Por assitir demais o telejornal "O terráqueo", Zé Órbita nunca costumava oferecer carona para nenhum estranho que encontrava pela rua. Ele passou a assumir essa postura por saber cotidianamente através desses telejornais, noticias que anunciavam assaltos, assassinatos, sequestros etc. Zé Órbita passou a acreditar que era muito dificil existir alguma alma bondosa por entre os infinitos solos terráqueos.
Porém, quando ele conseguiu convencer sua namorada a morar na galáxia 34-7 com ele, depois de muito ter falado que lá o processo histórico-galáctico havia amadurecido a sociedade composta de Ions cósmicos orbitais, sua namorada sofreu um sequestro e foi largada como um pacote usado em qualquer bico de esquina.
Nesse sequestro, os terráqueos levaram todos os bens preciosos que ela continha em seu carro, além obviamente, do seu carro. O mais assustador nesse dia é que os carinhas se usufruiram também de seu bem precioso que ficava entre suas lindas pernas. A pobre garota passou momentos de muita tensão, uma vez que seu corpo foi abandonado por entre ruas esquisitas do centro da cidade pela madrugada.
Durante o seu momento de angústia, um carro parou em frente à calçada na qual ela chorava compulsivamente. Naquele instante, saiu um ser de capa azulada. O ser estendeu sua mão oferecendo carona a linda mulher. Por ela ter passado por uma situação assombradora, além de se lembrar que os terráqueos não faziam nada se não tivessem retornos positivos para os seus atos, ela resistiu. Porém, ela ao se ver jogada em um ambiente extremamente suspeito, sem dinheiro, sem celular, pensou que a única saida que lhe restava era optar pela carona.
Rapidamente o ser a deixou em sua casa. Ao chegar, ela se jogou desconsolada nos braços de Zé Órbita. Mal ela teve tempo de agradecer o rapaz. Zé Órbita a abraçou sem entender muito o que estava acontecendo, foi até o rapaz e o agradeceu pela sua atitude. Quis te dar uma recompensa, uma vez que havia aprendido a estabelecer esse tipo de ritual com os terráqueos, mas ele por exceção, não aceitou. Entrou no carro, acenou com a mão e foi embora.
Depois desse dia, Zé órbita teve que modificar algumas de suas concepções e nóias que ele tinha do mundo terráqueo, admitindo pra si mesmo que apesar da intranquilidade que sempre reinou no mundo da terra, existiam seres que faziam exceções a essa regra. Devido ao ocorrido, eles resolveram adiar a viagem interplanetária por um tempo até que tudo se voltasse ao seu lugar.
Depois de dois meses do ocorrido, Zé órbita ao passar com seu carro espacial disfarçado de modelo terreno, viu uma bela mulher chorar. Essa mulher tinha duas marcas em seus olhos. Ao lembrar do caso de sua namorada, Zé Órbita resolveu oferecer uma carona, pois a linda mulher, assim como a sua namorada, precisava de ajuda. Durante o trajeto ao levá-la para sua casa, a mulher começou a contar seu drama, contando desesperada que o seu marido era alcóolatra e a agredia cotidianamente.
Chegando na rua da linda mulher, Zé órbita, a pedido dela, a deixou na esquina para que ela evitasse qualquer desconforto com seu marido macho e violento quando chegasse em casa. O que ele e ela não sabiam era que o marido dela estava na esquina onde o carro de Zé Órbita havia estacionado. Foi muito azar, pois coincidentemente naquele dia, o marido dela estava na esquina porque havia sido inaugurado um bar por lá chamado "Canto de esquina".
Porém, ambos não perceberam que o ser violento tinha visto aquela situação que para ele, como um perfeito ogro e machista, era a pior humilhação que poderia passar. Antes dela sair, agradeceu a Zé Órbita pelo apoio e pela paciência por ele ter ouvido seus soluços desesperados de uma mulher falida em carne e espírito. Zé Órbita ouvia aquilo tudo com uma alegria imensa, pois se sentia compensado em ter proporcionado um ato de zelo com aquela mulher, igual ao que o ser de capa azul havia feito com a sua namorada dois meses atrás.
Logo após a mulher sair e antes de ele ligar o carro, ele ouve alguém batendo no vidro. De dentro do carro, ele percebe que era um homem com uma cara deplorável de bebedeira. Ao descer o vidro, Zé Órbita perguntou se ele precisava de alguma coisa. Ele nada respondeu. Antes de Zé Órbita fechar o vidro do carro, o homem tirou uma arma de seu casaco e disparou mais de sete tiros na cabeça do nosso querido Zé.
De sua boa intenção e de sua alegria por ter se sentido útil e delicado com um terráqueo, só sobrou um corpo sem vida ensanguentado por cima do volante.
Pobre Zé Órbita: quis fazer o bem e se fudeu. Mas é uma questão, como gostas de frisar, contingencial. Nem sempre o mesmo diagnóstico se solucionará com o mesmo medicamento (ou sim, ou não, ou sim, como diz Reuel).
ResponderExcluirQuerido Lou,
ResponderExcluirConcordo plenamente com as suas palavras.
Não que eu queira naturalizar o que muitas vezes de forma social determinamos como crime, nem que não possa haver em algum instante, a bela historia plim plim do bem vencendo o mal. Porém, devemos exercitar em perceber que não necessariamente o bem leva apenas o bem, como também o que é proibido necessariamente não tenha que ser feito. Quantas coisas que os humanos ja consideraram erradas e noçivas ao longo da história e que hoje são legitimadas moralmente e consumidas?
mesmo que seja uma narrativa corriqueira, você trouxe elementos completamente fora da nossa órbita.Inicialmente, vc cria nominações tipicamente estranhas ao nosso convívio, terráqueo, zé órbita, subtende-se que esse conjunto, de personagens, espaço e tempo, é afastado a nós. Como se estivessemos lendo ou assistindo alguma novela que refere a outro planeta, no mínimo, afastado ao nosso. Chamaria isso de jogo de alteridades, ou seja, os próprios elementos o qual me identifico ou convivo, eu simplesmente desconheço, fazendo uma alusão distante da minha realidade. Não que seu texto seja eivado de palavras frias ou de fatos que você desconhece, mas vc brinca com esse sentimento de anestesia emocional que reciclamos para tentar suportar esse mal estar, tanto individual como social.
ResponderExcluirEsse texto passa por uma linha tarantinesca, não muito pela comicidade exagerada, mas por atravessar pela ironia e um final catastrofico, onde ninguem, ou melhor, todos, sem distinção, tem um mesmo fim: são engolidos pela violência.
Adorei a sua idéia figurativa! bjs!
Querida Mai,
ResponderExcluirEssa observação que você trouxe comparando aspectos do meu texto com elementos aparentemente fora de nossa orbita foi muito pertinente. Mas e isso mesmo. A idéia é de mostrar que necessariamente o que oficializamos como digno do cumprimento terreno, não necessariamente termina em um happy end
bjs
"Depois desse dia, Zé órbita teve que modificar algumas de suas concepções e nóias que ele tinha do mundo terráqueo, admitindo pra si mesmo que apesar da intranquilidade que sempre reinou no mundo da terra, existiam seres que faziam exceções a essa regra. Devido ao ocorrido, eles resolveram adiar a viagem interplanetária por um tempo até que tudo se voltasse ao seu lugar".
ResponderExcluirMuito bom Vina. Um contrapé entre os sonhos que vivemos e a realidade que pouco percebemos.
Belíssimo conto!
Abraços