Quero escrever este texto para alguns leitores que costumam buscar ansiosamente catalogar sempre um depois. Para os leitores que mal sabem revelar o que passou e insistem em mapear o futuro. Para aqueles que pensam em comer o pão no momento em que a padaria ainda se encontra na maquete do arquiteto. Para aqueles que acreditam pensar a vida como um constante pulsar em busca do diferente, do inovador
Quero também escrever este texto para os leitores que por viverem a se degustar ilusoriamente do passado, necessitam enganar os seus olhos para o que explode em vida no agora. Quero escrever para os leitores que por vitalizarem unicamente o ontem, negam-se a se vislumbrar com os projetos do amanhã. Para aqueles que acreditam pensar a vida como constante formol do tempo, em busca do mesmo sempre.
Penso a história não apenas como as tintas rabiscadas pelos pintores humanos em uma tela chamada passado. Penso no passado como uma tela revisitada aos olhos presentes, olhos esses, insaciáveis em denunciar a incansável falta que persegue, que perseguiu e sempre perseguirá todos os homens.
Penso o presente como a eterna delicadeza imperfeita de tudo aquilo que pensamos expor em nossa tela. Penso o presente como uma falta que sempre deixamos para o depois. Mas essa falta não se apressa em pular de um lado para o outro, pois no meio de tal intuito, percebe-se que a falta não pode ser cumprida sem antes ter de passar pelo abismo que liga os dois universos.
Ai é que para mim vive o humano. Nunca um lado ou outro, mas sempre um lado em busca do outro, um lado que para se fazer compreendido, necessita voltar atrás, e um lado que para encontrar novas respostas, necessita pensar adiante. Somos o meio da esperança, da alegria, do medo, da fantasia e da desgraça. Somos os eternos sedentos e detentores de gananciosos projetos, porém, somos os eternos frustrados pela total concretização do que planejamos.
Quando em dias tristes, eu me ponho a enxergar de longe a riqueza ardente e intocável do sol, eu percebo que duas opções precisas é o que não darei conta em atingir. Quando em dias transbordantes de sede por sonhar, eu percebo o quanto sou capaz de sentir toda a exuberância esplêndida da grandiosidade advinda do mundo, mas no mesmo instante reconheço que a grandeza real não me passa de vontades em atingir a incógnita jamais alcançada que circula o meu ser.
Se eu fosse deveras diferente em tudo o que eu faço e o que construo, meu coração, alarme nostálgico e aventureiro de mim mesmo, não se daria ao rigor impreciso de me excitar a voltar a tocar as flores que há muito são minhas, mas que há muito não as tenho. Se eu fosse deveras rotineiro em tudo, jamais o sol, as estrelas, as árvores, os sorrisos amargos e vislumbrantes bateriam em minha casa chamada “Peito Alheio” para me trazer a excitação em me afogar em novas buscas.
Querer ser o novo me faz apenas reformular o que passou e colher os frutos do após, afinal, eu bem sei com o meu soturno ser, do quanto para ser novo eu necessito aguar as novas plantas de meu velho jardim. E eu, enquanto idoso de mim, bem sei do quanto necessito em buscar respostas para as coisas, pois dentro de minha antiga morada, aparece sempre um novo e conhecido visitante a me amaldiçoar com dosagens de esperanças e de saudades para que meu corpo não vacile.
Quando a criança raíz bate em minha porta, eu noto o quanto a sua origem se expande e se perde com seus olhos para o que se encontra além do corredor que nem mesmo eu sei o que guarda de mim e do mundo, mas que nem por isso essa criança deixa de morrer para novamente aplaudir aquilo que ela já percebeu não poder saber sonhar.
Quando o caule ancião me deseja paz e tranqüilidade, eu o admiro e o escuto como quem nunca pudesse ter deixado a voz da serenidade embarcar, mas ao ver os olhos do ancião perdidos, eu sinto a sua experiência unida ao seu velho medo de não ter a criança para saciá-lo com a pulsação estimulante e gratificante de sua raiz.
Eis isto tudo justamente por não ser chegada ou inicio, ou adiante ou passado, e sim, por ser o incansável vulto insaciável merecedor dos gritos e do silencio, afinal, quem cala também sacia, e quem sacia, resguarda-se em seus infindáveis amores dopados de tédio para aprender a reviver através do veneno pulsante, a alegria indecisa de se estar vivo.
