A química, que eu tanto negligenciara nos meus anos de ensino médio, trouxe-me, nestes últimos meses em que ousei revisitá-la, uma constatação incrível da sábia ambiguidade de que se utiliza por sobrevivência o mundo. E isto em um de seus contextos mais microscópicos: o átomo.
Graças aos estudos de Rutherford e Bohr, sabe-se hoje, numa visão não muito detalhista, porque não vem ao caso, que o átomo é constituído por partículas subatômicas, umas delas se organizam em um núcleo e outras orbitam em torno desse.
Minha curiosidade me levou a um pouco mais profundo conhecimento que me permitiu constatar que o núcleo seria formado de partículas com carga elétrica positiva (prótons) e de outras (nêutrons) que ajudariam os prótons a encontrarem um consenso afim de não se dispersarem totalmente pela repulsa gerada entre cargas iguais (e assim seria possível a existência esse núcleo). Pude constatar também que as partículas que orbitam em torno do núcleo são os levíssimos elétrons, que possuem carga negativa.
Comecei então a tentar aplicar todo o conhecimento num cotidiano macroscópico. O resultado foi um gozo aterrador.
Ora, a natureza, através do átomo, estava me apresentando a própria necessidade humana de ordem e de peculiaridade livre. O Estado, como exemplo de núcleo atômico, consiste num ponto de encontro de todas as demandas e elabora caminhos para tentar atendê-las, para que seja garantido (ou, pelo menos, para que se tente garantir) o espaço de cada homem. Ele nos pede a carga positiva que consiste em declararmos e tentarmos garantir nossos anseios, e pede nossa neutralidade em contraponto, pois precisamos afirmar nossas demandas respeitando a necessidade de existência das alheias. Eis então o jogo dos prótons e nêutrons para a garantia de existência do núcleo.
Porém, a ordem natural deve permitir (e, no contexto atômico, permite) que nossa carga negativa (e aqui entra nossa parte elétron), nossa subjetividade que possa gerar risco ao campo de ação (de qualquer ordem) alheio, tenha espaço. Este nos é dado em forma de órbita, ou seja, fingimos, positivamente ou, pelo menos tomados de uma postura neutra, desvencilharmo-nos do nosso inevitável preconceito, do nosso julgamento parcial, da nossa vontade de acender um cachimbo num ambiente fechado e cheio de egos, admitindo ser este desvencilhamento necessário à possibilidade da ordem de que inevitavelmente precisamos. Deixamos nossas partículas de carga negativa (à sociedade em geral) em casa (numa órbita afastada, porém próxima do núcleo) na hora de irmos ao encontro do lugar da ordem, por mais que elas estejam sempre escondidinhas em nossos bolsos na prática.
Ser Torto, sob meu olhar, é ser adepto, em teoria e prática, desta hipocrisia: a Hipocrisia Benéfica. Sabendo que as certezas são convenções que não passam de nosso medo da inevitável incerteza, porém admitindo a necessidade natural das certezas convencionadas (eu, por exemplo, preciso acreditar que estou ao computador redigindo este texto). Levando o futuro como um não-verso poético, e, portanto, aceitando a possibilidade de daqui a dois segundos outros cientistas redescobrirem o Modelo Atômico com organização totalmente diferente ou de a sociedade encontrar o caminho do átomo de hidrogênio e estabilizar o seu núcleo sem o nêutron, ou até, quem sabe, não mais precisar de núcleos. E então todas as letras deste texto virarem lixo, mas que, mesmo na qualidade de lixo, elas possam compor, em porcentagem ínfima, o mistério de uma nova vida.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirInteressante, de acordo com essa sua máxima da Hipocrisia Benéfica, como as pessoas não se enxergam como Tortas, já que essa hipocria da qual voce fala nada mais é que aquilo que o Wittgenstein chama de jogos de linguagem; em outras palavras, a contenção do que deseja exprimir verdadeiramente os nossos Eu's para que, assim, não possa haver um choque entre as cargas positivas e negativas das subjetividades num determinado átomo(meio). Sendo assim, creia, o meu discurso nunca será o mesmo entre os meus familiares, que exigem-me uma postura, digamos moral, mais atenta e entre os meus amigos que, até por não conviverem comigo em tempo integral, posso lhes parecer mais cordial e complacente do que sou dentro da minha casa. João Maldito
ResponderExcluirpere
ResponderExcluirCaro, João!
ResponderExcluirGostei do seu post, apenas tome cuidado para n atribuir a mim, através de sua própria elaboração, uma vontade de ineditismo. Aliás, eu não estou elaborando aqui uma ordem de funcionamento social com a qual pretenda catequizar outrem. Meu texto é uma observação metafórica da natureza, um novo velho olhar pedagógico, e, para mim, ele aqui se é bastante.
Eu entendi a sua referência ao filósofo da linguagem, mas para além de como vc o usou aqui, o que vejo é muito partidarismo e muito pouco respeito ao canto alheio num cotidiano prático. E a isto que me referi.
