quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Inã

Inã

Vó Inã sempre esteve à beira do rio.
Vó Inã lavava os curumins à beira do rio de Oxum.
Eu estive lá, eu vi.
As ondas do rio são serpentes douradas à luz do sol.
Sua água cristalina como o puro cristal.
Natural.
Suas mãos nunca machucaram seus filhos.
Sua calma é como o silêncio de um lago.
Há um canto que acalenta.
Sossega a alma.
Os peixinhos nadam em paz.
Os pássaros pousam e descansam.
A serpente não anda por aqui.
A onça conversa com a criança.
Sinto muitas saudades das bandas de lá.
Vejo a visão que logo desaparece no tempo.
As cachoeiras louvam a mãe da água.
E as águas correm, correm as águas até, sei lá...
São corredeiras e nunca param.
As pedras são nossas estórias.
Umas sabidas.
Entendidas.
Outras, simplesmente perdidas.
Sentidas.
Choradas.
Engolidas.
Esquecidas.
E...
Superadas.
Ou não.
As águas desgastam a terra,
A pedra polida está no fundo do rio.
Vó Inã já foi.
A tarde deitou o sol na cama da noite.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A ópera também se entorta: Don Giovanni (de Mozart)

Dramma Giocoso. Assim é classificada a natureza da famosa ópera Don Giovanni, do famosíssimo compositor Wolfgang Amadeus Mozart em parceria com o competente libretista Lorenzo da Ponte, que estreou em Praga, em 1787. Uma possível tradução desta classificação para o nosso português seria Drama Jocoso, o que já nos coloca na espera de um abrir de cortinas para um enredo com o sabor do olhar torto, afinal, creio que para o torto a vida é inevitavelmente uma tragicomédia convidativa, um drama jocoso.

A protofonia (introdução) já nos golpeia com um andante denso, aterrador, um drama que remonta à cena final da ópera, um banquete em que o Comendador, assassinado por Don Giovanni, retorna do reino dos mortos em forma de estátua e o carrega consigo para um abismo infernal, e se encerra com um allegro, enérgico, errante, jocoso. A minha leitura desta deliciosa abertura é a voz do próprio Mozart a nos sussurrar “sentem-se à mesa para este banquete os tragicômicos por acaso e convicção”.

Logo em seguida, Mozart nos apresenta a primeira cena, à qual me aterei para apresentar minha observação musicológica interessante ao olhar torto. O início da cena nos mostra Leoporello, criado submisso de Don Giovanni, cuja classificação vocal é baixo, reclamando com uma raiva ingênua e cômica de sua situação de servo e, naquele momento, sentinela, de um senhor tão libertino, ou, como o subtítulo da ópera nos sugere, tão dissoluto. Este senhor libertino, que é um papel para um barítono, tem ares de perverso, mas é facilmente notado como um reconhecedor, mesmo que cínico, da lei. Ele salta de uma janela em que supostamente havia entrado para cortejar a jovem nobre comprometida Donna Anna, voz soprano, que o acompanha aos gritos de repúdio, ao meu ver, carregados de um desejo indesejado. Abre-se um trio em que se harmonizam desorganizadamente ( graças à competência de Mozart) a discussão de Don Giovanni com Donna Anna e a reclamação do agora escondido Leoporello. Ao ouvir a euforia, o Comendador, pai de Donna Anna, um baixo de voz aconselhavelmente volumosa, imponente, imperativamente normativa como a lei, corre em direção ao dissoluto afim de desafiá-lo a um duelo de espadas. Don Giovanni, após uma tentativa persistente de evitar tal confronto, acaba sendo obrigado a agir em legítima defesa, ferindo fatalmente o Comendador.

Após o golpe mortal desferido contra o Comendador, abre-se um novo trio, mais uma vez contraditoriamente, em texto e música, harmônico entre Don Giovanni, o Comendador e Leoporello, ou seja, um barítono e dois baixos, um trio grave como a situação. Enfim, a cena se encerra com a chegada de Don Ottavio, noivo de Donna Anna, um tenor, um bom moço que jura vingança em nome de sua bela amada e há um dueto entre os dois.

Cabe-me agora, para enfim finalizar e demonstrar o principal objetivo do texto, analisar brevemente o porquê das vozes que representam as personagens. De maneira muito breve, a classificação vocal masculina vai do mais grave (baixo), passa pelo médio, nem tão grave, nem tão agudo (barítono) e, enfim, ao mais agudo (tenor). Ora, Don Giovanni, nossa personagem principal, é um barítono, e não tão por acaso não é grave e somente grave, como o trapalhão e submisso Leoporello, e como o pai, a lei, o Comendador. Nem é agudo e romanticamente perfeito como Don Ottavio. Mas é um compêndio dos dois, sem ser os dois. É levemente sublime e grotesco, e consegue se harmonizar, mesmo que em contraponto, até mesmo com o soprano (voz feminina aguda). É um belo exemplo do neurótico alado. Ele se vê obrigado a negociar com a lei, mas consciente de que a negligência traz consequências, como nos mostra o final da ópera. Ele é estrategicamente barítono porque submeter-se sem análise à lei é ser agudo demais e dribá-la sem reconhecer seu preço é cair no grave baixo, ou seja, ele e sua voz são essencialmente um diálogo e não um partidarismo sublime ou grotesco por excelência.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Defloração Torta 1

Já que não possuo deveres para com a humanidade, senão a manifestação hipócrita de uma compreensão que não ostento, pois, apesar de sempre abrir os meus ouvidos para aquele que me fala, a minha boca se enche de saliva por tanto querer cuspir-lhe bem no meio do rosto, vejo-me na obrigação, pois, de soltar a língua e denegrir essa espécie da qual, por infelicidade, também faço parte.

Sinto pena daqueles que se reúnem em grupos com fins filantrópicos, uma vez que o seu corpo, embora composto por uma maioria fétida, será moldado por algumas pessoas detentoras de certa seriedade que, mesmo que ligadas inconscientemente a uma razão de ser que busca o enlevamento de suas individualidades, sendo aquele grupo do qual faz parte um artifício que lhes serve de degrau na busca por poder, a corja dos que não sabem dissimular é fator que recorre em tais grêmios da insolência declarada, não sabendo esses discriminar a arrogância branda feita por detrás de máscaras, da escarnação de arrogância imoralmente praticada aos olhos dos que sabem observar.

Não minto que me alegra ver as famílias felizes padecerem em brigas que se dão em alto tom, garantindo-me mais regozijo quando, furtivamente, a mão do homem bruto e másculo, predominante sobremaneira nessa terra tropical, acerta em cheio a cara imunda da sua mulher falastrona de pescoço gordo que, largando mão dos afazeres domésticos ou da busca de posição no mercado de trabalho, fica de esguelha na janela, observando, ao velho modo brasileiro, as vidas das pessoas que passam pelas ruas sem que percebam quão miseráveis são aqueles que lhes miram com os olhos da inveja e do desdém.

