segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Um papo com João Paulo

Ontem, ao encontrar com João Paulo no bate-papo virtual, sem ao menos esperar, prolongamos um debate extremamente interessante sobre os usos das praças públicas. Neste texto eu gostaria de abordar sobre essa nossa conversa. João Paulo já foi um dos nossos autores no Movimento. Quem tiver interesse em conhecer suas produções, recomendo que as procure nos arquivos das participações.

Para João Paulo, “as praças deixaram de ser bens que tem como fim o desfrute do povo e passaram a ser um local de passagem”. Ou seja, as praças não são mais espaços que servem para as pessoas se sociabilizarem. João Paulo fez uma observação de que as praças do Orlando Dantas durante a sua infância eram lugares nos quais a gurizada ia brincar e atualmente se tornaram lugares ermos.

A partir dessa observação, eu passei a pensar em quais seriam os fatores atualmente responsáveis pela falta de uso das praças públicas como meios de sociabilidade entre os individuos. O primeiro ponto que eu acreditei ser pertinente se referiu ao individualismo cultural marcante nas sociedades urbanas contemporâneas. Ou seja, no contexto atual, o cotidiano dos indivíduos se encontra marcado por formas privadas de lazer como a televisão, a Internet, etc.

Enfim, pensei que as praças públicas não seriam prioridades, visto que as pessoas com uma certa regularidade, preferiam se relacionar em ambientes mais privados, até mesmo por que a televisão, a Internet, enquanto programações diárias, tornaram-se um hábito cultural. João Paulo refutou em parte o meu argumento com a seguinte observação: “o problema é que sempre existiram novelas e viciados em novelas”.

Mesmo assim, continuei insistindo, e perguntei: “mas será que já não há um individualismo mais consolidado? Ou seja, apesar de saber que sempre houve novelas, o espaço micro nos últimos tempos não tem se tornado mais forte entre as pessoas?”. João Paulo me teceu mais uma observação: “não acho que o problema seja o individualismo, até porque uma praça é um bom lugar para exercitarmos uma de suas variáveis, que é poder sentar-se num banco sozinho ou caminhar solitariamente”.

O outro ponto que eu acreditei ser salutar para entender o despovoamento das praças foi a violência urbana. Em se tratando do Orlando Dantas, o que podemos notar é que ele é cercado por bairros periféricos, o que me fez acreditar que formas de violência poderiam ser geradas por lá e que essa violência seria refletida nas praças públicas.

Porém, esses pontos se tornaram fragilizados a partir do instante em que João Paulo me chamou atenção para o cotidiano do Orlando Dantas. Ele assim se posicionou: “como morador daqui do Orlando Dantas, penso que haja certa incoerência nisso, uma vez que aqui é de certa forma um bairro tranqüilo”. Obviamente que eu levei muito a sério esse argumento, visto que João Paulo é um personagem que vive empiricamente o cotidiano do Orlando Dantas.

No entanto, mesmo reconhecendo uma certa tranqüilidade no Orlando Dantas, João Paulo fez a seguinte observação sobre as praças: “hoje mesmo uns caras estavam se drogando e acenderam a porra de uma fogueira pra fumar crack (...) o consumo de drogas, a meu ver, é um fator relevante”. Partindo desse depoimento, percebi que apesar de tranquilo, as praças do Orlando Dantas poderiam não ser usadas como sociabilidade por causa do medo gerado pela violência, e uma das violências seria a do crack.

Porém, a partir desses dados trazidos por João Paulo, eu continuei a questionar alguns pontos referentes à relação da violência com o despovoamento das praças públicas. A primeira pergunta que fiz foi a seguinte: será que as praças em contextos anteriores eram de fato mais tranqüilas? Em outras palavras: será que não havia outras formas de instabilidade entre as pessoas nas praças em contextos anteriores?

Para esclarecer o que acabei de expor, vou trazer alguns exemplos: nas décadas de ditadura militar, será que aqueles canhões expostos em praça pública faziam os indivíduos utilizarem as praças como forma de sociabilidade de forma tranqüila entre eles? É bom lembrarmos que naquela época todos eram suspeitos. A violência atingia aos hippies, aos usuários de maconha, aos ditos comunistas, etc. É bom lembrar que nesse contexto histórico não havia ainda a hipocrisia do estado de direito. Por falar em falta de estado de direito, o que dizer da era dos coronéis que também mandavam matar indiscriminadamente qualquer pessoa em espaços públicos?

Diante de toda essa reflexão, fiz uma pergunta a João Paulo: “levando-se em conta que a individualidade da televisão já ocorria, e o medo da esfera publica também, o que levou a mudança de usos nas praças?” O argumento de João Paulo foi bastante salutar para essa problemática. Assim ele respondeu: “hoje, sem dúvida, por causa da violência evidenciada por meio do fluxo de informações. O fluxo antes talvez fosse menor. (...) hoje temos, além da tv e do rádio, o pc, nossos celulares com wi fi e os caralhos, um novo jornalismo feito através de blogs, mais pessoas formando opinião e, consequentemente, o alarde quanto a fatos às vezes bestas.

