Além disso, há o tempo referente aos temas. A abordagem deles para cada época é bastante reflexiva. A linguagem filosófica e técnica de uma Escola ou outra também enuncia interesses e usos diferenciados por seus leitores, abrange os diversos cursos e campos do saber. A matemática empilha os livros 1,2,3... a publicidade anuncia os livros a,b,c... as sociologias publicam o,q,u,é...
Basta visitar um sebo de livros para notar as estantes empilhadas. Os mais antigos possuem capas semelhantes, menos coloridas, marrons ou verde fosco. Depois vê-se aqueles livros com capas azul escuro. O tempo aí já fez estradas. Tanto quem escreveu, quem produziu a brochura e quem leu o conteúdo percorreram trajetórias diferenciadas. Hoje as capas dos livros colorem as estantes. Em alguns casos até chamam mais atenção do que o próprio texto.
De tão indisciplinada que é a literatura presumo que aquilo se lê é sempre deslocado no tempo e em diversos espaços. Aquele que escreveu alinhado na estante ficou. Quem produziu não leu. Quem leu entortou(-se). Diga-se de passagem que os leitores apropriam-se dos enunciados que condizem principalmente com aquilo que ele busca no livro. Às vezes leem todo e aproveitam. Noutras várias, circulam as passagens que descobrem e o fazem descobrir-se num efêmero processo de identificação com aquilo que se lê – a frase. Guardamos essas frases grifadas nas estantes e na memória até serem ditas nas ocasiões.
Depois que a estante de livros virtualizou-se, as frases saíram das bocas para o MSN, blogs e sites de relacionamento. Tornaram-se mais públicas do que aquelas faladas oralmente – embora o boca a boca seja eternamente eficiente – ou anotadas em diários e guardanapos. Desde que Socrátes disse que “mais inteligente é aquele que sabe que não sabe” – o controverso dito popular “sei que nada sei” – frasear a vida inscreveu novos modos de compreender a linguagem textual. Não é toa que a frase do filósofo dita popularmente é praticada de maneira diferente do que se propõe.
No entanto, a palavra publicizada nas peripécias virtuais ganha amplitude em tempo real. Não precisa gritar! Pelo menos umas 30 ou mais pessoas estarão lendo sua frase (ou qualquer outra coisa, a exemplo dos links). Não se sabe se o livro está na sua estante ou se foi lido por completo. Digamos que a frase caiu do céu – ou melhor, apareceu no Google!
Mas o que de fato importa é como e porque as estantes tornaram-se indisciplinadas, tortas, sejam elas arrumadas com livros, com bocas ou blogs. Aquilo que se lê muitas vezes está deslocado do sentido original do texto e as frases tem esse poder de quebrar o consenso sobre aquilo que se diz, tornando-se tortas. Basta ler/dizer “o que não me mata me fortalece” sem nunca ter lido o que exatamente o autor escreveu ou visualizar no MSN um amigo escrever: “Querida Ana e eu adoramos filmes brasileiros”.
Como não admitir que temos a possibilidade de apropriar-se dos bens culturais e, por nós mesmo, produzir uma diferença no modo de enunciar a palavra, de praticar um lugar, de utilizar um produto e no que ela propõe gerando possibilidades diversas de entendimento?
Estes usos podem também gerar certo desentendimento. Não no sentido de que as partes se desentendam por falta de conhecimento ou mal-entendidos (discórdia), mas porque o sentido do texto está velado ou não é passível de um consenso, pois as concepções discursivas são sobretudo diferentes. Aquilo que se diz, se faz, se move é entendido e não entendido usando-se as mesmas palavras.
Meu caro Eder,
ResponderExcluirAdorei seu texto. O torto teve estes últimos dias a benção de receber quatro grandes escritores.
É, de fato as palavras têm esse poder. Ela pode ser lida no contexto de sua semântica ou ela transcende na cadeia de sigficados ganhando outros valores. Por isso que devemos sempre respeitá-la, e dela duvidar por que elas nunca são ingênuas, ou puêris como alguém já colocou. O interessante é que com o advento da internet a palavra ganhou proporções planetárias. Nós anônimos, mesmo sem quebrar a situação, podemos usar a palavra com uma alcance bem mais amplo do que outras gerações tiveram. Parabéns pelo texto.
Caro Roosevelt,
ResponderExcluirObrigado pelas considerações. Devo dizer que fiquei feliz em participar do torto. Gosto das produções aqui feitas, cada uma a seu modo, e dos debates recorrentes.
Quanto ao texto concordo com o que comentou. Minha ideia perpassa justamente o que vc disse.
Grande abraço.
Querido Eder,
ResponderExcluirA sua visão em ramificar as possibilidades de interpretações dos inúmeros enunciados expressos nos livros, faz-me cada vez mais perceber o quanto as verdades, apesar de muitas vezes muito bem argumentadas nas lógicas discursivas, são frutos momentâneos de cada um, ou seja, da forma como cada um libera seu senso crítico no momento.
