Para iniciar minha participação no Torto proponho um tema de grande importância atualmente, porém ainda muito confuso quanto à sua concepção: a diferença cultural. Afirmo, desta forma, que todo ato de diferenciação é efêmero, mas, de outro modo, ele deixa ‘marcas’ para vestirmos ou desnudarmos o cotidiano no entretempo de nossas vidas. Afirmo também que os exemplos aqui citados não são suficientes para tratar do tema, são triviais, apenas um pequeno pontapé para inscrevê-lo.
Lembro-me quando estudei há uns 15 anos em um colégio particular de Aracaju, desses mais tradicionais, e no 2º semestre havia pintado os cabelos de cor acaju. Tinha cabelos nos ombros e curtia muito rock’n’roll. Ao adentrar os portões do colégio o fiscal me encaminhou para a diretoria para que eu pedisse permissão de usar aquela cor naquele espaço educativo. Tal foi o espanto da diretora que prontamente digitou uma carta para o meus pais, ‘indicando’ minha suspensão por 2 dias e ‘aconselhando-os’ a conversar comigo para que eu não perdesse o rumo de minha vida. Tudo isso por causa da cor do cabelo! Foi um grande alívio ela não ter notado os brincos nas minhas orelhas e não ter perguntado se eu ouvia rock ao invés de pagode, ou se eu tomava café ao invés de Nescau. O problema agravou-se porque era dia de prova e reclamei que precisava fazê-la. A diretora aceitou na condição de que eu voltasse para casa logo após a prova. Entretanto, no percurso até a sala, muitos alunos me seguiram fazendo grande burburinho. Cheguei a ouvir gritos como “maluco”, “maconheiro”, “viado” etc.!!!
Resultado: no dia seguinte fui convidado a me retirar do colégio!
Não tenho ideia alguma se a administração deste colégio é a mesma ou como esta instituição lida com estas questões (também não sei exatamente como as escolas estão lidando com os novos estilos de vida juvenil), mas há 1 mês passei por lá para ver meu sobrinho jogar futsal e notei alguns alunos enunciando suas diferenças, seja com cabelos pintados, usando brincos e argolas de todos os tipos e não só nas orelhas, expondo discretamente suas tatuagens (lugar-comum para os adolescentes), provocando um contra-senso naquele espaço educacional-repressivo da liberdade de ser e estar. Opa! Este discurso libertário pode ser deturpador. Não é bem assim. Vamos com calma para não defendermos ideias sem levar em consideração alguns porquês.
A diferença cultural é enunciatória e conflitiva. Ao passo que tenciona cotidianamente enunciar estilos de vida que diferem dos valores socioculturais e políticos sancionados por uma sociedade mais tradicional, ela expõe os conflitos contemporâneos da sociabilidade democrática. A diferença enuncia que o outro é aquilo que você não é. Diferença é, então, aqui tratada não como diversidade multicultural dos grupos sociais tendendo a uma coesão e aceitação ou política da diferença que ocorre com a organização de grupos e entidades sociais com lutas e objetivos definidos, mas como publicização de identidades sociais muitas vezes dissonantes. É, numa palavra, a visibilidade dos estilos de vida.
Imaginemos então como os colégios, que tem o papel de transmitir os valores sociais e educacionais para a compreensão da vida social, muitas vezes estimulam a intolerância por meio de práticas pedagógicas tradicionais voltadas somente para o vestibular. De outra forma, a incompreensão dos alunos sobre o significado maior da educação também estimula os conflitos. Alguns alunos (e pais) abstêm-se de ler as normas do colégio que estudam e por isso passam por constrangimentos e sofrem ações repressivas. Fui um deles! Talvez hoje, pensando com meus botões, eu não teria pintado o cabelo... Enfim, menos pelas normas e mais por não gostar de transgredir os lugares-comuns.
Na contemporaneidade as instituições sociais sentem dificuldades reais em lidar com a ‘diversidade’ de diferenças socioculturais. Por outro lado, o mercado comemora e aproveita para lançar novos produtos, bens e serviços variados para o novo público. Desta forma, cria-se novas especialidades de trabalhos e atividades criativas entre os jovens que cada vez mais procuram desenvolver trabalhos diferentes dos pais. Falando em pais, estes convivem com o conflito familiar, tendo grandes dificuldades para aceitar o filho em ter várias identidades (estéticas, sexuais, profissionais etc.), usos e práticas cotidianas diferenciadas.
Acredito que chegamos a uma época de indeterminação do sujeito. Conviver com diferentes identidades não é uma tarefa fácil para ninguém. Quanto mais cosmopolita é a sociedade, maior pode ser o conflito ou a abstenção. Mas em sociedades/comunidades mais fechadas, mesmo com toda disseminação de informações, a abstenção é algo praticamente impensável. As discriminações passam a ser mais excludentes e desconstruí-las não é tarefa fácil. Assim já experimentaram os grupos sociais que lutaram pelo respeito à diversidade sexual e pela liberdade feminina. Hoje, com a maior visibilidade das identidades culturais que estão cada vez mais dinâmicas, visto que não fixamos nossa identidade a apenas um modo de vida, a diferença cultural, ao invés de determinar objetivos e coesões sociais, ela apenas enuncia espaços de indeterminações da nossa condição de vida pautada em valores morais comunitários e instituicionais (religião, família, educação etc.).
