política, etc.
Como recuperar o exercício com a apreciação? Essa é uma pergunta que deve ser repetida e pensada. No entanto eu também me questiono se o parâmetro que eu estou fazendo da apreciação pode se encontrar atualizado com o contexto. Será que não existe apreciação da arte ou essa apreciação mudou sua forma? Será que a sensibilidade com a expressividade do objeto artístico morreu ou a sociedade anda reinventando uma nova forma de convívio e de sentimentos? Perguntas e perguntas...
sexta-feira, 30 de novembro de 2012
A relação entre o grêmio estudantil e os alunos do IFAL
Recentemente eu tive a experiência de trabalhar com as turmas do primeiro ano dos cursos técnicos do IFAL Campus Piranhas, o conteúdo referente às instituições educacionais. Aproveitando o assunto, abordamos muitas questões referentes ao IFAL, discutimos as regras, a importância delas e a necessidade de os alunos questionarem-nas. Além disso, abordamos temas referentes ao funcionamento da instituição, questionando os papéis dos alunos, grêmio estudantil e servidores em geral.
O que pude constatar nos debates é que os alunos exigiam direitos e participação do grêmio estudantil para atender aos seus interesses, mas que deixavam clara a falta de informação acerca do papel do grêmio, assim como eram incapazes de se mobilizarem para exigirem seus interesses. Essa falta de mobilização trazia como conseqüência uma relação hierárquica nem um pouco dialógica. Ou seja, as regras eram impostas de cima para baixo sem o consentimento da classe estudantil.
Para que não ficássemos apenas limitados às teorizações e conceitos, fiz questão de trazer para as minhas aulas o grêmio estudantil “Velho Chico” e posteriormente Valdomiro, o diretor de ensino. A necessidade de levá-los para as minhas aulas também se deveu ao fato de eu ter ouvido muitas críticas do alunado acerca da representatividade do grêmio e das imposições das regras da atual gestão, além de conhecer as razões e as dificuldades dessas outras esferas que compõem o instituto.
Com o grêmio estudantil nas salas de aula, o que pude constatar foi que os alunos reclamaram em geral acerca dos problemas referentes à comunicação. Disseram que as informações quando eram publicadas já haviam muitas vezes passado do tempo e eles só ficavam sabendo depois das questões que haviam sido decididas pelo grêmio. O grêmio mostrou que utilizava os murais para divulgar seus projetos, mas que os alunos ou não liam ou até mesmo tiravam os informes do mural.
Quando Valdomiro, o diretor de ensino entrou nas salas de aula, ouviu muitas dúvidas dos alunos sobre algumas questões que andavam sendo tramitadas pela gestão. Perguntaram acerca de muitos pontos de interesses para eles como a questão do uso da quadra, a ideia insensível de se utilizar a biblioteca como um espaço punitivo para os alunos que não poderiam frequentar certas aulas por questões de atraso, por circunstâncias particulares, dentre outras.
Com relação ao grêmio estudantil, foi exposto um slider mostrando a história do grêmio, quais os papéis e limitações do grêmio, as funções de cada integrante da chapa, etc. Na hora do debate o que foi detectado é que a maioria dos alunos sequer sabia dos integrantes do grêmio, além de muitos confessarem não saber da existência do grêmio no IFAL. O que percebi é que os alunos esperavam ações do grêmio, mas se mostravam pouco dispostos a dialogarem acerca de seus interesses com o grêmio.
Apesar do pouco tempo na aula de sociologia, eu achei que a relação dos alunos com Valdomiro deixou a desejar. Ao invés de travarem questionamentos sobre o porquê da não participação deles na elaboração das regras; perguntas sobre as possíveis dificuldades da gestão estabelecer diálogo com os alunos e os alunos com a gestão, os discentes simplesmente se contentaram em buscar informações e curiosidades acerca das decisões que estavam sendo tomadas pela gestão.
Com isso, passei a formular algumas questões. Quais causas faziam com que os alunos não soubessem da existência, nem da função do grêmio? Por que os alunos exigiam tantas ações do grêmio, mas não participavam dele? O que levou os alunos no debate com Valdomiro se preocuparem muito mais com as informações acerca do que andava sendo decidido entre a gestão do que em questionar a não participação dos alunos na formulação das regras que são impostas para eles?
A falta de conhecimento se deve à falta de comunicação entre o grêmio e o alunado e vice e versa. No entanto, essa falta de diálogo decorre do fato do IFAL organizar seus horários de aula que dificultam a relação de diálogo entre essas duas esferas. Pela manhã os alunos têm aula das 07:00 às 12:20, tendo apenas um intervalo de 20 minutos entre 09:30 até 09:50. No turno vespertino os alunos têm aula de 13:00 às 18:20, tendo um intervalo de apenas 20 minutos entre 15:30 até 15:50.
Outro ponto diz respeito à falta de consciência política dos professores. Muitos chegam a “bater a porta na cara” dos integrantes do grêmio quando eles vão passar algum informe acerca do grêmio nas salas. Sem contar uma falta de hábito com a leitura que faz com que os informes nos murais passem despercebidos pelos alunos, além da própria falta de formação política que não os faz enxergar a importância do que se anda sendo exposto inclusive no grupo do grêmio no facebook.
Por que os alunos cobram do grêmio e não participam? A nossa cultura política é caracterizada pelo paternalismo. Os alunos ficam à espera que o grêmio faça tudo ao invés de construírem uma participação conjunta que atendam aos seus interesses. Por não terem exercício político de participação, os alunos, muitas vezes como forma de eximirem da culpa por não buscarem se manter informados, jogam todos os problemas para o grêmio, buscando com isso, livrarem-se das suas responsabilidades.
Por que os alunos se preocupam muito mais com as informações acerca do que anda sendo decidido entre a gestão do que em questionar a não participação deles na formulação das regras que são impostas para eles? Um ponto se refere à escassez de espaço que eles têm em dialogar com a gestão. No pouco momento que lhe resta, eles buscam se atualizar acerca das questões que andam sendo decididas. Outro ponto diz novamente a falta de formação política. Muitas vezes eles na sabem questionar o poder.
Outra coisa: o aluno por viver em meio a uma organização política autoritária, muitas vezes tem medo de questionar. Esse temor em produzir indagações acerca das imposições das regras termina trazendo um resultado muito nefasto que é a naturalização da hierarquia. Ao invés de questionarem o porquê deles não terem o direito a participar das decisões que implicam o lugar deles no instituto, eles optam em aceitar o papel das decisões com a gestão naturalizando a relação opressor x oprimido.
Cabe a nós tentarmos produzir algumas indagações para que possamos encontrar caminhos que façam com que essas hipóteses sejam alteradas. Como o grêmio pode encontrar algum caminho para se comunicar com os alunos que possa conciliar o excesso de aulas, a não-aceitação de alguns professores com a sua entrada em sala de aula? Quais outros caminhos são possíveis para motivar o diálogo dos alunos com o grêmio que não apenas os murais e redes sociais?
Quais estratégias são possíveis para que os alunos deixem de enxergar a política de forma paternalista e infantilizada e passem a perceber a sua importância na participação política conjuntamente com o grêmio estudantil? Quais são os caminhos capazes de fazer com que os alunos deixem de temer sua participação e seu exercício reivindicativo? Como se quebrar essa relação hierárquica caracterizada por fortes doses de autoritarismo que pelo temor, os alunos terminam por naturalizar?
Devemos também construir indagações que, apesar de nefastas, podem não fugir de um plano real. Será que os alunos ficam apenas a cobrar por questões de comodismo? Será que os alunos cobram, mas eles não possuem interesse em mudar? O aluno se encontra interessado em resolver questões coletivas ou questões individuais que atendam aos seus interesses egoístas? Será que não é devido a isso que encontramos uma dificuldade de mobilização por parte da classe estudantil?
Apesar de essas questões soarem pessimistas, por via da reflexão e de estratégias, podemos alterar essa realidade. Cabe a nós tecermos outras perguntas. Como fazer o aluno sair do seu lugar de acomodação para se tornar um sujeito atuante? Como mostrar aos alunos à importância de se mudar a realidade das coisas? Como fazer com que eles busquem seus interesses particulares sem perder o senso de coletividade? Quais caminhos seriam possíveis para se motivar a mobilização entre eles?
Eu gostaria apenas de complementar com algumas observações. O grêmio como um espaço de representatividade dos alunos é de grande importância. Não podemos pensar em uma educação que tem como interesse promover a formação do aluno enquanto um sujeito crítico e ético, sem pensarmos no papel do grêmio para essa formação. De uma vez por todas nossos discentes precisam exercitar seu papel político para com isso saber reivindicar e exigir o seu lugar no mundo.
O que pude constatar nos debates é que os alunos exigiam direitos e participação do grêmio estudantil para atender aos seus interesses, mas que deixavam clara a falta de informação acerca do papel do grêmio, assim como eram incapazes de se mobilizarem para exigirem seus interesses. Essa falta de mobilização trazia como conseqüência uma relação hierárquica nem um pouco dialógica. Ou seja, as regras eram impostas de cima para baixo sem o consentimento da classe estudantil.
Para que não ficássemos apenas limitados às teorizações e conceitos, fiz questão de trazer para as minhas aulas o grêmio estudantil “Velho Chico” e posteriormente Valdomiro, o diretor de ensino. A necessidade de levá-los para as minhas aulas também se deveu ao fato de eu ter ouvido muitas críticas do alunado acerca da representatividade do grêmio e das imposições das regras da atual gestão, além de conhecer as razões e as dificuldades dessas outras esferas que compõem o instituto.
Com o grêmio estudantil nas salas de aula, o que pude constatar foi que os alunos reclamaram em geral acerca dos problemas referentes à comunicação. Disseram que as informações quando eram publicadas já haviam muitas vezes passado do tempo e eles só ficavam sabendo depois das questões que haviam sido decididas pelo grêmio. O grêmio mostrou que utilizava os murais para divulgar seus projetos, mas que os alunos ou não liam ou até mesmo tiravam os informes do mural.