João Paulo e eu chegamos a uma conclusão: a violência e o individualismo alimentados por esses meios de informação justificam a evasão da comunidade nas praças públicas. Esses meios constroem novas formas de violência como forma de controle social, fazendo com que os indivíduos se sintam amedrontados em fazer usos dos espaços públicos. Já a individualização se reflete no acesso mais fácil (o que não quer dizer bem distribuido) em poder adquirir meios de informação, possibilitando um uso cada vez mais individualizado devido a facilidade de compra desses meios para cada pessoa, levando a uma prática cotidiana em priorizar menos as praças públicas.

14 comentários:

  1. olá vina!

    Muito bom os apontamentos de ambos os lados. Um comentário aqui de vcs sobre o falta de socialização nas praças, concerne ao individualismo, n bem individualismo - como bem demarcou joao, ele existe em todo lugar- mas a sociabilidade mais privada, no caso da internet. Como diria Paul Virilio , vai chegar um momento que nas ruas, a congestão de carros não será devido ao seu fluxo, mas a superlotação nos estacionamentos.Pois as pessoas ficarao enclausuradas em casa! que louco isso! ate pq navego na net, troco umas ideias, eu selenciono a quem quero conversar e não preciso tá me expressando diretamente a ela, prático isso não? Talvez, mas esse excesso de sociabilidade privada virtual podera me causar muitos problemas... o tédio seria um deles, sem contar nas dores de coluna, na bunda , nos dedos, nos olhos... a praça me serviria de consolo, como não encontrarei ninguem, nenhum vizinho por ter medo da violencia urbana ou por ser viciado na novela melô das 8, exercitarei tranquilamente a minha anti-socialidade na praça publica. Afinal minha casa estará cheia de gente que não quero mais selecionar, talvez preferirei encontrar ao acaso.

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  2. Vina,
    Ao ler o texto, retomei a minha chegada em Aracas quando morei uns meses no Fernando Collor. Mulher, alta, galega... ou seja, estrangeira... Como observadora que sou, percebi que a praça é um espaço de socialização. Durante o dia havia crianças brincando. De tardezinha, os moradores da rua ligavam a torneira que havia na praça para molhar a grama, enquanto outros variam o lixo. Eles ficavam putos porque os vizinhos liberavam seus bichos para o despejo das necessidades básicas na praça. Havia também muitas pessoas da igrejinha que ficavam em frente a praça esperando os irmãos e companheiros de reza chegar. No final de semana rolava uma feira pública na rua adjacente e a praça ficava tomada de gente e depois era um cheiro de peixe podre com tomate estragado, insuportável. Porém, durante a noite, havia um encontro da galerinha que ouvia um som, ou melhor, um axé no último, tentando se exibir para o vizinho ou vizinha. Outros, logicamente usavam suas drogas... Engraçado que a praça é multiuso, porque rola um compartilhamento socializado, mas, cada grupo a seu tempo. Talvez por ser um bairro em que as pessoas se conhecem, a tiazinha que vai assistir a novela das oito faz isso pois precisa ter assunto para falar com a comadre no dia seguinte no encontro da reza. Mas fico imaginando um bairro sem praça. Independente do nosso individualismo, qualquer imagem de cidade nos remete a uma praça, um puteiro, uma igreja e um boteco, de modo que é difícil conceber uma bairro sem praça. O mais interessante para mim, é que qualquer praça nos remete a um sentimento de liberdade. É sempre bom dar uma volta na praça... é como se expor, mostrar sua cara, bem como conhecer a cara do lugar, pois a praça é um lugar onde todo mundo tá ligado. Tão ligado, que eu não iria sozinha dar um rolê de noite, mesmo que me desse uma imensa vontade, pois as tribos que circulam nesse horário podem não ter as melhores intenções.
    Bacana o papo de vocês...! adorei!
    Bjão! Dani

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  3. Opa, Vina, o texto ficou ótimo; você estruturou muito bem o que conversamos. Certa vez vi um vídeo sobre o Foucault, um documentário na verdade, no qual ele dizia que era preciso uma ciência que estudasse tudo o que há de micro nas sociedades - o que, com efeito e parcialmente, já existe - de modo que, a partir dessas unidades, pudéssemos compreender de melhor forma como nos envolvemos coletivamente. Visto isso, percebe-se assim a riqueza da sociologia, uma vez que quando procuramos fundamentos para o que acontece nos espaços urbanos, mesmo seja apenas uma praça, como a que me refiro na nossa conversa, ampliamos o horizonte das nossas percepções em relação ao que nos circunscreve e nos direcionamos para além de uma visão bifurcada da realidade, posto que quando destacamos mais um caractere que a compõe, a realidade, vislumbramos que a ordem, em si, é caótica.

    João Paulo dos Santos

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  4. Adendo: Tanto há a ordem caótica como há o caos ordenado. Definidos caos e ordem, mesmo que intercalados, como gostamos de afirmar, tal definição demonstra que esta intersubjetividade pode ser mero fruto de interpretações parciais da realidade. Enfim, caos e ordem, bem e mal, internet e praça, são valores que impusemos uma prescrição e, esta, não necessariamente designa um valor superior ou inferior.