Dá-me ânsia quando vejo essas pessoas frente as suas casas, firmando, não obstante, o pensamento de que me asseguro para olhá-las com fisionomia também hipócrita, já que, como disse o bom poeta, também devemos aprender a ser feras. E sempre há aquela cordialidade imunda e empoleirada dos domingos monótonos, um boa tarde de soslaio e desconfiança pois cada um é cônscio das dimensões do seu terreno imaginário, a gratidão que se faz impaciente quando esta é feita para desejar-nos votos de confiança e amizade sincera. Aceito a tudo isso com os bons modos que me foram ensinados no cômico e magistral circo da vida, tanto que quando passado esse momento de desconforto com aquele que me pára para desejar o que quer que seja, por ter sido tão bem educado, sinto dificuldades em reassumir uma postura verdadeira e coerente para comigo mesmo, não à toa sempre me flagro tentando ludibriar-me com pensamentos que beiram o entendimento com o meu próximo, sempre pronto a dar-me punhaladas, deixando eu de ser tão ordinário quanto são eles.

No entanto, percebo que há algum prazer no fato de ser ordinário, pois, diferente dos que são ordinários de maneira não pensada, sou um ordinário por não me destituir das minhas faculdades racionais; ou seja, utilizo-me de algo que me fora mostrado com as peçonhas do amigo próximo para, sem que ele perceba, possa lhe devolver as mordidas com a mesma, senão mais, força com que me mordera. O bom viver exige o hábito da selvageria recíproca; aqueles que não se sentem confortáveis em aprender isso, creia, estarão passíveis, irrevogavelmente, de serem boas bestas na vida; atuarão como Édipo no seu trágico destino de parricida e incestuoso: meros artífices nas mãos dos deuses-homens.

Daria infinitas linhas se me propusesse a contar o que penso sobre meu semelhante numa só tacada, porém, como se quisesse definhá-los pouco a pouco num processo de defloração onde a vítima está dormente para não morrer de dor, prefiro optar pela calma e lhes arrancar a pele de suas vaidades paulatinamente.

Tá dito, se bem que as bestas que estão sendo atacadas não terão inteligência suficiente para entender as palavras desse texto. Pouco me importo com isso; leiam, debatam entre si por que são tão idiotas; conspurquem-me com as suas opiniões infundas e ralas; chamem-me de despótico, integralista, nazista, xenófobo, racista, ou qualquer coisa, mas saibam que continuarão, embora os ataques que a mim dedicam, sendo as mesmas bestas de sempre!

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Torto e humano demais (por Vina Torto)

Quando eu escrevo em meus textos que o torto transita entre a sua necessidade constante de expressar seus desejos (valores, subjetividade), e entre a sua consciência do inevitável limite dado a esses desejos (lei, objetividade), eu não quero propor uma garantia de relações meramente harmônicas entre esses dois universos. Apesar de mostrar que o torto busca lidar de forma diplomática entre os distintos objetivos encontrados entre esses dois pólos, eu não quero acreditar que o torto lida sempre de forma estável nessa relação.

Primeiro eu gostaria de dizer que o torto é um humano, e assim como qualquer humano, possui seus preconceitos. Apesar do torto saber que não existe nenhuma verdade única, o torto, assim como qualquer agente submetido aos modelos morais estabelecidos pela sociedade, possui suas classificações como padrões do que seja certo, e do que seja errado. É por ter essas classificações infiltradas nele que o torto, por se encontrar tão habituado com elas, muitas vezes nem se apercebe que essas classificações não passam de convenções, e por isso mesmo são refutáveis. Nesse instante é que o preconceito se revela.

O preconceito se revela por que o torto por ser humano, inevitavelmente é carne, alma e sangue transitando por suas veias, e que por isso mesmo, o torto em seu momento de impulso, pode se esquecer dos seus ideais encontrados por ele em sua forma de pensar o mundo e estourar, brigar, gritar, ofender. Pois, se por um lado, o torto busca respeitar os valores do outro, por outro lado, ele busca se fazer reconhecido ao outro, visto que o torto, por também ser produto do meio, é a projeção do outro, e, portanto, exige os seus valores também.

Quando o torto acha que o outro desrespeitou seu espaço, ele reage. Porém, é bom ressaltar que o torto não desliza em suas próprias convicções apenas quando ele percebe que o outro invadiu seu espaço. Pelo torto possuir também suas classificações, inevitavelmente ele aprova ou reprova determinadas condutas, e por isso mesmo, ele não está livre em ser inconveniente, falho, mal educado e impulsivo, invadindo também o espaço do outro.

A diferença é que, mesmo não estando livre em falhar com o outro, o torto admite que, mesmo não aceitando determinada conduta, ele, assim como qualquer outro indivíduo, não detém a capacidade de possuir uma verdade plena sobre as coisas. É por isso que, mesmo sendo capaz de criticar a postura do outro, o torto sabe que, assim como aquele a quem ele direciona sua reprovação, ele também é um sujeito frustrado que critica o outro justamente por também ser um idiota que não passa de um ser errante de si mesmo.

Apesar do torto propor ajustes em lidar com sua vontade e com os limites dados a essa sua vontade, ou seja, de propor um relacionamento harmônico com os opostos; o torto, por possuir classificações, também assume muitas vezes uma postura que não consegue ser condizente com a relação que ele mesmo justifica como positiva em seus argumentos, afinal, o torto é humano demais.

sábado, 26 de dezembro de 2009

O torto e a hipocrisia benéfica II

Ao conversar de forma breve com o meu querido torto Josué Maia sobre o texto que publiquei chamado “O torto e a hipocrisia benéfica”, eu percebi que havia deixado um ponto sobre a hipocrisia benéfica ausente em meu debate, mas que venho tentar esclarecer nesse texto revisado.Como bem observou Josué Maia, o fato de entender a hipocrisia benéfica, não quer dizer que toda ação deve ser hipócrita, nem muito menos em afirmar que toda hipocrisia é benéfica.

Mesmo eu insistindo em dizer que o torto em determinadas situações, encara que, as ações devem ser hipócritas, pelo fato do torto ter consciência de que muitas vezes, faz-se de profunda importância estabelecer relações que não provoquem reações conflitivas entre os sujeitos; é claro que nem todas as ações do torto deverão ser hipócritas, até por que, por também prezar sua postura independente de encarar a realidade, o torto sabe que também ele tem que se utilizar de sua própria opinião sobre o mundo.

Uma coisa é optar por não expor a sua própria postura sobre o que ele pensa em relação a determinado valor; outra coisa é o torto ter que se sentir obrigado a anular as suas opiniões em prol de uma vaidade alheia. Não é por que o torto, por ter agido de acordo com que as expectativas exigidas, que obrigatoriamente tenha que se sentir no dever de não expor a sua própria opinião sobre as coisas.

Uma coisa é respeitar os limites dos valores infiltrados pelo outro; outra coisa é se submeter aos valores do outro. Uma coisa é respeitar a condição alheia; outra coisa é ter que se calar por um respeito ao outro. Não é por que na hipocrisia benéfica, o torto busque manter uma negociação mais diplomática com os agentes envolvidos na relação, que necessariamente, ele vai deixar que esses agentes sejam capazes de esmagar a sua forma de conceber a realidade.

