sexta-feira, 23 de abril de 2010

QUE MOVIMENTO É ESSE...?

Todos nós já ouvimos as expressões movimento ou cena para designar transformações estéticas e culturais. Mas o que é movimento? O que é cena? Ou será que são a mesma coisa? Como podemos atribuir que existe um movimento ou se o que está acontecendo é uma cena?

Inicio com essas perguntas para desenvolver a minha reflexão a respeito dessas duas categorias e adiantar que esse é um pensamento a ser melhorado ou refutado no melhor estilo “Torto”. De antemão já podemos dizer que toda cena oferece as bases para o surgimento de um movimento. E que o movimento necessita de uma articulação de seus atores com os objetivos a que se quer alcançar. Além disso, tanto a cena, quanto o movimento, geralmente, enfrentam embates com a cultura hegemônica. Deu pra entender...? Creio que não. Em resumo, parto da idéia de que o movimento possui um esforço coletivo e conjunto em prol de um objetivo.

O Tropicalismo, movimento da música popular brasileira, buscou contribuir para uma nova maneira de compor e de comportamento cultural. Seus precursores se reuniam na casa um dos outros ou nos estúdios para discutir as perspectivas do movimento e para compor ou para gravar as suas canções. O princípio fundamental era a liberdade estética que naqueles tempos de ditadura tinha um algoz repressor na política e entre os próprios segmentos artísticos, esses que defendiam uma perspectiva ufanista para a música brasileira, sem interferências de estrangeirismos, principalmente da cultura norte-americana e o que viesse dela, como podemos citar o CPC (centro popular de cultura) que engajaram os artistas da “música de protesto”.

Por outro lado, uma cena está atrelada a acontecimentos culturais que podem ser provenientes de articulações e objetivos estéticos e culturais comuns. Podemos colocar como exemplo, o surgimento efervescente das bandas de rock que povoaram a mídia durante a década de oitenta e que afirmaram o estilo no cenário nacional. As influências eram provenientes da New Wave, Punk, “MPB” e Rock Inglês. Havia muitos grupos que traziam seus modos de vestir e comportar-se daquelas bandas, inclusive importando uma tendência semelhante na situação sócio-histórica, como os punks paulistas (Inocentes, Ratos de Porão e Garotos Podres), que buscavam retratar das periferias da capital paulistana. Ou o cultural dos jovens suas chapações, suas transas, suas angustias, seus medos, relacionamentos e crises existenciais. Bandas como Barão Vermelho, principalmente na fase Cazuza, Lobão, Legião Urbana, Titãs, Camisa de Vênus, Ultraje a Rigor e Engenheiros do Hawai foram dos poucos que, no meu ponto de vista, conseguiram extrair o espírito da época. Era uma tendência cultural que criou uma identidade com os jovens, que não mais se encontravam nas composições da “MPB”.

O Manguebeat aconteceu em meados dos anos noventa e trazia uma proposta cultural diferenciada para Pernambuco, até então influenciada pela tendência hegemônica das elites galgada na visão cristalizada da pureza da cultura popular e no folclore. O discurso da diversidade e das misturas de sons locais com a música internacional foram alguns dos motes do “mangue”, assim como Science intitulou aquele momento em que surgiam bandas na Manguetown com propostas bem diferentes do que a cultura hegemônica pernambucana e do cenário brasileiro praticavam. A idéia de movimento foi reforçada pela imprensa logo que tiveram contato com o release/manifesto “Caranguejos com Cérebro”. Contrário aos alardes da imprensa que sempre generalizam e criam conceitos antes de conhecê-los, seus idealizadores Renato L., Fred Zero Quatro e Chico Science viam o mangue como uma cena que melhor correspondia àquele ambiente lúdico e diverso.

