sexta-feira, 9 de julho de 2010

O flâneur e o torto

O personagem do flâneur surge num momento de grande efervescência cultural da França do século XIX. Essa época ficou conhecida com belle epoque e criou tendências no traçado urbano, arquitetônico, na moda e nos modos e estilos de vida, que se tornaram sinônimos de algo sofisticado, abrindo de vez as portas para a modernidade.O sujeito da sociedade moderna passou a viver num mundo em que as normas e as leis conduzidas pelas instituições modernas buscavam moldar o comportamento desse individuo.
Simmel percebeu esse amarramento e identificou que as sociedades urbanas possuíam sua própria construção mental, diferente de sociedades urbanas pequenas e rurais. Para uma interpretação desse espírito, ele chamou o comportamento desse sujeito moderno de blasé, que corresponde à atitude individualizada e reservada diante de certos processos sociais, a exemplo da inserção de novos sujeitos sociais no espaço urbano.
Por outro lado, para uma interpretação da modernidade, Baudelaire criou um personagem, o flâneur, que questiona a modernidade, porém se alimenta dela para construir sua visão de mundo. Essa personagem é bastante utilizada na literatura sociológica e antropológica.
O flâneur consome a cidade, sendo conduzido por seu olhar. Diferente dos pacotes turísticos e guias que conduzem o caminho dos atores sociais, esse constrói o seu próprio roteiro e percepções. Como havia dito, esse sujeito é fruto do contexto capitalista, urbano, cultural, político e econômico da modernidade. Ele é um sujeito para todas e nenhuma causa, com ideologia, visto que ele está em todos os espaços e sem revolução. Pois, ao mesmo tempo, que segue na direção do espírito cultivado pelo capitalismo, ele constitui o seu roteiro observando e experimentando as práticas.
O torto é esse sujeito que aceita e repudia a sua própria construção. Fortalece-se pelo processo e não pelo fim em si da idéia, pois essa é o inicio para uma outra reflexão. Não interessa apenas o roteiro das convenções e nem apenas o do não-convencional, assim como, para o flâneur, explorar a cidade sem a aparente distinção de espaços é importante para entrar em contato com os lados, para que, assim possa construir as suas criticas e percepções.
Posso considerar que há uma proximidade entre as visões de mundo do torto e do flâneur, principalmente na relação com as definições de mover-se e ser movido (maiores detalhes ver aqui no blog o texto “...Movimento, Move Mente, Move Gente, Intiga Sonhos, Futuca Idéias...”). Pois os dois transitam por vertentes e espaços de diferentes visões. Com suas observações contribuem para a afirmação e/ou revisão de valores e comportamentos. O contato com o outro contribui para o reconhecimento da diferença e para o autoconhecimento. Ou seja, somos e, também, não somos apenas produtos do meio.
Em contraponto com os dois sujeitos, o blasé de Simmel é um mecanismo de defesa para os atores sociais diante da complexa sociedade moderna da qual estamos inseridos. Essa tendência pode vir a produzir uma conseqüência no tocante a individualização e a reserva diante das relações sociais. Essas características podem engessar o ator social na descoberta por outros mundos.

*Agradeço a Eder Malta, o nosso torto, pelas contribuições. Muito obrigado!

15 comentários:

  1. O torto sobrevive porque sabe aproveitar-se da melhores paradas e como ele tem suas bandeiras emboras não morra por nehuma delas torna-se mais fácil a adaptação ao extrume social. hahaha

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  2. Portanto não existe nada novo em ser torto. mas, ao mesmo tempo, existe muita coisa velha em ser torto. O nosso Heráclito e seu rio era um torto convicto. A idéia de fogo, como logos, e de água como devir foi demais. O fogo aquece a água a água apaga o fogo. A água pode ser antítese do fogo. o caminho inverso não é necessariamente verdadeiro. Mas a água em movimento foi genial. O devir é um movimento fluído, ou seja não é um movimento qualquer. Este mover carregam idéias que ora se afirmam, ora se negam, ou se hibridizam. As idéias formam espinha dorsal de uma razão torta. sem elas o torto seria uma criança frustrada. Parabéns pelo texto torto. Roosevelt

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  3. Querido Alysson,

    Adorei bastante o seu texto man. Essa comparação do torto com o flâneur foi muito pertinente. Quando você faz essa comparação, passo a aceitar as palavras de Roosevelt, pois o que podemos notar, é que não é intenção do torto tentar ser diferente de todas as idéias até então pensadas. Não pensamos nada a mais do que tantos já pensaram. O que fazemos questão de salientar o tempo inteiro é a necessidade de exercitarmos esse olhar, entortando as convenções sem negar estar dentro delas.

    Infelizmente o que tenho constatado é que as pessoas necessitam ingenuamente fazer coisas "diferentes" sem sequer se dar o direito de repensar as ditas "conhecidas" filosofias. Apesar de muitos entrarem aqui e jogar pedras no movimento, o que muitas vezes sinto é que os mesmos que dizem que o torto não faz nada de diferente, são os mesmos que mostram claramente a dificuldade de pôr em prática aquilo que ja foi questionado a tempos e tempos atrás. O que temos é preguiça de entortar.

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  4. Julia,

    É isso mesmo. O torto tem suas bandeiras, visto que enquanto humano, inevitavelmente ele possui suas escolhas e seus valores; mas por outro lado ele não morre por nenhuma dessas bandeiras, uma vez que, por saber que tanto um lado quanto o outro, não possuem consesnsos, o torto já passa a admitir que nenhum lado, mesmo aquele que ele possa pender mais, é digno de uma legitimidade universal.

