quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A FALA SILENCIOSA

De manhã cedo me deparo com o outro que se levanta de minha cama rumo ao banheiro para fazer a mesma coisa de todos os dias. O que me conforma com essa rotina é saber que minhas funções orgânicas estão em perfeita harmonia. Viva Deus! Logo em seguida, alguns minutos após o ritual do café, encontro-me com a fluidez lingüística das ruas. Nelas estão as pessoas, ou pelo menos, o que achamos delas. Com as pessoas estão as falas.

Próximo ao balcão de atendimento da escola, o encanador conversava com a coordenadora sobre o vazamento de água nos fundos. Sentados à mesa, enquanto tomavam café, duas professoras se queixam do aprendizado de seus alunos. Na cozinha, dona Maria e dona Chica se esforçam para explicarem ao merendeiro Zé, que é preciso que ele retome os estudos para sair daquela vida. Três professoras completam a cena exagerando no vernáculo sobre a vida de todos possíveis de serem falados naquele momento. Tive a ligeira impressão que somos falantes que sabem o que dizem.

Dediquei-me a fazer meu trabalho e me limitei a falar comigo mesmo. O dialogo conosco não deixa rastros para o outro nos seguir até nossa toca. Fiquei na toca até que fui interpelado pela ilustre pessoa da diretora: “Está calado hoje!” Sorri em sua direção e baixei a cabeça para continuar o serviço. Agora, ela e a coordenadora travam um dialogo sobre a traição masculina. Para elas as mulheres são todas Marias, com raras exceções, é claro, como asseverou a ilustre pedagoga: “Mas tem umas piranhas que desclassificam a categoria”.

As mulheres transitavam pela sala em um ritmo muito feminino: “Para lá e para cá”, como se todo o mover delas fossem seus quadris. A princípio nada vi de significante para uma análise do comportamento corporal daquelas senhoras. E nem vi nada de novo em suas falas, pois, soavam como um antigo repertório. A mais baixinha se sentou à alguns metros de mim e pude ver sobre suas roupas a silhueta de sua velha vagina. Ela simplesmente estava ali exibindo inocentemente o perfil de seu sexo. Uma outra passa a mão nos cabelos e mostra sem querer o recorte maravilhoso de sua camisa que me trouxe muita alegria em ver a testa daqueles peitos fartos. O rapaz, por sua vez coçava o saco a cada cinco minutos e mantinha seu olhar multi - focado, pois, a testosterona do moço não queria perder nenhuma cena.

Vi que o corpo fala. Como em toda fala as contradições aparecem. No nosso caso, a moral do discurso das mulheres fora contestada pela libido implícita em suas linguagens corporais. O moço e a minha pessoa não estavam passivos durante todo o processo de comunicação. Nós não falamos, contudo, dialogamos durante àquelas horas de trabalho. Assim, o dialogo não pressupõe, no mundo dos homens, o uso da fala necessariamente.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Primeiras Impressões sobre os Cariocas

Transitei de ônibus, de metrô, caminhadas imensas, da manhã à madrugada. Pedi centenas de informações a nativos dali, e o que pude perceber foi que a maioria não conhecia as ruas pelo nome, boa parte era introspectiva e alguns até levemente hostis. Algumas vezes me senti, sim, eu mesmo!, um moço cosmopolita falando para um desconfiado provinciano.

Há, porém, algumas regularidades um tantinho generalizáveis, além do sotaque, claro. Refiro-me ao quão passionais eles se portavam quando se viam obrigados a participar de uma socialização mais demorada. Xingam e logo após abraçam, mordem e brevemente assopram. Sem contar com o profissionalismo com que desempenham todos os serviços.

A malandragem, eu a senti na mesma dose que senti em TODOS os lugares turísticos por que passei, com exceção de Salvador, pois seus prestadores de serviços é que deveriam, sim, levar este estigma (se for o ideal que este estigma exista para alguém).

Por fim, acerca do humor, percebi por lá o contrário do que senti em Paris, uma vez que nesta os mais velhos costumam ser arrogantes e os jovens mais tolerantes e abertos. No Rio é completamente o contrário.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Cinema e identidade

Texto dedicado a Alessandro Santana

Esta semana ao ler o texto “Não boto fé no cinema brasileiro” de Alessandro Santana no blog “Faz o que pode”, vieram-me muitas questões. Resumindo de forma muito rasa devido a grandeza de problemáticas trazidas pelo texto, mas em geral o que notei é que ele se propõe discutir até que ponto a produção cinematográfica brasileira busca tornar o cinema apenas mais um produto a serviço da lucratividade gananciosa das indústrias cinematográficas e até que ponto a nossa produção cinematográfica pretende propor ao consumidor desse produto, a possibilidade de revelar novos sentidos, novas condições discursivas,textuais e estéticas. As problemáticas trazidas por Alessandro Santana são bastante pertinentes, mas como o objetivo de meu texto não está em fazer uma resenha acerca do texto dele, pretendo propor novas indagações e tentar contribuir com mais opiniões acerca do texto.

Pois bem: acredito que as produções cinematográficas vão ter suas perspectivas alteradas em tempos futuros. Afinal, como Alessandro atentou o cinema não se transmutaria ao longo do tempo se ele não absorvesse outras linguagens na sua história.

Compreendo bastante a sua pessoa quando observa a questão da mesmice atolada na comodidade medíocre dos consumidores e dos produtores, entretanto, eu acho que a gente deveria repensar o mercado diante dessas situações. Acredito que isso não é uma questão que remeta meramente ao mercado. É óbvio que a intenção mercadológica tem como objetivo para se sustentar, objetivar o lucro, mas será que haveria esse lucro se do outro lado houvesse consumidores e produtores que estivessem dispostos a se utilizar da arte cinematográfica como uma ferramenta capaz de provocar uma re-significação nas linguagens e nos valores sociais? Tenho certeza de que se um dia o consumidor cinematográfico abdicasse dessa mesmice e recorresse a modelos menos patéticos e repetitivos, rapidamente as indústrias cinematográficas iriam aderir a esse novo formato.

Acho que devemos também pensar na conjuntura social de forma mais ampla para compreendermos essa mesmice no cinema nacional de hoje em dia. As pessoas também se negam a exercitar o caminho da consciência, da emancipação, do questionamento. A praticidade reina em todos os grupos sociais, inclusive nos grupinhos de merdinhas que se dizem cinéfilos, engajados e cults. Vivemos em uma sociedade submetida a padrões de todas as espécies e o que prevalece em nosso cotidiano são as etiquetas, são as atitudes forçosas e artificiais, ou seja, são as vitrines. O fato de nos adaptarmos aos valores sociais, não implica dizer que não possamos nos deslizar por variáveis, assim como romper com o óbvio.