Inclusive, posso dizer que, não é por que o torto admite que o outro se encontra submetido aos padrões de conduta e aos tabus, que necessariamente o torto não possa em algum momento, romper com essa negociação. Apesar de reconhecer que o fato de negociar com os valores dos outros de forma altera, implica em uma postura madura de conviver com as diferenças, o torto, assim como qualquer um, tem sentimentos de raiva, de ódio, de cansaço, e que por isso mesmo, não está livre de deixar a hipocrisia de lado para partir de forma explosiva em sua relação com o outro.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

O Neurótico Alado (Protofonia)

“Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.”(Drummond)

Enquanto os homens assistiam à final da copa do mundo, Gabriel e Lúcifer divertiam-se assistindo a todo o mundo. Começaram então um jogo de conjeturas acerca da liberdade humana, em que a ordem das falas não alterará o produto.

- Livre, o homem sobrepujaria as glebas do seu feudo interior, e apenas a senhor se prestaria!
- Sim, mas você há de convir que mesmo esta liberdade deste ser sobrepujante implica uma referência convencional. Aliás, lembre-se que para que exista, por exemplo, o poder, deve-se existir necessariamente o outro.
- Pois é, pensando bem, o meu ideal de homem livre é um balão cheio de si e de ar pelo céu, mas sempre com uma corda que o prende ao chão.
- Quase perfeito! Mas lembre-se que, mesmo sem cordas, os balões sempre cairão um dia ao chão. E convém levar-se em conta que boa parte da graça de voar seja observar privilegiada e distintamente a terra.
- Isto mesmo! E notar-se a intrigante consideração lexical que nos esclarece vir da palavra húmus o vocábulo humano, e que o caminho de Cristo, um dos homens mais falicizados da história, era o da humildade, ou seja, o de estar atento ao status humilhante, ao status húmus a que o homem sempre estará fadado a retornar, e do qual sempre renascerá, por estar preso a esta recorrência eterna.
- Bravo! E que considerar significa juntar ao sidus, à estrela. Ou seja, é elevar o ser amado à dignidade da altura das estrelas, para que esse se perceba distinto do seu semelhante, tão grão de húmus quanto ele.

(Neste momento, um homem curioso interrompe a epifania):
- Agora eu pergunto a um anjo torto, ou seja, a qualquer um dos dois; e quanto a estar em cima do muro?

(A que um deles responde. Não importa o qual pois os dois são diferentes entre si, sendo entre si os mesmos):

- O folclore nos adverte: quem fica em cima do muro toma pedrada dos dois lados. Mas devo contribuir com um olhar elaborado um pouco diferentemente. Estar em cima do muro, além de nos permitir enxergar muito bem os dois lados, deixa-nos num estado de tensão essencial para que nos equilibremos e não caiamos em nenhum desses lados. Pois há o prejuízo da queda em qualquer um dos dois. Ou seja, estar em cima do muro é uma estratégia inteligente, pois nos obriga a dar-nos atenção exagerada a nós mesmos, percebendo-nos e considerando-nos saudavelmente limitados perante a existência e a situação também desejante do outro.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Da Excrescência

Sempre resulta das conversas que estabelecemos em determinadas ocasiões, a depender do nível do colóquio, uma pontada de agonia que quiçá se resumirá, quando sozinhos com os nossos pensamentos, numa transmutação do sistema de discurso ideológico ao qual defendemos, por mais difuso que este seja; podendo, assim, o nosso olhar, se convergir a uma nova óptica de se encarar uma dada problemática. Esse processo ocorre com assiduidade no decorrer de nossas vidas e é através dele que desenvolvemos o senso crítico que, mais a frente, irá se cimentar de tal maneira, virando, quem sabe, por menos razão que tenhamos, um paradigma internalizado, de maneira intransmutável e orgulhosa, em nós mesmos.

Percebemos esse fenômeno mais acentuado nas pessoas de idade adolescente, por ser um período onde a nossa sensibilidade, que é garantida pela carga de responsabilidades que recebemos e pelo afloramento de nossa faculdade sexual, é recrudescida e pautada, sobretudo, numa vontade de reconhecer o meio no qual se está inserido e os processos biológicos que se dão no corpo. Observamos uma recorrência de casos de inaptidão a essas metamorfoses, o que coaduna para que vejamos o desenvolvimento de patologias de enfermidades ligadas a estes casos de desnivelamento psíquico, motivados pela inaptidão, que se dá em alguns jovens.

Podemos dizer que nesse período de pubescência a máscara do que fora assimilado por nós, sempre educados por via do moralismo maniqueísta cristão, vem abaixo, não de maneira literal em alguns casos, mas, de acordo com o amadurecimento, em qualquer pessoa, surgem-se indagações que são motivados pelo instinto humano de querer descobrir o que, para si, é desconhecido. Sofremos também com o impacto de novas disciplinas que, em tese, nos exige mais raciocínio e mais precisão da nossa faculdade criticista. Somos submetidos a desenvolver textos, a fomentar idéias, a discorrer para outras pessoas sobre aquilo que acreditamos e julgamos ser mais conveniente, enfim, o próprio mundo faz com que cresçamos de qualquer jeito. Sobretudo quando saímos do ensino fundamental e adentramos no médio ou colegial, onde começam a aparecer o dissabor das fatuidades mais sérias, período no qual os nossos pais já nos cobram resoluções sobre o mercado de trabalho sem que nem saibamos ao certo o que é ser, por exemplo, um engenheiro ou médico ou advogado, pois são realidades distantes do nosso dia-a-dia e, por mais vontade que tenha uma pessoa em exercer qualquer que seja a função, são cultivadas nas cabeças desses jovens de maneira voluntariosa para os cultivadores e involuntária para eles, que atuam como meros agentes passivos.

Não bastasse o mistério do envelhecimento, tratado como mera causa ocasional que se dá num período rico, a adolescência, e não abordado como um processo factível e concernente a uma idéia primária de morte dos nossos corpos, com a chegada no terceiro grau, eis que se aparecessem novos fantasmas para nos tirar o sono. Muitos desses fantasmas são garantidos pela subserviência que os filhos devem prestar aos pais que, sem que o jovem tenha maturidade suficiente, idealizam um mundo que lhes fora negado para a vida dos seus filhos. Por mais bem intencionados que sejam os pais em fazerem isso, não é difícil de se concluir que é uma atitude errada, pois os processos formacionais tanto de um como de outro são diferentes. A conjuntura social, assim como as individualidades, são líquidas, concatenam-se de acordo com aquilo que se é vivido a uma época, restringindo acesso ao que se necessita para o apaziguamento entre ser e meio, não sendo imprescindíveis ao estabelecimento dessa harmonia os jargões que perfizeram o espírito de um tempo que ficara congelado nos livros de história. Então, aparecem o contato com teorias, as dúvidas sobre as áreas por que optaram, a fecundação de idéias, as dúvidas de cunho essencialista, os sentimentos de reclusão, as paixões e um quinhão de outros fatores.

