segunda-feira, 19 de abril de 2010

Rebeca no Planeta Torto

A casa de Rebeca tinha o formato de um triângulo, e como em todo triângulo, sua casa era constituída de três partes.

Quando Rebeca decidiu conhecer o lado direito, adentrou-se em apenas um corredor que ficava também ao lado direito de sua casa. Ao entrar nele, ela percebeu que lá havia um Planeta chamado Direito. Naquele Planeta, ela encontrou formas rígidas de se organizar a vida. Todas as opiniões ficavam submetidas às Leis gerais. Quem negasse qualquer Opinião legitimada por essas Leis, era excluído do Planeta. A generalidade, quer dizer, o todo, vencia a particularidade, ou seja, a parte.

Pelo fato da livre manifestação ser proibida no lado direito, muitas pessoas que ali viviam, não refletiam a realidade de forma dinâmica, isso por que, ao mesmo tempo em que a realidade se encontrava exposta em seu sentido geral, as partes que a compunham, eram excluídas, fazendo com que os indivíduos se sentissem incapacitados de enxergar essas particularidades como um processo que se fazia e se refazia incessantemente com o todo. A saída do Planeta Direito era muito simples: bastava sair pelo mesmo corredor direito.

Quando Rebeca decidiu conhecer o lado esquerdo, adentrou-se em apenas um corredor que ficava também ao lado esquerdo de sua casa. Ao entrar nele, ela percebeu que lá havia um Planeta chamado Esquerdo. Naquele Planeta, diferente do outro, ela encontrou uma ausência de organização. Nenhuma das opiniões ficava submetida a um modelo geral. Quem quisesse seguir a opinião do outro, era taxado de alienado e excluído do Planeta. A particularidade preponderava sobre a generalidade.

Porém, as pessoas sentiam uma carência de códigos e leis gerais que dessem sentido as suas ações. Ao mesmo tempo em que a realidade se encontrava exposta em fragmentos devido ao excesso de particularidades, a totalidade como extensão dessas partes, encontrava-se ausente, fazendo com que os indivíduos se sentissem incapacitados de enxergá-la de forma mais ou menos consensual. A saída do Planeta Esquerdo também era muito simples: bastava sair pelo mesmo corredor esquerdo.

Quando Rebeca decidiu conhecer o terceiro lado, ela viu que podia se adentrar entre dois corredores ao mesmo tempo. Ao entrar nele (s), percebeu que lá havia um Planeta chamado Torto. Naquele Planeta, aceitava-se a particularidade, porém, admitia a necessidade de códigos e leis gerais como forma de possibilitar entendimentos e limites entre as pessoas. Lá, se podia aceitar a opinião do outro pelo fato dos habitantes acreditarem que o indivíduo era também produto do meio, por outro lado, lá se prezava também pela autonomia das pessoas por admitirem que cada uma tinha sua subjetividade.

Portanto, as pessoas do Planeta Torto, ao contrário dos outros Planetas, conviviam com o todo e a parte. Ou seja: se por um lado, as particularidades transitavam livremente, por outro, havia uma generalidade que coordenava essas partes. Por outro lado, ao mesmo tempo em que o todo possibilitava uma coerência no Planeta, as partes, por se sentirem livres em transitar, reformulavam constantemente as convenções ditadas por esse todo. Ao querer sair, Rebeca percebeu que a saída do Planeta Torto, diferente das outras, não era muito simples. Diferente dos outros dois Planetas, nos quais a volta simplesmente era a conseqüência da ida, no Planeta Torto, a volta e a ida se entrecruzavam.

A partir daquele instante, Rebeca aprendeu uma nova lição: ao conhecer ao mesmo tempo as partes, e, portanto, sua liberdade, e o todo, isto é, suas limitações, ela buscava se harmonizar com dois lados, mas por isso mesmo se conflitava, pois a liberdade individual de um lado, era a prisão social que ela recebia do outro, ao mesmo tempo em que a prisão individual era reflexo de sua liberdade social.

Rebeca passou o resto de sua vida se entortando e nunca mais voltou para a simplicidade de seu lar.

Um comentário:

  1. É quase uma paródia de Alice no País das Maravilhas.
    ...Fico a me perguntar se Alice se entortou ou não. Enfim, Rebeca encontrou a saída. Ou não. rsrsrs

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