Mesmo que uma pessoa entre na internet e se depare com uma infinidade de produções, infelizmente elas são tão modistas e produzidas em série que elas só vão recorrer para o óbvio, ou seja, para aquilo que se encontrar legitimado pelo seu grupo social. Com isso nós podemos ver que mesmo com essa infinidade de produções trazidas pela internet, os usuários não possuem curiosidades. Seja os indivíduos pertencentes ao grupo dos ditos “não-massivos” ou massivos, ambos são manuseados pelo discurso legitimado. A diferença é que os primeiros se alienam através dos discursos trazidos pelos críticos de arte e os outros pela mídia massiva.

A Globo Filmes não investe em uma linguagem renovada e questionadora, não é por que ela quer abafar uma realidade, afinal, para o capital não existe ética. O que interessa ao capital é o lucro. Portanto, o fato de não investir, nem estimular esse tipo de manifestação, é pelo fato de que ela também sabe que a própria sociedade em geral é apática e indisposta a encarar coisas novas. São “sementes mal plantadas que já nascem com caras de abortadas”. Não estou querendo partir para um olhar ingênuo de que a mídia não possua intenções políticas, mas acredito que ela se nega a se apropriar dessas manifestações muito mais por questões econômicas, ou seja, por visar o resultado lucrativo, do que necessariamente devido a questões de amansamento social. Se assim fosse, o movimento crítico do hip hop jamais seria agregado ao projeto massivo das mídias.

Acho que nós também temos que ter bastante cuidado ao associarmos a vanguarda como algo diferencial. Nesse sentido eu compactuo com meu amigo torto Josué Maia quando observa para a possível repetição velada no discurso inovador da vanguarda. Tenho sentido que o discurso dos ditos vanguardistas anda bastante saturado. Acredito que o tentar ser diferente a todo custo implica nessa possibilidade de fazer diferente de forma igual. É engraçado, mas tudo que hoje em dia implique um discurso que remeta ao fragmento, cai na classificação de vanguarda. Pra ser sincero, o que percebo é que esses artistas muitas vezes fazem a “doideira” pela “doideira” e dizem expressar coisas que não respondem sequer a eles mesmos. O ser diferente também implica em ser comum basta que alguns elementos venham a classificar de forma estereotipada determinada manifestação estética.

No mais, compactuo com tamanha indignação muitas de suas palavras. Acredito que existe um mercado excludente e preconceituoso que só abre espaço para aquilo que convém aos seus valores elitistas. Obviamente que eu também acredito que essa tirania mercadológica é fruto também de uma tirania que se reflete no cotidiano dos consumidores independente de qual grupo social ou manifestação estética pertençam. Veja o exemplo dos próprios ditos vanguardistas: criticam a natureza repetitiva das artes massivas, o que não tiro a razão, mas também não enxergam que se apropriando dessa arte massiva, eles podem claramente buscar estratégias e novas possibilidades para leituras mais criticas desse público massivo em relação a essa arte, mas o que vemos é declaradamente uma postura excludente dos próprios críticos que reprovam a exclusão do mercado.

São tão excludentes que sequer são capazes de buscar se adentrar no universo daqueles a quem eles classificam de “inferiores”. Como eu já discuti em textos anteriores no torto sobre a música de vanguarda, acredito que antes de ficarmos perpetuando o exercício segregador de qual seria a verdadeira arte, a pior ou melhor arte, deveríamos estar conscientes de que os universos artísticos e estéticos podem se intercruzar o tempo inteiro e cabe a nós revelamos possibilidades de novas leituras, novos discursos, novas textualidades, transitando entre a diversidade expressiva ao invés de ficarmos insistindo em uma essência que não condiz com os projetos oscilantes e híbridos de qualquer relação que possa ser estabelecida em qualquer lugar por qualquer indivíduo.

O link para quem tiver interesse em ler o texto de Alessandro Santana

http://fazoquepodeprodutora.blogspot.com/

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Caminhos ainda tortos

os ramos estreitos enfileram-se para um caminho preciso,
sem qualquer indicios de sinuosidades.
mas, por isso, justamente por isso,



eles sao frageis.

a tortuosidade flutuante conduz a uma subjetividade maior,
pouco afinada com os cristais solidos da dita realidade

irreal.

sem dilatacoes difusas
nao se chega a nenhuma ordem,

porque sem caos nao ha ordem,

apenas uma ilusao de ordenamento progressivo
ilogico.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Fisiologia do ônibus lotado

Condenadas umas às outras, disputam o espaço de meio-corpo. A brisa fresca da manhã que entra pelas janelas eleva o cheiro de fragrâncias diversas às narinas, concentrando-se, depois disso, como pura mixórdia acurada de odores, suscitando gotas de suor naqueles que transpiram com facilidade e náusea no organismo dos mais sensíveis. O clima, entendido no seu aspecto plural, pesa, fazendo transparecer em quase todos os semblantes certa tensão, certo medo que, associados às sensações fisiológicas ali expostas concretamente, tornam o prazer proporcionado pelo ato da viagem em causador de estresse, mais tarde incrementado pelos torvelinhos maçantes encontrados no trabalho, na escola, no espontâneo decorrer do dia. E são quantas horas de proveito? Quantos minutos calorosos a proporcionarem um motivo para o riso? Mas há proveito e há riso, restabelecendo no centro da degradante experiência social moderna a postura contra a qual se dirige toda a inteligência contemporânea: o absurdo de gargalhar rente ao diabo, no próprio inferno, enquanto tudo nasce, cresce, reproduz e morre.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Clipe Banda Lêmures - Aos Teus Poréns

Caros leitores, trago-lhes uma proposta nova, qual seja, a postagem do clipe da minha banda - Lêmures. Esta música está concorrendo à final do Festival Aperipê, e caso vocês gostem, podem votar no seguinte endereço: http://www.aperipe.com.br/festival2011/?page_id=2

http://www.youtube.com/watch?v=4uEJv1KVsGk&feature=feedf

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Coração Torto

Certezas refutáveis
Contradições coerentes
Verdades deslizantes
Definições em construção

Será que um dia vou me encontrar?

domingo, 18 de setembro de 2011

letras

letras
apenas letras.

letras...
sao codigos arbitrarios
convencionalizadas pela ordem social
que se impoem por receio de alguma desordem.

letras,
que podem ser nitidas,
confusas ou ate mesmo difusas.

as palavras, talvez,
por algum instante podem conseguir
alguma ordem
sem nenhuma logica
de uma possivel ordem
naturalizada

mas...,

podem ser...
pervertidas de uma confusa logica.

Distonica.