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  5. Meu caro vina,
    Me perdoe a franqueza, mas achei esta reflexão uma perca de tempo. A sua conclusão foi muito simplista para amparar qualquer objeto sério de conhecimento. Sugiro apadrinhar as praças para uma tese de doutorado em sociologia.

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  6. Roosevelt,

    Meu querido, desculpe a minha franqueza, mas seu argumento não trouxe porra de acréscimo nenhum. Simplista? Por que? Apadrinhar praças? Antes de você jogar criticas ao leo, peço que você jogue críticas com fundamentos. E se você achou uma perca de tempo, sinceramente eu não estou nem ai para isso.

    abraços

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  7. Calma soldado,
    Não faça brincadeiras com as palavras. Existem recursos para o termo não literal apadrinhar. O fato de vc não estar "nem aí", não significa que não estou aqui. O amigo deve saber muito bem que a praça do Orlando Dantas não representa a totalidade das praças. Por isso concluir que as praças estão vazias é uma precipitação. Vejo tantas praças lotadas. Sim, talvez tenha sido o horário. Ampliamos o nosso objeto: Praças vazias em tais horários.

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  8. Roosevelt,

    kkkkkkkkkkk "O fato de vc não estar "nem aí", não significa que não estou aqui." Gostei!!!! Veja: agora que você me trouxe argumentos, eu me darei o direito de responder ao seu comentário. Veja bem: em primeiro lugar eu gostaria de dizer que estes textos que eu produzo no torto, apesar de parecerem ensaios acadêmicos, não são textos científicos. Eu trouxe um andamento do bate-papo que eu tive com João Paulo, e por não ser científico, eu não me vi na obrigação de fazer observações do tipo: eu estou argumentando sobre as praças do Orlando Dantas, apesar de eu deixar claro que o papo que tive foi com referência as praças do Orlando. Outra coisa: por não ser científico, eu não necessitei provar que os meus pontos de vista são justificáveis. Apenas chamei atenção que o que discutimos chegou a essa conclusão. No dia que eu quiser produzir um artigo científico, não se preocupe pois trarei recortes, assim como referenciais teóricos, metodológicos, fontes, etc.

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  9. Dani,

    Foi muito pertinente o seu comentário, uma vez que você quebrou todos os meus argumentos quando observou que pelo menos nas praças do Fernando Collor, as pessoas se utilizam das praças como um espaço para se sociabilizarem. Muito obrigado mesmo por essas análises.

    bjs

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  10. Lou,

    " interpretações parciais da realidade." Em nenhum momento eu disse o contrário, até por que ao longo do texto, eu trouxe um diálogo que eu estabeleci com João Paulo, o que não significa dizer que eu tentei trazer uma análise comprovadamente justificada. Não apliquei entrevistas aos moradores do Orlando Dantas. Como eu disse a Roosevelt, eu não trouxe um texto científico que necessita justificar ponto por ponto o que eu tentei trazer.

    "não necessariamente designa um valor superior ou inferior."

    Mas quem falou em valor superior ou inferior? Eu apenas trouxe em minhas hipóteses, as circunstâncias que eu acredito serem responsáveis pelo esvaziamento que João Paulo observou nas praças do Orlando Dantas. Com relação aos valores que damos as coisas, concordo com você, mas pelo menos neste texto, não foi do meu interesse discuti sobre o valor que damos as praças e a Internet. Quem sabe se posteriormente eu não escreva um texto com essa intenção, mas por enquanto só tenho a dizer que a sua observação, apesar de valiosa, não está dentro do meu anseio textual produzido esta semana no torto.

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  11. Vina, entendo perfeitamente, desculpe não especificar, mas meu comentário era em referência tão somente a esta assertiva do João: "...vislumbramos que a ordem, em si, é caótica."

    Quando se lida com ordem e caos, se lida com conceitos particulares e parciais do que poderia se encaixar como um e como outro, e, por qual dos dois teríamos uma realidade superior ou inferior; leia-se, melhor ou pior, ao menos no marketing político (já que falamos de questões de segurança e transferência de hábitos, estes, derivados da manipulação estrutural, o que consequentemente influenciará no cultutal e linguístico). Embora reconheçamos a dicotomia como duvidosa, ela é o que vinga no imaginário massivo, e, mesmo, do popular.

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  12. Lou,

    Foi mal, mas é por isso que eu acho interessante colocarmos o nome da pessoa a qual estamos enviando determinado comentário.

    Concordo com você no que diz respeito a ordem e ao caos, mas eu acho compreendi o que João quis expor ao colocar essa frase. Enfim, acho que o que ele quis dizer, foi que mesmo diante de uma realidade micro, nós podemos cruzar uma imensidão de variáveis nela. Acho que foi nesse sentido que ele se referiu ao caos, e não que houvesse o caos OU a ordem.

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  13. Pronto, Vina. Com isso dito, todos de acordo!

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  14. Lou,

    Se você achar que sinceramente a sua pessoa admite que todos estão de acordos, aceito de bom grado a finalização de nosso debate.

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