quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Inã

Inã

Vó Inã sempre esteve à beira do rio.
Vó Inã lavava os curumins à beira do rio de Oxum.
Eu estive lá, eu vi.
As ondas do rio são serpentes douradas à luz do sol.
Sua água cristalina como o puro cristal.
Natural.
Suas mãos nunca machucaram seus filhos.
Sua calma é como o silêncio de um lago.
Há um canto que acalenta.
Sossega a alma.
Os peixinhos nadam em paz.
Os pássaros pousam e descansam.
A serpente não anda por aqui.
A onça conversa com a criança.
Sinto muitas saudades das bandas de lá.
Vejo a visão que logo desaparece no tempo.
As cachoeiras louvam a mãe da água.
E as águas correm, correm as águas até, sei lá...
São corredeiras e nunca param.
As pedras são nossas estórias.
Umas sabidas.
Entendidas.
Outras, simplesmente perdidas.
Sentidas.
Choradas.
Engolidas.
Esquecidas.
E...
Superadas.
Ou não.
As águas desgastam a terra,
A pedra polida está no fundo do rio.
Vó Inã já foi.
A tarde deitou o sol na cama da noite.

10 comentários:

  1. Roosevelt, seria legal que o senhor tecesse um pequeno comentário sobre os aspectos tortos de seu poema, de modo que não fique um dito pelo dito. João Maldito

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  2. Desculpe-me, mas não consegui entender onde você quis chegar com esse poema.
    Seria o torto, uma nostalgia?
    Seria o torto, essa paz da agua e da amiga onça conversando com as crianças?
    Seria o torto, as várias pedras acumuladas ao longo do nosso tempo, e como você disse: "Entendidas. Outras, simplesmente perdidas"?
    Eu acho que, se a pedra que está no fundo do rio ficou polida, não houve muito polimento em seu texto a ponto de eu conseguir saber onde de fato se encontra o torto nele.

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  3. Bem, creio que o objetivo é se entortar e não procurar "o torto", será que já existe um conceito sedimentado do termo? pq se existe parece que só é permitido publicar textos tortos aqui...(REUEL)

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  4. A poesia do nosso querido Tupinajé me lembrou a recorrência eterna que abordo no meu texto "neurótico alado" e me levou a começar a pensar em nossas certezas tão soltas na correnteza. O trânsito dos fragmentos de nossas experiências acabam nos tornando heróis cansados e errantes tal como as "águas desgastam a terra". Bela poesia.

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  5. Querido Reuel,
    apesar de compartilhar com você no que diz respeito a não necessidade de encontrar um conceito sedimentado sobre o torto, eu tenho que dizer que não é pelo fato do torto acreditar que ele não possui definições precisas, que o site do movimento busque aceitar qualquer forma de expressão textual, afinal, se assim fosse, o site se chamaria O AUTOR e não O TORTO.
    Podemos expressar tudo que acharmos que deve ser dito por nós, mas acredito que seria bacana (PELO MENOS ASSIM EU PENSO)fazer associações do que se está sendo expresso, com a nossa opinião sobre o que seja torto.

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  6. A meu ver, o torto é uma idéia sedimentada, uma vez que, consensualmente, temos falado sobre diversos assuntos conservando uma essência singular: a de que tudo que é sólido se desmancha pelo ar. Ou seja, a própria sedimentação é saber que nada é definitivamente sedimentado. João Maldito

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  7. O rio é movimento e movimento representa a dialética natural das coisas e das pessoas no curso de suas existências. Por ser de Oxum ele representa nossas esperanças. E a figura de Inã representa a prestação de contas e, ao mesmo tempo o amor familiar que nos cerca. O texto possui duas fases que se polarizam: a superfície, e a profundeza. Nas duas ocorrem praticamente a mesma coisa, só que na primeira as pessoas viam o que ocorria, na segunda, está o lapidar implacável da natureza, que mesmo sendo imperceptível, em tese, é real. O torto é dialético, o torto é movimento, o torto são alternativas explicativas do real. Penso: porque explicar a dialética ocidental partindo de Heráclito se muito tempo antes já existia a dialética do negro do rio de Oxum? Esta dialética explica muito mais que a visão Heracliana de seu rio porque a africana inclui de forma nítida a participação da família e de suas implicações na formação de nossa psique: Vó Inã lavava seus filhos...
    Salve o torto preto que nem carvão.
    (Roosevelt)

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  8. Ainda dando uma pitadinha sobre o que está implícito no texto "Inã", temos a reflexão existencialista que denuncia sua tendência torta, uma vez que ser torto é está sempre mergulhado nos conflitos presentes na profundeza das águas de Oxum. Embora na superfície parece tudo calmo, no interior de seu leito está o conflito entre naturezas diversas e opiniões várias. As pedras polidas como marca oposta aos curumins lavados com carinho mostra dois lados opostos, contudo, eles se completam, portanto, se negam, se diluem em um líguido mineral, bem comum a teoria teúrgica de Oxum. Os colegas se perderam porque não conhecem os mitos, mas apreciem o texto, pois é este ignorar que o faz torto de fato. Meditem e tirarão lições muitas.

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  9. Muito interessante essa metáfora que você trouxe da Inã com a perspectiva torta, como, por exemplo, o fluxo entre superficie/profundidade.
    No entanto, eu acredito que, mesmo o texto estando diretamente ligado com alguns debates estabelecidos pelo Movimento, penso que é importante deixarmos essa relação mais clara para o leitor.
    O leitor ao entrar no site, por saber que está dentro da página do torto, inevitavelmente, ao ler os textos, vai procurar as discussões sobre o torto.

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  10. Oi, tudo bem? Gostei o seu poema. Talvez vc possa me ajudar com Pasárgada que estou tentando a entender o simbolismo deste poema. Escrevo pq o seu usa o simbolismo tão bem.
    http://machimon.wordpress.com/2011/06/30/pasargada-manuel-bandeira/

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