Bem-vindo ao torto. Bom texto,man.
ResponderExcluirAs diferenças culturais são um discursos que todo mundo profere como uma regra para a boa convivência e como sentido para o sujeito portador de bons valores da sociedade moderna. Porém, os discursos em muitos casos prevalece em relação a prática. E nesse jogo da falta de conhecimento surgem as diferenças que emergem como tendência social e cultural para definir as fronteiras das identidades. Modos de vida e estilos de vida? identidades que se desfazem refazem? Enfim, eis o mundo em que vivemos.
Meu caro Eder,
ResponderExcluirBom texto de cunho sociológico. É bom aprendermos a aceitar as diferenças. Afinal, elas sempre existem. Embora exista um descompasso entre o discurso e a prática. Mas isso é normal pois falarmos sobre o que é tipicamente humano.
Éder,
ResponderExcluir"A diferença cultural é enunciatória e conflitiva"
Foi muito pertinente você ter tocado nesse ponto, pois o que eu percebo comumente é a necessidade dos defensores da diversidade simplesmente anularem a inevitabilidade do preconceito, das limitações humanas, enfim, do conflito.
O mais engraçado é essa relação imposta que você trouxe muito bem em seu texto ao abordar sobre o desrespeito da administração do colégio ao seu estilo. E como você mostrou, o que percebemos é que a herança da intolerância continua acompanhando as gerações das "ingênuas" criancinhas fofitas.
Agora, como forma de provocar construções de idéias nesse comentário, ou até quem sabe, uma inspiração para um futuro texto, deixo-lhe uma pergunta: como você observou, apesar da sociedade ainda se manifestar claramente na dificuldade de aceitar a singularidade do outro, como o mercado diante dessa segregação, consegue provocar consumo justamente nessa necessidade da diferença?
Do caralho seu texto man
Caros amigos,
ResponderExcluirConfesso que este é o tema que mais me preocupo hoje em dia. Essa multiplicidade de situações leva-nos a uma condição contemporânea que é indeterminada, descentrada dos valores sociais tradicionais. Contudo não vejo isso de maneira negativa. Pelo contrário, se é indeterminado não é possível dizer exatamente se é + ou -.
Concordo com vocês que o aspecto a observar é este descompasso entre discursos e práticas como o Alysson e o Roosevelt observaram. Vejo principalmente no aspecto político-institucional.
No caso de Vina, acredito que esta dificuldade deve-se à própria conflitividade das identidades sociais, das gerações, das diferentes culturas. Agora, o mercado é um instituição que sobressai neste aspecto pq a preocupação não é sanar conflitos. É abstraí-los na forma de produtos. Por exemplo, como as identidades étnicas conseguiram maior espaço na mídia e no mercado? Podemos sugerir que através dos novos modos de consumo e estética, novos modos de vida dos mesmos... bom, deixarei essa reflexão com maior acuidade para um próximo texto!
valeu camarás, grande abraço!
Querido Éder,
ResponderExcluir"a preocupação não é sanar conflitos. É abstraí-los na forma de produtos."
Bastante interessante essa sua análise, pois nem você anuncia o mercado como um simples adepto da diversidade; nem você se esquiva em admitir que o mercado no final das contas é impositivo.
Porém, será que o mercado não estaria apenas se adaptando a isso? Faço essa pergunta por que eu acredito que se a sociedade estivesse de fato disposta a aceitar a diferença, o mercado não conseguiria concretizar seu triunfo simplesmente abstraindo essas diferenças nas formas de produtos.
abraços
Caro Vina,
ResponderExcluirApesar de ter um posicionamento sobre isso, vou refletir nestas indagações para responder textualmente!
grande abraço,
Eder.
A indústria lança o produto na mídia e no mercado. Parte da população aceita os argumentos da mídia e do mercado, parte nega. A parte que aceita gera lucros suficientes para manter a mídia e o mercado como estão pela indústria, que simplesmente ignora a parte que nega. Há a possibilidade de que a parte que nega se torne maior do que a que aceita, e o mercador então nega a si mesmo e passa pro outro lado, atendendo, então, às necessidades da nova maioria, negando a quem aceitava pouco tempo atrás. O mercador é cínico, torto. É impositivo, mas também mutável. Contudo, se analisarmos bem, fazendo as devidas adaptações, a Religião e a Ciência passam pelo mesmo processo de autonegação constante em prol do que chamam de "verdade", que é, no fundo, um argumento qualquer, desde que em benefício próprio, ou, no caso das indústrias, lucro (verdade).
