terça-feira, 22 de junho de 2010

A Brasa Acesa

Ainda sentia o cheiro forte da brasa; no final da festa os pássaros começavam a se posicionar para alvorada, a roça descansava do trabalho do dia. Havia nessa terra seres encantados, sombras da realidade; sombras para o mundo moderno. Houve muita brincadeira naquele lugar, cachaça, batuque... O Brasil suava em cada samba, bradava no canto, ria com suas moças, sabia que o amanhã guardava a luta infinda da humildade e pobreza. Mas a brasa me deixa o rastro. Ela guarda a memória do que um dia vibrou no coração da gente, do que embalou a nossa alma. Esta brasa que ainda queima, mesmo fraca, se ascende quando se sopra um outro Brasil encima dela. O meu nordeste, onde o Sol brilha como Rei, imperando no coração da nossa gente. Nesta pequena povoação andam pernas que embalam o chão seco de batidas fortes. Mesmo chão que brota o tronco da nossa árvore mãe a nossa vaca leiteira. Vai taiera, sambas, cheganças a beira mar, cocos e cantadores. Vai nossa brasa tocar teu peito agora, meu leitor; somos do nordeste e viemos pra queimar teu coração com fogo ardente de samba, forrofiando a sua alma. E por hora irá descobrir:

Que somos do Nordeste
Que se espalha como peste
Na terra que come gente
E também nasce a fulô.

A árvore se esfriava na noite escura, as pernas das jovens não mais se entrelaçavam no embalo da cigarra. A fogueira soltava apenas á fumaça que prenunciava a ressaca. No topo da árvore havia um velho a olhar a brincadeira que a fumaça fazia ao subir aos seus.

– Quando agente dança, meu fio, parece que a tinta da alma pinta a noite escura, e o acalanto do fogo o gás da fornalha do corpo.

O que restava agora era uma paisagem desnuda, alguns gemidos e o olhar da noite precisa embalando a imaginação do velho. A noite no sertão de Tobias Barreto é fria e guarda o balançar da cobra e um encarnado perfumado.

- O medo, meu fio, nada mais é do que aquela árvore lá ao longe, tá vendo? Sabe o que tem nela? Algo que a noite comeu e que só o dia dá, e essa revelação é apenas mais uma forma que árvore da vida encarna.

A barra do dia já se soltava no céu, os passarinhos já não se aquietavam mais, e rompeu o dia! Barulhos burburinhos, uma nova fumaça se levantava com cheiro de leite e café fresco. As pernas agora se davam a se molhar todas e lavar seus encarnados da noite passada. Um cheiro contingente do gado no curral, as arvorezinha mirradas ao longe e o lombo da serra sempre alta. E a voz do boiadeiro no pasto dizendo: Tudo passa! Com amor ou com cachaça! Se tu estás assim agora é porque o rio não corre pra trás. O velho se intrometeu indagando, boiadeiro a quantas anda sua vida? Tu em tudo faz ligeiro e não consegue amarrar uma cobra arisca, eu devagarzinho dô um nó, que nem um bom laçador como você, vai conseguir desatar. O boiadeiro que já amarrava o cavalo olhou assim pro veio e disse: O mistério de tudo está contido na pedra, se o bichinho pequeno entende o segredo, forma uma brasa acesa e tudo isso engole o mundo. Minha mãe veia dizia que tudo tem seu tempo, e o menino novo que a tudo quer conhecer vê as cô da lagarta misturada, pega nela e se queima. Mas como tudo no mundo é movimento, cada dia é a chance de uma nova certeza. E como tudo na natureza, as certezas se calam no tempo e se espalham na terra e se escondem nas árvores, na noite, na pedra, na cobra, no vento...

Um comentário:

  1. Astronauta,

    É com a proposta que vejo você trazer em seu texto, que me lembro das discussões que têm sido travado por Roosevelt. Enfim, o homem tem que admitir que, apesar dele apreender muitas vezes o processo lógico de seus sentidos, ele não passa de um animal que, apesar de resignificar o tempo inteiro a sua realidade, não passa de um eterno ser em busca dos sentidos escondidos e resguardados que estão além de sua capacidade cognoscivel. E como tudo na natureza, as certezas se calam no tempo...

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