Abraço
Eu achei essa sua metáfora comparativa dos prótons e dos eletróns em relação às trocas estabelecidas entre os agentes sociais e o Estado, fantástica; no entanto, eu gostaria de lembrar que nem sempre se é possivel submeter-se às convenções e muito menos se é possivel pensar o Estado como um gerenciador dos conflitos.
ResponderExcluirEm teoria, essa deveria ser a sua função, porém, o que encontramos é um Estado (núcleo) aliando-se em geral, mais a um pólo que a outro (classes sociais) de forma nada torta. Nesse caso, não há Hipocrisia Benéfica, o que há é uma Hipocrisia Hipócrita, pois antes de saber fazer o jogo apropriando-se e dando a cada lado, o seu lugar de direito, esse núcleo-Estado, agrada aos interesses de uns e retira o direito de outros, construindo ao mesmo tempo, um discurso populista que tende sempre a fazer uns pólos ganharem 99% (pra dar o seu ar de bom samaritano), e outros ganhando 1% de seus direitos tendo o Estado a necessidade de "passar na cara" que está fazendo mais que uma obrigação.
Acho que a Hipocrisia Benéfica pode partir de nós subjetivamente ao lidarmos cotidianamente com as práticas com os outros agentes, e re-questionarmos e buscarmos as virtudes e os erros tanto no paraíso, quanto no inferno. Agora, se tratando de um Estado, uma instituição historicamente corroida pela corrupção e pelo interesse privado, posso te dizer que as cargas eletricas, antes de se conciliarem para gerar energias, elas estão se colidindo a ponto de eu me questionar se esse núcleo ainda se encontra com condições de se superar de seus equivocos e fuleragens.
bjs tortos
Vina TorTO
Pois é, meu caro Vina. Eu fiz questão de evidenciar entre parênteses a ideia que você acabou de expor. Em momento algum eu fiz a afirmação de que o Estado é garantia de suprimento de demandas. Mas pra encurtar discussões que poderiam se tornar gigantescas, eu creio que o Estado ainda assim continua nos cobrando uma maneira X de apresentarmos as cargas negativas e positivas. Eu não acho que a postura do nosso Estado seja torta, pois não há democracia de fato, apenas quis colocar que para se haver um lugar comum, há de se existir uma abertura de mão do nosso conteúdo negativo, abertura esta que, logicamente, não anula nossa carga positiva, e que esses adjetivos são atribuídos pela prória tentativa de lugar comum que é o Estado.
ResponderExcluirBrigado pela sugestão! bj!
Não sei por que, josua, mas não consigo enxergar tanto proselitismo no meu post como voce insiste em afirmar que tem. Acho que fui claro no que falei, fiz uma comparação do que voce falou com o que o Wittgenstein escreveu que, por sua vez, tem muita influencia do que Saussure escreveu, sendo que este, também, foi influenciado pela teoria do Fato Social, do Durkheim. E aí, levando-se em consideração isto, tem como não ser, em efeito, um pouco proselitista? João Maldito
ResponderExcluirEu não o acusei de proselitista, e achei válida a referência, por favor não continue a colocar palavras em meu discurso. Apenas disse que minha intenção com o texto passou também por uma queixa em relação a uma falta de tortice em vigência que não vou repetir aqui pela milionésima vez.
ResponderExcluirAbração, meu caro!
Querido Josué,
ResponderExcluirApesar de você ter conseguido se justificar, pra variar, de forma muito clara, eu tenho a dizer que não é por que o Estado não negocie de forma mais horizontalizada os interesses das cargas que o compõem, que necessariamente eu ache que, por ele não agir de forma democrática de fato, ele não possa ser torto.
O torto, pelo menos em minha concepção, mesmo buscando relativizar as classificações e as bipolarizações, ele nem sempre age de forma democrática de fato, até por que, se ele conseguisse tal intuito, ele não precisaria se entortar para justicar suas posições diante da realidade na qual ele se entorta.
O torto mesmo buscando agir democraticamente, ele admite que inevitavelmente, mesmo ele sentindo repulsa pelas classificações, ele é produto do meio, e que por isso mesmo, ele inevitavelmente possui suas classificações, e por possuir classificações, querendo ou não, ele opta em aceitar e se favorecer mais de um lado, do que de outro.
Para mim, o que faz o Estado não ser torto, se refere ao fato dele externar um ideal que ele diz que é, mas que não aceita criticas quando não consegue atingir esse ideal. O torto, assim como o Estado, não consegue a todo instante se utilizar de uma postura democrática, porém, ele deixa claro de sua necessidade em pensar no ideal, mas ao mesmo tempo, da sua incapacidade de atingir esse ideal.
O Estado quer que o vejamos de forma pura, verdadeira e sacralizada; já o torto pede que os outros o vejam como um individuo que tenta ser tudo isso, mas que aos olhos de quem ele quer mostrar isso, ele não passa de um ser de pureza misturada e corroída, sinceramente mentiroso e sacro-profano
bjs tortos
***************Da sociedade, não da sua citação!
ResponderExcluirCerto, Vina, concordo com você!
ResponderExcluir