No entanto, quero dar uma beliscadinha torta, como diz meu querido torto Roosevelt, a respeito de um ponto que, apesar de ter sido muito bem compreendido por mim, pode provocar um deslize no entendimento do leitor, o que de fato não é ruim, e que por sinal é inevitável hehehe, mas vamos lá:
"As estantes chegam a ser indisciplinadas, tortas".
Para mim, o torto indisciplina por ele requestionar tudo aquilo que ele encara como "sumbissamente naturalizado" aos nossos olhares, mas não acho que posso associar indisciplina como algo diretamente vinculado ao ser torto. Prefiro acreditar que o torto, antes de ser indisciplinado, ele é mais deslizante, efêmero.
Por que digo isso? Porque apesar de reconhecer essas suas belíssimas palavras expostas em seu texto, eu acredito que o torto preza pelas contingencias interpretativas assim como você falou, mas também preza pela necessidade inevitável das classificações.
Apesar de você ter mostrado a fluidez dos conteúdos, e ao mesmo tempo a ordem na qual se encontram elencados esses conteúdos, eu acho que pensar o ser torto como algo indisciplinado não encaixa muito bem pelo menos no que EU vejo como torto. Acho que pensar o torto como adepto à contingencialidade da vida ficaria melhor adequado ao que você quis mostrar. Volto a observar que essa é MINHA visão. É só uma perspectiva para você entortar sua cabeçinha calejada mental hehehe.
Muito fantástico seu texto
abração
Apesar de eu ter escrito um comentário gigantesco sobre o seu texto, gostaria de tentar esclarecer ainda a relação do torto com o indisciplinado. Veja: para mim, indisciplinado é o oposto do disciplinado. Como venho dizendo, EU acho que o torto, apesar de ser adepto da inevitabilidade contingencial dos momentos, da fluidez das cirscunstâncias, ele não deixa de mostrar sempre a necessidade dos códigos, das classificações. Bom, era isso que eu estava tentando dizer no blá blá blá anterior hehehe.
ResponderExcluirCaro Vina,
ResponderExcluirEntendi bem seu argumento sobre o Torto. Porém, mesmo concordando com você, devo ressaltar que o termo indisciplina que utilizo aqui é meramente metafórico. Utilizou-o para descrever uma estante arrumada ao mesmo tempo que é torta. Ao invés de associar o torto à indisciplina, faço apenas, e disfarçadamente, uma articulação entre as duas condições: ser torto, ser indisciplinado.
Pois bem, vc diz que indisciplinado é o oposto do disciplinado. E o torto não seria o oposto do reto? Do alinhado? Da objetividade?
É interessante como o tema da interpretação é constantemente interpretado. O leitor desenvolve alguma empatia pelo texto para conseguir interagir com ele. Seu texto, Éder, me alcançou logo no título por ter duas palavras extremamente representativas pra mim, estante e livros.
ResponderExcluirEu interagi com seu texto, porque ele tem significado pra mim. A velha discussão do que o autor quis dizer é de fato interessante, mas quando o texto se torna público é público. O que prevalece de fato é o COM TEXTO, não podemos esquecer a formação dessa palavra. O leitor pode escolher se pretende levar em consideração o “com texto” de quem escreveu ou o “com texto” dele que está lendo.
Eu escolhi meu “com texto”. E, no meu “com texto”, me encontrei com seu texto. Não pretendo terminar meu dia de hoje sem olhar melhor para a minha indisciplinada estante, sentir a minha colônia de ácaros e escrever em meu diário sobre as reflexões que seu “com texto” trouxeram para meu texto.
"Aquilo que se diz, se faz, se move é entendido e não entendido usando-se as mesmas palavras."
ResponderExcluirAxioma inexorável. Aliás, o que mais se vê é o desentendimento. O marxismo e o cristianismo, mesmo, são campeões nesse quesito.
Éder,
ResponderExcluirO torto enquanto a palavra torto, de fato é o oposto do reto. No entanto, o torto da forma como eu concebo enquanto perspectivas ontológicas e epistemológicas da realidade, eu considero como pertencente ao reto também, do contrário, eu não diria que o torto é produto e ao mesmo tempo produtor. Produto tá na convenção, no aparentemente reto; e produtor no requestionamento dessa ordem
Oi Renata,
ResponderExcluirAdorei seu comentário. A ideia de escrever este texto veio-me após alguns segundos olhando pra minha empoeirada estante de livros e de memórias. Digo de memórias pq sinto que há muitos ácaros a limpar na minha cabeça, pois quantas coisas deixei guardadas e só agora lembrei de algumas delas. Da mesma forma o livro fica ali, curtindo seu tempo, e a cada tempo e uso que fazemos dele parece que tudo muda já no primeiro parágrafo. Lembro qdo eu andava com o livro do Marx, A Ideologia Alemã, sempre no bornal. Tinha adoração. Ao tocá-lo, para fazer uma breve releitura, deparei com uma linguagem que já não me identificava mais, mesmo tendo toda admiração por este autor. Minha estante de tão "arrumada" que estava sob a poeira entortou meu olhar já ordinário.
abraços.
