Estes dias caminhei bastante pelas ruas e lugares desta terra. O meu amigo, Cacique Pindaíba quem o diga. Desde muitos anos idos falamos sobre quase tudo por aqui. Os homens falam como pedras rolando das montanhas. Nunca se sabe ao certo o que as palavras podem fazer. Sabemos que elas são germes de formas mentais que nos afetam por dentro e por fora. Uma única palavra pode bastar, e calar a natureza por alguns instantes. O silêncio da natureza é um imperativo para nossa sobrevivência.
Os curumins, todas as tardes, vão ao encontro de Vovó Inã na beira do rio de Oxum. Este rio sempre esconde segredos. Os homens guardam suas palavras no fundo de suas águas, e lá deixam suas consciências adormecidas e depois se fascinam com o barulho da correnteza que as leva para longe. As crianças aprendem com os grandes segurando nas cordas da língua. Por isso, Inã sempre contava uma estória para os meninos ao cair do dia. Ela falava dos guerreiros, das vitórias e das derrotas. Falava sobre os encantados da natureza. Vovó Inã nunca escondeu que o homem é um lobo de lobos. Sua consciência foi embora com o rio, somente o sábio sabe onde ela está.
Um dia Pindaíba me mostrou as vísceras de um pássaro. Ele me contou que poderíamos prever o futuro por meio delas. “As vísceras encantam o corpo e a alma domina o animal”. Disse ele no dia em que aprendi a caçar. O comportamento humano nasce, então, de suas próprias vísceras. O social é visceral. São vísceras dialogizantes, as vísceras dos homens. O cacique estava certo.
Eu não sabia do instinto dos homens. Foi no rio, ao lado de Inã, que vi o corpo nu de uma cabocla. O sangue aqueceu meu rosto. Senti que um homem estava em mim. “As vísceras põem rédeas nos instintos para fazerem dos homens seus cavalos”. Não foi a toa que escolhemos o coração para dizer de amor. O social é instintual. O cacique falou a verdade.
As meninas do rio de Inã, de Oxum, de todos nós brincam de bolos de barro e fazem suas ocas como as dos homens grandes. As crianças sonham com o mundo dos adultos. Os rapazes imitam os guerreiros e envergam o arco e lançam flechas. Todos imaginam seu mundo. Alguém disse um dia que a imaginação criou o mundo. O social é psiquificado. As vísceras, os instintos, os símbolos se somam e criam o sujeito do mundo. Agora o mundo não uma paisagem e o homem parte dela. O mundo é um palco de constantes conflitos. É terra de lobos. Não sabemos quando começou, mas a natureza soube dizer de si e por si. O homem é a natureza falante. O social é uma malha de sentidos. A linguagem justifica sua existência empírica. E o homem não sobrevive sem isso.
As probabilidades são enormes de nada existir naquilo que auferimos o valor de existente. Tudo que eu disse é o dito que já foi dito várias vezes. As formas mudam, o sentido é o mesmo. A nossa ciência, a nossa filosofia são sentidos criados pelos homens. São nossos mitos que se transmutam com o tempo. São corredeiras eternas enquanto for possível nossa existência. E nunca chegaremos a lugar algum. Temos que admitir: Ele não existe.
"Temos que admitir: Ele não existe". Inicialmente pensei que falava de Deus. Depois conclui que estavas, na verdade, a falar do mito. Gostei do texto!
ResponderExcluirSe criamos, a existência se deve a nós. Existe como víscera, instinto, significação. Um mundo psiquico.
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