Texto esplêndido, dionisíaco, e totalmente digamos que, inquietador, ou tranquilizador nas questões das projeções humanas do objeto perdido em si. Mesmo que desejamos e concretizamos nossos projetos e temos a felicidade momentânea, ou não, voltamos naquele velho esquema circular do desejo... Mais ou menos no sentido "não amamos o objeto mas, amamos o desejar" que ao conquistar o objeto, o tédio é algo destinado de um jogo entre o indivíduo e seus projetos de si inalcançáveis ao próprio "desejar", porque o seu objeto justamente perdeu o sentido ao se concretizar...necessita se de outros, ou a volta-se na lembrança ao passado daquele desejo...posso estar viajando aqui...mas pela minha compreensão, foi muito interessante sua abordagem!!!
ResponderExcluirAss.: Miguel
Minha perspectiva de arte, é movido nesse sentido, na falta do concreto como um desejo eterno do inalcansável no indivíduo...
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ResponderExcluirCanta meu caro Vina
ResponderExcluirÉ desses cantos que me ponho a fazer na cálida manhã
É com essa pena que exponho meu desassossego aos passarinhos amando-os e querendo os matar pela imensidão da incógnita do seu canto
Pergunto os pássaros cantam para quem? Para onde?
Muitas vezes apenas sei que o pulso ainda pulsa
E que a mercadoria ainda circula como o meu próximo cigarro questionador
Debito ou crédito?
A si o mundo fosse isso
Eu seria matéria nua
Revelada como o ancião sábio
Falando das suas verdades mais fieis tão duvidosas quanto o latir de um cachorro
E se eu tropeçar na próxima esquina?
Falo sobre o sol falo sobre as arvores e me deito sobre toda a cidade como se minha calma viesse em me diluir e me perder de mim
Para me perder do grande mistério.
Ass.: Reuel Astronauta
Miguel,
ResponderExcluirConcordo plenamente com suas palavras meu querido. Acredito que somos sempre a busca da unidade, porém, essa unidade para se fazer completa, necessita se articular com os lados, no entanto, esses lados, antes de se articularem preestabelecidamente entre si, camuflam-se entre outros lados, desagregam-se em outros lados.
Como você bem frisou, nossos desejos nos levam a sensação de potencialidade, ao mesmo tempo em que nos colocam em condições decadentes. Conquistamos e perdemos. Somos navegadores que aviamos a central a descoberta de uma ilha, mas logo após avisamos a essa central que tudo não passou de uma miragem. Avisamos da impossibilidade em atingirmos a ilha, tomando coco dentro dela.
O perto, o longe, o abstrato, o concreto, nada disso é respondido por si mesmo, e sim, existem por existir. O diferencial que fazemos deles é apenas fruto da necessidade de construções de sentidos que damos as coisas, justamente por sermos movidos a desejos insaciáveis, mas no final das contas, temos sempre a inquietante busca do que aparentemente concretizamos em projetos, mas que no fundo, não sabemos o quê estamos a buscar.
Reuel,
ResponderExcluirVocê trouxe belíssimas questões em seu poema. Acrescentou muitas coisas que busquei manifestar em meu texto.
De fato, os pássaros cantam para quem? Nós ao gritarmos aflitos ou fervorosos ansiando por nossas lutas e liberdades, ecoamos nossas dores para quem?
Quem somos nós, uma vez que perguntamos sempre onde estamos, de onde viemos e para onde iremos? Temos nossas asas para apenas nos darmos conta de que não podemos sair do calor escaldante do chão em que pisamos. Não temos asas justamente para sabermos criar formas de voarmos e deixarmos as marcas de nossas pegadas cruas e concretas longe dos nossos olhos.
Vivemos em um planeta para descansarmos em outros. Estamos grudados em uma cabeça que vive em uma fuga constante em querer não-pertencer a esse corpo tão nosso, mas que é tão alheio ao verdadeiro encontro que podemos ter com as nossas certezas.
Enquanto isso, acreditamos que vivemos literalmente as circunstâncias de cada momento, sem querer admitir que no final das contas, vivemos a cantar, cantar, cantar...
