quinta-feira, 15 de julho de 2010

Joaquim e o tempo

Joaquim, velho sábio que resistiu a opressão, insistiu em viver para ver que o mundo girava como uma bola solta no tempo. O negro de Angola passou por maus bocados debaixo do jugo de um certo coronel proprietário de gente, gente preta, por assim dizer, contudo, alcançou o entendimento de Zambi para poder falar e viver por mais dias até definitivamente ser eternizado nas falanges de Umbanda. Joaquim de Aruanda, o sábio encantado do Brasil. Um dia uma moça negra, muito bonita, uma verdadeira deusa da África aproximou-se do velho e questionou sobre o tempo, o tempo em que vivemos e realizamos nossas obras.

- Pai Joaquim, sabemos que és homem sábio, e que nunca mentistes. O que é o nosso tempo?

- A moça chamou eu de sábio, sábio é zambi que pôs o bicho de duas patas para falar. Meu entendimento é pouco, e já estou tonto de ver esta terra rodar como pião puxado por uma corda invisível. O tempo e a história é coisa de gente. Zambi jogou a semente de tudo, e depois descansou para ver.

- Como assim, meu velho, estou sem entender.

- Quando eu era menino me deitava de papo para riba para ver as nuvens passar e aí vi com os zóios da cara que o mundo é roda girante. A história, as obras feitas, o bem feito e a malfeitoria ocorre nas rodadas da roda, a roda gira, minha fia, e é isso que tu chamas de tempo. O curioso é que tu não sabes o que ocorre debaixo de teus pés.

- O velho me deixou confusa. Seja mais positivo.

- Ora, sinta que a roda gira muitas estórias que não são histórias, até a tua. Mas, por-que a tua não interessa aos escreventes do tempo? Se todo pé que pisa o chão é tão único como cada grão que está nele? Os homens são quem dizem o que deve ser dito sobre eles mesmos. Assim, a história é uma cobra que se esconde na loca de pau, sempre pronta a picar o despercebido. O tempo é a soma dos giros não percebidos por nossos sentidos entorpecidos por nossos conceitos. O bicho fala, e diz com vaidade coisas que não sabe. Isto só zambi pode explicar.

- Agora vejo que levas a sério minhas indagações. Diga-me meu velho, por-que zambi não aparece para o povo ver?

- Minha filha, quem sou eu para falar por quem quer que seja. Zambi deixou a semente no mundo e se planta o que se quer. Ora, se caminha os passos para a direita, para direita vai o dono do pé. E assim o é para a esquerda. Zambi não carrega o mundo nas costas, ele o pôs para girar, e isso não basta?

- Então o Senhor está dizendo que Deus não se importa com os homens?

- A fia tá com os zóios enuviado. Se tu te perguntares que dia é hoje, a resposta já fora data a muitos tempos atrás. Tu fala pela boca do outro. E quando tua boca fala, fala pelo lampejo que há em ti, e isto foi obra do tempo, Zambi só plantou a semente, o criador da roça é o tempo. Zambi só é visto quando nois acorda para o oculto de nosso olhar certo de tudo. Ele é a força que girou a roda, Ele não é a roda, mas nela deixou sua impressão.

- Então Deus está na natureza ou é a natureza?

- Zambi, não precisa saber onde está, nem você necessita desta informação. O mundo gira e nascem as horas e nelas viva tu tua vida. Seja para uma coisa ou outra, de tudo, usufrua, sempre sabendo que tua estória-história será só tua, assim, como tuas perguntas ao tempo. Zambi tá num caroço de feijão, numa pedra do caminho, num vento que passa, num olhar de criança, no pulsar de tuas veias. Ele é o Espírito eterno que está em tudo e em nada e é o que é, e o que fez já fez; agora faça você seu tempo, seu mundo, sua história.

O velho acendeu seu cachimbo e deu umas pitadas e disse:

- Olha lá, Zambi chegou!

A menina ficou assustada e perguntou: “Onde Ele está, pois quero vê-lo?”

Pai Joaquim virou para ela e disse: “Veja o homem vestido de mulher que passa”.

O sábio de Aruanda foi descansar com os encantados até novamente ser questionado por um tal Zé. Aguardem que em breve saberão o que deu, ou o que girou no na roda girante do tempo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário