É bem verdade que hodiernamente (na realidade já há algum tempo) as escolas literárias, tais como didaticamente as institucionalizamos enquanto perspectivas estéticas comuns no passado, já não existem. Muito embora encontremos um aparecimento em massa de sintomas, tais como o niilismo, a super-recriação do mundo através do bombardeamento de signos, a derrota serial dos ídolos, a ansiedade, entre outros fatores que transformam alguma parte das produções contemporâneas em pastiche ácido e desiludido.
Entretanto, o projeto de dessubstancialização do sujeito que caracteriza o niilismo ainda não se deu por completo (se por acaso for seu destino completar-se) e a prosa deste cearense, teólogo e pedagogo de formação, é exemplo disto.
Temos, como primeiro afeto, a presença da religião nos textos, e sabe-se que toda religião pressupõe um sentido-fundamento (que pode ou não ser um deus), portanto a tese do completo niilismo já é derrubada a priori.
Apesar da desterritorialização e da diluição da identidade nos nossos tempos, temos como sinais de uma escancarada idiossincrasia o existencialismo e o psicologismo em que Roosevelt mergulha pretos-velhos e elementos de uma cultura tão oralizada como é a afro-brasileira. No vocabulário um tanto rústico de Pai Joaquim “Joaquim e o Tempo” materializam-se elaborações que contemplam de Platão a Espinosa e a mais densa cosmologia, por exemplo.
A esperança nas obras do cearense não é um engajamento paternalista, neste sentido há já um esvaziamento de crenças (o que aliás caracteriza de certa forma todo o Movimento Torto), a esperança é, sim, investida numa inteligibilidade de um ser que produz a ordem real que possivelmente subjaz os fenômenos ordenados de forma tão subjetiva pelo nosso entendimento. Aliás, há um tanto de Alberto Caeiro implícito nas obras do autor, no sentido de que cada um tem a medida do seu próprio sofrimento, portanto não há espaço para o paternalismo pretensioso e onisciente nem à demogagia partidária: não há (aspas) salvadores das pátrias ou das dores.
Do ponto de vista das características estritamente literárias, percebemos algo que já é um tanto conhecido da prosa moderna para cá: cânones misturados de forma livre, muito embora não haja a subversão formal dos modernistas. Apesar de termos alguns textos mais introspectivos (“O dito, dito novamente”, por exemplo), verificamos a predominância da construção dialógica. Há um certo espaço para a colagem alinear no que se refere ao tempo de algumas narrativas, como “Sombras”, por exemplo, e um constante desprestígio à causalidade (uma ideia humeana que ronda pelo Torto).
Vemos, a esta altura já obviamente, que os laços com a tradição na “prosa rooseveltiana” não foram totalmente rompidos, no máximo rearrumados. Aliás, como escreveu Ferreira Gullar “o verdadeiro novo nasce do velho, resulta de sua superação e transformação; por isso mesmo tem raízes profundas na cultura, na história, na linguagem. Fazer o novo não é questão apenas de vontade, mas de necessidade.”
Aliás, em se tratando de diálogos, o texto “Joaquim e o Tempo” nos remete analogicamente à escrita platônica. A posição curiosa da “moça negra, verdadeira deusa da África” se dirigindo a um sujeito suposto saber “no caso, Pai Joaquim” lembra-nos muito os momentos de Glauco e Sòcrates.
A prosa de Roosevelt Vieira Leite é bem isto, uma escrita que tem sempre em um dos bolsos a contingencialidade, a crítica à suposta onipotência humana, a mitologia afro-brasileira copulando com a prolixidade platônica, o animal humano que se embrenha pelas matas e vísceras do Ceará e chega subitamente à Praça Fausto Cardoso, de onde vislumbra o Rio Sergipe, em que “ afogará sua consciência, para depois se fascinar pelo barulho da correnteza”.
Espero que o limitado arsenal teórico que embasou a composição destas pouquíssimas linhas possa converter-se em coisa boa, qual seja, um convite informal à envolvente literatura deste tão talentoso torto.
Meu irmão,
ResponderExcluirSem palavras. Acho que não mereço.
Agora eu faço minhas palavras: eu acredito que a literatura de Roosevelt traz elementos muito interessantes. Em alguns comentarios ja feitos pos mim, eu ja tentei descrever em poucas palavras, o encanto que Roosevelt me provoca em suas produções. É engraçado como ele traz elementos da dita tradição- se é assim que podemos nos referir a caracterisitcas das religiões afros, com uma dosagem do que se entende por produção literária pos-moderna com aspectos referentes a atemporalidade, a fragmentação, a brincadeira entre a realidade e a ficção dentre outras.
ResponderExcluirSo tenho uma observação: não sei se Roosevelt deixou claro o seu transito entre Platão, Glauco, Socrates, Alberto Caeiro, etc. Veja, não estou querendo dizer que não podemos enxergar elementos desses individuos nas obras de outras pessoas, só estou dizendo isso pois certa vez, o lance de colocar teóricos como Witgnestein a respeito de determinados textos, provocou uma série de debates conflitivos por muitos terem interpretado que a comparação desse teorico com o texto eram palavras a mais na boca do autor.
No mais, pra variar, Josua possui uma destreza sem tamanho no seu fluxo claro e sedutor na forma como expoe suas palavras. Acredito na capacidade desse torto em saber tirar as mais discretas minuciosidades de cada obra para fazê-las brilhar nessa rico e grandioso castelo de palavras.
Merece sim, caro Roosevelt. Apesar de se tratar muito mais de ser justamente analisado enquanto um autor de textos públicos que meramente um merecedor
ResponderExcluirGrande Abraço e siga compondo estes belos textos!