Embora tenha dito mais acima que algumas pessoas internalizam idéias que para si são irrevogáveis, vale esclarecer que, mesmo que elas não exteriorizem o contrário do que dizem, a refutação ao seu sistema também dorme em si. No entanto, valendo-se da hipocrisia e não querendo abrir mão do orgulho que carregam, fator que prepondera nas nossas vidas, essas mesmas pessoas designam o que falam como se fizessem disso uma égide onde jaz a verdade absoluta. Mas, creia, não ser passível aos de opinião forte, é um grande acerto, pois, na verdade, quando somos passíveis, estamos nos passando por cobaias de sistemas dos quais os seus próprios inventores não acreditam; em termos mais claros, estamos nos passando por bestas.

Verdade é que todos passam pela vida como bons céticos hipócritas, que por sobejarem alguma lucratividade ou posição, dizem ser favoráveis a sistemas idiotas que, apesar de defenderem o apaziguamento do qual já fora falado, segmentam em novas classes, o que gerará mais pré-conceituações, uma sociedade que em si, por essência, já é segmentada, afinal somos todos universos ocupando uma posição central, porém girando em torno do próprio eixo, e achando que os outros universos, as outras pessoas que não são diferentes de nós, também giram, só que em volta do nosso mundinho.

Conclui-se, portanto, como o bom observador já se valera, que a excrescência, tema do qual falamos, nada tem a ver com o metacomicismo, uma vez que este primeiro é uma fase que, depois dum processo de amadurecimento racional, se dará de maneira antecedente ao último, sendo que ambos, por mais que sejam imanentes a nós, não chegarão a ser percebidos por todos, por exigirem de quem os percebe certo grau de abstração. A excrescência não é a risada metafísica devido ao fato dos segmentos racionais não fazerem sentido, é, sim, a identificação desses segmentos por nós, o que resultará na frustração por não sabermos usá-los, já que, como fora abordado, apesar de ficarmos dando voltas em torno do nosso egocentrismo, sempre estaremos oscilando em se tratando de idéias. O liberal já foi conservador, mesmo que não deliberadamente, assim como o conservador quase sempre é um liberal, pois desde que lhe prevaleça, vale tudo.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O torto e a hipocrisia benéfica

Se tem uma coisa que seja capaz de irritar o torto, essa coisa se chama liberdade sem limites. Apesar do torto buscar sempre justificar para si mesmo que a independência é algo enriquecedor para ele e para qualquer sujeito, uma vez que o pensar por si mesmo, possibilita com que ele re-questione a realidade na qual ele se encontra, desnaturalizando assim, as verdades que nos são impostas, a liberdade prezada pelo torto é a liberdade convencionada.

Por outro lado, se há outra coisa que seja capaz de irritar o torto, essa coisa se chama total submissão às leis. Apesar do torto admitir que as leis são importantes para proporcionar uma organização de sentidos entre as pessoas, ele admite que as leis, por mais verdadeiras que possam parecer, estão sempre prontas para serem refutadas, uma vez que as leis, não passam de construções subjetivas. É devido a isso que o torto preza pela possibilidade de viver livremente, porém, de forma que não transgrida as normatizações impostas pela sociedade.

É pelo torto saber que, por um lado, nega a total submissão, e por outro, nega a total independência, que ele preza pelo exercício do que nosso querido torto Josué Maia chamou de hipocrisia benéfica. O que seria isso? Para mim, a hipocrisia benéfica, traduz-se como uma autonomia de etiqueta. Ou seja: na hipocrisia benéfica, o torto admite que apesar de ter suas opiniões, inevitavelmente ele é produto do meio, e que por isso mesmo, ele necessita se ver pertencido a esses padrões que ele mesmo condena, e para se sentir pertencido, ele tem que se utilizar também das etiquetas.

Portanto, a hipocrisia benéfica é um exercício consciente do torto em saber que, apesar de ter como qualquer sujeito, sentimentos relacionados à raiva, ao ódio, etc, inevitavelmente ele cria expectativas para os modelos de comportamento impostos por essa estrutura, e que, portanto, cabe a ele saber buscar recursos que são estipulados pela ética e pela moral com o intuito de tornar sua relação com o outro, a mais benéfica possível.

Não que a hipocrisia benéfica signifique uma tentativa de anular os conflitos, uma vez que, se para o torto, a subjetividade é algo inerente ao indivíduo, obviamente que os conflitos são inevitáveis em qualquer relação; porém, o torto sabe que ele se encontra submetido aos padrões sociais, e que assim como qualquer outro, ele cria expectativas em relação aos padrões de conduta instituídos por essas convenções.O torto ao exercitar a hipocrisia benéfica, por se ver submetido a uma lei, a uma convenção, ele tende a ser hipócrita, utilizando-se ao mesmo tempo dessa hipocrisia, para evitar colisões com o que os cerca, mantendo assim, uma postura benéfica.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Entortando o Movimento

O Movimento Torto é um universo que comporta diversidades. Obviamente que isso não quer dizer que dentro do Movimento, não se possam encontrar divergências entre os indivíduos que o compõe, porém, essas divergências são encaradas sem posturas excludentes. Mesmo que alguns dos tortos não compactuem com determinados pontos de vista, por exemplo, eles estão cientes de que cada um possui a sua razão, e que essa razão, deve ser aceita, por mais que não seja apoiada por ele.

Infelizmente, os Movimentos tendem a insistir a todo custo em uma bandeira a ser levantada. Se determinado sujeito diz pertencer ao partido X, por exemplo, na maior parte das vezes, ele tem que se ver obrigado a concordar com as pautas decididas pela instância superior desse partido. A idéia de um líder, de uma hierarquia superior, inexiste no Movimento Torto. Para o torto, ninguém é capaz de deter a verdade a ponto de se sentir no direito de exigir aos outros a aceitação dessa verdade, uma vez que para o torto, o indivíduo é dotado de subjetividades, e, portanto, predisposto a erros e acertos.

O Movimento Torto acredita que o líder possui uma verdade que tende a ser legitimada apenas em determinada circunstância, mas que essa verdade tende a ser refutada em momentos posteriores, uma vez que, as verdades são resultados das necessidades sentidas pelos indivíduos em determinadas ocasiões. É devido a isso que o torto se nega a se apoiar em um líder como se esse líder fosse algo sagrado e eterno.

Porém, não é por não conceber a idéia de um líder no Movimento, que o torto não admita ter suas verdades, uma vez que, o torto inevitavelmente vai ter uma opinião formada sobre determinado assunto. Porém, o torto tem convicção de que essas verdades podem ser refutadas, visto que as suas afirmações não passam de valores encharcados não só de comprovações, como também de sentimentos e de preconceitos. É por isso que, se por um lado, ele acredita que os indivíduos são lideres de si mesmos, uma vez que, qualquer indivíduo possui suas próprias verdades, por outro, o torto nega aceitar a idéia da existência de um único líder, visto que, ele não acredita na possibilidade de alguém deter uma certeza plena das coisas.