* Caros leitores, por motivo pessoal nao poderei postar na segunda. Para nao ficar mais uma semana sem postar, preferi publicar meu texto esta noite. Proxima semana, publicarei meu texto no turno combinado. Abracos a todos.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Encontro

Tivera andando pelos corredores extensos do shopping, solitário como um cão pulguento que se sentisse acuado pelas gotas gélidas da chuva, vendo refletida nas transparentes vitrinas das lojas a imagem alva da farda colegial de todos os dias. Inocente, conduzido por outro prócere que, atônito, o anunciara, entra, receoso e claudicante, pela larga porta do paraíso. Lá, depois de muito vagar e indecisão, troca uns poucos reais por um mundo moldado segundo o tamanho de seus bolsos. E depois de Pessoa, que se apresentara inicialmente como Álvaro, nunca mais pôde ser o mesmo: ao olhar-se, mais tarde, no espelho, rente a si mesmo sobressaltou-se do que havia se partido o que nunca imaginara poder ser feio - do leitor emergira um monstro.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O HOMEM DO RIO

Um dia à tarde, quase perto das cinco horas, dois homens conversavam debaixo de uma árvore a Margem de um rio que fica no Kambotá. Ali, as pessoas esquecem o tempo. As pessoas param e refletem sobre suas vidas como a luz do sol reflete nas águas do rio. O homem mais velho estava em pé e olhava para o rio. O mais novo estava sentado cortando um pedaço de fumo. Os dois tinham momentos alternados de euforia e tristeza. O mais moço falava bem mais alto que o mais velho.

- Chico!
- Diga meu caro Zé!
- Chico, as pessoas não são sinceras. Por vezes descobrimos que somos traídos pelos nossos amigos. A incidência é tão grande que posso dizer que a traição é uma marca que caracteriza a natureza humana.
- Não sei Zé, se isso é verdade. Até mesmo porque o mundo é muito grande para a minha pessoa falar em nome dele. Mas, eu entendo que em parte a verdade se aproxima disso. Contudo a traição não nasce com homem.
- Então como ela surge?
Ela simplesmente não surge. Ela faz parte das possibilidades de nossas condutas. O momento, a educação, as influências, os interesses podem fazer a falsidade aparecer. Assim, nós nos assustamos com algo que está sempre conosco, mesmo que em forma latente.
- Eu vejo que sua pessoa sabe muito. Porque não senta?
- Eu decidi ficar em pé para ver melhor o rio.
- Sim, sei. Então, me diga por que as mulheres fingem que gozam?
- Ser homem e ser mulher é algo complicado. Às vezes, vejo o homem na mulher e a mulher no homem. Todos descem o rio juntos. O homem acha que sua fêmea ou as fêmeas são todas suas. Seu desejo oculto é possuí-las todas. No entanto, a fêmea teme seu macho e a ale se subjuga. Ela sabe que o homem construiu um delírio de poder.
- Mas, as mulheres traem e o fazem com muita astúcia!
- Sim, com certeza, a mulher, embora, amando seu macho pode traí-lo por muitas razões. Quem saberá contá-las?
- Entendo, meu velho.
- Se não posso nomear uma coisa, então, as palavras têm limite?
- Não é bem assim. O homem dá nomes a todas as coisas. Até a divindade que nunca viu, ou sentiu, ou tocou. Um homem é um criador de nomes. Com eles ele orquestra a sinfonia da vida. As palavras surgem à proporção que a necessidade aparece. É a sociedade ou as necessidades sociais que criam as mais diversas representações. Assim, o nome é um filho da necessidade.
- Mas, não entendo! Então, eu falo as necessidades do mundo?
- De certa forma sim. A palavra é mediadora das coisas do eu e do tu. Desta forma o tu está em mim e eu ti, unidos pela palavra. Sem pensar ou pensando de ti sai o fluxo de teu pensamento e este alcança a cidadela da razão na mente de teu amigo, o teu tu.
- Entendo. Sem o tu não tem o eu. E sem o tu não tem palavra.
- Sim. Foi assim que a natureza aprendeu a dizer sobre si mesma. Ela diz para o tu. O tu sempre estará lá.
- Meu velho, então, a traição é também coisa do tu, bem como a falsidade, a mentira, e outras coisas dos homens?
- Sim, estas coisas são manifestações da natureza, no obstante não serem corretas para nossa moral.
- A palavra me intriga!
- Por que moço?
- Como ela surgiu no mundo? Quem veio primeiro?
- A palavra veio primeiro que você. Ela estava aqui antes de você. Antes de você nascer, o mundo estava em construção te esperando para ser operário dessa obra. A escolha de viver não foi sua. E eu já te disse que a palavra é filha da necessidade. A humanidade e sua história criaram representações da natureza. A natureza em si, nada diz, pois, sem a palavra ninguém poderia dizer dela. As pinturas nas cavernas e os monumentos antigos anteriores a palavra são linguagens no silêncio dos homens.
- A palavra determina o mundo para mim?
- Não é bem desse jeito. A palavra é meio de oprimir e instrumento de liberdade. O operário é homem.

As águas do rio do Kambotá se tornaram corrediças. O homem que estava em pé entrou nelas e foi embora. O rapaz que cortava o fumo ficou com mais dúvidas. O coitado esqueceu sua identidade caída ao lado do toco de madeira em que ele estava sentado.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Involução

Letra de uma música que estou compondo com a banda Lêmures...

__________________________________________________

Não exergam
E afirmam haver um só padrão
Que as ocas serão prédios
Que o ímpeto será razão

Não faça as minhas regras
Eu que direi meu fim
Meu próprio mar me leva

Se for preciso eu involuo
Mas deixa, eu mesmo concluo
O bem exalto e o mal excluo
Faço da luz meu próprio escuro

Somos iguais em espécie
Mas não vou te seguir
Não há moral genética
E um só final feliz

Não estamos na mesma pista
Não se trata, aqui, de corrida
Pois sobraria
Mesmo aos últimos
O mesmo troféu da agonia

terça-feira, 13 de setembro de 2011

A música brega na sociedade veloz

Acredito que as músicas vinculadas à cultura de massa se encontram associadas ao contexto industrial e como todo contexto industrial, essas músicas interessam aos empresários pelos lucros que elas geram no mercado. No entanto, não compactuo da ideia de limitar os consumidores desse tipo de música meramente como alienados. Não é por que a música gera lucros que ela não possa ser construída através de ações espontâneas dos indivíduos em seus cotidianos.

Eu acho que a apropriação de determinado bem cultural se relaciona com a forma pela qual o consumidor se identifica com o produto adquirido. Em outras palavras, antes de se enxergar o consumidor como alguém simplesmente manuseado pelo interesse do mercado, acredito que existe uma autonomia que implica a subjetividade desse consumidor ao escolher um dado produto.

