Após a conclusão de um pós-doutorado em Língua Portuguesa, o eminente professor Ui Babosa retornou à sua verde Cidade (Pedantia) para integrar honorariamente, a convite do prefeito, a primeira turma de Direito da primeira universidade pública que ousou pousar por lá. Não lhe causava receio juntar-se aos nascituros acadêmicos - embora lhe causasse.
Eram todos pacíficos, não obstante o fato de observarem o pós-doutor com um olhar que, sem dúvidas, fundamentava-se no critério da senilidade. Havia um abismo etário, embora alguns outros gatos pingados estivessem também na casa dos sessenta anos.
A primeira aula de Introdução ao Direito já estava a ponto de virar um filme de simbolismo tão enigmático quanto a verdade sobre a sexualidade de seu diretor (isto aos olhos dos já citados calouros) quando foi surpreendida por uma discussão progressiva e engajada entre Babosa e o professor Mimquer Reales.
- Vós quereis afirmar, portanto, que devo eu abster-me da utilização de meus haveres críticos não execrando a depravação mórbida por parte de nossos homens da política?
- Peço-vos apenas que vós vos abstendes de tão prévios julgamentos! Uma vez no Direito, tatuai em vossa alma: nunca julgar antes de ler os autos do processo...
A erudita discussão parecia afogar-se cada vez mais num poço interminável, e, fosse pela profundidade das águas da erudição das partes envolvidas, poderia durar dias. Mas como dependia simplesmente da convenção em torno do tempo, acabou em poucos minutos, quando se iniciaria já a segunda aula. Bem , mas é válido informar que, como era de se esperar (pelo menos para mim, e pra você leitor, diga-me?), nenhuma das partes desconstruiu sua opinião.
Não demorou mais que um dia para que esta discussão se revelasse tal qual fora recebida pelo resto da turma. Tratava-se, para os unidos, entusiasmados e humildes calouros, de não mais que um show de exibição de quem buscava na verdade a atenção da turma para a sua distinção intelectual. A partir dali, Ui Babosa ouviria até mesmo no vácuo os criminosos cochichos ao seu respeito.
Maaasss, como felizmente (ou desgraçadamente?) sempre acontece, Ui Babosa ganhou a admiração real por parte dos dois ou três mais aplicados da sala. Estes vieram comunicar ao sábio amigo que já houvera tido até mesmo quem ligasse a uma sexualidade mal resolvida de Babosa esta sua suposta necessidade de “se amostrar”. O nosso eminente pós-doutor passou a segurar todo e qualquer tipo de comentário às explanações dos professores, sob pena de piorar sua reputação, soltando o que soaria como mais uma de suas verborragias homicidas.
Cada vez mais arrasado com as especulações surpreendentes acerca de sua personalidade ou mesmo de seu caráter, Babosa decidiu então deixar o curso ainda no primeiro mês. Refletia todo santo dia: - Deus, mas isto tudo apenas porque expus meu comentário numa linguagem mais sofisticada? Será que já havia algum boato sobre a minha pessoa se espalhando por aí? Meninos que até então eu não conhecia sequer de vista especulando desta forma criminosa as minhas atitudes e a minha concepção moral?
- Foi então que resolveu fazer uma retrospectiva e acabou desejando que as pessoas introjetassem em seus miolos rarefeitos apenas uma frase daquele seu professor que fora seu oponente naquele debate (vocês lembram?): antes de qualquer julgamento leia SEMPRE os autos do processo...
Gostei das referências ao Rui Barbosa e ao plagiador e participante, junto com Plínio salgado, do facismo tupiquiniquim, Miguel Reale. São realmente duas figuras expressivas do direito aqui no Brasil. Como falava Silvio Romero, deram destaque demais ao Rui, figura que não chegava aos pés, à nível de conhecimento, de nosso Tobias Barreto.
ResponderExcluirFalando em cultura jurídica nacional, Sergipe sempre teve ótimos juristas. Infelizmente, como disse uma vez Roosevelt, sempre apoiamos o que é de fora!
Com perspícácia, Josué captou o que Rui tinha de mais peculiar, a maestria com as palavras e uma pedantia ímpar. Esse texto resumiu a Oração aos jovens do nobre jurista, pura retórica vazia, sem conteúdo, diferente dos textos de Tobias Barreto, grande conhecedor das querelas filosóficas europeias!
Nas letras jusfilosóficas Rui não produziu nada demais, seus textos pareciam mais folhetins de jornal que encantavam jovens iniciantes no direito e latinfundiários analfabetos.
O mais interessante pra mim, ao ler o texto, é captar que o Josué já está sentindo na pele o desencanto com a ciência jurídica, bastante feudal e dentro de uma autoridade tradicional. Começou a perceber que ao se aventurar por outras ventanias, terá que aturar o fardo de não consquistar adeptos dentro do próprio curso, mais preocupado com a autoridade que com o raciocínio.
Não esmoreça caro, no final, perceberá que suas leituras não serão em vão. Vamos marcar para discutir sobre Kant. Antes para ajudá-lo, procure ler as categorias de Aristóteles e como ele as percebia. Elas estão escritas em um livro chamado Analíticos, uma parte do organon. É bom também ter em conta a querela entre racionalistas realistas, empíricas e os próprios materialistas, em torno das conclusões de Newton. Kant marcou um virada tremenda na filosofia. No direito ele é o grande arauto de todas, quase todas, construções da filosofia do direito.
Força na luta.
abs
Anderson Eduardo do Couto
Fica o convite, se quiser publicar algo no meu blog, fique à vontade! Não precisa ser somente na área jurídica!
ResponderExcluirAnderson Eduardo do Couto
Caro Anderson,
ResponderExcluirComentário extremamente pertinente e construtivo.
Obrigado pelo prestígio! Marcaremos sim, em breve, a discussão. Antes apenas preciso ler suas indicações, sobretudo a de Aristóteles, pois por mais que tenha estudado suas categorias agora em Lógica I, nunca abordei diretamente a fonte.
Abraço!
É meu caro Josué, as palavras podem nos contradizer. Elas escondem lamas, e tramas, bem como amores e afetos reprimidos. Parabéns.
ResponderExcluirJosua, gostei muito de seu texto. Só não gosto de neguinho que quer fazer comparativos hierarquizantes, o que não foi o seu caso, como se os pensadores não fossem reflexo de um tempo, e como se não houvessem pessoas que se identificassem mais com um do que com o outro. Essa coisa de dizer que determinado pensador possui discurso vazio é ridiculo. É tipico de gente que possui um criticismo infantil e pedante incapaz de gerar invejas no pedantismo de Rui Barbosa
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