Quando Valdomiro, o diretor de ensino entrou nas salas de aula, ouviu muitas dúvidas dos alunos sobre algumas questões que andavam sendo tramitadas pela gestão. Perguntaram acerca de muitos pontos de interesses para eles como a questão do uso da quadra, a ideia insensível de se utilizar a biblioteca como um espaço punitivo para os alunos que não poderiam frequentar certas aulas por questões de atraso, por circunstâncias particulares, dentre outras.
Com relação ao grêmio estudantil, foi exposto um slider mostrando a história do grêmio, quais os papéis e limitações do grêmio, as funções de cada integrante da chapa, etc. Na hora do debate o que foi detectado é que a maioria dos alunos sequer sabia dos integrantes do grêmio, além de muitos confessarem não saber da existência do grêmio no IFAL. O que percebi é que os alunos esperavam ações do grêmio, mas se mostravam pouco dispostos a dialogarem acerca de seus interesses com o grêmio.
Apesar do pouco tempo na aula de sociologia, eu achei que a relação dos alunos com Valdomiro deixou a desejar. Ao invés de travarem questionamentos sobre o porquê da não participação deles na elaboração das regras; perguntas sobre as possíveis dificuldades da gestão estabelecer diálogo com os alunos e os alunos com a gestão, os discentes simplesmente se contentaram em buscar informações e curiosidades acerca das decisões que estavam sendo tomadas pela gestão.
Com isso, passei a formular algumas questões. Quais causas faziam com que os alunos não soubessem da existência, nem da função do grêmio? Por que os alunos exigiam tantas ações do grêmio, mas não participavam dele? O que levou os alunos no debate com Valdomiro se preocuparem muito mais com as informações acerca do que andava sendo decidido entre a gestão do que em questionar a não participação dos alunos na formulação das regras que são impostas para eles?
A falta de conhecimento se deve à falta de comunicação entre o grêmio e o alunado e vice e versa. No entanto, essa falta de diálogo decorre do fato do IFAL organizar seus horários de aula que dificultam a relação de diálogo entre essas duas esferas. Pela manhã os alunos têm aula das 07:00 às 12:20, tendo apenas um intervalo de 20 minutos entre 09:30 até 09:50. No turno vespertino os alunos têm aula de 13:00 às 18:20, tendo um intervalo de apenas 20 minutos entre 15:30 até 15:50.
Outro ponto diz respeito à falta de consciência política dos professores. Muitos chegam a “bater a porta na cara” dos integrantes do grêmio quando eles vão passar algum informe acerca do grêmio nas salas. Sem contar uma falta de hábito com a leitura que faz com que os informes nos murais passem despercebidos pelos alunos, além da própria falta de formação política que não os faz enxergar a importância do que se anda sendo exposto inclusive no grupo do grêmio no facebook.
Por que os alunos cobram do grêmio e não participam? A nossa cultura política é caracterizada pelo paternalismo. Os alunos ficam à espera que o grêmio faça tudo ao invés de construírem uma participação conjunta que atendam aos seus interesses. Por não terem exercício político de participação, os alunos, muitas vezes como forma de eximirem da culpa por não buscarem se manter informados, jogam todos os problemas para o grêmio, buscando com isso, livrarem-se das suas responsabilidades.
Por que os alunos se preocupam muito mais com as informações acerca do que anda sendo decidido entre a gestão do que em questionar a não participação deles na formulação das regras que são impostas para eles? Um ponto se refere à escassez de espaço que eles têm em dialogar com a gestão. No pouco momento que lhe resta, eles buscam se atualizar acerca das questões que andam sendo decididas. Outro ponto diz novamente a falta de formação política. Muitas vezes eles na sabem questionar o poder.
Outra coisa: o aluno por viver em meio a uma organização política autoritária, muitas vezes tem medo de questionar. Esse temor em produzir indagações acerca das imposições das regras termina trazendo um resultado muito nefasto que é a naturalização da hierarquia. Ao invés de questionarem o porquê deles não terem o direito a participar das decisões que implicam o lugar deles no instituto, eles optam em aceitar o papel das decisões com a gestão naturalizando a relação opressor x oprimido.
Cabe a nós tentarmos produzir algumas indagações para que possamos encontrar caminhos que façam com que essas hipóteses sejam alteradas. Como o grêmio pode encontrar algum caminho para se comunicar com os alunos que possa conciliar o excesso de aulas, a não-aceitação de alguns professores com a sua entrada em sala de aula? Quais outros caminhos são possíveis para motivar o diálogo dos alunos com o grêmio que não apenas os murais e redes sociais?
Quais estratégias são possíveis para que os alunos deixem de enxergar a política de forma paternalista e infantilizada e passem a perceber a sua importância na participação política conjuntamente com o grêmio estudantil? Quais são os caminhos capazes de fazer com que os alunos deixem de temer sua participação e seu exercício reivindicativo? Como se quebrar essa relação hierárquica caracterizada por fortes doses de autoritarismo que pelo temor, os alunos terminam por naturalizar?
Devemos também construir indagações que, apesar de nefastas, podem não fugir de um plano real. Será que os alunos ficam apenas a cobrar por questões de comodismo? Será que os alunos cobram, mas eles não possuem interesse em mudar? O aluno se encontra interessado em resolver questões coletivas ou questões individuais que atendam aos seus interesses egoístas? Será que não é devido a isso que encontramos uma dificuldade de mobilização por parte da classe estudantil?
Apesar de essas questões soarem pessimistas, por via da reflexão e de estratégias, podemos alterar essa realidade. Cabe a nós tecermos outras perguntas. Como fazer o aluno sair do seu lugar de acomodação para se tornar um sujeito atuante? Como mostrar aos alunos à importância de se mudar a realidade das coisas? Como fazer com que eles busquem seus interesses particulares sem perder o senso de coletividade? Quais caminhos seriam possíveis para se motivar a mobilização entre eles?
Eu gostaria apenas de complementar com algumas observações. O grêmio como um espaço de representatividade dos alunos é de grande importância. Não podemos pensar em uma educação que tem como interesse promover a formação do aluno enquanto um sujeito crítico e ético, sem pensarmos no papel do grêmio para essa formação. De uma vez por todas nossos discentes precisam exercitar seu papel político para com isso saber reivindicar e exigir o seu lugar no mundo.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
REFLEXÕES SOBRE PEDAGOGIA DA AUTONOMIA
O significado comum de autonomia, o que é usado pelos falantes atuais da língua portuguesa é: “Faculdade de se governar por suas próprias leis, dirigir-se por sua própria vontade”. Pelo menos, esse é o significado que, no momento, é necessário a compreensão para nós. Urge a pergunta ontológica sobre o termo autonomia: “Pode o homo sapiens ser um ser auto – nomos?”
Essa espécie conseguiu uma façanha que nenhuma outra se quer pensou nela. O homo sapiens desenvolveu além de instintos, desejos e sobretudo, a vontade. O desejo e a vontade se completam, pois, não existe o segundo sem o primeiro. Não posso querer o que não desejo, e não desejo o que não quero. Isso é muito diferente do comportamento instintual. O instinto tem base visceral; a vontade e o desejo, além das vísceras, precisam do componente simbólico para existir.
Assim, o desejo e a vontade não são expressões mecânicas de um animal que se arrasta sobre a terra. O homem conseguiu se ver no mundo, e dizer que o mundo é palco de sua existência. O homem, portanto, psiquificou a realidade, tornando-a uma terceira pessoa – ela, a realidade.
Alguém um dia disse que a vontade era a maior potência da terra. E que a vontade e seu império construíam a história dos homens. Não há dúvida de que a vontade é uma força que faz o homem se mover sobre esse orbe, contudo, a vontade como tantas outras variáveis explicativas de nosso caminhar foi desmistificada pela certeza de que o que desejamos ou queremos, portanto, temos vontade de possuir, ou que aconteça, ou que exista, é determinada pela força imperiosa das ideologias. Assim, nossa autonomia que precisa de nossa vontade se reduz a poucas expressões de nossa individualidade.
Freire ver um ser autônomo no homo sapiens. Ver que ele pode exercer sua vontade com criticidade, eis o conceito freireano de autonomia – a capacidade de julgar e tomar decisões racionais no mundo das ideologias. Para isso, o homo sapiens necessita de uma ação pedagógica que o possibilite despertar suas faculdades cognitivas e amadurecer seu psiquismo – eis a missão do educador.
Se o homo sapiens não sofrer essa ação na idade infante quando suas funções mentais precisam de maturação e despertamento, o homo sapiens sofrerá déficit cognitivo e muita dificuldade terá para discernir qual é a sua vontade ou a vontade exógena coercitiva. A autonomia do ser é proporcional a sua capacidade de julgar as coisas com racionalidade. Sem o discernimento de nossa vontade, não podemos nos considerar seres auto – nomos.
“Antes mesmo de ler Marx já fazia minhas as palavras: já fundava a minha radicalidade na defesa dos legítimos interesses humanos. Nenhuma teoria da transformação político-social do mundo me comove, sequer, se não parte de uma compreensão do homem e da mulher enquanto seres fazedores da história e por ela feitos, seres da decisão, da ruptura, da opção. Seres éticos, mesmo capazes de transgredir a ética indispensável, algo de que tenho insistentemente "falado" neste texto. Tenho afirmado e reafirmado o quanto realmente me alegra saber-me um ser condicionado, mas, capaz de ultrapassar o próprio condicionamento”. (Freire, 1996, p. 55)
Freire entende que nossa condição inicial no mundo é de condicionamento, um ser inconsciente, um indivíduo alienado de sua realidade, e de certa forma, sem a educação, impossibilitado de uma ação por não ter a visão ou o julgamento de seu mundo. Mas para Feire é possível autonomizar o sujeito, ou pelo menos torna-lo consciente de sua condição – esse é um compromisso ético do educador.