Para esclarecer esse meu ponto de vista, resolvi trazer o exemplo da música brega. Vejamos: em se tratando de sua projeção no final nos anos setenta, essa tendência musical surge influenciada principalmente pelos boleros e pelo rock da Jovem Guarda. Entretanto, nós podemos visualizar uma influência mais antiga que iria se desembocar na música brega que eram as serestas do inicio do século XX.

No entanto, ao compararmos os discursos dos chamados seresteiros e dos bregueiros, nós notamos algumas diferenças. Enquanto os primeiros possuíam discursos marcados por excessos de metáforas, elaborações que parecem nos soar mais densas e textualidades mais longas; os segundos tinham como características em seus discursos a utilização mais freqüente de palavras coloquiais, elaborações que nos permitem traduzir suas formas de expressão de forma mais rápida, além de textualidades mais curtas.

O que podemos pensar disso? Ora, o momento histórico no qual os chamados seresteiros se encontravam possuía um ritmo diferenciado dos chamados bregueiros.

No contexto dos bregueiros havia no Brasil a chamada fase da consolidação da industrialização. Com essa industrialização, os indivíduos partiram para as cidades como mão-de-obra assalariada. Como a maioria desses indivíduos era desqualificada, eles se viram obrigados a se submeter drasticamente aos modelos mecanizados e práticos em suas rotinas de trabalho.

Vale lembrar também que ao chegar às cidades, esses indivíduos se viram diante de uma realidade fragmentada a qual não os permitia visualizar referências, bases morais mais concretas perdendo parte de suas memórias, de suas histórias, de seus laços que os uniam as suas antigas comunidades.É a partir dessas duas condições que eu acredito que o discurso da música brega tenha se delineado.

Como forma de compensar a precariedade do papel do estado em seu meio social, esses indivíduos passaram a buscar através das canções, o amor de alguém de forma muitas vezes obsessiva como forma de se sentirem pertencidos a alguma referência e protegidos em meio a uma circunstância excluída de todos os benefícios sociais. Não é por acaso que quando pensamos em música brega, pensamos na idéia de canções que falam sobre relações amorosas.

Por outro lado, pelo fato da maioria do público da música brega representar a mão-de-obra assalariada vinculada às funções mais rotineiras do trabalho, a música brega passou a expressar claramente o excesso de praticidade do cotidiano exigido pelo contexto industrializado onde se encontrava a maior parcela de seus consumidores. Acho que é por isso que nós tendemos a classificar a música brega como algo clichê e repetitivo.

É por tudo isso que para mim, uma música para ser consumida tem que trazer elementos que dialoguem com o anseio do consumidor. Esses elementos dizem respeito às experiências morais, estéticas desse consumidor em relação aos valores cotidianos de seus meios sociais. A música brega, por exemplo, apesar de ter se adentrado em realidades nas quais ela não entrava em tempos atrás, encontra-se geralmente ainda mais consumida e produzida pelos setores mais periféricos da sociedade pelas questões históricas que expus de forma breve mais acima.

Por isso que para mim, o que leva essa música a gerar lucro, deve-se muito mais ao fato dela atender aos anseios identitários do povão, do que por ser uma música criada pela indústria para ganhar dinheiro. É por isso que eu acredito que antes de haver um mero mercado criando a música brega, acredito que ela passou a ser vendável mais por valores cotidianos recorrentes do próprio público que foram sendo espontaneamente sentidos e vividos pelo público e refletidos no discurso bregueiro.

Por falar em povão, acredito que essa linguagem cotidiana exposta pela música brega é algo que deve ser admirado, pois diz respeito a uma das características que tornam a música brega com uma identidade própria, porém, não devemos esquecer que muito dessa linguagem coloquial também se deve ao fato do público dessa estética geralmente se encontrar excluído de uma melhor escolaridade, assim como de todas as obrigações básicas do Estado.

E mais: não é por que eu acho que a música brega reflete a espontaneidade dos valores da maior parte de seu público, que eu me negue em tecer profundas críticas acerca desse mercado. Por se encontrar em uma cultura vinculada ao mercado, a música, assim como qualquer outro fenômeno, não pode fugir da condição de venda, porém, reconheço que a forma como o mercado lida com a diversidade musical é extremamente excludente, e eu acredito que uma cultura mais consciente de si, é uma cultura que dialoga com a diversidade de expressão de seu povo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Furos

Poucos rasgos
e alguns furos
dos buracos
das polvoras
incrustrados na minha garganta vazia
de orgulho
de intencao
e rejeicao.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

21 anos

A prospecção sempre nos revela um Gregor Samsa. Quem, na contemporaneidade, olha-se no espelho, inevitavelmente vê-se um inseto monstruoso.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Sexualidade e Relações Sociais em Michel Bozon

Esta é uma resenha do livro Sociologia da Sexualidade, de Michel Bozon, no que diz respeito à relação dialética que o autor vê entre a sexualidade e as relações sociais.

Fonte: BOZON, Michel. Sociologie de la Sexualité.
Paris: Nathan, 2002



O autor abre esta parte do livro com a observação de que, apesar de as relações sexuais obedecerem cada vez menos aos cânones, estas não se tornaram livres, de modo que uma vez que se parte invitavelmente de um repertório construido socialmente, nas palavras do sociólogo, as relações de gênero (...) estruturam a percepção do possível. Sendo assim pode-se, segundo autor, naturalizar as relações sociais que deram origem à experiência sexual sonhada ou praticada. Pode-se falar, portanto, em sexualidade e relações sociais.

Quando passa a falar, então do ciclo da vida sexual e da nova organização social das idades, o autro aponta para o fato de que a organização contemporânea das idades se diferencia de forma cada vez mais sutil. Neste rearranjo, ocorre uma mudança de paradigma que consiste na desvalorização progressiva da idade madura concomitante ao prestígio designado à juventude. A insistência na possibilidade de se poder ser jovem durante toda vida encontra o reforço na sexualidade, uma vez que as relações começam cada vez mais cedo e há procedimentos que tornam a relação sexual possível a indivíduos cada vez mais velhos.

Sobre a construção da conduta sexual na adolescência, o autor caracteriza inicialmente esta fase como, além de uma construção contemporânea, a idade em que se objetiva o acesso à sexualidade, em que acontece, posteriormente, a passagem às sexualidade com presença de penetração e ainda como o tempo em que se cria certa autonomia em relação às instâncias de socialização, escolas, família etc. e se passa a agregar experiências com os pares, progredindo assim a construção do ego, uma vez que a relação com o outro se evidencia. O autor enfatiza ainda que com o desvinculamento necessário entre casamento e a sexualidade genital, esta passa a ser um limiar social decisivo e generalizado para que se entre numa nova idade, qual seja, a juventude.

