terça-feira, 17 de agosto de 2010

Aracaju reclamada

Aracaju recebe outdoors pousando para a Modernidade. Ao mesmo tempo a cidade deixa seus bairros não-centrais com as faixas de pedestres apagadas e ruas esburacadas. A modernidade aracajuana para uma anedota das grandes cidades brasileiras. Crescer sem crescimento! Os servidores reclamam greve, o prefeito discursa pelo metrô, os políticos de oposição barram projetos sociais, os serviços urbanos são ruins (ônibus, sinalização de placas e ruas etc, falta passarelas etc). Os militantes comemoram o comunismo no poder, os empresários comemoram o turismo e consumismo.

Por um lado, como toda cidade, Aracaju apresenta seus avanços e retrocessos ao adentrar a lógica do discurso da modernidade tardia. Turismo e consumo dos bens culturais; embelezamento das regiões centrais; capas de revistas. A cidade também respira uma condição interessante. A prefeitura investiu nos projetos de habitação e isso logrou bons resultados para muitas pessoas que aproveitam essa oportunidade. Ciclovias, propagandas do errôneo termo "qualidade de vida", academias ao ar livre. Muito forró, festivais e festas públicas etc.

Por outro lado, Aracaju ganhou um lastro de ambíguidades maiores que seu próprio umbigo. Ruas e avenidas estreitas sem escoamento para outras. Recuo para ônibus em nossas estreitas avenidas, tanto as velhas quanto as novas. Carros cada vez mais presentes nestas. Pessoas cada vez com menos condições de atravessar tranquilamente uma rua, já que a cidade não tem boa sinalização (o que contrapõe a inserção na modernitè e no turismo!). Falta boa estrutura para escoamento de águas durante as chuvas também. Mas isso não é novidade no nosso país: ausência de bom saneamento básico. Que mais falta? Muitas coisas. Apenas pontuamos os pontos mais pontuados a olho nu!

Por fim, uma coisa mudou significativamente. Pela calma noturna e falta de identificação com os lugares, muitos dizem que Aracaju é uma cidade provinciana, um interior travestido de capital! Bom, esse papo é velho e envelheceu os discursos locais. Um exemplo típico para o que proponho discutir aqui é a cidade de Belém do Pará. Esta possuí uma média de 1.000.000 de habitantes. Duas vezes mais que Aracaju. Em todos os lugares que visitei e precisei perguntar aos nativos eles diziam: lá é muito bonito, muito bom, mas cuidado que é perigoso! A cidade é, por outro lado, muito tranquila. A tensão residia mais nas palavras dos moradores que nas ruas ermas. Vejo essas duas cidades, aliás, todas as cidades que conheço a partir de uma articulação  do cosmopolitismo e provincianismo.

Enquanto que Belém ganhou o estigma de perigosa, e não deixa de ser, Aracaju ganhou de cidade provinciana. Também não deixa de ser. Contudo, sem o ar pejorativo atribuído a este termo. Ela não é por si uma cidade cosmopolita a exemplo das inserções globais em Sampa, Salvador, Rio, BH etc. Mas, por exemplo, nos espaços de sociabilidades juvenis é possível observar sua inscrição. No entanto, quando atribuem uma identidade à Aracaju muitas vezes esquecem-se as mudanças para falar do que já foi. Então, afinal, entrou esta cidade para a modernidade reclamada em contraposição à cidade provinciana? É uma cidade moderna! A pergunta é simples, porém de resposta complexa. Ao passo que publicizam uma nova Aracaju através de seus espaços centrais, pouco se vê, se ouve, se fala da Aracaju que o Aracajuano conhece...

10 comentários:

  1. Eder,

    Sabe o que eu acho? Assim como qualquer lugar que pulse em suas veias, as ações humanas, Aracaju de hoje não é a Aracaju de ontem. Acredito que os valores mudam, no entanto, a mudança de valores em Aracaju é ainda muito pequena, o que me leva a confirmar a característica provinciana da cidade. Em um lugar cosmopolita, a formação dos grupos é muito heterogênea e efemera, pois as trocas com as diversidades são maiores. Eu acho o Aracajuano sisudo, anti-social e fechado em seus guetos. Isso faz com que os valores se tornem mais parasitários. É provinciana sim, e digo o mais: o povinho da dita massa em Aracaju tem como mãe a Bahia com os seus pagodes deliciosos, enquanto o povinho dito alternativo anti-senso comum tem como mãe Pernambuco com suas musicas de caranguejos. Não sabemos ter opinião própria, somos dependentes e de uma auto-estima vergonhosa.