Eu acredito que o grande ganho do Movimento Torto se deve ao fato de mostrar as pessoas o quanto às diversidades e as divergências de opinião podem conviver em um mesmo território. Infelizmente, o que percebemos atualmente é que cada indivíduo busca intolerantemente, defender-se em seu grupo, negando aceitar as opiniões que não condizem com suas expectativas. O grande problema é que, enquanto certos Movimentos dizem lutar pelo direito das pessoas, o que notamos é que os membros que os compõem, sequer entendem o que seja direito, afinal, se entendessem, eles não precisariam assumir posturas isolacionistas e excludentes diante do outro para defender suas “Verdades”.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

"Ego Torto"

Hoje venho compartilhar uma poesia feita em homenagem ao meu grande amigo e colega de movimento Vina Torto. Faço questão de publicá-la até porque ela reflete uma grande projeção minha do que é ser torto.

"Ego Torto
EU não me mereço
Eu me entendo a tapa
Suporto parcialmente todos,
Mas meu ego, torto,
Não me prende a nada

Retratando a obsessão
Com procedimento às mãos
Fluem em híbridas vias vãs filosofias quebradas ao chão

Deixa eu no meu cantinho
Ponho em meu cachimbo
Meu e vosso amor

Acredito num futuro
Certo sendo incerto
Um escrever no escuro
Um não-verso poético

Sou id e aquilo
Possuo, liberto
Desfilo as cores do esboço que fiz
Dos quadros que não pintei
Do que escrevi e não li"
(Josué Maia)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Aspectos tortos em Machado de Assis

Machado de Assis, o mais lido dos escritores brasileiros, teve a argúcia de contestar em prosa os rumos que norteavam uma sociedade que, ao seu tempo, ainda mais que agora, sofria com a sua condição de colonizada e com o devotamento que prestava às convenções européias de como se pensar e agir, o que se evidencia através da literatura que àquela época era construída e da forma de se observar às relações e à sociedade em geral das pessoas. Destacado como um célebre romancista da escola realista, como é próprio a quem escreve, nos seus primeiros passos na literatura, estabeleceu uma estadia rápida no dorso da poesia, chegando a organizar um tomo de poemas ao qual atribuíra o nome de Americanas. Não mais disposto a fomentar o que pensava à moda de como fizera Novalis, sendo um dos seus precursores Homero tal como os conhecemos hoje, mesmo sabendo de uma preexistência desses, dos versos, como nos mostra Aristóteles na Arte Poética citando, dentre outras formas, a aulética e citarística, Machado os abandona e parte, de maneira definitiva, para a prosa, escrevendo os seus primeiros romances ao estilo romântico os quais, devo dizer, ainda não os li.
Fator marcante nas suas obras – não sei nessas do seu período romântico – é algo que aponta para o ceticismo, como se, através da dúvida, quisesse nos esclarecer, de maneira pedagógica até, o que se vivera no início do século 20 que, ocultando poucos aspectos, ainda se mostra muito vivo nos nossos dias, como se tivéssemos conservado-nos na monomania, entrepostos no decorrer de cem anos como um pendulo que não exercera movimento algum, mas ficara estático no seu estado essencial. Artistas que compõem polcas como forma de servir o que se dança e é moda, que não conseguem concretizar os grandes trabalhos musicais que desejam e, quando concretizam, logo se despedaçam por carregarem a mácula da reprodução de outras obras já consagradas; homens, cheios de pretensões e sonhos, trancafiados no cubículo de seus apartamentos, optando por padecer no seu tédio a exprimir as sensações enlevadas que junto a si carregam; um espaço que parece desdizer os preceitos políticos de ordem e progresso, uma vez que, mesmo que institucionalmente pudesse haver alguma ordem e progresso, as subjetividades se encontravam aos pedaços, carcomidas pelo poder inexorável que a soberba e as vaidades lhes traziam; um romance que premedita o futuro de um país que cultua certos valores, como se o que se causa não provocasse nenhum efeito. Mas Machado não se posiciona quanto à moral, prefere calar-se e deixar com que o leitor tire as suas próprias conclusões, rebusque-se em filosofias especulando se Capitu traiu o seu esposo ou não. Porém, pobres são os que se atentam a tirar conclusões como essa, já que o que Machado preteriu ao instaurar a dúvida, fora deleitar-se no logro de suas conclusões antes mesmo de publicar este livro, o Dom Casmurro: rir-se dos que faziam da sua moral o principal centro para se chegar a uma opinião concreta sobre o principal aspecto da trama, a poligamia. Não há a traição ou a falta de culpa, há a dúvida. Cada põe a sua Capitu na posição que lhe parece mais conivente.
Depois de atingida a maturidade, um filho vê-se aconselhado pelo pai. Nada mais o ensina que o que o nosso querido Josué Maia chama de Hipocrisia Benéfica, mas, para ele, é a Teoria do Medalhão. Artifícios de mesa, como termos jurídicos em latim, nomes célebres que foram marcados pela história, modelos imediatos de estar coerente quando interrogado, são os meios que o pai lhe esclarece para que, mais adiante, ele não possa vir a sofre apuros devido a isso. Apesar de não vermos recursos estilísticos que possam nos dá uma visão clara do cansaço machadiano, percebemos, quando amadurecidos os nossos olhares sobre a sua obra, que ele descreve a exaustão, uma vez que não há, como em Dostoievski, caminhos que possam nos levar para uma única rota; antes de tudo, ao que me parece, há a desesperança, há a ciência que subjuga os seus alienistas e descreve, a qualquer modo, as patologias que desejam.
Não consigo enxergar a obra de Machado como um monumento humanista, pois, se isso fosse ela, caberia a esta concepção duas colocações: 1° Quais os limites de especulação sobre intencionalidade de uma obra se o que pensa o autor, que tem a sua própria intenção, não nos é acessível? Portanto, há duas intenções sobre o sentido da obra: a do autor e a do leitor; quando se trata de uma obra que fora traduzida, entra uma que assume um caráter não tão completo quanto esses dois primeiros; como nos diz Deleuze em palavras que eu mesmo desenho, há a intenção que é criada no leitor através do olhar que o tradutor carrega sobre a obra. 2° O caráter cético dá a obra alguma pretensão humanística? Se sim, Rubião, personagem principal de Quincas Borba, que, após deleitar-se no que ofertava a sociedade carioca do início do século passado e submergir-se nas agruras da miséria, teria um desfecho de vida diferente.
Machado, como o Fernando Pessoa, e muitos outros que não me vêm à memória, é um autor que consegue, de certa forma, transcender a perspectiva torta, pois há um desprendimento, um amargor literário que nos condiciona para um lugar que fica mais longe da ficção; muito mais longe da história pela história. Há qualquer coisa de inconcebível e absurdo que sinto inveja por não entender ao certo o que é.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O torto e o metacômico

Na minha concepção, o metacômico é o riso rindo e questionando o próprio riso. O metacômico gargalha ao perceber o quão patética é a nossa crença nas meras fantasias que nos foram submetidas e também criadas por nós. O metacômico pergunta por exemplo: por que eu tenho que temer a morte, se acredito que agora eu estou vivo? Será que não me bastaria apenas viver? Por que eu penso no depois, se eu tenho convicção de que não tenho certeza do que virá?

