Antes de escrever para o blog cheguei a ler vários textos sobre a definição do torto, além de assistir aos vídeos. Isso me fez buscar a compreensão do que seriam aquelas concepções e idéias e, no melhor estilo torto, buscar as minhas próprias definições. Nessa tentativa deixei derramar algumas palavras na página em branco para ver se eu conseguia encontrar um caminho. Deixei um arquivo gravado para remexer as idéias e o retomei nessa semana. Então me veio a idéia de construir um texto e colocar a minha posição em relação ao torto.
Seguindo a série movimentos resolvi nessa semana ser mais pontual e discutir diretamente sobre o torto e a sua proposta de movimento incompleto. Como o torto lida com a incompletude do ser humano? E como se dá a relação entre seus valores e os valores cultivados pelas convenções?
Primeiramente gostaria de situar o torto numa perspectiva de movimento que mergulha na idéia de democracia. Ancorar em portos diferentes faz da trajetória do torto um escolher livre do porto mais confortável para o seu momento. A idéia de estar livre para dizer o que pensa, mesmo que as cristalizadas convenções digam não, é tomar a liberdade de expressão como principio fundamental, já que a subjetividade para se realizar necessita do contato com o mundo e com outras subjetividades. A frase de Voltaire que diz “posso não concordar com nenhuma palavra que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”, pode-se dizer, é a realização da idéia de liberdade concedida ao e pelo outro e que não teme a oposição, ao contrário, permite o direito de fala que o outro tem, tanto quanto ele possui. Ser democrático não corresponde nessa interpretação a um regime político apenas, mas enquanto prática.
A reflexividade é outra característica do torto. É um fenômeno da modernidade que se expressa no ato de refletir sobre a própria razão, ou seja, sobre o pensar, sobre as práticas. O torto utiliza a reflexividade como uma das ferramentas fundamental da sua existência. Como dizia Roosevelt em sua definição sobre o torto: “o movimento torto é autodegenerativo”, ou seja, ele usa e abusa dessa ferramenta para a (re)construção de suas idéias. Ou como diz Vina Torto:
Acredito que é isso que torna o Movimento torto fantástico. Transitamos livremente, percorremos os caminhos de acordo com nossas motivações e nossos interesses, mas admitimos que inevitavelmente somos Movidos, pois que eu saiba, nenhum de nós se encontra fora de todo um conjunto de hábitos e regras instituídos pelo contexto no qual estamos falando. Enfim, somos o Mover-se e o Movidos. Somos produtores e produtos”. (Vina torto em comentário do texto ...Movimento, move mente, move gente, instiga sonhos, futuca idéias...)
A entrada e a saída das galerias do cognitivo fazem o torto percorrer a trajetória do dentro para fora e de fora para dentro como um jogo em que o ser é esse mediador. Não deu pra entender, né? Pois bem, a reavaliação do ser põe em questão seus valores, suas crenças, suas concepções e posturas constantemente, onde o ponto de partida é o ser e sua relação de negociação e conflito com o mundo. O que o torna um movimento extremamente critico/autocrítico. Outra característica marcante.
Tendo a leitura critica do mundo joga com a provocação e a resposta do provocado. O torto faz questão de se posicionar dizendo o que pensa, o que sente, podendo desfazer toda a concepção construída, caso veja em outra posição a mais coerente. O torto não tem vergonha ou trauma em desdizer o que ele mesmo disse. O pensar entortado possui como sustentáculo e ponto de partida o ser humano na sua aceitação complexa de finitude, de subjetividade, de contradição, enfim, de ser humano.
A aceitação de faculdades humanas que nos aproximam e nos afastam de outras subjetividades atribuindo a isso seus complexos, seus sentimentos, suas angustias, sua eterna crise de existência, sua reflexão e situação diante do mundo. O fato de ser humano já é um precedente para ser um entortado.
Por mais que o torto critique, ou transe gostoso com as convenções, ou nem queira vê-la por algum tempo, a idéia é viver a dinâmica da subjetividade (suas emoções , valores e pensamentos), pulsando no pulsar. Ser coerente com a incoerência humana.
O torto lança reflexões sobre o mundo sem a preocupação de que essas estejam de acordo ou não com um padrão de valores não aceitos ou que sejam legitimados. A intenção é que a subjetividade saia de sua toca e diga o que realmente pensa e sente, sem amarras. É permitir que a subjetividade resolva seus problemas ou aumente suas angústias.
O movimento torto em minha opinião é um movimento incompleto no sentido de que não busca um ponto final, mas uma busca constante na critica e na revisão das suas próprias opiniões que podem mover-se ou serem movidas. Porém, mesmo que se prive pela pulverização livre desse olhar dançante, vejo no movimento fundamentos que ligam esses dançarinos.
Quero através desse comentário, complementar alguns pontos discorridos por sua pessoa nesse belíssimo texto.