Referências:
http://www.dicio.com.br/autonomia/controla.
Freire, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
terça-feira, 27 de novembro de 2012
O POVO ME QUER
“Há três espécies de cérebros: uns entendem por si próprios; os outros discernem o que os primeiros entendem; e os terceiros não entendem nem por si próprios nem pelos outros; os primeiros são excelentíssimos; os segundos excelentes; e os terceiros totalmente inúteis”. (Nicolau Maquiavel).
Leonardo sempre foi carismático. Desde menino que ele se deu bem no trato social e nas relações interpessoais. Leonardo era magrinho, branquinho, e bonitinho. As moças de sua idade diziam dele: “Leonardo só tem um defeito, a bunda um pouco batida, o resto a gente aproveita”. Leonardo estudou no Comendador Saturnino, aqui, na cidade de Pampas. Fez o fundamental, se formando com muito sucesso, depois foi fazer o ensino científico em Aracaju, pois, em Pampas, não havia escolas para isso naquela época. Leonardo fez o ensino científico, e depois fez vestibular para direito. Não passou na primeira vez, fez novamente o vestibular, não passando na segunda vez. Então, Leonardo decidiu voltar a sua terra para seguir a carreira de seus antepassados. Na verdade, sua família tinha muito prestígio por essas bandas. Seu tataravô conheceu o Barão de Jeremoabo, seu avô, foi político forte na época de Getúlio Vargas, e seu pai, o famoso Zé das Galinhas, prefeito da cidade por dois mandatos.
A câmara Municipal de Pampas muito se alegrou com a candidatura de Leonardo a Prefeito da cidade. Os vereadores mais antigos se emocionaram quando viram o rapaz entrar com o terno que pertenceu a seu finado pai.
- Leonardo tá com o terno de Zé. É meu filho, quem tem nome vai longe, e você o tem.
- Mas, eu num quero que o povo vote em mim por causa de meu pai. Eu o admiro muito, mas, eu sou eu!
- Assim é que se diz macho véio!
O pessoal do “Partido dos Vencedores” se reuniu para estudar a candidatura de Leonardo. O nome “vencedores” era um tanto estranho, mas, em Pampas tem até escola com esse nome. Aqui o povo só pensa em vencer; o povo de Pampas é muito trabalhador.
- Acho que Leonardo deve esperar um pouco mais. O pessoal do brejo num vai gostar.
- Rapaz, quem tem fidelidade com o grupo acompanha o grupo. Ele num quer ver o futuro da família dele, então, obedeça à direção do partido!
- Isso mesmo Cegonha! Interrompeu Toinho do tabaco, “o vereador que sempre leva você em paz”. Todo mundo tem que se unir e formar a base para Leonardo seguir seu destino que seus pais traçaram.
- Num é bem assim, Toinho. Eu quero representar meu povo e administrar essa cidade. Ademais, para não discordar de você totalmente; acho que a política está no meu sangue. Cegonha coçou o invólucro escrotal, levou o dedo indicador às narinas e fungou um pouquinho antes de continuar:
- Vejam que muitos interesses existem nos Pampas, mas, aqui, a decisão final sempre foi de gente honesta. E o Partido dos Vencedores é um partido de gente honesta. Leonardo deve ser apoiado por todos porque ele representa a geração futura que emerge de um passado glorioso. Todos os presentes se levantaram e aplaudiram o vereador Cegonha – Aquele que não te deixa na estrada.
A cidade de Pampas tinha 15 povoados e 10 vereadores. O prefeito anterior havia se envolvido com algumas coisas erradas e estava entregando o mandato sem força para uma reeleição. Ele já havia sido vereador por dois mandatos em épocas anteriores, seu finado pai também foi vereador. Sua família tinha um latifúndio que comportava 60% de todas as terras do município; ele ainda foi presidente da Câmara e do Rotary Clube, e dizem que o mesmo tinha uma rapariga em Olindina. Em Pampas, a moralidade é muito elevada, contudo, as contradições aparecem aqui e ali.
- Meus filhos, a igreja é santa e profana. Disse o pároco Norberto. O velho repetia isso em todos os seus sermões. Em sua mente, esse paradoxo era legítimo, e legitimador da conduta geral.
- O padre disse novamente aquilo, Solange!
- Foi? Nem percebi, meu celular tinha mensagem, me desconcentrei para lê-la. Mas, a gente se criou ouvindo nosso padre dizendo isso. O que é que ele estava falando mesmo?
- Mulher, ele estava se referindo ao que o povo faz depois da devoção quando é festa na cidade. Mas, num é verdade mesmo, o povo vem falar com Deus, e depois vai para os braços do capeta e tome cerveja!
- Se fosse só cerveja! Minha filha, Pampas tá perigoso! As duas mulheres conversavam dentro do santuário no final do culto. Quando Solange levanta o olhar, Leonardo estava saindo sendo acompanhado por uma senhora idosa.
- Mulher, aquela é Dona Francisca?
- É!
- Mas, espie comadre, como está velhinha! Meu Deus! Será que ela vai ver Leonardo ser eleito?
- Num vai o que rapaz! O homem tá eleito!
As forças políticas de direita do município praticamente não tinham oposição, no entanto, o partido da oposição ganhava certa credibilidade porque o povo reclamou muito do São João do atual prefeito.
- Rapaz, o cara trabalha que só uma besta, ganha mal, come mal, vive mal, e depois, o prefeito faz um São João desses! É um cabrunco esse cara, rapaz!
- Cabrunco é pouco Cosminho! Essa porra tinha era que tomar...
- Num é Damião? Ah, se eu tivesse uma escopeta!
- Tu é de nada fio da peste! Vamos tomar umas que é melhor!
Naquele tempo, em Pampas não tinha radio. O debate político era feito no centro social, e transmitido pelo carro de som. Vinha gente de todos os lugares para espiar, ouvir e dizer alguma coisa. Nunca teve morte por isso, o povo de Pampas é da paz. Embora o povo fosse dócil, o debate foi um pouco quente. Os candidatos, como é costume do lugar, se prenderam às denúncias e, às vezes, levantavam assuntos pessoais, e quando o pessoal aparecia, as pessoas Pampenses arregalavam os olhos e abriam bem os ouvidos.
- Posso ser um homem de família humilde, meu pai ter morrido por causa de uma hemorroida estrangulada, como alegou o candidato da mesmice, Leonardo, mas, sou honesto, nem empregarei parentes na prefeitura. Disse o candidato da oposição professor Adelson Nunes do sindicado, ou como o povo costumava chamar “Delsinho do sindicato”.
- Delsinho tá dizendo que nosso partido tem pessoas na máquina pública. Vejam que barbaridade! É como o povo diz, com uma calúnia dessas, só Deus para repetir a história triste do pai – Hemorroidas nele meu Pai! Quando o populacho ouviu o “Hemorroidas nele meu Pai”, o povo entrou em delírio, a gritaria foi grande, uns atiravam os chapéus para o alto, outros cuspiam e coçavam o saco repetidamente, outros davam cavalo de pau com suas bicicletas. A galera gritava uníssona “É de Leonardo!”
Leonardo ganhou e arrastou consigo os vereadores do prefeito anterior. Agora era esperar assumir e compor seu secretariado, o primeiro, o segundo, e o terceiro escalão, sobrando vagas, entram os acordados. São os cargos da raspa do tacho. Leonardo reuniu seu pessoal, agradeceu o apoio e passou para o que interessava.
- Olha gente tive que criar duas subsecretarias para caber todo mundo. O que prometi vou cumprir. Agora vamos mostrar trabalho! Sim, Cegonha, sua filha vai ter que esperar um pouquinho porque esse negócio aí depende do pessoal de Aracaju.
- Leonardo, palavra é palavra! Você prometeu que ela ia para a secretaria de agricultura em Aracaju. Rapaz, eu preciso muito dela nesse cargo!
- Companheiro! Tenha fé, a gente vai ajeitar! A reunião terminou; todos já sabiam como seria o governo. O transporte escolar seria divido com três vereadores da base. A prefeitura faria as licitações e essas empresas ganhariam o serviço de transporte dos alunos. Em cada secretaria estavam empregados sob o regime de confiança os parentes dos vereadores e dos secretários de governo. Algumas vezes, Leonardo teve que aumentar a folha devido a mais um inimigo que virou a casaca para o lado dele. O pobre ficou tão triste que desabafou com dona Francisca, sua tia e confidente.
- Tia, num sobra dinheiro não! Tenho que empregar os aliados todos, já pensou que tradição!
- Meu filho, hoje tá melhor. Pior foi no tempo de teu pai e de teu avô. Veja, não mudou muito, mas, naquele tempo era pior.
- Tia Francisca; vou precisar de um coisa de você!
- O que meu filho? Você parece muito com sua mãe. É tão gentil.
- Os vales dos caminhões pipas é você quem vai administrar como era no tempo de pai.
- Pode deixar meu filho. Faço com muito gosto!
A seca chegou. Em Pampas de Sergipe, às vezes, a estiagem dura sete meses e os políticos sendo sabedores disso não preparam a população para enfrentar racionalmente e com dignidade a falta do líquido precioso. A solução era pedir a Francisca um caminhão d’água, dessa forma, o povo estava sempre devendo favor. A água e a saúde eram as forças que formavam o curral de Pampas. Durante os períodos de estiagem, mais pessoas dos povoados se filiavam ao partido de dona Francisca. A mulher, de muita sabedoria, virou uma santa, e seu carisma maior do que o de seu sobrinho, os dois eram imbatíveis.