    No entanto, eu posso gostaria de fazer uma observação: o fato de optar em se encontrar no lado mais aceitável para ele em determinado momento, não significa dizer que o torto tenha facilidades de se adaptar. Em uma cultura ainda marcada pelas classificações, quem não opta em se prender a uma bandeira como o torto, passa a ser encarado de forma pejorativa ou no minimo desconfiada.

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  5. Comparação pertinentíssima! Parabéns mesmo.

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  6. Mesmo tendo uma breve contribuição neste texto e gostar muito da flaneire, não vejo mais o Flaneur típico de Baudelaire como característica da modernidade contemporânea - o que já foi na Paris do século XIX. Há muitos flaneurs, fato. Mas com a publicização das diferenças esse "passar por aí" já não é tão forte assim. O flaneur não é uma peça rara, mas sua característica nomade, velada, entre todas as multidões, parece-me cada vez menos ao estilo flaneire apontando para um outro tipo - qual não sei!.

    Belo tema, valeu tio Aly!

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  7. Prof. Alysson,

    devo confessar que precisei estudar por uma hora antes de poder reler seu texto. Agradeço por ter me levado às reflexões de Baudelaire e de Simmel a respeito do indivíduo nas metrópoles.
    A minha pergunta é: então ser flâneur é ser torto? E estar blasé é estar reto (para usar um adjetivo já citado anteriormente por Éder)?
    Gostaria de ler a continuidade do texto e das suas reflexões entre o torto e o comportamento blasé.

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Não nos vai faltar varios "blasés", andando feitos corpos moribundo nas metropoles multicoloridas. Uma realidade que não nos escapa, por vezes, que distorce, que nos entorpece. Diante dessa hipermodernidade que nos encontramos hj, adorno foi preciso, ao relatar a alienação como um mecanismo de defesa -muito bem argumentado por vc alysson- que nos "salva" de todo processo agonizante ditados pelas normas "moderna".

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  10. Parabéns, meu querido Aly Soul. Cara muitas vezes me sinto assim, e creio que me enriquece bastante transitar e captar dos espaços suas aspirações, anseios, características e defeitos. Assim, temos como triturar as matrizes discursivas se apropriando desapropriando-se hehe. Portanto, o flâneur para mim é capaz de ter uma visão muito humana da cidade, uma vez que ele encara as pessoas como tal, com singularidades porém tão animal quanto ele.

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  11. De antemão, quero me retratar por não ter respondido aos comentários antes. Estava a me reorganizar para viagem de férias e acabei que não tendo tempo para tal. Mas vamos lá.

    Meu caro, Vina. Faz tempo que queria publicar esse texto com intuito de instigar esse debate sobre a proposta do torto e de outros pensamentos próximos. O flâneur de Baudelaire me chama a atenção, pois o transitar com o olhar provoca a descoberta de mundos outros que a todo o momento estão ao seu lado e que passam a ter significado e sentido. Pessoa já dizia que pensar é estar doente dos olhos e esse exercício é rico para qualquer ser humano.
    O torto tem uma aproximação com esse discurso de Baudelaire, no entanto, está situado em uma outra época, com outros estimulos, valores e percepções, esses caberiam um aprofundamento maior.

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  12. Acredito, meu caro Eder, que haviam outros flaneurs que não chegaram a deixar seus registros.

    Realmente, as diferenças instigam olhares e percepções diferentes para a realidade, tendo em vista, que assim como o de Baudelaire era um olhar enviesado para aquilo que ele percebeu, os outros também poderiam tê-lo feito.

    Me toma de asslato um pensar acerca da sua provocação. Esses flaneurs podem estar ligados as experiências que se cultiva com a realidade, tendo em vista que o flâneur como explorador, principalmente de grandres de grandes centros possui limitações para essa exploração, passando por suas escolhas. Por exemplo, fiquei a pensar na flanerie de um cego, de um mendigo, catadores, entre outros.

    Obrigado pelo comentário

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  13. Minha cara, Renata,

    O flâneur surge em um outro contexto cultural, porém nos deixou um legado para refletirmos sobre nossa época. POr esse motivo vejo como duas propostas que se aproximam, mas que não são iguais, tendo em vista o respeito por seus contextos. Trazer essa discussão serve como provocação para as nossas (re)leituras acerca da realidade. O torto é reflexivo e provocador, além de autodestrutivo. Portanto, está aberto para essas releituras. O flâneur, confesso, não sei se estaria aberto a isso, porém, diante da sociedade da qual ele se encontrava, final do século XIX, foi estimuladora para o seu surgimento, já que existe uma critica diante do ethos que nasce com a sociedade moderna.

    O blasé se diferencia bem mais dos dois anteriores e as suas possibilidades sejam menos ampliadas, já que ele se fundamenta principalmente em seguir as convenções com menos critica.

    Obrigado pelo comentário

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  14. Maíra, obrigado pelo seu comentário, mas o blasé não chega a ser um alienado,embora, possamos pensar assim numa primeira leitura. o blasé não está alheio a realidade, como a definição de alienação coloca, ele estabelece essa relação, porém, se limita em uma reserva para defender a sua individualidade. A "reserva", da qual Simmel se refere não ao desapego completo da realidade social. Esse individuo pode integrar-se melhor em certos processos sociais do que em outros.

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  15. sim, concordo...estava pensando em direção ao individuo sintomatizado pelos efeitos da modernidade. A sua resposta não poderia ser por estar a parte da sociedade, mas uma resposta aos processos regidos por ela. beijos!

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