Vina,
ResponderExcluirPrimeiro que uma estante (ou as pastas do PC) serve para arrumar, para disciplinar os usos dos livros, que são também contigenciais. Desta forma é lógico que uma estante não é por si só indisciplinada.
Isolar a frase "As estantes chegam a ser indisciplinadas, tortas", faz-nos desconsiderar o que foi predito - e esta é a segunda condição. É exatamente isso que elucido no texto. Frases são interessantes, mas quando deslocadas do COM TEXTO (parafraseando Renata) elas ganham outro COM TEXTO.
O que me leva a pensar que uma estante é indisciplina, ao mesmo tempo que é torta? Pense-se na variedade de assuntos que classificamos como de interesse próprio. Mas há a variedade de assuntos que numa livraria nós somos indiferentes. Isto é, classificamos ao passo que somos pouco disciplinados para usar aquela gama de conhecimento produzido, pois o mesmo é fluido, ele passa, nos apropriamos de outros conhecimentos e mudamos a inquietude para outros recantos.
abraços.
Lou,
ResponderExcluirO desentendimento é uma filosofia política bem interessante. E foi com esta abordagem que Jacques Ranciere fez uma crítica a esses pressupostos totalizantes como o marxismo e o cristianismo. não lembro se no livro ele critica diretamente, mas é um foco interessante.
abraços.
Querido Éder,
ResponderExcluirComo eu ja disse no meu comentário anterior, em nenhum momento foi minha intenção em ir de encontro a sua relação do indisciplinado com o torto. Longe de mim isso, até por que, eu como pertencente ao torto, tenho convicção que minha convicção é MINHA. Quem sou eu para confrontar uma característica para o que eu concebo como torto? Só chamei atenção para o fato do indisciplinado com o torto, o que não significa, pelo menos nesse texto, um olhar contrário, mas sim um complemento. Não achei que eu recortei uma parte para explicar a complexidade do seu texto inteiro.
Eu adorei a colocação pertencente ao torto. O torto tornou-se proselitista mesmo sem um regra de fé declarada. Na verdade o implícito e o explícito são relativizados na re-leitura que fazemos constantemente. O jovem torto Eder é um ótimo autor e ver-se o mancebo construindo sua epistemologia torta. O bom do torto é que ele embora tendo suas bandeiras, ele não morre por nenhuma- é um verdadeiro cara de pau. Ele fala mal da bosta, mas primeira oportunidade que ele tiver ele caga no teu colo. Ele é um mininho danado doido para arranjar confusão e quando a polícia chega ele diz boa noite e se manda deixando a confusão para trás. Eu vejo o torto como um autêntico brasileiro-É o homo brasilienses que aprendeu a sobreviver todas as contradições desta cabrália, contudo o torto não é besta e muito longe está de ser um santo. O devir constante que impregna a mente torta e sua capacidade de relativizar e isso em extrema força, uma vez que esta entidade relativiza até o relativizar, é um desconfiado inveterado, faz o torto um verdadeiro personagem de contos, como o de vina torto: o Rei Bosta. Este ente no final sai cagado ou explodindo pois apesar da confusão que ele faz ele reconhece inexoravelmente que é uma bosta diante das intangibilidades de sua humilde, contudo real existência. Salve o torto, e não esquenta...hahaha (Roosevelt)
ResponderExcluirRoosevelt,
ResponderExcluirkkkkkkkkkkkk esse seu comentario sobre a confusão com a policia foi muito engraçado. Eu acho que o torto é isso mesmo, ou seja, um humano que desnorteia a realidade, mudando as coisas de lugar, mas ao mesmo tempo exigindo e cumprindo com as expectativas dadas pela realidade a qual ele desnorteia. Enfim, são como as estantes de Éder: os conteúdos se ramificam e transpassam uns aos outros, mas não deixamos de ter a nossa organização.
É por isso que quando ao falar sobre o texto de Éder, eu so teci a observação para o cuidado com a palavra indisciplinado. Não que Éder tenha usado para mim um termo plenamente inadequado, mas é que, por longas experiências no torto, eu ja percebi que as pessoas muitas vezes simplificam o fato de requestionarmos as coisas, com o fato de não sabermos conviver, nem querermos a ordem dessa realidade.
Quanto ao proselitismo, eu fico meio receoso com essa palavra. Apesar de eu não ter praticamente nenhum entendimento sobre religiões, eu acho que proselitismo significa você querer IMPOR uma forma de pensamento a alguém, e para mim, apesar do torto admitir que inevitavelmente possui suas verdades, mas ele mesmo reconhece que mesmo com todo o argumento e toda a lógica dada a essa realidade, suas verdades, assim como a de qualquer outro, são falíveis, afinal, são humanas.