ResponderExcluirO primeiro se refere a democracia. Pois é, levando-se em conta que o torto acredita que cada um tem sua escolha e que cada um se sente livre em transitar onde der na telha, de fato essa democracia é evidente no torto.
Porém, se pensarmos em democracia como aquilo que diz respeito a vontade de uma maioria, posso te dizer que pelo menos em minha concepção do movimento, essa democracia não existe.
Por que? Bem, o movimento justamente acredita que os seus membros possam construir suas próprias idéias sobre o torto, assim como refutar as suas próprias verdades, como também as de seus camaradas, por que ele admite que, apesar de nós nos encontrarmos sumbetidos a todo um sistema de normas e morais, inevitavelmente cada um é cada um, e cada um possui uma idéia própria sobre o mundo. Enfim, apesar de produtos dos meios, os indivíduos são subjetividades, interpretação, motivações e ações próprias a cada um.
Portanto, a democracia pensada como respeito e estimulo a opinião de cada um é aceita, porém, a democracia como a decisão de uma maioria nem tanto, afinal, para o torto, mesmo o indivíduo que faz parte da minoria, não deixa de fazer parte de um todo, ou seja, de estar co-existindo com a maioria.
PARTE II
ResponderExcluirO outro ponto se refere ao não temer a oposição. Vou mais além: o torto não só não teme a oposição, como também se opõe. É bom lembrar também que por mais que o torto acredite no exercício de se conviver com a diversidade de opiniões, ele por saber que inevitavelmente também é produto do meio, e por isso mesmo traz em sua bagagem cargas de valores, de hábitos e de preconceitos, tende a não se condenar por admitir que determinadas argumentações o agridam. Por ser subjetividade ele é livre, por ser produto do meio, ele é restrição e preconceitos.
Porém, é bom lembrar que o fato de admitir ter preconceitos, não leva o torto a naturalizar a existência deles, assim como não leva ao ponto de fazer com que o torto não deixe de respeitar a opinião do outro, mesmo que essas opiniões agridam as suas expectativas morais e éticas.
O fora pra dentro e o dentro pra fora sendo o ser o mediador. Pois é, o torto tent negociar ao máximo possível os antagonismos existentes entre ele e a realidade que o externa, porém, volto a dizer: pelo torto saber que inevitavelmente é produto do meio e traz em sua experiências de vida, legados culturais e morais deixados pelos antecedentes históricos, inevitavelmente ele tem suas preferências, caindo mais para um lado e as vezes caindo mais para outro, apesar de saber que não pode eternamente se fincar em um lado apenas, nem no outro, até por que se assim fosse, ele não se entortaria.
Não sei se complexidade de finitude, mas de inevitabilidade em atingir de forma plena o todo justamente por ser infinito enquanto pensamentos e projetos.
Não acho que a subjetividade do torto seja tão livre assim. Ele por ser reflexo das expectativas morais e éticas da sociedade, necessita pensar por si mesmo como forma de requestioná-las, mas também necessita se articular a elas como forma de se autoafirmar socialmente. O que eu posso dizer de uma subjetividade do torto é que ela é resultado da possibilidade do indivíduo pensar da forma como ele acha ser correto determinada coisa, no entanto, ele nunca pensa só por ele pois ao mesmo tempo ele é um liberto escravizado pelas correntes do sistema. Enfim, sistema esse que ele condena, mas que compactua, afinal, como você bem disse, transa com as convenções.
Entendo e concordo com a sua afirmação acerca da democracia e o torto. Talvez não tenha sido claro na relação. A comparação foi quanto a a utilização de valores que a democracia prega como a liberdade. A liberdade no sentido de que os individuos são livres para realizar as suas escolhas ideológicas, éticas, religiosas e por aí vai. ou seja, o torto faz uso dessa idéia e a pratica, fato que não vemos com tanta frequência na sociedade brasileira, por exemplo, portanto tomo isso como prática e não apenas como direito regulamentado. É o espaço também da subjetividade nesse contexto.
ResponderExcluirO torto então seria uma subjetividade negativa, ou seja, que está pronto para negar. Melhor dizendo critica, creio que seria a palavra mais adequada.
ResponderExcluir"Não sei se complexidade de finitude, mas de inevitabilidade em atingir de forma plena o todo justamente por ser infinito enquanto pensamentos e projetos."
Essa citação me fez lembrar da faculdade de sermos humanos, a qual pouco exploramos,quando buscamos excessivamente fórmulas e modelos externos. No sentido inverso, tem o mesmo sentido. Nesses casos, em minha opinião,nos tornamos menos autênticos e nos permitimos menos conhecer as nossas próprias subjetividades.
O torto seria uma subjetividade negativa por estar disposto a negar, a requestionar e a refutar a própria subjetividade, mas seria uma subjetividade positiva por estar disposto a aceitar, a compartilhar com as subjetividade. Acredito que somos a afirmação negada e a negação afirmada. Ao mesmo tempo não somos nenhum, nem outro em separado, uma vez que negativo e positivo, antes de serem completamente diferentes um do outro, entrecruzam-se.