Ao fazer essas questões, o metacômico se esbalda em risos coloridos de cinismos e de sarcasmos ao perceber no tanto de certeza que investimos em meras convenções que em nada nos justifica enquanto verdades absolutas, mas que ao mesmo tempo insistimos em acreditar nessas verdades, mesmo tendo consciência de que essas verdades não passam de criações. Sob essa ótica, o texto de João Maldito publicado no dia oito de dezembro no site do Movimento Torto, intitulado “Do metacômico”, trouxe-me muitas questões pertinentes.

Porém, ao falar que “o metacômico é maneira de se dar risadas no mundo despido de qualquer roupa, desenvolto de qualquer máscara e despossuído de qualquer rotulação; pois o mundo, em essência, é vazio”, eu tenho que dizer que não concordo, pois penso que o metacômico não acha que o mundo seja vazio. Apesar de conceber que muitas vezes nossa condição diante da realidade esteja submetida a uma lógica de convenções muitas vezes ausente de sentidos mais precisos, o metacômico enquanto gargalha desse aparente clima nonsense, critica e questiona sua gargalhada.

O metacômico acredita que, apesar da nossa prisão parecer tão ridícula diante das convenções construídas por meras fantasias, é justamente por via dessas fantasias que o indivíduo encontra motivos para a realização de seus projetos no mundo. Se por um lado, esses valores parecem idiotas, por outro, eles são de uma importância muito grande para os indivíduos, visto que é por via deles que os homens re-questionam a realidade, e por conseqüência, constroem-na.

Apesar de parecer um vácuo, a inevitabilidade em darmos um sentido ao que seja um vácuo, uma vaca ou um torto, por exemplo, implica termos sentidos que orientam nossas ações, e que, portanto, mesmo as convenções e os rótulos não dando conta de todos os detalhes da realidade, nós só nos sustentamos nessa realidade enquanto indivíduos, por termos em nós, co-existindo com o aparente vazio, a necessidade das rotulações e das máscaras.

E por isso que concebo a idéia de aceitar em minha concepção do que seja torto, o metacômico, uma vez que, assim como a perspectiva torta, para mim, o metacômico transita entre o desejo e a lei. Porém,enquanto a perspectiva torta, ao mesmo tempo que busca sair das convenções para explorar seus desejos e subjetividades, ela submete esses desejos às convenções por saber que, apesar de querer se libertar, ela também necessita de um limite; o metacômico ri daqueles que perdem noites de sono, por se verem aprisionados por uma culpa construída através de uma fantasia mascarada de realidade; mas por outro lado, admite que, apesar das fantasias e das convenções muitas vezes não passarem de besteiras, essas besteiras são importantes para o sentido de valor que o sujeito dá a realidade na qual ele se encontra.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O manifesto torto por Roosevelt Leite

Pensar o torto não significa necessáriamente pensar torto. Sabe-se que literalmente é impossível entortar o pensamento. Então, vejo o torto como algo que veio para provocar reações, fazer o cataléptico mover-se e caminhar com suas próprias pernas, ou melhor idéias. O torto é torto porque foge das convenções, não se obriga a trabalhar paradígmas, nem se desobriga de nenhum dos dois. O torto deixa a mente livre, arejada, para pensar o que quiser, e no quisito arte literária, escrever o que quiser e achar certo. Alguém dirá: Mas isto já existe! Bem, deve existir outros tortos pelo mundo. Que eles se manifestem, escrevam, produzam, e entortem o mundo até mostrar as entranhas, ou melhor, suas contradições. Lembra? Aquelas coisas que estão no nível do inter-dito, do discurso ideologicamente ordenador, provocador de reações condicionadas, de comportamentos padronizados e sustentadores de um discurso base: "Há uma ordem e não um caos". O torto é subversivo, é guerrilha, é destruidor de idéias voláteis, de castelos de chocolate com calçadas de balas. O torto é periferia, é marginal, é burguesia. É todo mundo conversando e vendo o que está, ora admirando-se, apaixonando-se, ora incomodando, cutucando o bicho papão mascarado de messias. É isso, que os tortos apareçam para após nossos colóquios, descobrirmos que pelo menos tentamos dizer algo novo, que hoje é torto, amanhão, como tudo mais, será mais uma palavra dormindo no berço de sua diacronia...

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Caetano não soube entortar

Em novembro deste ano, ao dar uma entrevista ao portal estadao.com.br, o artista baiano Caetano Veloso provocou um frenesi por entre afetos e desafetos, comunidades do Orkut (inclusive as que são em sua homenagem), blogs e etc. A tônica do tumulto foi um trecho em que Caetano dera algumas justificativas da sua predileção pela ex-ministra Marina (PV) na corrida pela presidência: “Marina é Lula e Obama ao mesmo tempo. Ela é meio preta, é uma cabocla, é inteligente como o Obama, não é analfabeta como o Lula que não sabe falar, é cafona falando, grosseiro”.

Não pretendo discutir o governo Lula, muito embora o próprio Veloso o tenha valorizado em trechos como:”Lula é um grande líder populista, mas é mais pragmático (...) Ter tido Fernando Henrique e Lula em seguida é um luxo. Saíram melhor que a encomenda” e até mesmo na sua posterior defesa às críticas: “Sua fala tem competência – e ele, como eu próprio disse na entrevista, é um governante importante”. Portanto, o propósito deste meu texto é discutir a complicação exegética (quase sem querer) que a falta de hipocrisia de Caetano gerou em seus críticos.

Faz-se imensamente importante suscitarmos o seguinte quesito: quem atribuiu a carga pejorativa às palavras analfabeto, cafona e grosseiro; o autor do adjetivo ou o próprio leitor?

Não se trata de cinismo. Apenas proponho a nós, seres que se supõem dotados de capacidade hermenêutica, aceitarmos que o músico baiano quis simplesmente apontar um fato fenomenologicamente constatável: o discurso de Lula é, via de regra, repleto de solecismos e seu recurso estilístico é limitado. O que embasa ainda mais esta constatação foi a comparação de Marina com Obama (famoso também por sua oratória, ou não?) e o fato de o artista não ter depreciado a competência do presidente do Brasil por simplesmente ter uma fala solecista por excelência. Aliás, quem o teria feito não teria sido a própria crítica, enfurecida com Caetano?

Veloso simplesmente não soube se utilizar da, talvez, mais torta das figuras de linguagem, o velho eufemismo. Torta no sentido de jogar com a hipocrisia benéfica, por não se tratar de deixar de dizer o que se quer dizer, mas por de fato dizer articulando-se com as convenções da etiqueta.