A seca continuou castigando o sertão de Pampas. Uma menina foi picada por uma cobra e faleceu no posto de saúde por falta de um carro para leva-la a Aracaju. A emissora de radio da cidade vizinha noticiou o fato e cobrou de Leonardo medidas para sanar a situação do hospital.
- A situação nos Pampas é de urgência. Os cofres públicos devido à estiagem não têm muitos recursos. Vocês sabem a seca castiga, o gado fica fraco, e os negócios também. Disse o prefeito.
- Mas, todo ano não há estiagem nessa região? Por que vocês não fazem um planejamento para tanta gente não sofrer assim, afinal, quem vive em total dependência da natureza são os animais, os seres humanos pensam, fazem. Leonardo não gostou do repórter da radio.
- Moço, falar é fácil, difícil é fazer! E o amigo pensa que é o dono do mundo, é? Que tem o rei na barriga? Só porque tá falando aí? Leonardo tinha a Câmara toda nas mãos. A estiagem uniu os políticos, eles diziam que era “um pacto pela vida”. Quando a seca foi embora, um rapaz que sofria alucinações devido a uma pancada que levara na cabeça viu Pampas cheia de carros e gente comprando e gastando muito. Mas, é fato; o povo de Pampas, depois da seca, pareceu mais rico. Os comerciantes e políticos se queixavam sempre, mas, a prosperidade era grande. Na grande maioria foram pessoas da classe média para cima que ganharam com a seca: O dono do carro para transporte, o fazendeiro rico que cedeu pasto e ficou com o monopólio do gado; e aí e a coisa vai. Outra coisa que se podia ver era a quantidade de pessoas que venderam suas roças a preço de banana e vieram para Pampas, com isso a assistência social foi dobrada. Dona Francisca, também, tomava conta das cestas básicas.
- Solange, Graças a Deus que Leonardo convidou Francisca para trabalhar com ele, mulher! Ela atende a gente com tanto carinho! Dizem até que ela chorou com a morte da menina. Ela visitou a família e prometeu seis carros pipas para o povoado.
- É mulher, Francisca nasceu para servir ao pobre.
Um rapaz alto, de cabelos loiros e de olhos muito castanhos, que trajava um terno de linho marrom claro, que combinava com seu sinto e seu sapado de mesma cor, entrou no fórum da comarca de Pampas. O rapaz procurava o Promotor; em suas mãos havia documentos que seriam entregues ao Ministério Público.
- Boa tarde vossa Excelência, meu nome é Derneval, professor Derneval! Derneval nas horas vagas criava passarinhos, mas, a maior parte de seu tempo era dedicada à educação. O professor fez uma investigação e depois decidiu trazer o resultado ao Ministério Público.
- Boa tarde! Respondeu o Senhor Promotor de Justiça, Dr. Matias Fontes. Matias não era natural de Pampas. O homem veio de Aracaju fazer justiça no sertão. Ele era um homem íntegro, praticamente incorruptível. Sempre usava um terno verde abacate ou alternava com um velho terno cinza; ele gostava de cinto e sapato preto. O homem também gostava de sua arma próxima a seu peito esquerdo. Ele a guardava numa cartucheira de peito, tipo 007.
- Bem, acompanhei as ações políticas durante toda a estiagem e acompanhei o desenvolvimento econômico de algumas pessoas que estavam ligadas a máquina, e percebi que essas pessoas têm renda incompatível com o padrão de vida que ostentam. Derneval terminou sua fala e entregou os documentos ao agente da lei. O promotor ficou admirado com a denúncia respaldada e tratou de investigar.
Sete foram os meses de sigilo de justiça. Dr. Matias tinha provas para caçar o prefeito e 7 vereadores de sua bancada como também prender parentes e agregados de vossa excelência, contudo, nada escapa ao olhar de um bom político, o próprio povo o defende, ou o avisa. Todos querem ficar perto do poder.
- Leonardo, Clementina do fórum disse que tão investigando você? E parece que a coisa é séria!
- Calma Sisleide! Eu já sei o que é! Isso num dá em nada! Que ver? Espere!
Leonardo ligou para Brasília. O rapaz queria falar com um senhor muito amigo de seu finado pai. O homem era Senador. Depois ele ligou para seus amigos em Aracaju e externou sua preocupação com a base aliada que serviria para a reeleição do Governador. “Precisamos garantir a reeleição do homem porque nós não podemos ficar sem o apoio do Presidente”. Os políticos de Brasília e de Aracaju quando souberam ficaram preocupados e agradeceram a Leonardo e a dona Francisca por pensarem rápido. Pouco tempo depois a mídia noticia o desfalque em Pampas.
“Prefeito faz farra em Pampas”. Manchete do Jornal 9 horas. “Prefeito emprega até a rapariga do vereador”. Manchete do jornal Domingo Santo da Igreja Internacional do Bem de Cristo. A zoada durou uma semana, depois se acalmou. O promotor Matias foi transferido para outra Comarca deixando a bomba para um colega que nem tinha conhecimento do processo que foi misteriosamente para o fim da fila formada por centenas de processos. Leonardo foi reeleito a prefeito de Pampas. A seca continuou castigando o município, os carros pipas passeavam para lá e para cá. Dona Francisca sempre na calçada quando o sol esfriava. O povo que passava lhe agradecia as bênçãos. Matias nunca soube o motivo de sua remoção – tinha desconfianças, afinal, ele conhecia bem a história do Brasil.
- Sinhô! Sim Sinhô! Fale que nego escuta!
- Meu véio, e vai continuar assim? O velho ajeitou o cachimbo no canto da boca e disse soltando fumaça:
- Num libertaram os nego? Num foi? Tonce vão libertar vosmercês.
- Quando meu véio?
- Sinhôzinho pergunta muitxo. Mas, nego véio gosta de vosmercê. Tudo nesse mundo um dia muda. Nesse causo, a mudança é só quando a gente pobe entender o que lê e o que vê; aí o povo vai sabê quem é o dono dessa terra mermo. Se num é de quem trabaia nela! Num foi assim que Zambi deixô? ...
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
A ESCOLA NÃO É UM ESPAÇO NEUTRO PENSA ALTHUSSER.
O presente ensaio foi inspirado no artigo “Althusser: A escola como aparelho ideológico de estado” de Luciano Lempek Linhares (Mestrando pela PUC-PR), Peri Mesquita (Mestrado pela PUC-PR), e Laertes L. de Souza (Sem referências de títulos). Esse trabalho faz parte de nossas pesquisas sobre Educação. Temos tomado o procedimento de fazer pesquisas bibliográficas sobre diversos olhares para a Educação. O texto dos referidos autores encontra-se a disposição dos leitores no seguinte endereço eletrônico: www.pucpr.br/eventos/educere/educere2007/.../CI-204-05.pdf.
Para entendermos melhor o que Althusser pensa da Escola é necessário primeiro entender as duas teses fundamentais de seu trabalho: A ideologia e o Estado. Pois, sabendo o que ele pensa sobre esses dois temas, o nosso olhar sobre a escola e a educação pode se tornar mais nítido.
Para Althusser, a ideologia presta um serviço de fundamental importância para a burguesia dentro do sistema capitalista; é por meio dela que a burguesia consegue manter o seu status de classe dominante. Ela está presente na formação das classes sociais, na perpetuação das condições de reprodução, nos aparelhos ideológicos estatais e privados, e com muito mais força, nas escolas.
Para o pensador francês, a ideologia é o sistema das ideias e das representações que domina o espírito de um homem ou de um grupo social. São ideias falsas a respeito de si e da realidade. A ideologia promove a organização das relações objetivas em função de suas representações. Esses produtos do cérebro humano crescem ao ponto de dominar o homem completamente, assim, nos tornamos criações de nossas próprias criações ou falsas representações da realidade.
Althusser nos apresenta o conceito de ideologia usando duas teses: a imaginária e a material. A primeira refere-se à ideologia enquanto representação imaginária dos indivíduos com as suas condições reais de existência. São ideias de mundo, na maioria das vezes, fictícias, sejam religiosas, morais, jurídicas ou políticas, pois, não correspondem à realidade, à verdade. Assim toda ideologia representa, na sua deformação imaginária necessária, não as relações de produção existentes e as que dela se originam, mas, a relação imaginária, onírica como diria Freud, dos indivíduos com as relações de produção e com as relações que delas derivam. Na ideologia, não é a realidade das relações que é apresentada, mas, as relações imaginárias dos indivíduos com as relações reais em que vivem. É por essa razão que um indivíduo é capaz de dar sua vida em uma guerra para defender a ‘nação’ sem antes ponderar sobre os reais motivos do conflito, ou outro indivíduo entrar em depressão porque quebrou algum preceito moral de sua religião. Alguns são tão presos e fanatizados por suas ideias que são capazes de morrer ou matar por elas.
A segunda tese de Althusser diz respeito à materialidade da ideologia. Segundo ele, a ideologia tem também existência material. Ela existe em diferentes formas, todas enraizadas, em última instância, na matéria, pois, ela está inculcada; faz parte da mente social do sujeito. Assim, a ideologia não é somente um sistema de falsas ideias que atuam somente na imaginação, na compreensão da realidade, ou na representação do mundo. Ela tem existência material, e é nessa existência material que Althusser enfoca seu estudo. Essas ideias são, portanto, um conjunto de práticas materiais importantes para à reprodução das relações de produção, pois, elas representam os interesses materiais de uma determinada classe – a burguesia capitalista.
