segunda-feira, 26 de julho de 2010

O verdadeiro bom selvagem

O que me apetece aos olhos ler Nelson Rodrigues, é a sua sagacidade ao dar uma agudeza de espírito, muito peculiar, nos seus personagens. Mais que isso, é a arte de provocar o riso, o que torna ele genial! O que me parece, é que o riso já nasce dele. Enquanto enreda mais um conto maquiavélico, Nelson parece dar boas gargalhadas disposto a ferir o moralismo decadente. Pra mim, é esse tipo de riso que me traz um alívio, pois posso rir sem culpa. Rir do exagero que se dilui no meio de tantas promessas de civilidade e respeito ao próximo.
Ouso em dizer que a vida é ordinária, mas é bonitinha, pois temos a oportunidade de rir dos deslizes dos outros e de nós mesmos. Quantas vezes não rimos de nós mesmos por mostrarmos tão bem intencionado com o próximo, e no mais queremos que o próximo se fôda? Quantas vezes já não fomos diabolicamente românticos quando fazemos juras de amor ao nosso amado (a), enquanto pensamos naquele gostoso (a), que conhecemos num dia aí qualquer, e que não sai da nossa cabeça? Pois é, Nelson Rodrigues nos dá essa oportunidade de nos enxergarmos em seus personagens, de nos vermos tão deslizantes quanto eles, de darmos asas as nossas fantasias aprisionadas pelo nosso totalitário superego.
Em “Bonitinha, mas ordinária”, o personagem Werneck, ora se divide ao papel de patriarca da família, ora se divide a ser agenciador das suas maiores fantasias sexuais. Ainda nesse contexto, temos “Toda nudez será castigada”, Herculano, personagem viúvo, refém dos seus conflitos existenciais entre o conservadorismo familiar e as paixões pervertidas por uma prostituta. Assim são as estórias de Nelson Rodrigues, personagens conflituosos atravessados pelo dinheiro, poder e corrupção. O herói, anti-herói, mulheres sexualmente emancipadas desvelando a moral burguesa assustadoramente fragilizada.
Ao que parece, o peso da culpa não se revela no seu significado comumente apresentado, mas pelos exageros não realizados que por algum momento, os seus personagens foram assaltados pelo moralismo conveniente. As suas obras servem para refletirmos até que ponto a moral serve como projeto para que se estabeleça o respeito mútuo, como forma de assegurar a serenidade dos mais temidos instintos humanos.

3 comentários:

  1. Minha cara Maíra,
    Seu texto focado no trabalho de Nelson Rodrigues é pertinente. Parabéns.

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  2. Querida Maira,

    São em produções literarias como as de Nelson Rodrigues que percebemos o nosso lado mais bicho de ser. Em uma sociedade já viciada a pensar o humano como o ápice da verdade e da civilização, obviamente que uma trama trazida pelo Nelson tende a provocar muitas repulsas em nossos higiênicos valores de cocô.
    O grande problema da dita era moderna, não e a ambição, a vaidade humana, etc. O grande problema é sermos educados nela a pensarmos que somos capazes de viver cotidianamente dentro de uma expectativa ideal de homem. O grande problema foi esquecermos que o ideal de homem é uma construção humana, mas como diz nosso querido torto Roosevelt, antes de sermos humanos, somos bichos.
    A compulsão pela ideia da razão chegou a tal ponto que nos vemos incapazes de admitirmos nossos desvios, nossas agressividades. Sequer lembramos que quando estamos afim de darmos uma trepada, institintivamente a buceta fica molhadinha, assim como a pica logo fica durona sem precisarmos pedir.
    No entanto, mesmo admitindo que inevitavelmente somos desviantes de nossas próprias condutas por sermos bicho, eu também acredito e não nego a possibilidade de sentirmos repulsas, afinal, mesmo sendo extensão da natureza, nós também somos extensão de uma cultura permeada de simbolos que termina sendo contruida em nossos repertórios de valores sobre o que achamos bom e ruim.

    Muito do caralho seu texto, bjs

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  3. sim, sim. Quando achamos que temos alguma esperança de moralidade, surgem diversas atitudes que nos prova ao contrario. é um escritor consagrado como Nelson Rodrigues que nos faz o favor de relembrar que somos muitos mais corruptos e selvagens que imaginamos. Sob as lentes de aumento expressas categoricamente em suas obras, enxergamos a natureza humana apodrecida...

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