Afirmar que o discurso de Lula é estilisticamente fraco e rico em solecismos, mas que isto não necessariamente afeta a sua competência é afirmar o quase óbvio. Faltou ao grande compositor um quê eufemístico, faltou-lhe saber entortar.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Do metacômico

Em virtude dos significados variados que podem ser atribuídos as palavra cômico e meta, é de imprescindível necessidade que o nosso leitor esteja a par do que vem a ser essa nova terminologia que por mim fora criada. Para que fique claro que a intenção do termo não é propriamente confeitar, feito uma guloseima verbal, a minha expressão escrita, advirto que o mesmo fora criado de maneira inusitada; ou seja, transcrevia as linhas que eram formadas pelo meu pensamento, e como forma de hiperbolizar a sensação que queria causar com o que havia escrito até então, objetivando que algum termo de relevo visse a somar-se dando mais força ao texto, veio-me, então, à cabeça tal expressão, que, apesar de ter a sua finalidade concretizada no meu pensamento, ainda não havia sido racionalizada de modo que eu pudesse, caso perguntado, responder com precisa coerência o que vem a ser o metacômico.

O meta cômico, conforme o vejo, tem um sentido, sobretudo, que se caracteriza por ser uma máxima que pode, de maneira homogênea, delimitar, dentro da universalidade, o terreno que é pisado, por exemplo, por cada cultura. Que seja tido como uma ética ou, sendo mais claro, uma moral que se serve de parâmetro às atitudes que devem convergir não à segmentação irracional entre grupos, caracterizada sempre por abusos e hegemonia de poder, mas à compreensão, através da demarcação de vontades, da sujeição das pessoas à determinadas formas de se agir. Não que essas formas não possam vir a ser escarnecidas diante de uma perspectiva de pensamento pessoal, pois podem e é salutar que se faça mesmo isso, uma vez que a frutificação do trabalho racional só se dá através do modelo dialético, o que requer teses e antíteses para se chegar a sínteses que sejam coniventes a subjetividade de um determinado sujeito ou as subjetividades que compõem um determinado grupo – por mais arbitrárias que estas sejam. Mas vai me perguntar o curioso que essa façanha poderia render possíveis desentendimentos, já que, se não me agrada, poderei dar risadas à vontade das ações daquele a quem observo. Parece-me até, de certa forma, supra-humano ansiar que as coisas transcorram tal e qual como se diz, não obstante, ao que me parece, ser a confusão parte orgânica da natureza do homem, nunca tendo, em toda a história que lhe serve de ponteio, passado períodos de paz entre eles. Mas digo que, se curioso for, perceberá que tal modelo descrito até então, requer um mínimo de abstração e enlevo da atividade do raciocínio; em outras palavras, o que conta não são as palavras que me são ditas, mas as possibilidades de tais palavras não me representarem nada. Ora, se me chamassem de cachorro, mesmo que fosse um desconhecido, por que haveria de fazer querela com isso? O homem, que se diz douto, ignora o que não esteja à altura do seu senso de divagação, portanto, este mesmo homem, digno de todas as felicidades que se pode haver na terra, com pouquíssima coisa há de se preocupar, uma vez que as atitudes que estejam abaixo de um piso de discernimento abstracional, podem ser tidas como meros exemplos de como não se deve agir e nunca devem, os que se dizem doutos, fazerem delas motivos para austeridades ou perda infunda e bestial da paciência.

O metacômico, digamos, serve-se de esteira ao deslize sobre a superfície íngreme da grande ladeira que é a vida, atribuída de todos os seus mistérios, desventuras, clímax e afins. O metacômico não é um modelo rebuscado de se olhar a realidade, buscando nele uma tentativa de encerramento das responsabilidades para se partir para uma vida de regozijo na anarquia, levando-se em consideração o sentido pejorativo da palavra; é, sim, uma máxima que tenta esvaziar a bonomia de qualquer que seja o discurso que se profira, pois, nele, nada mais há que uma carga vazia de desentendimento que, em virtude dos modelos de aperfeiçoamento das maneiras de relações entre os homens, se cria algoritmos de conduta que nada têm a ver com as reais necessidades humanas. É preciso evidenciar, mais uma vez, que a sociedade é formada não por classes homogêneas, onde dentro de cada uma serão objetivadas a supressão de necessidades semelhantes de homens destituídos de sensações e sentimentos, mas por indivíduos que se relacionam entre si e, de acordo com os meios com os quais lidam, moldurarão as suas atitudes a eles, aos meios, de forma que nunca se apercebam como estrangeiros, ou melhor, proscritos sob hipótese alguma.

De acordo com o pensamento Torto, o metacômico é a negação de si mesmo por se constituir, também ele, como via de conspurcação do mundo como essência, desprovido de quaisquer descrições que tornem a realidade hiper-real; o metacômico é o único meio daqueles que chegaram, admitamos, ao niilismo rirem da tragédia que é dita por cada boca e que é lida em cada livro. A contemplação, por assim dizer, seria o único meio de se extinguir o metacômico; mesmo assim, desde que fosse a contemplação eterna. Uma ligação íntima faz da morte os olhos de tal máxima, pois, se se vive e fala, é digno de risos. E o meta cômico é maneira de se dar risadas no mundo despido de qualquer roupa, desenvolto de qualquer máscara e despossuído de qualquer rotulação; pois o mundo, em essência, é vazio e, quando chega-se a esta certeza, pergunta-se “O que estou fazendo aqui?”. E, então, entra o metacômico: essa possibilidade de risos existenciais.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O que é ser torto?

Para mim, ser torto não é sair literalmente das convenções. Se a postura de ser torto significasse sair totalmente dos padrões que lhe são impostos, os tortos não precisariam se entortar diante da realidade na qual eles se veêm submetidos. O agir de forma torta implica em negar todas os vícios que, de acordo com o torto, sustentam uma dada estrutura. Por outro lado, o torto adere à estrutura a qual ele condena, uma vez que, o torto admite que, ao mesmo tempo em que pode repensar a estrutura por ele ser produtor de novas idéias, ele inevitavelmente também é produto dessa realidade. Ele critica essa realidade aceitando-a e aceita essa realidade criticando-a.

A partir dessa posição que o torto se encontra diante da realidade, pode o leitor se perguntar: então, em que o torto acredita? Pelo fato do torto cuspir declarando palavras de amor à realidade, ele não acredita de forma definitiva em nada e aceita tudo. O torto não tem como objetivo, levantar bandeiras. Para o torto, não existem ideologias capazes de responder de forma correta e definitiva as contradições que a vida nos presenteia cotidianamente. Ser torto é buscar incessantemente novas questões sobre os valores impostos pelo mundo, e é por isso mesmo que o torto não suporta se encontrar de forma submetida eternamente a uma determinada convicção.
Se for para querer colocar a todo custo o torto em alguma posição, essa posição se chama ambigüidade. Não significa dizer com isso, que o torto fique em cima do muro.

A perspectiva do torto não busca fugir das problemáticas que permeiam o mundo, não é por acaso que o torto manifesta suas criticas e questionamentos para entender as problematizações vividas por esse mundo. Ou seja: não é por que o torto acredita que nada é por todo verdadeiro, que ele não busque encontrar discursos que promovam caminhos, que de acordo com seu ponto de vista, possam ser mais justificáveis que os outros os quais ele critica. Mas é bom lembrar que, não é por que o torto acredita que seu ponto de vista algumas vezes possa ser o mais viável para dar conta de determinadas questões, que o torto necessariamente acredite que o seu discurso seja, de fato, o discurso verdadeiro.