Atribuo a esse texto duas palavras que podem se estilhaçar em várias: existencial e fulminante.
ResponderExcluirEstar vivo já é uma provocação e a passagem do tempo um desafio. Aprender a aproveitar o intervalo entre o nascer e o morrer nos deixa assustados e procurando caminhos que nos façam seres mais realizados, abastecidos pelos sentidos encontrados e preparados para reconhecer a finitude que nos faz semelhante a todas as outras espécies vivas
“Ai é que para mim vive o humano. Nunca um lado ou outro, mas sempre um lado em busca do outro, um lado que para se fazer compreendido, necessita voltar atrás, e um lado que para encontrar novas respostas, necessita pensar adiante.”
O reconhecimento da humanidade desse torto entortado de ultrapassar ou talvez quem sabe construir um novo individualismo, que reconheça as limitações da espécie para que com isso possa fazer vôos maiores. Pois lidar com o perder não é tarefa fácil para um mundo de falsos vencedores.
“Quando em dias transbordantes de sede por sonhar, eu percebo o quanto sou capaz de sentir toda a exuberância esplêndida da grandiosidade advinda do mundo, mas no mesmo instante reconheço que a grandeza real não me passa de vontades em atingir a incógnita jamais alcançada que circula o meu ser.”
O texto tem um ritmo gostoso, com metáforas e jogos de palavras que vão te levando a pensar sobre a própria existência. Mas sem querer entrar em crise ou passar a idéia de uma nova concepção de auto-ajuda. Sinto um desejo de superação por meio de sentimentos reais humanos, quero dizer da construção desse humano que existe em cada um de nós.
Então é isso meu caro Vina, como eu ressaltei sobre a arte e esse objeto perdido (subjetivo), como o Reuel e você complementaram. Na poesia e na música nos relacionamos com essas questões sem resposta em nossas cabeças. A válvula de escape volta-se a poesia da coisa, não é necessária a resposta no real porque ela não existe, implica N’s outras questões. Mas migramos todas essas esferas de forma livre, que nos aproximamos ao que desejamos na música e na poesia, mesmo não sabendo o que é, as lacunas vazias são parcialmente preenchidas, como nos fala o autor do humano, demasiado humano, se (olhem bem esse “se”) por acaso niilista, existisse um mundo “perfeito” como querem propor diversas visões de mundo com um sentido unilateral, a arte não teria a necessidade de existir, supondo. Pois ela funciona como esse complemento, que não dá resposta alguma, mas a conseqüência do escape poético é o transito em todas essas questões e a posição livre na aproximação da ausência do real através do imaginário, enfim “tranqüilizando, os gritos e gritando os silêncios”...
ResponderExcluirAlysson,
ResponderExcluirÉ isso mesmo. Essa noção que temos do inicio e do fim, nos atordoa pra caralho. É engraçado, mas ao mesmo tempo em que temos noção dessa trajetória, não temos acesso ao que achamos que conhecemos, ou seja, o inicio e o fim. Vivemos sempre no meio do trânsito. Não sabemos de onde viemos, e não sabemos pra onde vamos. Por outro lado, sabemos que viemos de algum lugar e que vamos para algum lugar, afinal, temos uma idéia do que achamos ser inicio e fim. Vivemos diante de um vacuo-raiz, ou seja, temos uma origem, mas não sabemos onde começa essa origem. É complicado isso e chega até a ser desordenado, mas é lógico. Vá entender! O lance é se entortar.
Miguel,
ResponderExcluirSeus comentários chegam a me provocar arrepios pela tamanha intensidade que você ilustra suas opiniões sobre o tal do objeto perdido.
Pois é, acredito que os homens não são o que eles conhecem. Os homens são o que eles buscam, afinal, é no buscar que os homens amadurecem, erram, se refazem, enfim, mantêm-se constantemente em busca de um Ideal que jamais será atingido.
"aparece sempre um novo e conhecido visitante a me amaldiçoar com dosagens de esperanças e de saudades para que meu corpo não vacile."
ResponderExcluirPara mim, este texto foi psicografado. Não desmerecendo Vina, e sim o elogiando plenamente.