Para o pensador Louis Althusser, as ideologias falam de atos. Atos inseridos em práticas. Essas práticas são reguladas por rituais a que elas se relacionam no seio da realidade material de um aparelho ideológico, mesmo que se trate de algo aparentemente pequeno e insignificante como uma missa em uma capela pouco frequentada, uma partida de futebol, um jogo de xadrez, um dia de aula na escola, ou um encontro de membros de um partido político. Assim, meu amigo Souza, digo sem medo de errar, as ideologias inspiram comportamento - a ação concreta, portanto, a ideologia tem uma expressão material no mundo. Como muito bem colocam os autores do artigo em apreço no momento:
“Althusser demonstra que a ideologia não se reduz a simples imposição de ideias, ela se efetiva em práticas sociais inscritas em instituições concretas, reguladas por rituais no seio dos aparelhos ideológicos do Estado”.
O sujeito da ação e do discurso para Althusser é constituído de ideologia. Segundo ele, é a ideologia que forma a mente social do indivíduo. Por isso, ela está presente tanto na mente como no comportamento das pessoas. As praticas sociais, portanto, só existem por meio da ideologia, e a ideologia só existe para o sujeito e por meio dele. Deste modo, toda ideologia tem por função constituir os indivíduos em sujeitos concretos.
Segundo Althusser, a transformação da besta humana em sujeito via ideologia é para que este aceite livremente a sua condição de sujeição, e os atos da mesma diante do grande e soberano Sujeito (O Estado). Assim, nossa educação, formadora de nossa mente social, visa servir, em primeiro lugar, aos interesses do Estado, como diria Lacan, “O grande Pai”. Por essa causa, são considerados bons sujeitos, os sujeitos que pela mediação da ideologia da classe dominante presente nos AIEs (Aparelhos Ideológicos de Estado), seguem os modelos propostos pelo sistema capitalista, pela burguesia, sem contestar tais padrões e concepções de mundo. Como Freire diria – “Sujeitos passivos, sem fala[1], unidos visceralmente à natureza”.
A força da ideologia é tão grande que não nos revoltamos quando um ‘colarinho branco’ desvia milhões e não é punido por isso, ao mesmo tempo, achamos legítima a prisão de um reles batedor de carteiras, ou ladrão de celular cujo valor não se compara ao montante de desvio de verba pública feita pelo moço de terno. Achamos que a Canabis Sativa é droga censurável, por isso, criminalizar o usuário é correto, e que é dever do Estado puni-lo, mas, não conseguimos enxergar na imensa multidão de bêbados e alcoólatras, que carregam consigo as sequelas funestas desse vício, a pessoa do drogado e nem a letalidade dessa droga abençoada pelo Estado – como a mídia já veiculou até o ex- presidente a consome sem remorsos – e como sabemos desde criança - a igreja a usa em seus cultos, com moderação é claro! É muito difícil se lidar com ideias inculcadas! Para mim, ambas fazem mal e não devem ser consumidas.
A inculcação da ideologia dominante é aprendida, reforçada e perpetuada na escola, contudo, ela não se origina nela. A inculcação das ideias dominantes tem, antes, origem na formação das classes sociais, no seio do próprio Estado e de seus aparelhos. O Estado é visto por Althusser como uma máquina de repressão que assegura a dominação da classe burguesa e dos proprietários de terra sobre a classe operária para submetê-la ao processo que ele chama de extorsão da mais-valia – a exploração capitalista.
O Estado, segundo Althusser, funciona como um aparelho ideológico e como um poder de força coerciva. Organiza-se como um instrumento que serve para garantir os interesses da classe dominante - a burguesia, sobre a classe dominada – proletariado, ou a classe trabalhadora. Sendo assim, o Estado tem por objetivo assegurar, por meio das ideologias sobre os valores, as concepções de mundo, etc., e/ou da força física, a permanência da burguesia no poder. Como cita os autores a Althusser: “É o aparelho de Estado que define o Estado como força de execução e de intervenção repressiva”. (Linhares, Mesquita e Souza, apud Althusser,1970, p.32).
Para Althusser é o Estado, representante da classe dominadora, quem dita as regras do jogo social. O Estado é normativo; é repressivo das possíveis contestações e revoltas populares; é modelador da sociedade. O discurso considerado legítimo é o dele. Ele dita as regas de convivência, o comportamento padrão, o dito normal e o transgressor por meio de seus AIEs, e caso seja necessário, ele usa seu aparato militar, e/ou policial para manter o que ele considera ser a ordem. A visão marxista de Althusser entende que a existência do Estado só tem sentido em função do poder de Estado. Por isso, Althusser diz que toda a luta política de classes gira em torno do Estado e da detenção e conservação do seu poder. Manter o poder de Estado é o propósito da classe dominante para poder manipular os seus aparelhos ideológicos de Estado, os AIEs.
Os autores do artigo em apreço entendem que Althusser põe o Estado com duas faces distintas, mas, que se complementam. O que usa a repressão pela força e o que usa seu aparelho ideológico. O primeiro é o que se expressa sob o princípio que o Estado deve punir e ou até matar em nome da ordem social, essa é a sua força coercitiva e direta sobre os sujeitos (polícias, exército, tribunais, etc.). O segundo, é o que se expressa pela instauração dos Aparelhos Ideológicos de Estado, é o Estado em que a ideologia é realizada e se torna dominante. Ela tem por objetivo último a reprodução das relações de produção.
Althusser designa por aparelhos ideológicos algumas realidades que podem ser vistas pelos observadores atentos e imediatos sob a forma de instituições distintas e especializadas. Como diz Weber – ‘burocratizadas e racionalizadas’: Os sistemas das diferentes igrejas; os sistemas das diferentes escolas públicas e particulares; a família; o sistema jurídico; o sistema político de que fazem parte os diferentes partidos; os sindicatos; os sistemas de informação: Radio, televisão - a mídia em geral. Todos esses AIEs tem como função servir ao estado, segundo Althusser. Assim, meus caros, parece que existe um determinismo do estado sobre o sujeito, e uma seleção. Esta última ocorre na escola que não é neutra.
O presente ensaio tem como título “A Escola não é um espaço neutro segundo Althusser”. Depois de mostrar as ideias de Althusser sobre ideologia e Estado, os autores do artigo em apreço, tecem suas colocações sobre a escola usando a expressão: “Estado Escolar” em virtude das relações de funcionalidade do aparelho escolar em relação ao Estado. Para eles, a instituição escolar atua sob as orientações e normas do Estado. Ela é constituída como um AIE por ser porta-voz dos interesses da classe burguesa, e por estar, assim, a serviço da classe dominante que detém o poder do Estado e que influencia seus aparelhos ideológicos a seu serviço e em benefício dos seus interesses de classe. Os autores trabalhados nesse ensaio colocam que a escola atua no interesse da estrutura de dominação estatal tendo por finalidade a dominação da classe operária. Para tanto, a escola trabalha promovendo a inculcação das ideias burguesas. Essa dominação, por sua vez, não se dá de maneira direta, através da aplicação explícita da violência como no Aparelho Repressivo de Estado (ARE), mas de maneira disfarçada, indireta, ideológica, por meio de uma “ação pedagógica”.
Althusser acredita que após uma violenta luta de classe política e ideológica como nas revoluções, o aparelho ideológico escolar será o responsável juntamente com o aparelho ideológico político por reproduzir as relações de produção capitalista e de classe. A escola capitalista, nos dias atuais, para Althusser, faz o serviço que era feito pela igreja. O aparelho ideológico moderno, nos nossos dias, a escola, substitui o aparelho ideológico religioso do século XVI. A escola, então, é a responsável para formar sujeitos nos moldes capitalistas desde a infância. A escola trabalha junto com o aparelho estatal repressivo na formação dos cidadãos e na inculcação das ideologias dominantes, e estas estão presentes em todos os discursos escolares, seja na visão de mundo, seja no conteúdo dos livros, na estética e valores morais. Para Althusser o desenho da educação é inspirado na necessidade do estado enquanto instancia normativa, reguladora e repressiva da sociedade, e do poder de estado no qual a classe dominante se apoia – o poder de manipular as ideologias para a reprodução do modelo e perpetuação do status quo.
As colocações de Althusser citadas pelos autores do artigo resenhado que nos inspirou este ensaio são muito sérias. No início dissemos que veríamos a realidade de forma mais nítida. Com certeza, temos agora, meu caro Souza, um olhar mais maduro para o entendimento do pensamento de nosso ilustre pedagogo Paulo Reglus Neves Freire. Em “Pedagogia do Oprimido” Freire enxerga a realidade dicotomizada pelo par dominador/dominado. Isto faz alusão ao pensamento de Althusser. O interessante é que a condição do homem em Althusser é de alienado, pois, o sujeito é cria da ideologia e da necessidade de sua sujeição ao sistema. Assim, o não conhecimento de sua condição é necessário para a ordem geral. O desvelamento pode suscitar a possibilidade de revoltas ou rupturas. Portanto, o discurso do estado dever ser monológico fazendo alusão a Bakhtin, pois, esse discurso tem o interesse que todos sejam uníssonos no pensar e no agir. A contestação demanda explicações – diálogo, e isso o estado não deseja.
Por outro lado, acredito que o olhar de Althusser para o Estado e sua função no mundo não abarca toda a realidade desse objeto. Contudo, devo admitir que o estado, seja capitalista ou socialista, ou apresentado sob outra forma, será castrador de qualquer jeito. No rebanho dos homens sempre alguém dará as ordens e o inteligente obedece. A sociedade harmônica, fraterna e solidária tem existência no mundo ideal. No mundo objetivo, as relações entre os animais chamados humanos são de conflito – cada bicho estará disposto a matar, roubar, ou a fazer de tudo pela carniça – o alimento, seja esse do mundo concreto, ou simbólico. Todavia, ao contrário de Freire, Althusser não contempla a utopia de uma escola que ensine contra a ordem vigente. Embora, em Pedagogia do Oprimido, Freire não cite a revolução armada e a apropriação das ideologias estatais, ele acredita na revolução cultural e vê nela a chance de construção de uma nova realidade para os países capitalistas subdesenvolvidos. No entanto, Freire esbarra na solidez da realidade: “Qualquer estado, seja ele qual for, constituirá uma escola política, jamais neutra, segundo seus interesses”. Se a educação ocorre dentro dos muros da escola, então, toda educação formal será ideológica – trará um germe hospedado para se hospedar no sujeito aprendente e esse germe será potência para o comportamento social. Freire diz que o dominador está hospedado no dominado.