O autor mostra ainda no que diz respeito à adolescência como encaminhamento à fase sexual genital, que o intervalo entre os primeiros afetos e a penetração propriamente dita tem ganhado certa autnomia desde os anos 90, de modo que emblematicamente podemos citar o dating americano, a época das saídas a dois, trocas de afetos sensíveis e que não leva, portanto, imediatamente a relações sexuais consumadas.

A preocupação contemporânea com a educação sexual dos jovens tem como pontos relevantes o fato de se considerar uma entrada na sexualidade menos senil e, por consequência, a escola assumir, como porta-voz dos adultos, o papel de minimizar os pretensos erros contidos nos ensinamentos passados pelos pares, ou seja, conhecimentos que se transmitiam espontaneamente nas relações juvenis. É emblemático, ressalta o autor, o fato de a escola ter tomado tal frente, e não a família, no sentido de que se pressupõe que dentro desta se originam também atitudes questionáveis. Muito embora, em países em que a Igreja Católica possui a prerrogativas no ditado dos parâmetros morais, a educação para a vida familiar seja privilegiada. O autor aponta ainda que enquanto nos Estados Unidos a questão da educação sexual é tomada por um viés antes moral, o abre espaço para que grupos religiosos tomem frente de tais discussões, na europa, sobretudo a setentrional, tal educação é antes uma questão social, em que o único valor advogado é o da igualdade entre os sexos. Aliás, vale-se ressaltar que nos países nórdicos o momento da primeira relação sexual, por exemplo, é uma questão de cunho tão particular e a atividade sexual ganhou um aspecto de bem-estar pessoal que se defende mesmo a noção de um direito à saúde sexual.

Partindo do fato de que o tempo da passagem da escola para o trabalho e da própria família para a construção de uma outra tenha aumentado consideravelmente, o autor conclui que a autonomia sexual se dá, hodiernamente, antes da autonomia sexual. Ratifica com o exemplo de que no início do século XX as mulheres franceses tinham o primeiro filho em média dois anos após a primeira relação sexual, quando mais recentemente este intervalo assumiu a média de dez anos. O autor se refere a uma fase contemporânea de latência sexual, termo tomado em sentido distinto do utilizado pela psicanálise, uma vez que há uma consolidação da ideia de que se pode prolongar significativamente uma vida sexual ativa antes de se consumar a constituição de uma família. De modo que a sexualidade juvenil, segundo o autor, não poderia ser mais tomada, como nos dizeres da sociologia da família norte-americana, como uma sexualidade pré-marital.

O autor chama atenção ainda para a diminuição da contracepção oral, nos últimos anos, a priori em função do uso do preservativo, embora este venha a ser substituído pela pílula no momento em que a relação se estabiliza. Há ainda um paradoxo no que diz respeito à juventude que consiste em se querer, nesta época, uma fidelidade sexual mais estrita, enquanto a renovação dos parceiros se realiza em ritmo bem mais rápido. Bozon atribui o fato da banalização do rompimento juvenil a esta exigência de fidelidade sexual.

Fato relevante ainda é o fato de que a intervenção cada vez mais minimizada dos pais em relação à sexualidade dos filhos é fator que contribui para o prolongamento da estada destes em seu lar original. A preocupação dos pais passa a ser mais direcionadas a questões escolares e profissionais. Em contrapartida a figura dos pais como depurados de sexualidade na visão dos filhos também enfraquece, à medida em que estes se tornam cada vez mais testemunhas dos progressos da vida amorosa e sexual de seus genitores, para utilizar as palavras do autor.

No que diz respeito ao curso da vida sexual do casal, o autor afirma que mais de 4/5 dos indivíduos, após um período de sexualidade juvenil, estabelecem uma vida conjugal. Enfatiza então que no início das relações conjugais é intensa, sendo estas as primeiras ou não na vida do indivíduo, o que caracteriza o fenômeno não simplesmente por uma questão de idade e sim pela novidade da relação conjugal, que oferece, inclusive, todas as condições materiais para a consumação do sexo. Nas palavras de Bozon, a conjução entre desejo sexual e envolvimento afetivo atinge, então, um nível que nunca mais será alcançado nas fases ulteriores do casal.

Uma fase posterior da atividade sexual, que se consolida à medida em que filhos aparecem, criam-se hábitos conjugais, adquire-se moradia bem como bens duráveis, é caracterizada pela queda de relaçãoes em média de quatro vezes por semana para duas, virando a atividade sexual, segundo o autor, um hábito de manutenção do casal. Establece-se um paradoxo que consiste em as disfunções sexuais, como ejaculação precoce e ausência de orgasmo, crescerem enquanto a satisfação sexual diminui.

Passando a atividade sexual a ser um ritual de confirmação e não mais de fundação, sua intensidade diminui, bem como seu caráter repetitivo surte efeito tranquilizador sobre os parceiros, que, segundo o autor, tornam-se mais seguros deles mesmos, mais experientes e mais flexíveis. A relações extra-relacionamento influenciam relativamente menos no futuro da vida a dois, bem como a atividade sexual começa a ficar em segundo plano nas preocupações individuais e conjugais. Há explicações como a saída do papel de cônjuges para o papel de pais, o fato de se descrever um caminho parental diferente para o homem e para a mulher, de modo que a comunhão enfraqueça, e também, algo mais complicado, segundo o autor, de se avaliar, a questão profissional, em que se há ao menos a certeza de que quando se alega um menor tempo para a atividade sexual devido ao trabalho, já se está priorizando algo que não a manutenção do casal.

Utilizando-se de comparações estatísticas relevantes, o autor aponta para mudanças do envelhecimento sexual, colocando como prováveis causas o prolongamento do ideal de juventude, a sociabilização do idoso para além de sua própria família, o aumento da expectativa de vida e congêneres. Fato relevante é o de o autor colocar a menopausa como uma construção social e psicológica a partir de uma realidade biológica, enfatizando que tal fenômeno não mais marca o fim da vida sexual das mulheres, como se constatava até os anos 60. Apesar de tudo, o autor ressalta que a “aposentadoria sexual” se dá mais cedo nas mulheres que nos homens, o que atribui a uma expectativa de vida maior entre as mulheres, bem como ao fato de os homens escolherem parceiras mais jovens.

Voltando-se, finalmente, à possibilidade de um ciclo de vida sexual nos homossexuais, o autor inicia observando que não obstante na maioria dos países desenvolvidos a homossexualidade ter sido cada vez mais aceita desde os anos 80 e portanto a vida sexual dos homossexuais ter se aproximado da da maioria da população, ainda existe resistência relevante, de modo que muitos deles resistem a a firmar sua orientação sexual perante a família, amigos, colegas, o que os leva, por problemas de convivência familiar a desenvolver autonomia sexual e residencial antes mesmo da independência econômica.