ResponderExcluirNão sei se nos tornamos menos autênticos. O que eu acho é que não existe nenhum ser humano extremamente autêntico, uma vez que, por mais livre que ele seja, e por mais crítico que ele seja, inevitavelmente ele se encontra submetido a um sistema moral que o social faz com que ele incorpore para conviver em sociedade.
Se existir alguém que diga que é unicamente espontâneo, não será nada, pois não há como pensarmos em espontaneidade se não tivermos o oposto da espontaneidade para pensarmos sobre ser espontâneo. Assim como não existe ninguém plenamente reprodutor pela mesma relação que eu fiz com a espontaneidade.
Não há como conhecermos a fundo nossa subjetividade, como tambem não tem como conhecermos afundo nossa objetividade. Somos o transito, o entremeio, a metade-total e a totalidade em partes. Precisamos nos entortar o tempo inteiro.
Certamente este texto figura entre os mais profícuos textos já escritos aqui.
ResponderExcluirVocê soube muito bem absorver e brincar com a característica-mor do torto que, ao meu ver, é o que chamo de neurótico alado. Um ser que reconhece a Lei, mas não segue religiosamente sua dieta enquanto prescrições de condutas no que diz respeito a sua percepção pessoal. Isto não implica burlar a Lei e sim saber que esta está fundamentada em convenções, e para um universo de palavras, tem-se sentenças infinitas, portanto, n formas de se reconhecer a Lei.
A Autenticidade aí seria a condição de deslizar nesse mundo percebendo algumas das tramas que ele nos coloca. Não estou procurando a definição absoluta de autenticidade, pois não acredito na mesma. Acredito que se voltarmos para uma definição etimológica para todas as palavras corremos o risco de perdermos a discussão do significado que essa palavra ganhou e ganha. Vamos ficar sempre na discussão do ovo e da galinha. Quem veio primeiro?
ResponderExcluirA definição do dicionário diz do que é verdadeiro. Levando-se em conta os tipo de conhecimento constroem suas verdades e a própria subjetividade, como é aqui o caso do torto, que priva por esse espaço da subjetividade. Vejo que por mais que o torto tente fugir de levantar bandeiras ou posições ideológicas que estão dadas, ele busca se situar e construir sua verdade, mesmo que exista a liberdade dos que o seguem. A partir do momento que ele se questiona, seja positivamente ou negativamente, ele está a procura de respostas para se situar. Portanto, vejo isso como a busca de uma verdade, mesmo que essa seja passageira.
“Não há como conhecermos a fundo nossa subjetividade, como também não tem como conhecermos afundo nossa objetividade. Somos o transito, o entremeio, a metade-total e a totalidade em partes. Precisamos nos entortar o tempo inteiro.”
Acredito que realmente não temos como conhecer completamente, porém precisamos ter elementos que nos ajudem a nos situar no mundo, mesmo que esses vão de encontro ao que está estabelecido. Concordar, discordar ou ficar em cima do muro é se posicionar. E essa decisão é a a busca de um caminho, sentido, seja lá qual nome tenha. Mesmo que dure pouco, mas durante esse espaço/tempo aquela decisão será uma verdade, mesmo que momentânea.
Obrigado Josué pelo seu comentário. Penso que o torto faz um percurso semelhante ao do Jeitinho da forma que DaMatta analisa. Minha observação é quanto ao receio que o torto possui de ser caracterizado. Não é uma forma de amordaçar o torto, mas de buscar compreendê-lo na sua proposta de incompletude.
ResponderExcluirPenso que fui contemplado com os colegas de varias formas, contudo vejo que todo mosaico por mais permeado de retalhos e incompletudes, esse mosaico sempre irá possuir uma face, uma forma e isso é inevitável, vale ressaltar que para a nossa percepção. Parabéns alysson!
ResponderExcluirValeu Reuel, obrigado pelo comentário. Vejo o Torto como uma proposta em processo de construção, por isso, que denominei o título como movimento incompleto. Creio que é de importância discutirmos a respeito dessas caracteristicas.
ResponderExcluirQuerido Alysson,
ResponderExcluirEm nenhum momento o torto acredita que a liberdade por ele prezada não possa estar articulada com a tentativa de trazer aos outros, suas verdades. É como vc bem falou: apesar das verdades serem efêmeras, transitórias, elas não deixam de existir. Obviamente q essas verdades transitórias existem para cada um de uma forma, o que não implica em não acreditar que não se possa haver a verdade, mesmo que essa verdade seja verdadeira com a forma pela qual cada um a concede. Não pretendemos criar bandeiras em formas de sindicatos, mas acreditamos que nada impede em termos pontos em comum em algumas coisas. Só não nos sentimos obrigados a ter q nos submeter as "verdades" do movimento, até por que sabemos que as "verdades" dele são verdades criadas por cada um de seus membros dotado de acertos, falhas e reconstruções, e não por um consenso fantasma de que responde por todos.