Meu caro Souza, este ensaio teve como intuito mostrar ao ilustre mestre em sociologia que é necessário o estudo de outras variáveis explicativas do fenômeno educação para que possamos amadurecer a importância do pensamento dialogista sobre educação. A teoria dialogista de Freire, implícita em seus postulados, desperta o nosso olhar para um diálogo urgente com outras teorias e outros olhares como a Teoria do Capital Humano, e o determinismo hereditário – social de Bourdie. Paz e Luz!
Referencias:
Linhares, Luciano Lempek; Mesquita, Peri; Souza, Laertes L. de: Althusser: A escola como aparelho ideológico do estado. www.pucpr.br/eventos/educere/educere2007/.../CI-204-05.pdf.
Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17a. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
[1] A expressão sem fala segundo Freire nos remete aos alunos da escola bancária que para ela, não tinham história; eram meros depositários dos discursos do professor.
Por Roosevelt Vieira Leite
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
A sociedade perfeita e o medo do torto
Em meio a uma sociedade que, apesar de falar acerca da diversidade e da diferença, mostra-se inibida em aceitar as contradições que a permeia, o adjetivo torto tende a ser recorrentemente colocado como oposto do reto, ou seja, da ordem, do que concebemos como correto. Portanto, ser torto em uma sociedade maquiada de felicidades e de harmonia, significa se comportar de forma errada, de forma a chocar os padrões e as etiquetas preestabelecidas socialmente.
O que a sociedade precisa é de pessoas que ajam de forma torta. Antes de pensar o adjetivo torto como algo contrário ao que se legitima como correto, eu penso o torto enquanto um processo constante de se entortar. O se entortar implica em reconhecer as contradições que pairam em nossa vida pessoal e em nosso convívio social. Ser torto é admitir a contradição e revelar a contradição. Ser torto não é ir de encontro à ordem, é questionar a ordem por se reconhecer dentro dela.
Portanto, o torto implica em reconhecer que vive a se entortar e que esse entortar implica em repensar as certezas impostas pela sociedade, compreender de forma altera a diversidade de opiniões, mas sabendo que possui preconceitos, e que o fato de questionar a ordem, não significa nem se submeter meramente a ela, mas também não significa desrespeitá-la simplesmente. Ser torto é viver bêbado estando lúcido por reconhecer que vive constantemente a se entortar.
Ser torto é admitir que não necessariamente o que é certo é certo e não necessariamente o fato de se agir errado é errado. Respirar a realidade de forma torta é reconhecer que o nosso cotidiano é permeado de infinitas possibilidades. Ser torto é ter consciência de que apesar de sonharmos com a perfeição, nós estamos constantemente oscilando. Olhar a vida de forma torta é encarar a realidade dos fatos de forma dinâmica caracterizada por inúmeros conflitos, inúmeras contradições.
Agir de forma torta é saber que pode ter o controle das coisas sabendo que o controle se encontra no meio de contingências. Ser torto é admitir classificações, admitindo que as classificações não são plenamente reais por não passarem de meras criações humanas. Porém, ser torto é saber que, apesar das classificações serem construções, elas também são reais, pois é através delas que nos norteamos em nosso cotidiano. Ou seja, apesar de fantasias, elas são reais, e apesar de reais, elas são fantasias.
Ser torto é andar na corda que, apesar de bamba e oscilante, é segura. Por outro lado, ser torto é andar com os pés no chão, sentindo a realidade dos fatos, porém, sem segurança alguma. É enxergar o abstrato e se perder no concreto, é sentir o concreto e se diluir no que não se enxerga. É buscar a virtude sem deixar de lado a convicção de que é também dono do fracasso e admirar o fracasso por saber que é através da experiência com ele que se pode conquistar a virtude.
O indivíduo torto anda, anda e chega ao seu lugar de destino, mas depois de tanto andar percebe que o seu lugar de destino também é outro. O indivíduo torto se localiza no mundo, pois possui uma bússola que carrega para todos os cantos, mas o seu mapa se encontra recortado em inúmeros pedaços. Entortar é sonhar e realizar os desejos tendo convicção de que ao realizar seus desejos, logo se vê diante de outros desejos, de outros caminhos, de novas perspectivas.
É por isso que eu digo que o torto não é algo que esteja vinculado ao que é errado. O ser torto é algo que apavora uma sociedade obcecada pela ordem, além de apavorar uma elite detentora de prestígios que faz de tudo para que os indivíduos acreditem que a realidade é composta de harmonia e perfeição. Contudo, entortar o olhar é reconhecer que o ideal é real e que o real é também ideal. É reconhecer que o real, apesar de aparentemente ser real, também guarda o imprevisto.
Agir de forma torta é se entortar e entortar o outro. O ser torto se entorta a partir do instante em que ele reconhece que transita entre a virtude e o vício, entre a certeza e a incerteza, entre a dor e a alegria, entre o medo e a coragem. Agir de forma torta é se encontrar consciente de que os problemas da realidade não se resolvem da noite para o dia, mas que não significa que essa realidade não possa ser alterada. O torto a questiona, afinal, ele a reconhece como contraditória também.
O adjetivo torto tende a se encontrar vinculado a uma idéia pejorativa, pois o que os donos do poder querem é que exista uma sociedade alienada que enxergue a realidade de forma naturalizada, linear e perfeita. O que os donos do poder querem é que os indivíduos se encontrem apenas submetidos à ordem instituída. O ser torto não se submete, pois ao reconhecer que não é perfeito, ele sabe que a realidade também não é, uma vez que ela é construída por sujeitos como ele.
O ser torto não encara a realidade de forma naturalizada por ele detectar que a vida não segue um rumo previsível e exato, mas sim, permeada de conflitos, desavenças, ambigüidades, poder e exclusão. O ser torto sabe que vive de acordo com as normas, mas sabe que não é por que se encontra submetido a elas que ele tem que aceitar de forma passiva tudo que impuserem a ele. O ser torto sabe que para se viver a vida, ele necessita se entortar para que com isso possa negociar e encontrar novos caminhos.
Antes de associarmos o adjetivo torto como algo oposto ao que se é certo, devemos pensar o torto como um adjetivo que se verbaliza de forma ativa, pois o torto antes de ser meramente torto, implica em querer se entortar e admite se entortar, pois se tem uma coisa que a realidade não é, é coerente, linear e perfeita. Ao contrário. A realidade é contraditória e os valores se entortam a todo instante quando nos conflitamos com o que queremos e com o que a ordem nos impõe.
O que a sociedade precisa é de pessoas que ajam de forma torta. Antes de pensar o adjetivo torto como algo contrário ao que se legitima como correto, eu penso o torto enquanto um processo constante de se entortar. O se entortar implica em reconhecer as contradições que pairam em nossa vida pessoal e em nosso convívio social. Ser torto é admitir a contradição e revelar a contradição. Ser torto não é ir de encontro à ordem, é questionar a ordem por se reconhecer dentro dela.
Portanto, o torto implica em reconhecer que vive a se entortar e que esse entortar implica em repensar as certezas impostas pela sociedade, compreender de forma altera a diversidade de opiniões, mas sabendo que possui preconceitos, e que o fato de questionar a ordem, não significa nem se submeter meramente a ela, mas também não significa desrespeitá-la simplesmente. Ser torto é viver bêbado estando lúcido por reconhecer que vive constantemente a se entortar.
Ser torto é admitir que não necessariamente o que é certo é certo e não necessariamente o fato de se agir errado é errado. Respirar a realidade de forma torta é reconhecer que o nosso cotidiano é permeado de infinitas possibilidades. Ser torto é ter consciência de que apesar de sonharmos com a perfeição, nós estamos constantemente oscilando. Olhar a vida de forma torta é encarar a realidade dos fatos de forma dinâmica caracterizada por inúmeros conflitos, inúmeras contradições.
Agir de forma torta é saber que pode ter o controle das coisas sabendo que o controle se encontra no meio de contingências. Ser torto é admitir classificações, admitindo que as classificações não são plenamente reais por não passarem de meras criações humanas. Porém, ser torto é saber que, apesar das classificações serem construções, elas também são reais, pois é através delas que nos norteamos em nosso cotidiano. Ou seja, apesar de fantasias, elas são reais, e apesar de reais, elas são fantasias.
Ser torto é andar na corda que, apesar de bamba e oscilante, é segura. Por outro lado, ser torto é andar com os pés no chão, sentindo a realidade dos fatos, porém, sem segurança alguma. É enxergar o abstrato e se perder no concreto, é sentir o concreto e se diluir no que não se enxerga. É buscar a virtude sem deixar de lado a convicção de que é também dono do fracasso e admirar o fracasso por saber que é através da experiência com ele que se pode conquistar a virtude.
O indivíduo torto anda, anda e chega ao seu lugar de destino, mas depois de tanto andar percebe que o seu lugar de destino também é outro. O indivíduo torto se localiza no mundo, pois possui uma bússola que carrega para todos os cantos, mas o seu mapa se encontra recortado em inúmeros pedaços. Entortar é sonhar e realizar os desejos tendo convicção de que ao realizar seus desejos, logo se vê diante de outros desejos, de outros caminhos, de novas perspectivas.
É por isso que eu digo que o torto não é algo que esteja vinculado ao que é errado. O ser torto é algo que apavora uma sociedade obcecada pela ordem, além de apavorar uma elite detentora de prestígios que faz de tudo para que os indivíduos acreditem que a realidade é composta de harmonia e perfeição. Contudo, entortar o olhar é reconhecer que o ideal é real e que o real é também ideal. É reconhecer que o real, apesar de aparentemente ser real, também guarda o imprevisto.