    Porém, preciso observar uma coisa: nas ditas cidades cosmopolitas, o caráter provinciano também existe, até por que o cosmopolitismo é extensão do provincianismo, e portanto, um se encontra inserido no outro, faz parte da formação histórica de uma cultura. Portanto, acredito que Aracaju ainda pende para um lado mais provinciano, porém, vai se complexificando, mas no final das contas, nenhuma cidade é provinciana ou cosmopolita. As duas realidades se cruzam, pois faz parte do jogo celular produzido pelos agentes sociais na formação do corpo que chamamos de cidade.

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  2. Ah, recomendo ler o texto que Maira publicou semana passada aqui no Torto sobre o Edificio Master

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  3. Caro Vina,

    Eu particularmente não afirmaria que Aracaju é provinciana! Este aspecto é um dos fatores que leva a formação de sua identidade. Entendo provinciano como algo relativo à comunidades mais fechadas. E só o fato de Bahia ou Pernambuco serem o motim do descentramento musical de Aracaju já inscreve este "ar" não muito provinciano da cidade. Como você sabe, eu sou camaleão e por isso já tive cores em diversos grupos. Por isso vejo a efemeridade das relações, o descentramento da cultura e identidade local para novas formas de vida, ditas cosmopolitas (mas não ao extremo de Sampa ou Nova York). Acredito que o aracajuano sisudo , anti-social etc existe assim como o paulistano arrogante. E vice-versa. Depende do espaço sociocultural que vc esteja a um tempo inscrito! Essa discussão é interessante para desconstruírmos as noções mais essencialistas sobre esta cidade. Para mim, não é nem um nem outro! Está para além do texto! Afinal, o que se vê depende de quem olha...

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  4. Agora, Aracaju é uma cidade que limita as concepções mais deslizantes da vida cosmopolita. E daí concordo com vc que ela tenciona mais para um modo de vida provinciano, embora, já me arrependo de usar esse termo, o qual considero um tanto limitado para descrever um cidade.

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  5. Éder,

    Eu não acredito que de acordo com esse seu conceito de provincianismo, existe algum lugar de fato, provinciano, visto que diante do contexto global, as trocas culturais extrapolam suas fronteiras. Pra você, não é nem um, nem outro e eu concordo. Como eu te disse, não existe o cosmopolitismo isolado. Provinciano e cosmopolita se mesclam. De fato, achei que o seu ponto de vista ficou mais esclarecedor quando disse que "tenciona mais para um modo de vida provinciano". Concordo, tensiona mais, no entanto, não deixo de admitir a natureza provinciana. Sinceramente eu não acho que eu parta para um olhar essencialista sobre essa linda e alegre cidade heheheh