Sem comungar com a a orientação de muitos de seus pares no momento da iniciação sexual, os homossexuais acabam se isolando e experimentando, com bem mais regularidade, a depressão e a tentativa de suicídio. Num segundo momento, entre 21 e 30 anos, em que os indivíduos de tal orientação começam, por exemplo, a se mudar para grandes cidades e encontrar meios de socialização mais peculiares a sexualidade começa a se estabilizar. O autor aponta ainda como um traço específico dos casais gays que estes precisams e apoiar bem menos nos compromissos sociais e materiais que efetivam sua estabilidade, como moradia, bens em comum, filhos, compromissos com fidelidade etc.

Um ponto de ligação que pode ser observado em casais homo e heterossexuais é a regularidade da já narrada primeira fase de forte envolvimento afetivo, muito embora o autor ressalte que os relacionamentos perdurem bem menos na realidade dos homossexuais, e que nos que, ao contrário, perduram, há uma recorrência extra-conjugal bem maior que em relação aos casais heterossexuais.
Outro ponto a se ressaltar é que pouco se pode afirmar em relação ao envelhecimento sexual dos homossexuais, embora se saiba que a idade menos os influenciem que os heteros pelo fato de que não há a preocupação com a fecundidade. Há também de se observar um número significativo de homossexuais que ao envelhecerem buscam constituir família.

Conclui-se que apesar de a vida sexual, contemporaneamente ter sido deslocada em função da idade e tenha ganhado força na manutenção do relacionamento, não desapareceram as diferenças entre os modos de envolvimento dos homens e das mulheres com a sexualidade.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Aos animais da cultura

A humanidade tem se mostrado a cada dia que passa mais e mais prepotente. É engraçado, mas os ditos humanos de fato acreditam de tal forma que se diferenciam dos animais classificados de irracionais, que eles ficam de pau duro, necessitam se alimentar cotidianamente, cagam, peidam, defendem-se o tempo inteiro para sobreviverem e não se dão conta de que apesar de todas as regras sociais, essas reações não passam de comportamentos concedidos a qualquer animal pertencente à natureza.

O que vejo atualmente é que as criancinhas com suas caras sorridentes, andam com as caixinhas na escola catando lixo espalhado pelo chão enquanto ficam cantando musiquinhas com as tias sobre a preservação ambiental, sobre a importância de não jogar tampinha de danoninho no riacho, mas as próprias tias muitas vezes não se enxergam como animais que recebem a cada final de mês um novo contra-cheque pelo seu trabalho.

Queridos leitores, gostaria de dizer que eu não acho errado esse tipo de educação e de discurso, mas acredito que devemos romantizar menos as coisas para que o nosso discurso atinja uma atitude crítica e consciente e não em posturas esteriotipadas, o que infelizmente já anda ocorrendo de forma bastante evidente. Eu sou da opinião de que não adianta empurrar discursos para conscientizar a preservação da natureza enquanto os indivíduos não reconhecerem que pertencem à natureza.

Acredito que a partir do momento em que o homem se deu conta de que ele era capaz de alterar uma realidade, não deixando apenas as coisas nas responsabilidades de Deus, ele deu muita credibilidade à razão humana. Entretanto, essa idéia do homem como o centro da razão nos tornou extremamente vaidosos a ponto de não nos reconhecermos como partes da natureza, já que construímos a ideia de que humano é razão e ter razão é não ter instintos e, portanto, não ser natureza.

Temos o seguinte discurso: existe a natureza que segue seu curso de forma natural e existem os humanos que por serem inteligentes demais, devem cuidar dessa natureza. Que devemos cuidar dessa natureza eu não tenho duvidas, principalmente por que devido a essa enorme capacidade de alterarmos o fluxo natural das coisas, nós já provocamos muitas mazelas na natureza, mas o principal nós esquecemos, ou seja, de que devemos cuidar da natureza porque somos ela.

Esquecemos que antes de haver isso que chamamos de cultura, já havia a natureza, e por isso mesmo, essa natureza se encontra em nós. Não estou querendo dizer que as relações sociais devem ser naturalizadas. Só acho que não devemos separar natureza de cultura. A diferença é que a cultura se utiliza de linguagens especificas para os animais-humanos que ajudam eles a se comunicarem entre espécies em uma natureza nomeada de cultura.

De nada vale esse discurso, esses projetos, esse terror todo que andamos fazendo acerca da destruição da natureza se o humano não se reconhecer enquanto produto e extensão dela. Para haver uma postura mais consciente acerca da importância de se criar estratégias para garantir uma preservação mais saudável para o nosso ambiente, devemos saber que somos animais classificados de humanos, assim como existem animais classificados de cachorros, de ratos, de cavalos e por aí vai.

Se não houver reconhecimento, a luta será em vão. Digo isso, pois eu acho que nós só tendemos a zelar aquilo que amamos porque aquilo que amamos nos provoca uma sensação de pertencimento. Enquanto insistirmos na ideia de colocar o humano de um lado e a natureza do outro, não nos sentiremos pertencidos à natureza pelo fato de não nos reconhecermos nela e por consequência, não teremos a verdadeira preocupação em zelarmos por essa natureza.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Raskólnikov

A fruição espasmódica dos parasitas não cessa nem refreia perante à vergonha. O torpor, a exaltação e a ansiedade, traços permanentes de suas almas obsessivas, arrojam-nos para as extremidades, confessando nos olhos deles o ódio e a mordacidade dos monstros. Sublevada a sensibilidade, têm no mundo o principal objeto para o exercício do gozo cujo ponto final é o tremor revelador do alívio, e vêem nas putas e ébrios, em que a oleosidade do dia inteiro grudada à testa denuncia a mundaneidade, a materialização do ideal etéreo abrigado nos corações fantasiosos dos poetas e homens letrados. A náusea metafísica solapa a paciência que até então guardara para tratar com as conveniências; então, lidando com o que lhes circunscreve como moralistas severos, recresce-lhes no espírito uma obscura vontade de vazão, de escoamento. Aflige-lhes, portanto, uma fantasmagoria, uma fábula soturna de cujo enredo extraem-se as patologias de uma deplorável doença terminal: e assim descobrem o cancro que lhes entremeia as ideias, decaindo no âmbito de suas vidas o temor a Deus. Nada, a eles, parece transgredir leis, a tudo buscam justificar discorrendo palavras que se arvoram sérias, conectando absurdamente proposições extravagantes num consistente fio lógico. Ora, o homicídio cruel, mesmo o genocídio, transtornam-lhes à fisiologia, de modo que passam a sentir o mundo a partir de sua imagem figurada, ou como sempre proferem, artisticamente. Disso, advém a insatisfação com a mera idéia, a insuficiência da inócua hipótese - amadurecido o desejo de testar a validade das teses fomentadas, jogam-se à práxis, à realização. A depender de como conduziram suas teorias, concluem-nas de duas formas, as mais recorrentes: matando ou tirando a própria vida.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

ZÉ MARIA E LAMPIÃO

ZÉ MARIA VIU A SEREIA NO RIACHO E...