Agir de forma torta é se entortar e entortar o outro. O ser torto se entorta a partir do instante em que ele reconhece que transita entre a virtude e o vício, entre a certeza e a incerteza, entre a dor e a alegria, entre o medo e a coragem. Agir de forma torta é se encontrar consciente de que os problemas da realidade não se resolvem da noite para o dia, mas que não significa que essa realidade não possa ser alterada. O torto a questiona, afinal, ele a reconhece como contraditória também.
O adjetivo torto tende a se encontrar vinculado a uma idéia pejorativa, pois o que os donos do poder querem é que exista uma sociedade alienada que enxergue a realidade de forma naturalizada, linear e perfeita. O que os donos do poder querem é que os indivíduos se encontrem apenas submetidos à ordem instituída. O ser torto não se submete, pois ao reconhecer que não é perfeito, ele sabe que a realidade também não é, uma vez que ela é construída por sujeitos como ele.
O ser torto não encara a realidade de forma naturalizada por ele detectar que a vida não segue um rumo previsível e exato, mas sim, permeada de conflitos, desavenças, ambigüidades, poder e exclusão. O ser torto sabe que vive de acordo com as normas, mas sabe que não é por que se encontra submetido a elas que ele tem que aceitar de forma passiva tudo que impuserem a ele. O ser torto sabe que para se viver a vida, ele necessita se entortar para que com isso possa negociar e encontrar novos caminhos.
Antes de associarmos o adjetivo torto como algo oposto ao que se é certo, devemos pensar o torto como um adjetivo que se verbaliza de forma ativa, pois o torto antes de ser meramente torto, implica em querer se entortar e admite se entortar, pois se tem uma coisa que a realidade não é, é coerente, linear e perfeita. Ao contrário. A realidade é contraditória e os valores se entortam a todo instante quando nos conflitamos com o que queremos e com o que a ordem nos impõe.
segunda-feira, 22 de outubro de 2012
olhos de Pollock
que vem o mundo
desnudos.
olhos ilhados
do seu sistema,
da sua concretude.
* Tela do neo expressionista americano Jackson Pollock (573 × 364- 1942)
sábado, 20 de outubro de 2012
A leitura nas aulas de sociologia: uma estratégia
Enquanto professor de sociologia da educação básica eu sinto uma enorme dificuldade em fazer com que os alunos tenham um hábito mais corriqueiro com a leitura. Ensinando em Piranhas, município localizado no alto sertão alagoano, o que eu detecto é que esse fenômeno se agrava. Não digo todos, mas eu percebo claramente que em uma boa parte da realidade do discente não se existe o hábito cotidiano com a prática da leitura pela própria família e pelo seu meio social.
É de grande importância se acompanhar a disciplina da sociologia mantendo uma constante atualização com a leitura. Passando por esse problema ainda pensei em escolher textos menos densos, o que se é muito difícil em se tratando da sociologia por ela ser uma disciplina de tradição acadêmica. Além disso, eu pensei em abrir um momento da aula para que fossem feitas essas leituras, mas no meu caso ocorre um agravante, visto que a sociologia só possui cinqüenta minutos de aula por semana.
Outro ponto diz respeito à necessidade de constantes debates. Contudo, além de eu me esbarrar com a falta de hábito com a leitura, com o tempo restrito de aula, existe uma enorme carência com a prática do exercício da reflexão. Esses alunos, por serem reflexos de um sistema produtivista que tem como objetivo atingir resultados imediatos, não demonstram muito interesse em desmembrar certas verdades naturalizadas por eles. Estão acostumados com respostas prontas.
Com essa carência do exercício contínuo da leitura e de reflexões, eu achava que as aulas estavam se tornando entediantes para os alunos por que eles não liam os textos. Porém, eu me perguntei: e quando eles se divertem em seus grupos sociais, será que não existem debates recorrentes entre eles? Por um acaso eles precisam necessariamente buscar o acesso a uma leitura para debaterem acerca dos temas discutidos? Portanto, por que minhas aulas parecem estar entediantes?
A partir dessas questões, eu passei a rever as minhas posturas. Muitas dúvidas me atormentaram, e dentre as mais recorrentes estava à questão da importância dos conceitos trazidos em sala de aula. Eu fiquei a me questionar: se eu deixasse a preocupação com os conceitos de lado e me propusesse a priorizar as provocações vinculadas a realidade deles não seria mais importante? Por outro lado eu me perguntava: mas será que os conceitos também não são importantes?
Com essas questões, eu cheguei a perceber que os conceitos, mesmo tentando ser mostrados com a realidade cotidiana do alunado, não eram lidos por eles pelo fato desses alunos também se encontrarem situados em uma realidade etária que os estimula a buscar novas descobertas. Geralmente nessa idade os alunos estão no início da desvinculação com a dependência dos seus tutores e estão experimentando o gosto por novas aventuras que não os leva a priorizar o tempo com a leitura.
As angustias se acentuavam quando eu comecei a vislumbrar os pontos positivos e negativos acerca da importância dos conceitos e das provocações. Com relação aos conceitos, eu via um ponto muito construtivo, afinal, acredito que apesar de tudo, a educação tem o papel fundamental de transmitir aos alunos os conhecimentos acumulados ao longo da história da humanidade e cabe ao educador mostrar ao aluno esse conhecimento em seu aspecto teórico, sistematizado, formalizado.
Por outro lado, eu via que os conceitos quando eram trazidos, muitas vezes não interessavam a esse perfil de estudante adolescente. Se eles já demonstravam pouca motivação em construir reflexões acerca dos conteúdos, se eles não realizavam as minhas expectativas no que diz respeito à constante atualização com a leitura para a sala de aula devido a sua formação; como adolescentes, eu percebi que eles estavam estimulados em desvendar outras realidades, outras descobertas.
Com relação às provocações, eu sentia que só insistir nelas não seria um bom caminho, afinal, mesmo sabendo que a educação para ser estimulante ao aluno deva se encontrar diretamente conciliada com a realidade dele, mas estimular unicamente a provocação significava apenas reproduzir os modelos corriqueiros que eles vivenciavam em suas experiências sociais. Eu tinha que trazer também a teorização do conteúdo para que eles compreendessem-no a partir de uma perspectiva sociológica.
Mas por outro lado, se eu deixasse um pouco a teorização em sala de aula e me enveredasse no caminho da provocação em sala de aula, eu também poderia promover uma aula mais dinâmica na qual os alunos poderiam reivindicar, problematizar e entrar em conflito com outros diversos discursos que terminam por ocorrer em meio a debates. Isso faria com que eu pudesse inclusive abrir um espaço para que eles colocassem essa instabilidade bastante típica para a idade deles.
Em meio a essas duvidas e a essas tentativas em conciliar uma aula interativa sem deixar de lado um espaço para a leitura, eu cheguei a uma espécie de terceira via que para mim seria o caminho mais promissor diante daquela realidade cotidiana nas aulas. Enfim, terminei por optar com a provocação no início da aula, para que depois de toda a discussão e “algazarra” estimulada por ela, eu entrasse com os conceitos e pudesse mostrar toda a relação daquele debate com os conceitos.
Para isso, eu fiz o seguinte: antes de passar um conteúdo, eu não pedia a nenhum aluno o cumprimento com a leitura do conteúdo. Eu lia o conteúdo que eu selecionava para ser discutido em sala de aula e dentro da minha leitura eu criava uma questão para ser respondida que eu achava que estaria diretamente associada aos seus interesses. Ia para a aula, anotava os tópicos do que eu tinha organizado para ser trazido enquanto conceito, mas primeiramente fomentava a discussão.
Com a problemática sendo exposta no início da aula, a aula começava com um clima de leveza e de muita instigação. Não havia aquela sensação de que os alunos estavam ali simplesmente para mais uma aula. Ao contrário, Os alunos passaram a fazer das aulas uma espécie de divã ao descarregarem suas angústias, suas opiniões, e eu, assim como um analista, passei a pegar os atos falhos, as contradições que eu encontrava nos discursos deles e jogar de volta fomentando novas reflexões.
Depois que o clima de leveza havia sido conquistado, eu passava a articular todas aquelas opiniões com os conceitos trazidos por mim para serem compreendidos na disciplina. Comecei a sentir que a situação começava a se tornar mais estimulante, mesmo sentindo ainda uma grande dificuldade dos alunos em compreenderem conceitualmente o conteúdo exposto. Foi devido à insistência dessa dificuldade que eu encontrei o caminho para que eles passassem a ler o conteúdo.
Além de ganharem notas pelas participações no debate, eu passei a propor atividades escritas. Essas atividades passaram a ter notas acumulativas que no final de cada unidade, seriam somadas junto com as do debate. As atividades passaram a ser propostas da seguinte forma: os alunos produziam um texto acerca da problemática trazida no início da aula, junto com as opiniões trazidas no debate e articulavam esse texto com o texto que eles teriam que ler acerca do conteúdo.
Com essa estratégia, terminei por conquistar um resultado esplêndido em sala de aula, uma vez que a aula, ao invés de se caracterizar por aquela condição entediante ao ser iniciada com a explanação dos conceitos, passou a ser estimulada com a liberdade de expressão do alunado acerca de uma temática articulada com o conteúdo que eu trazia para a sala. Esse contágio inicial da aula terminou deixando as questões conceituais com um caráter mais leve e menos sisudo para os alunos.
Mesmo estimulando uma onda de opiniões sobre questões diretamente voltadas para o cotidiano deles, eu não deixei de trazer também o que eu acho ser de profunda importância na educação que é a relação com os conceitos. Como eu disse, acredito que articular os conceitos teóricos da disciplina é de fundamental importância para que eles enxerguem a realidade de forma sistematizada, teorizada, além de compreenderem o enfoque da disciplina acerca desses conceitos.
