segunda-feira, 21 de junho de 2010

Música brega é torta (parte 1)

Pretendo abordar a relação da música brega com a perspectiva torta. O torto, por conceber a inevitabilidade das convenções, tende a encarar a realidade como algo visível, ou seja, algo com códigos que provocam entendimentos sobre ela. Por outro lado, o torto, por saber que a realidade é uma construção humana, mesmo encarando as validades das convenções, tende a pôr em dúvida a certeza dessas convenções.

Para o torto, a visibilidade pode gerar dúvidas, assim como a invisibilidade pode ser visualizada. Assim é a música brega. Ela é visível, uma vez que nós convencionamos determinados artistas como bregas, mas ela é invisível por ninguém chegar a um consenso sobre a sua real existência. Porém, mesmo sendo invisível, notamos a sua existência, mas mesmo visibilizando-a, não enxergamos a sua concretude.

Antes de entrar mais afundo no tema, proponho fazer um breve histórico sobre esse gênero musical. Surge na década de 60, no Brasil, o Centro (Popular?) de Cultura da UNE. O CPC tinha como objetivo, “conscientizar” o povo sobre a sua condição alienada. Para essa galerinha cepecista, toda a música que não se encontrasse diretamente vinculada à militância estudantil, era tida como alienada.

Pela década de 70, vai se consolidando no Brasil, a chamada indústria cultural, projetando artistas populares rotulados pejorativamente de bregas. Como historicamente o Brasil se caracterizou pela sua imensa maioria de indivíduos oriundos das camadas baixas, esses artistas atendiam a expectativa da maior parte da camada brasileira, gerando grandes lucratividades em vendas de discos.

Portanto, a musica brega nem era tida como uma música vinculada aos interesses políticos-ideológicos da elite intelectual, como também não era vista com bons olhos por se encontrar associada ao lucros das industrias fonográficas. A militância sempre entendeu o lucro como algo associado à ideologia burguesa, e tudo que gera lucro a burguesia, tende a ser considerado como alienante.

Eu acredito que um dos pontos que tornam a música brega invisível se deva a carga pejorativa imposta pelas elites intelectuais. As pessoas nunca entram em consenso a aceitar o que é brega pelo fato da denominação implicar juízos de valor. Ora, como denominações pejorativas só servem para aquilo que necessitamos reprovar, se eu aprovo determinado artista ou canção, como posso dizer que é brega?

Porém, a música brega, tem provado cotidianamente, que assim como qualquer tendência inserida no contexto global, mescla dentro de seu universo, uma miscelânea rítmica oriunda de todas as partes do mundo. Só a nível de exemplos, poderíamos elencar o mambo, a lambada o merengue, o cha cha cha, as baladas românticas, o bolero, o samba, a música eletrônica, etc.

A partir disso, surge o outro lado invisível da música brega: sua heterogeneidade musical. Se encontramos uma infinidade rítmica em seu universo, como podemos definir com clareza as linhas limítrofes da música brega? Uma coisa sou eu dizer que a música brega possui determinadas características, mas como a música brega é plural, qual seria de fato, a característica que eu poderia definir essa música como brega?

Em se tratando de sua visualização, acredito que dois pontos se fazem pertinentes. O primeiro se refere à inevitabilidade da classificação. Vejamos: ao procurarmos determinados artistas, previamente temos uma classificação sobre o seu gênero musical. Mesmo sendo frágil, a classificação norteia a nossa compreensão sobre as nossas escolhas, como também nos gera sentidos de valor e de identidade.

O segundo ponto se refere à institucionalização da música brega em relação ao seu público. Mesmo não sendo reconhecida em sua plenitude, a música brega possui determinados traços que a diferencia das outras estéticas. Esses traços estão marcados na forma como se constroem suas temáticas, em suas indumentárias, em sua forma de interpretar, na forma como ela estabelece a relação com o seu público, etc.