ResponderExcluirObviamente, esse argumento qualquer que quer ser aceito pela maioria, tal como esse produto, deve conter uma substância que gere "tranquilidade", por assim dizer, no espírito de quem a deseja alcançar. Com isso, busca-se, preferencialmente, verdades que sejam amplamente aceitas, de difícil refutação, que façam sentido dentro de alguma lógica argumentativa que condiga com qualquer parâmetro palpável, seja teórico ou prático. É o sucesso de vendas, ou a teoria irrefutável. Mas como sabemos, tudo passa, principalmente o que é material, corrosível pela variável do tempo.
ResponderExcluirLou,
ResponderExcluirMuito bacana a sua análise sobre a religião e a ciência. Somos educados a encarar essas duas realidades de forma separada, quando na verdade, as duas buscam beneficios próprios que atendam à fe de seus adeptos.
Gostei bastante tambem de sua analise referente ao mercado. É isso mesmo. O mercado não tem ética, a não ser a ética da ambição acumulativa do capital. O mercado escolhe aquilo que convém. Se hoje é um lado, amanhã pode ser o outro, ou mesmo os dois lados. O negócio é lucrar.
Porém, insisto na pergunta que eu fiz a Éder: será que o mercado atinge seus objetivos diluindo as diferenças em seu produto, mesmo diante de um mundo que preza pela diferença, mas que ainda não sabe conviver com ela, por que ele sabe que a diferença vende, mas tambpem sabe que a diferença não é pacifica entre os humanos?
Não sei se me faço entender
É, lá se foi a "Geração Coca-Cola".
ResponderExcluirCaros Vina e Lou,
ResponderExcluirEntendo que o "mercado", instituição formada por nós sujeitos sociais, tem seu papel fundamental na construção das diferentes identidades, principalmente na esfera do consumo. A sociedade de consumo existe desde que o homem entendeu que é consumindo e intercambiando produtos que se consegue acumular/distribuir bens, isto é, no capitalismo moderno. Não credito ao mercado uma posição avazaladora para reforçar ou homogeneizar as diferenças. Ele é, assim como o Estado e outras entidades sociais, um mediador (economico, político e cultural). A despeito das auferição de lucros e ambições prevalecentes dos empresários, há que pensarmos em como o mercado também inscreveu formas de vidas diferenciadas - e não homogêneas, ou seja, penso que o mercado não dilui as diferenças, ele as dissemina juntamente com outros processos globais e locais de fluxo de capitais, bens e signos.
Esta análise marxista do mercado, a qual parece-me ser feita em seus comentários, eu discordo em parte, pois mesmo creditando ao mercado a prepotência das desigualdades socioeconomicas, precisamos observar como ele é mediador do consumo e é mediado pelos consumidores, que não acredito serem tão alienados assim (afinal, no quadro geral tb consumimos diferenças e isso tem um sentido subjetivo!), mas que fazem uso e apropriam-se dos produtos a sua maneira.
Obrigado pelos comentários!
Abraços,
Eder
Éder,
ResponderExcluirDe fato, também não acredito em uma mera imposição unilateralizada do mercado em relação ao consumidor, assim como também compartilho com você ao observar o papel mediador do mercado. Bem interessante também a sua observação em mostrar que o mercado também possibilitou novas diversidades. Porém, há de convir que mesmo que o mercado se utilize dessas diferenças para atingir seu lucro, a sociedade ainda não se encontra preparada para aceitar essas diferenças que provocam tanta rentabilidade no cenário mercadológico. As intolerâncias continuam, as desigualdades aumentaram. As marcas diferenciadoras por exemplo, determinam onde cada consumidor deve permancer em sua posição no mercado de consumo.
Caro Vina,
ResponderExcluirConcordo com o que dizes. Porém, precisamos compreender que o conflito entre as diferentes identidades não é pertinente analisar levando em consideração as questões mercadológicas. Muito acima disso estão os conflitos culturais e políticos que resultam na diversidade de estilos de vida. O mercado está aí "cumprindo seu papel de lucrar sempre". O que mais podemos esperar dele? Quanto às diferenças socioculturais acredito que não dá pra medir a capacidade da "sociedade" em aceitá-las. Afinal, se há diferenças de estilos de vida, não há necessariamente uma ordem que implique em aceitação, ao contrário o conflito é decorrente da própria natureza cultural do homem. Mas as pessoas também convivem com as diferenças... isso eu vejo claramente todos os dias. Até na sala de minha casa!
Eder,
ResponderExcluirGostaria que você compreendesse que eu não estou colocando o mercado como responsável pela intolerância entre as pessoas. Inclusive, eu acho que o mercado é apenas mais um fenômeno que reflete esse conflito. O que estou querendo mostrar é que o mercado consegue ter lucro estimulando o consumo através da diversidade, mesmo diante de uma sociedade que ainda não aprendeu a lidar com a diferença.