Acredito que o torto é um idealizador descrente. Idealizador por eu entender que o torto acredita que encontra posições verdadeiras sobre as coisas, mas ao mesmo tempo descrente por não deixar de acreditar que a sua verdade não passa de uma mera verdade efêmera de pensar sobre essas suas posições. Enfim, o torto admite que não consegue atingir a verdade absoluta de suas certezas, mas não perde a oportunidade de cutucar o que ele acha que está errado, por acreditar que possui uma postura correta sobre o que ele acredita, mesmo sabendo que essa postura correta, é correta apenas por um dado instante de sua vida. O torto acredita em suas certezas mesmo sabendo que constantemente se perde em suas verdades.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Manifesto por Josué Maia

A química, que eu tanto negligenciara nos meus anos de ensino médio, trouxe-me, nestes últimos meses em que ousei revisitá-la, uma constatação incrível da sábia ambiguidade de que se utiliza por sobrevivência o mundo. E isto em um de seus contextos mais microscópicos: o átomo.

Graças aos estudos de Rutherford e Bohr, sabe-se hoje, numa visão não muito detalhista, porque não vem ao caso, que o átomo é constituído por partículas subatômicas, umas delas se organizam em um núcleo e outras orbitam em torno desse.

Minha curiosidade me levou a um pouco mais profundo conhecimento que me permitiu constatar que o núcleo seria formado de partículas com carga elétrica positiva (prótons) e de outras (nêutrons) que ajudariam os prótons a encontrarem um consenso afim de não se dispersarem totalmente pela repulsa gerada entre cargas iguais (e assim seria possível a existência esse núcleo). Pude constatar também que as partículas que orbitam em torno do núcleo são os levíssimos elétrons, que possuem carga negativa.

Comecei então a tentar aplicar todo o conhecimento num cotidiano macroscópico. O resultado foi um gozo aterrador.

Ora, a natureza, através do átomo, estava me apresentando a própria necessidade humana de ordem e de peculiaridade livre. O Estado, como exemplo de núcleo atômico, consiste num ponto de encontro de todas as demandas e elabora caminhos para tentar atendê-las, para que seja garantido (ou, pelo menos, para que se tente garantir) o espaço de cada homem. Ele nos pede a carga positiva que consiste em declararmos e tentarmos garantir nossos anseios, e pede nossa neutralidade em contraponto, pois precisamos afirmar nossas demandas respeitando a necessidade de existência das alheias. Eis então o jogo dos prótons e nêutrons para a garantia de existência do núcleo.

Porém, a ordem natural deve permitir (e, no contexto atômico, permite) que nossa carga negativa (e aqui entra nossa parte elétron), nossa subjetividade que possa gerar risco ao campo de ação (de qualquer ordem) alheio, tenha espaço. Este nos é dado em forma de órbita, ou seja, fingimos, positivamente ou, pelo menos tomados de uma postura neutra, desvencilharmo-nos do nosso inevitável preconceito, do nosso julgamento parcial, da nossa vontade de acender um cachimbo num ambiente fechado e cheio de egos, admitindo ser este desvencilhamento necessário à possibilidade da ordem de que inevitavelmente precisamos. Deixamos nossas partículas de carga negativa (à sociedade em geral) em casa (numa órbita afastada, porém próxima do núcleo) na hora de irmos ao encontro do lugar da ordem, por mais que elas estejam sempre escondidinhas em nossos bolsos na prática.

Ser Torto, sob meu olhar, é ser adepto, em teoria e prática, desta hipocrisia: a Hipocrisia Benéfica. Sabendo que as certezas são convenções que não passam de nosso medo da inevitável incerteza, porém admitindo a necessidade natural das certezas convencionadas (eu, por exemplo, preciso acreditar que estou ao computador redigindo este texto). Levando o futuro como um não-verso poético, e, portanto, aceitando a possibilidade de daqui a dois segundos outros cientistas redescobrirem o Modelo Atômico com organização totalmente diferente ou de a sociedade encontrar o caminho do átomo de hidrogênio e estabilizar o seu núcleo sem o nêutron, ou até, quem sabe, não mais precisar de núcleos. E então todas as letras deste texto virarem lixo, mas que, mesmo na qualidade de lixo, elas possam compor, em porcentagem ínfima, o mistério de uma nova vida.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Manifesto por João Maldito

Da égide alvorecida dos que descansam em sonhos ternos, descem ao pequeno inferno das certezas arbitrárias os desimportantes grãos-Tortos desacolhidos por um mundo de reis bobos. Atabalhoamento da consciência formada de acordo com o que fora prescrevido por-não-sei-quem. Refutação das máximas incontestes que servem pra-não-sei-o-quê. Filosofismo pedantesco, não menos que os outros, sobre as reverberações de vento que destoam pelo mundo. Liberdade diminutiva ante as possibilidades essenciais que nos são dadas pelo nascimento. Movimento Torto, duas palavras: tudo e nada. Um criar de pensamentos que, sob circunstancias impostas – impostas por quem? –, cessam; mas criar, pois se deve criar; criar, pois o mundo é em branco, e se cria para não sucumbir ao tédio. Mas há mais tédio que criação, há mais tédio que qualquer coisa, e cada olhar e cada gesto é um buraco negro devido a tanto desconhecimento. Segundo penso, assim como pensa quem vive, o Movimento Torto é uma perspectiva ‘patafísica de se chegar ao meta-cômico através dessas inverdades absurdas. Absurdas, sim, absurdas! Tão absurdas quanto às inverdades que nós mesmos, do Torto, criamos. Tudo quanto possa ser dito é um mendigo que, pelas ruas, esmaece em pena; uma vontade frugal de dizer pelo outro; uma tarde de inverno que vai indo embora; uma menina apaixonada que chora pelo príncipe que não veio ter com o seu coraçãozinho sentimental. Observo que o ser torto é, antes, um ser atordoado, que desmerece a sorte do fulano que sorri por estar sorrindo. Ora, não basta a comicidade do erotismo existencial? Qual alegria o quê! Enxertar no mundo é estar livre dele, repousar a cabeça sobre algum encosto e não conseguir o sossego, pois, o encosto no qual se descansa a cabeça, também é mundo e, mundo, creio, é desassossego. Deleitar-se na insanidade desse pensamento que parece e perece são, enaltecer-se como um Dom Quixote por ter lido as vãs filosofias dos filósofos doidos, muitos dos quais já esquecidos conforme prevê o estado da matéria morta, citar Boileau sem nunca o ter lido. Eis o pensamento que, sob sete palmos de terra, escurece dentro dessas tantas cabecinhas sem memória. Circunscrever rotas que descrevem as trilhas do ego, caminhar procurando o novo e coerente, embora haja o destino: é de se rir e excretar nas calças.