terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Da Excrescência

Sempre resulta das conversas que estabelecemos em determinadas ocasiões, a depender do nível do colóquio, uma pontada de agonia que quiçá se resumirá, quando sozinhos com os nossos pensamentos, numa transmutação do sistema de discurso ideológico ao qual defendemos, por mais difuso que este seja; podendo, assim, o nosso olhar, se convergir a uma nova óptica de se encarar uma dada problemática. Esse processo ocorre com assiduidade no decorrer de nossas vidas e é através dele que desenvolvemos o senso crítico que, mais a frente, irá se cimentar de tal maneira, virando, quem sabe, por menos razão que tenhamos, um paradigma internalizado, de maneira intransmutável e orgulhosa, em nós mesmos.

Percebemos esse fenômeno mais acentuado nas pessoas de idade adolescente, por ser um período onde a nossa sensibilidade, que é garantida pela carga de responsabilidades que recebemos e pelo afloramento de nossa faculdade sexual, é recrudescida e pautada, sobretudo, numa vontade de reconhecer o meio no qual se está inserido e os processos biológicos que se dão no corpo. Observamos uma recorrência de casos de inaptidão a essas metamorfoses, o que coaduna para que vejamos o desenvolvimento de patologias de enfermidades ligadas a estes casos de desnivelamento psíquico, motivados pela inaptidão, que se dá em alguns jovens.

Podemos dizer que nesse período de pubescência a máscara do que fora assimilado por nós, sempre educados por via do moralismo maniqueísta cristão, vem abaixo, não de maneira literal em alguns casos, mas, de acordo com o amadurecimento, em qualquer pessoa, surgem-se indagações que são motivados pelo instinto humano de querer descobrir o que, para si, é desconhecido. Sofremos também com o impacto de novas disciplinas que, em tese, nos exige mais raciocínio e mais precisão da nossa faculdade criticista. Somos submetidos a desenvolver textos, a fomentar idéias, a discorrer para outras pessoas sobre aquilo que acreditamos e julgamos ser mais conveniente, enfim, o próprio mundo faz com que cresçamos de qualquer jeito. Sobretudo quando saímos do ensino fundamental e adentramos no médio ou colegial, onde começam a aparecer o dissabor das fatuidades mais sérias, período no qual os nossos pais já nos cobram resoluções sobre o mercado de trabalho sem que nem saibamos ao certo o que é ser, por exemplo, um engenheiro ou médico ou advogado, pois são realidades distantes do nosso dia-a-dia e, por mais vontade que tenha uma pessoa em exercer qualquer que seja a função, são cultivadas nas cabeças desses jovens de maneira voluntariosa para os cultivadores e involuntária para eles, que atuam como meros agentes passivos.

Não bastasse o mistério do envelhecimento, tratado como mera causa ocasional que se dá num período rico, a adolescência, e não abordado como um processo factível e concernente a uma idéia primária de morte dos nossos corpos, com a chegada no terceiro grau, eis que se aparecessem novos fantasmas para nos tirar o sono. Muitos desses fantasmas são garantidos pela subserviência que os filhos devem prestar aos pais que, sem que o jovem tenha maturidade suficiente, idealizam um mundo que lhes fora negado para a vida dos seus filhos. Por mais bem intencionados que sejam os pais em fazerem isso, não é difícil de se concluir que é uma atitude errada, pois os processos formacionais tanto de um como de outro são diferentes. A conjuntura social, assim como as individualidades, são líquidas, concatenam-se de acordo com aquilo que se é vivido a uma época, restringindo acesso ao que se necessita para o apaziguamento entre ser e meio, não sendo imprescindíveis ao estabelecimento dessa harmonia os jargões que perfizeram o espírito de um tempo que ficara congelado nos livros de história. Então, aparecem o contato com teorias, as dúvidas sobre as áreas por que optaram, a fecundação de idéias, as dúvidas de cunho essencialista, os sentimentos de reclusão, as paixões e um quinhão de outros fatores.

Embora tenha dito mais acima que algumas pessoas internalizam idéias que para si são irrevogáveis, vale esclarecer que, mesmo que elas não exteriorizem o contrário do que dizem, a refutação ao seu sistema também dorme em si. No entanto, valendo-se da hipocrisia e não querendo abrir mão do orgulho que carregam, fator que prepondera nas nossas vidas, essas mesmas pessoas designam o que falam como se fizessem disso uma égide onde jaz a verdade absoluta. Mas, creia, não ser passível aos de opinião forte, é um grande acerto, pois, na verdade, quando somos passíveis, estamos nos passando por cobaias de sistemas dos quais os seus próprios inventores não acreditam; em termos mais claros, estamos nos passando por bestas.

Verdade é que todos passam pela vida como bons céticos hipócritas, que por sobejarem alguma lucratividade ou posição, dizem ser favoráveis a sistemas idiotas que, apesar de defenderem o apaziguamento do qual já fora falado, segmentam em novas classes, o que gerará mais pré-conceituações, uma sociedade que em si, por essência, já é segmentada, afinal somos todos universos ocupando uma posição central, porém girando em torno do próprio eixo, e achando que os outros universos, as outras pessoas que não são diferentes de nós, também giram, só que em volta do nosso mundinho.

Conclui-se, portanto, como o bom observador já se valera, que a excrescência, tema do qual falamos, nada tem a ver com o metacomicismo, uma vez que este primeiro é uma fase que, depois dum processo de amadurecimento racional, se dará de maneira antecedente ao último, sendo que ambos, por mais que sejam imanentes a nós, não chegarão a ser percebidos por todos, por exigirem de quem os percebe certo grau de abstração. A excrescência não é a risada metafísica devido ao fato dos segmentos racionais não fazerem sentido, é, sim, a identificação desses segmentos por nós, o que resultará na frustração por não sabermos usá-los, já que, como fora abordado, apesar de ficarmos dando voltas em torno do nosso egocentrismo, sempre estaremos oscilando em se tratando de idéias. O liberal já foi conservador, mesmo que não deliberadamente, assim como o conservador quase sempre é um liberal, pois desde que lhe prevaleça, vale tudo.

Um comentário:

  1. Ou seja: a excrescência ao mesmo tempo em que se encontra em um lugar diferenciado da metacomicidade, ela está intimamente ligada ao metacômico. Se por um lado, o que falta ao metacômico, é a verdade absoluta, verdade essa que desliza de suas mãos, tornando-se, portanto, sem sentido; a excrescência tem acesso a esse repertório racional, porém, não sabe utilizá-lo. Resultado: mesmo tendo um repertório racional que pode ser acessado por nós, assim como no metacômico, o que falta a excrescência é um sentido claro para qualquer coisa, e que por isso mesmo, tanto no metacômico, quanto na excrescência, a frustração termina assumindo sua posição principal no palco principal depois de termos transitado ilusoriamente na certeza de uma busca pela verdade, enquanto ela arrumava sua velha fantasia de deusa infernal para tirar suspiros angustiantes e engraçados de nossos corações.

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