    muito bom seu texto man

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  6. Eder e Vina,
    Muito interessante a discussão de vocês. Ela me remeteu a uma questão na qual não houve abordagem na "disputa" provinciano x cosmopolita. Como paulista, precisei, de fato, reduzir minha arrogância para viver em uma cidade que já está claramente posta no texto do Eder. Cabe ressaltar que isso foi e continua sendo um dos meus maiores ganhos nesta terra. Porém, sair da grande Sampa rumo ao Nordeste, inevitavelmente, faz qualquer cidadão realizar, em principio, comparações. Dentre elas, me chamou a atenção o uso indiscriminado de crack, tal qual nos grandes centros urbanos, ou na estação da Luz, dita cracolândia. Por outro lado, não raras vezes, me deparava em locais de Sampa nos quais uma mente cosmopolita não poderia conceber. Ainda este ano fiquei surpreendida ao almoçar uma caprichada feijoada ao som do melhor chorinho, sentada em uma mesa no meio de uma mata em pleno Butantã. Parece-me que, de fato, os limites entre o cosmopolitismo e o provincianismo se sobrepõem. Mas tal sobreposição é indistinta da diversidade de tribos, das flutuações na diversidade cultural. É claro que essa diversidade é tão maior quanto maior for a disposição de espaço que a abrigue, além da interferência de outros centros urbanos próximos. Portanto, creio que não seja ótimo traçar uma analogia entre uma cidade com 20 milhões de habitantes e outra com 400 mil. Mas como a comparação acaba sendo inevitável, digo que Aracaju é uma cidade que vive esse misto, assim como Sampa. A meu ver, a diferença reside no fato de que quem está em Sampa, valoriza o provincianismo, que outrora foi subjugado. Quem está em Aracaju, vive o provincianismo e gosta dele, mas caminha no sentido de não valorizá-lo, pois uma capital está estigmatizada pelo discurso da modernidade, na qual não cabe ser simples ou provençal. Toda mudança passa por uma resistência. Sampa tem quase 500 anos de trajetória e certamente passou por esse momento. É possível que Araca esteja atravessando uma transição, onde os valores mais simples ainda são mais fortes e resistentes. Por que não haveriam de ser? Por que uma capital não pode ser moderna e provinciana? É nessa dualidade do ser humano que a cultura vai se construindo. Excelente texto! Abraços,
    Daniella

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  7. Eder e Vina,
    Muito interessante a discussão de vocês. Ela me remeteu a uma questão na qual não houve abordagem na "disputa" provinciano x cosmopolita. Como paulista, precisei, de fato, reduzir minha arrogância para viver em uma cidade que já está claramente posta no texto do Eder. Cabe ressaltar que isso foi e continua sendo um dos meus maiores ganhos nesta terra. Porém, sair da grande Sampa rumo ao Nordeste, inevitavelmente, faz qualquer cidadão realizar, em principio, comparações. Dentre elas, me chamou a atenção o uso indiscriminado de crack, tal qual nos grandes centros urbanos, ou na estação da Luz, dita cracolândia. Por outro lado, não raras vezes, me deparava em locais de Sampa nos quais uma mente cosmopolita não poderia conceber. Ainda este ano fiquei surpreendida ao almoçar uma caprichada feijoada ao som do melhor chorinho, sentada em uma mesa no meio de uma mata em pleno Butantã. Parece-me que, de fato, os limites entre o cosmopolitismo e o provincianismo se sobrepõem. Mas tal sobreposição é indistinta da diversidade de tribos, das flutuações na diversidade cultural...

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  8. Daniella,

    Teus comentários foram muito pertinentes para esta discussão. Não sei se expressei bem isso no texto, mas penso desta forma que você abordou. Afinal, numa cidade como Sampa, em que se respire os maiores avanços da modernização brasileira e da diferenciação dos grupos sociais. Sua população, é tão abrangente e conflitiva, visto que há grande quantidade de não-paulistanos ou paulistas. Quando falamos de alguma arrogância sobre São Paulo não necessariamente, e como você bem expôs, estaríamos a generalizar. Como eu ressaltei na discussão com Vina, podemos encontrar essas "adjetivações" em qualquer contexto e lugar. Depende muito de qual São Paulo ou Aracaju estamos vivendo. Afinal, essas cidades são múltiplas, e convergem para a articulação entre o provinciano (afinal são construídas com bairros e comunidades mais ou menos fechadas) e o cosmopolitismo (visto que estão linkadas com a diversidade cultural e global).

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  9. Gostei muito dessa passagem no seu comentário:
    "digo que Aracaju é uma cidade que vive esse misto, assim como Sampa. A meu ver, a diferença reside no fato de que quem está em Sampa, valoriza o provincianismo, que outrora foi subjugado. Quem está em Aracaju, vive o provincianismo e gosta dele, mas caminha no sentido de não valorizá-lo, pois uma capital está estigmatizada pelo discurso da modernidade, na qual não cabe ser simples ou provençal."

    Isso para mim é que elas não são nem uma coisa, nem outra. A não ser que estejam articuladas tais formas de identificação.

    Obrigado pelo comentário!

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