Além dessa estratégia não pecar em buscar trazer apenas os conceitos ou apenas gerar o estímulo para as provocações em sala de aula, ela também abriu espaço para uma atualização dos alunos acerca da leitura. Como eu citei mais acima, as atividades propostas eram produzidas de forma a responder de forma escrita a questão provocada no início da aula, articulando o debate com um fichamento acerca do texto proposto para ser estudado na disciplina.
Essas articulações fizeram com que as atividades se tornassem críticas, pois o aluno se via na responsabilidade de praticar o exercício constante do que foi debatido em aula, preocupando-se em compreender o que se estava sendo discutido e promovendo a ele uma capacidade crítica de arquitetar as respostas da pergunta feita em sala, com os debates e com o texto. Isso permitiu com que o conhecimento não tivesse o ar de apenas responder para saber se aprendeu o conceito.
A partir do momento em que eu passei a enxergar como o conhecimento estava sendo produzido, percebi que a sociologia conseguia firmar uma relação entre a teoria com a experiência dos alunos. Ao darem suas opiniões, perceberem a articulação que eu fazia dos conceitos com o debate e depois fazerem o texto articulado com o texto proposto, os alunos passaram a reconhecer que a teoria sociológica estava diretamente vinculada às suas angústias e, portanto, às suas vidas.
É de grande importância se acompanhar a disciplina da sociologia mantendo uma constante atualização com a leitura. Passando por esse problema ainda pensei em escolher textos menos densos, o que se é muito difícil em se tratando da sociologia por ela ser uma disciplina de tradição acadêmica. Além disso, eu pensei em abrir um momento da aula para que fossem feitas essas leituras, mas no meu caso ocorre um agravante, visto que a sociologia só possui cinqüenta minutos de aula por semana.
Outro ponto diz respeito à necessidade de constantes debates. Contudo, além de eu me esbarrar com a falta de hábito com a leitura, com o tempo restrito de aula, existe uma enorme carência com a prática do exercício da reflexão. Esses alunos, por serem reflexos de um sistema produtivista que tem como objetivo atingir resultados imediatos, não demonstram muito interesse em desmembrar certas verdades naturalizadas por eles. Estão acostumados com respostas prontas.
Com essa carência do exercício contínuo da leitura e de reflexões, eu achava que as aulas estavam se tornando entediantes para os alunos por que eles não liam os textos. Porém, eu me perguntei: e quando eles se divertem em seus grupos sociais, será que não existem debates recorrentes entre eles? Por um acaso eles precisam necessariamente buscar o acesso a uma leitura para debaterem acerca dos temas discutidos? Portanto, por que minhas aulas parecem estar entediantes?
A partir dessas questões, eu passei a rever as minhas posturas. Muitas dúvidas me atormentaram, e dentre as mais recorrentes estava à questão da importância dos conceitos trazidos em sala de aula. Eu fiquei a me questionar: se eu deixasse a preocupação com os conceitos de lado e me propusesse a priorizar as provocações vinculadas a realidade deles não seria mais importante? Por outro lado eu me perguntava: mas será que os conceitos também não são importantes?
Com essas questões, eu cheguei a perceber que os conceitos, mesmo tentando ser mostrados com a realidade cotidiana do alunado, não eram lidos por eles pelo fato desses alunos também se encontrarem situados em uma realidade etária que os estimula a buscar novas descobertas. Geralmente nessa idade os alunos estão no início da desvinculação com a dependência dos seus tutores e estão experimentando o gosto por novas aventuras que não os leva a priorizar o tempo com a leitura.
As angustias se acentuavam quando eu comecei a vislumbrar os pontos positivos e negativos acerca da importância dos conceitos e das provocações. Com relação aos conceitos, eu via um ponto muito construtivo, afinal, acredito que apesar de tudo, a educação tem o papel fundamental de transmitir aos alunos os conhecimentos acumulados ao longo da história da humanidade e cabe ao educador mostrar ao aluno esse conhecimento em seu aspecto teórico, sistematizado, formalizado.
Por outro lado, eu via que os conceitos quando eram trazidos, muitas vezes não interessavam a esse perfil de estudante adolescente. Se eles já demonstravam pouca motivação em construir reflexões acerca dos conteúdos, se eles não realizavam as minhas expectativas no que diz respeito à constante atualização com a leitura para a sala de aula devido a sua formação; como adolescentes, eu percebi que eles estavam estimulados em desvendar outras realidades, outras descobertas.
Com relação às provocações, eu sentia que só insistir nelas não seria um bom caminho, afinal, mesmo sabendo que a educação para ser estimulante ao aluno deva se encontrar diretamente conciliada com a realidade dele, mas estimular unicamente a provocação significava apenas reproduzir os modelos corriqueiros que eles vivenciavam em suas experiências sociais. Eu tinha que trazer também a teorização do conteúdo para que eles compreendessem-no a partir de uma perspectiva sociológica.
Mas por outro lado, se eu deixasse um pouco a teorização em sala de aula e me enveredasse no caminho da provocação em sala de aula, eu também poderia promover uma aula mais dinâmica na qual os alunos poderiam reivindicar, problematizar e entrar em conflito com outros diversos discursos que terminam por ocorrer em meio a debates. Isso faria com que eu pudesse inclusive abrir um espaço para que eles colocassem essa instabilidade bastante típica para a idade deles.
Em meio a essas duvidas e a essas tentativas em conciliar uma aula interativa sem deixar de lado um espaço para a leitura, eu cheguei a uma espécie de terceira via que para mim seria o caminho mais promissor diante daquela realidade cotidiana nas aulas. Enfim, terminei por optar com a provocação no início da aula, para que depois de toda a discussão e “algazarra” estimulada por ela, eu entrasse com os conceitos e pudesse mostrar toda a relação daquele debate com os conceitos.
Para isso, eu fiz o seguinte: antes de passar um conteúdo, eu não pedia a nenhum aluno o cumprimento com a leitura do conteúdo. Eu lia o conteúdo que eu selecionava para ser discutido em sala de aula e dentro da minha leitura eu criava uma questão para ser respondida que eu achava que estaria diretamente associada aos seus interesses. Ia para a aula, anotava os tópicos do que eu tinha organizado para ser trazido enquanto conceito, mas primeiramente fomentava a discussão.
Com a problemática sendo exposta no início da aula, a aula começava com um clima de leveza e de muita instigação. Não havia aquela sensação de que os alunos estavam ali simplesmente para mais uma aula. Ao contrário, Os alunos passaram a fazer das aulas uma espécie de divã ao descarregarem suas angústias, suas opiniões, e eu, assim como um analista, passei a pegar os atos falhos, as contradições que eu encontrava nos discursos deles e jogar de volta fomentando novas reflexões.
Depois que o clima de leveza havia sido conquistado, eu passava a articular todas aquelas opiniões com os conceitos trazidos por mim para serem compreendidos na disciplina. Comecei a sentir que a situação começava a se tornar mais estimulante, mesmo sentindo ainda uma grande dificuldade dos alunos em compreenderem conceitualmente o conteúdo exposto. Foi devido à insistência dessa dificuldade que eu encontrei o caminho para que eles passassem a ler o conteúdo.
Além de ganharem notas pelas participações no debate, eu passei a propor atividades escritas. Essas atividades passaram a ter notas acumulativas que no final de cada unidade, seriam somadas junto com as do debate. As atividades passaram a ser propostas da seguinte forma: os alunos produziam um texto acerca da problemática trazida no início da aula, junto com as opiniões trazidas no debate e articulavam esse texto com o texto que eles teriam que ler acerca do conteúdo.
Com essa estratégia, terminei por conquistar um resultado esplêndido em sala de aula, uma vez que a aula, ao invés de se caracterizar por aquela condição entediante ao ser iniciada com a explanação dos conceitos, passou a ser estimulada com a liberdade de expressão do alunado acerca de uma temática articulada com o conteúdo que eu trazia para a sala. Esse contágio inicial da aula terminou deixando as questões conceituais com um caráter mais leve e menos sisudo para os alunos.
Mesmo estimulando uma onda de opiniões sobre questões diretamente voltadas para o cotidiano deles, eu não deixei de trazer também o que eu acho ser de profunda importância na educação que é a relação com os conceitos. Como eu disse, acredito que articular os conceitos teóricos da disciplina é de fundamental importância para que eles enxerguem a realidade de forma sistematizada, teorizada, além de compreenderem o enfoque da disciplina acerca desses conceitos.
Além dessa estratégia não pecar em buscar trazer apenas os conceitos ou apenas gerar o estímulo para as provocações em sala de aula, ela também abriu espaço para uma atualização dos alunos acerca da leitura. Como eu citei mais acima, as atividades propostas eram produzidas de forma a responder de forma escrita a questão provocada no início da aula, articulando o debate com um fichamento acerca do texto proposto para ser estudado na disciplina.
Essas articulações fizeram com que as atividades se tornassem críticas, pois o aluno se via na responsabilidade de praticar o exercício constante do que foi debatido em aula, preocupando-se em compreender o que se estava sendo discutido e promovendo a ele uma capacidade crítica de arquitetar as respostas da pergunta feita em sala, com os debates e com o texto. Isso permitiu com que o conhecimento não tivesse o ar de apenas responder para saber se aprendeu o conceito.
A partir do momento em que eu passei a enxergar como o conhecimento estava sendo produzido, percebi que a sociologia conseguia firmar uma relação entre a teoria com a experiência dos alunos. Ao darem suas opiniões, perceberem a articulação que eu fazia dos conceitos com o debate e depois fazerem o texto articulado com o texto proposto, os alunos passaram a reconhecer que a teoria sociológica estava diretamente vinculada às suas angústias e, portanto, às suas vidas.
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