Portanto, podemos dizer que a música brega é torta, visto que essa tendência musical, ao mesmo tempo em que é visível por demarcar o seu território em relação aos outros gêneros musicais, assume um aspecto invisível devido a dificuldade de definirmos com exatidão a sua existência enquanto tal. A música brega por ser vista, não é atingida, e por não ser visível, concretiza suas características aos nossos olhos.

Para mim, a perspectiva torta, está dentro do mesmo processo da música brega. Assim como a música brega, o torto significa ser alguma coisa sem ser. É como termos a certeza de que avistamos uma ilha, e que por isso mesmo essa ilha não deixa de ser uma miragem; assim como reconhecemos que determinada ilha não passa de uma miragem, tendo a convicção de que deixaremos nossas pegadas em seu chão.

4 comentários:

  1. Mesmo não sendo um especialista sobre o assunto, nem consumuddor do chamado brega, entendo a pertinência do texto e sua lógica argumentativa. Vejo que o trabalho do colega torto dialoga com conceitos lingüísticos que a posteriore os apresentarei ao torto. Muito bom texto, escrito com muita lucidez.

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  2. Real existência pra quem? Caro Vina creio que o brega possui a legitimidade não apenas das camadas de baixa renda como dos segmentos médio da população. Vejo uma apropriação diferenciada, principalmente no que tange a releitura que as camadas médias, principalmente artistas e ala universitária vem fazendo desse gênero musical, além das camadas de baixa renda. O brega existe para os dois lados, pois são consumidos de maneiras diferentes.

    Em se tratando da heterogeneidade da música brega, como não invisível. Concordo em partes com você, pois outros ritmos também não passam por esse reconhecimento. No meu ponto de vista vai depender do interesse desse consumidor diante do objeto consumido. Existem consumidores de “MPB” que apreciam somente o som sem a percepção da sua estética melódica e harmônica, ou mesmo por sua história, mas pelas motivações de relaxar, por herança de familiares ou amigos ou por status. No entanto, encontra-se uma riqueza de ritmos no cancioneiro dessa linha da música brasileira.
    A pergunta é: Será que esse reconhecimentos heterogeneidade dos gêneros musicais não alcança a todos os ritmos, em se tratando que a indústria cultural busca a explicação por meio dos rótulos e, com isso, a definição fragmentada de movimentos e estilos musicais?

    Quero deixar claro que não discordo da relação pejorativa que o termo ganha para o imaginário social, que ainda traz o ranço dos anos setenta, mas não posso deixar de destacar que o brega possui uma diferenciação em relação aos outros gêneros de como outros generos possuem para os outros, no entanto, a legitimidade ideológica é mais severa com o brega, assim como, o foi em outras épocas e contextos sócio-culturais com o samba e com o blues nos EUA. Esse conflito entre os detentores dos padrões culturais e aqueles que praticam e legitimam o gênero re-significam suas praticas e os torna visíveis.

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  3. Alysson,

    Primeiro: em nenhum momento eu quis dizer que a música brega é legitima apenas em um setor. O que eu pretendi mostrar é que a música brega, apesar de ser dificil em ser classificada com precisão, possui uma convergência com seu público, o que implica uma memoria coletiva, uma história, uma visibilidade.

    Segundo: em relação à heterogeneidade, em nenhum momento eu quis dizer que SÓ a música brega se apropria de uma heterogeneidade musical. O que eu quis mostrar e que, pela diversificação em seu repertorio, não conseguimos encontrar de forma imediata, uma celula-ritmo. Outra coisa: também sei que a MPB, assim como a música brega, é uma criação ideológica, e também dificil de se definir, mas a MPB por ser legitimada esteticamente é mais facil de ser admitida enquanto tal. Porém, eu fiz questão de observar anteriormente que a música brega também se torna confusa devido a carga pejorativa construida historicamente em relação a ela.

    "não posso deixar de destacar que o brega possui uma diferenciação em relação aos outros gêneros de como outros generos possuem para os outros, no entanto, a legitimidade ideológica é mais severa com o brega"

    Enfim, simplesmente você falou o que eu disse, só que em outras palavras hehehehe.

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  4. hahahha, então tá desfeita a polêmica.

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