A vida nos traz muitas surpresas. Jorgeval era um professor da rede pública de Sergipe. Ele trabalhava no interior fazia tempo. Conhecia os sertões da fronteira de Tobias Barreto e Poço Verde como a palma de sua mão. Depois da chuva, a terra seca, e com ela vai a esperança de muita gente. No passado a coisa era bem pior. Esses sertões de caatingas e pedras grandes ainda nos contam um pouco da lida do homem do campo, do sertanejo.

Jorgeval vinha de uma escola do interior para a sede do município de Tobias. Ao seu lado, sentado, vinha um homem idoso beirando os 90. Com o balanço do carro Jorgeval desperta, e escuta, sem intenção, uma prosa entre o velho Cocada e um rapaz chamado de “Cosminho do jogo do bicho”. Este fazia banca na Rua Itabaianinha todos os dias, desde que sua amada mãe faleceu vítima da dengue.
- Cosminho põe um real na cabeça! Vai dar cobra! Ontem sonhei com uma jibóia que saía da Lagoa da Porta.
- Seja feito conforme sua vontade! Anotou Cosminho com dificuldade devido o balanço do carro.
- Rapaz, vocês moços de hoje vivem na moleza. Viajam para todo lugar na mordomia. Não sabem o que é poeira na cara ou o que significa andar pelas estradas desse sertão.
- Cocada como era na sua época? Perguntou curioso Cosminho.

Cocada meteu o dedo nas narinas e tirou uma meleca colocando-a no assento estofado do carro. Ajeitou-se no banco, e depois de apalpar suas genitálias, o velho tira o chapéu, mostrando a testa rosada para cosminho.

- Na minha época a coisa era muito difícil; o sofrimento era grande.
- Como assim Seu Cocada, eu não entendo?
- Vou te contar uma estória.
Houve uma época em que Seu Virgulino passava pelo Povoado do Peba. Esse era o nome do atual povoado Monte Coelhos. Lampião tomava umas com seus cangaceiros na mercearia que ficava na esquina da praça onde está a entrada da estrada que vai para a Lagoa do Soares. O estabelecimento pertencia a Seu João. Era uma segunda feira. O povoado estava quase deserto quando as tropas de Lampião entraram no Peba.

O velho Cocada ficou com o olhar distante com o rosto voltado para a paisagem seca cheia de macambiras e juremas de todo tipo. Seus pensamentos voltaram ao passado de sua mocidade.
- Chega minha fia! Passa para dentro!
- O que foi mãe? Disse a moça Telma assustada.
- É Lampião minha fia que chegou!
- Lampião? Quem é Lampião?
- O cangaceiro minha fia.

A menina entrou em casa e correu para a janela para gretar por entre as brechas. Lampião entrava no Povoado Peba com seus homens. Eles formavam uma tropa de quarenta e cinco cangaceiros, todos armados de espingardas e facões. Não dava muito para ver porque a luz era fraca. Os lampiões de querosene não tinham tanto brilho como o cangaceiro.

- Mãe!
- Sim!
- Qual deles é o lampião?

A mãe de Telma olhou por um instante acompanhando a tropa, mas não o reconheceu. Lampião acampou três dias nos arredores do Peba na baixada entre a Rainha dos Anjos e o povoado. A água da terra era muito boa, mineral de natureza, atraía muitos viajantes, entre eles estava o famoso Zé Maria.

- Zé Maria! Que bom que você chegou! Sabe quem está na baixada?
- Não.
- É Lampião. Todo mundo está com medo, sei lá, eles podem fazer um malfeito.
- É Nestor, você tem razão. Chame por Deus, homem! Ele pode nos ajudar.

No outro dia de manhã cedo, Bartimeu, um cangaceiro de Lampião foi ao povoado pegar mantimentos para a tropa: farinha, feijão, fumo, carne seca, e outras coisas. Com ele estavam outros três homens, todos armados.

- Bom dia!
- Bom dia, moço. Respondeu Zé Maria. O herói do Peba tomava a frente quando o assunto era problema.
- Viemos buscar provisão para o patrão. Disse Bartimeu com voz decidida.
- Que patrão? Perguntou Zé Maria.
- Rapaz, não seja besta! Vá chamar o dono da venda!
- O dono sou eu. Continuou Zé Maria mentindo para o cangaceiro.
- Então, moço, encha o saco de feijão, farinha, fumo de rolo, e toda a cachaça que você tiver!
- Como? Sem cachaça nós não ficamos! Reclamou o corajoso Zé Maria.
- Seu atrevido. Respondeu Bartimeu. Bartimeu não era um homem violento, embora fosse cangaceiro, tinha o moço profunda devoção pelo Padre Cícero do Juazeiro.

- Salve meu Padin do Juazeiro, vou derrubar um louco da vida! Após sua breve e fervorosa prece, o cangaceiro abaixa o fogo e tira a mão do gatilho da espingarda.
- Tá bom, moço, ponha o que tiver.

Zé Maria pôs feijão, um saco, farinha outro saco, dois rolos de fumo, e cinco garrafas de pinga serrana.

- Só isso?
- É o que temos moço.
- Que o padin te dê em dobro!

Quando algum povoado atendia bem o coronel do sertão e seus homens, eles davam proteção à comunidade. Mas, lampião não aceitava desfeita. Eram oito horas da noite de terça feira quando lampião e seu bando chegam à porta da capela onde estava sendo rezada uma missa. Os tiros estalavam aturdindo a todos. Homens, mulheres e crianças saíram em uma correria medonha. O corajoso Zé Maria foi ter com o cangaceiro.

- Meu caro Virgulino! É assim que um homem de grande coragem e bravura ameaça a capela de Maria?
- Não seu moço. Minha pessoa não veio desafiar as forças da Santa, venho em busca de um tal Zé Maria que me fez um agravo. Zé Maria disse: “Sou eu”.

Sob os gritos do povo apavorado lampião leva Zé Maria amarrado pelas duas mãos até a baixada. No acampamento deixaram o homem preso e foram ver o que fazer com o coitado. O seqüestro de Zé Maria abalou não só o Peba, mas, toda a Vila de Campos. O quartel que ficava na Sete de Junho foi acionado e tropas a cavalo foram no encalço do cangaceiro. Telma, no povoado Peba, acendia velas a Santa Maria do Peba para livrar a pobre alma de Zé Maria.

- Será que Zé Maria sai dessa? Perguntou o cabo Freitas ao soldado Chico.
- Acho que não. Eu estou indo com a tropa para não descumprir as ordens, mas, não vou trocar tiro com Lampião, não, tá doido!

Naquela época ninguém ousava desafiar o grande cangaceiro do sertão. Sendo assim, o futuro de Zé Maria era incerto. Então o peba inteiro se uniu para rezar pelo corajoso filho da terra. Havia uma rezadeira no povoado que via o futuro na borra de café. Na visão da mulher Zé Maria seria esfaqueado. A notícia correu o povoado apavorando ainda mais as pessoas. Na manhã do dia seguinte, os sete maiores cangaceiros de lampião e o próprio formaram um tribunal sob os olhos dos outros homens para julgarem o agravo de Zé Maria.

- Quer dizer que seu nome é Zé Maria! Um homem macho com nome de mulher! Disse seu Virgulino.
- Não de mulher. De uma Santa.
- Mas, você não é santo seu atrevido. Continuou lampião.
- Sua pessoa acha certo maltratar essas pessoas?
- Deixa de ser insolente! Eu não machuco gente inocente! Agora sua pessoa vai pagar o agravo que me fez. Lampião saiu e desfez o conselho. A decisão foi amarrar um peso de trinta quilos ao pé do homem, e soltá-lo na mata, depois da estrada que vai para Olindina na Bahia. Fizeram a bola de ferro e a prenderam ao moço. Depois um cangaceiro que atende pelo nome de Junco, vazou os olhos do rapaz. Nas matas de macambira com os olhos vazados, soltaram o homem preso a 30 kg de ferro. O coitado morreria em poucos dias.

“Foi uma decisão acertada, patrão. Servirá de exemplo para todos que desejarem enfrentar a força do cangaço”. Disse Corisco segurando seu punhal na mão.

A ferida dos olhos doía mais que o peso amarrado a seus pés. As correntes fizeram feridas em torno do tornozelo direito de Zé Maria, que andava mancando pelo mato entre Itapicurú e Olindina. As horas passaram e se transformaram em dias. Faminto e com fome, andando em círculos, Zé Maria se senta no chão numa fria noite e pede a morte como alívio.

- Mãe! Sonhei com Zé Maria.
- Foi minha fia?
- E como foi?
- Ele estava vindo para a casa. Ele estava muito ferido.
- Que bom minha menina! Que nossa senhora o proteja!

A volante formada pelos soldados da Vila de Campos não alcançaram a tropa do cangaceiro que desaparecera como fumaça. E não sabiam do paradeiro de Zé Maria. Buscas foram feitas, mas, nada de acharem o corpo ou evidências de seu estado.

Amanhece o dia. Os pássaros cantam alegremente na mata fechada do Nordeste da Bahia. Dentro dela, um pobre herói sergipano, filho legítimo da Vila de Campos, padece de fome e de infecções por todo o seu frágil corpo. Por acaso o homem ouve barulho de água corrente. Por intuição percebe que há um riacho por ali. Tenta levantar-se, contudo, é inútil. O rapaz se arrasta com dificuldade até ouvir mais forte o barulho das águas. A sede era grande, a dor nos olhos maior ainda. Zé Maria bebe água com cuidado, e lava suas feridas. Ele sabia que não tinha muito tempo, suas forças estavam indo embora. O barulho das asas dos urubus que voavam pelo local era um mau presságio. A morte estava chegando. Deitado à beira do riacho, Zé Maria invoca a Santa dos sertanejos:
“Salve minha mãe! Ave Maria!
Sou pobre pecador preso ao ferro do cangaço.
Não tenho muita virtude e mal sei escrever meu nome.
Não fiz muita bondade, mas, também não fiz muita maldade.
Rogo-lhe seu socorro, se for de sua vontade.
Não me deixe morrer sem ser enterrado!”

A prece lhe tirou mais energia fazendo-lhe cair inconsciente.

- Telma! O que foi?
- Num sei mãe. Sinto uma dor no peito muito forte.
- Acho que deve ser coisa de menina que está virando moça. Disse sua mãe.

Em pouco tempo, o povoado não lembrava mais de Zé Maria nem de Lampião. Todas as segundas as pessoas desciam a feira de Tobias para fazer seus negócios. É assim a vida, quem vai, foi, quem foi, não está mais aqui. E o resto, todos nós sabemos.

- Mas, Seu Cocada; e Zé Maria, morreu? O velho sertanejo marejou os olhos de lágrimas e tremeu os beiços.
- A lua estava alta no céu quando Zé Maria despertou de seu passamento. O vento frio do sertão não mais o incomodava. Ele olhou para os lados e viu que via. Pegou em sua perna e não havia peso preso. Ao seu lado, estava uma figura de uma sereia que havia saído do riacho. Ela era toda dourada. A luz da lua fazia o dourado ficar mais brilhante. Ela estava deitada à beira do riacho. De sua boca saía um cântico lindo, lágrimas caíram de seus olhos. O rapaz via tudo atônito, sem nada entender. A mulher sereia calmamente desce as águas formando um redemoinho e dele pululavam peixes muitos. Alguns caíram no colo de Zé Maria. “Zé, mate e coma!”
- Quem fala comigo?
- Sou eu. Você não percebe a fumaça do cachimbo?
- Sim, tem cheiro de alfazema.
- Volte ao Peba!
- Para que meu veio, aqui, tá tão bom!
- Telma espera por você.
A viajem de volta foi muito rápida. A estrada estava boa e o rapaz com novos olhos conhecia aqueles caminhos como a palma de sua mão. Numa manhã de sábado, Zé Maria chega ao Povoado Peba e é recebido como um herói. Telma vem ao seu encontro trazendo em suas mãos um prato cheio de cocadas que ela mesma fizera. As pessoas deram risadas. Daquele dia em diante, Zé Maria, se tornou em Seu Cocada. Um homem que nunca mais enfrentou Lampião, entretanto, ninguém daquele lugar conheceu rezador mais poderoso e amoroso como ele. Vinham pessoas de todos os lugares falarem com Cocada. A luz de sua vela e a fumaça de seu cachimbo ficaram conhecidos por toda a antiga Vila de Campos.

Os passageiros do ônibus se calaram. O veículo passa por um riacho de águas cristalinas perto da entrada da Rainha dos Anjos. Ouve-se um assobio vindo de lá. E logo depois o barulho de água corrente. Cocada põe o chapéu de volta a sua cabeça branca, baixa a mesma, e agradece a Deus por tudo. Ninguém quis perguntar nada. A viajem prossegue tranqüila; cada um desce em seu ponto; cada um com seu destino...
Jorgeval desceu em Tobias Barreto. E de lá foi para Aracajú.