Aqui está uma mostra da importância da relação da cena e do movimento com a mídia. Já que os meios de comunicação são responsáveis por (re)construir essas cenas/movimentos. Como a imprensa busca uma informação resumida e condensada acaba por criar conceitos confusos em relação ao que a cena ou o movimento pretendem passar. Por outro lado, os atores dessa cena/movimento também aproveitam a maré boa e o alcance da mídia para a projeção de suas idéias e produções. Basta lembrar que as nomenclaturas do Tropicalismo, Brock e manguebeat foi a imprensa que batizou.

Tanto a cena quanto o movimento dinamizam a cultura onde surgem chamando a atenção para outras formas de estética ou de fazer cultural. É a ação questionadora dos atores sociais, que respondem aos estímulos do meio em que vivem por meio da afirmação de suas diferenças. Peço desculpas aos amantes de Marx, mas não se trata de analisar uma nova forma de superação do capital opressor. Não se trata desse movimento, mas o daquele que faz a própria dinâmica da cultura nos seus ciclos de transformação e provocação pelo qual passa o nosso ator social que se permite provocar e ser provocado. E de tanto ser sacudido, fica a se perguntar: que movimento é esse...?

11 comentários:

  1. Comentar um texto como esse, torna-se até difícil... Dizer que gostei e que é interessantíssimo a ideia abordada, seria até ridículo... rsrs

    Então, pensei em refletir sobre os questionamentos feitos no início do texto. Muitas vezes, consideramos como a mesma coisa: cena e movimento. Entretanto, como estudante de Letras sei que existem palavras com significados parecidos, chamados de sinônimos. Contudo, sei também, que não existem sinônimos perfeitos. Sendo assim, cena e movimento não podem ser considerados como a mesma coisa.

    Classificamos como cena alguma situação que é representada em uma peça, um romance, filme, telenovela... Então, percebe-se que não é algo que busca um objetivo real, mas que está inspirado em elementos pertencentes a realidade, porém movido pela ficção. Cenas, representações é o que mais se percebe na sociedade em que vivemos. Então, como o movimento se diferencia? Movimento é uma série de atividades realizadas por um grupo para se obter um objetivo comum. E isso foi muito bem expresso no texto. Os movimentos representados na sociedade até então, serviram para isso, conseguir algo em prol de um grupo que pensa parecido.

    Por fim, corro o risco de dizer que um movimento como este que propõe um embate de "propostas e contra-propostas" é uma forma de conseguir um objeto comum para todos: o da tão sonhada liberdade de expressão.

    Acho que é isso... rsrs

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  2. Querido novo torto, se assim posso chamá-lo,

    Acredito que essa relação entre cena e movimento se faz de forma muito fecunda, pois é como se houvesse uma diferença entre um momento meio que desorganizado, sem projetos; e quanto ao movimento, um fenômeno que implica uma maior maturidade entre seus membros.
    No entanto, eu acredito que não haja um processo de uma cena para um movimento. Eu acho que a cena se articula com o movimento e vice e versa.
    Veja bem: tratando-se de um grupo mais formado, ou seja, de um movimento, podemos pensar em agrupamentos de diversas subjetividades,de indivíduos, isto é, de uma cena. Em nenhum momento, teremos um objetivo em comum. Poderemos ter no máximo, um entendimento mais claro entre os membros sobre a proposta de determinado projeto, mas jamais teríamos um consenso.
    Portanto, apesar do movimento ser um agregado mais consolidado, inevitavelmente ele se deintegra por ser composto por várias particularidades, ou seja, de uma cena que sempre viverá em seu útero. Enfim, ambos terão formas de mobilizações, e portanto, jamais serão de fato uma cena apenas ou um movimento apenas.
    Aproveitando isso eu pergunto a você: o torto então... que movimento é esse? Bom, se não tiver outro assunto na agulha para o próximo texto, deixo essa idéia para que você possa discutir em textos posteriores. Se não, que responda pelo comentário mesmo. Depois desse texto, fiquei curioso em saber a sua opinião.

    Muito do caralho esse texto man!!!! Parabéns!!!

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  3. Uma curiosidade: quando você fala "torto", ou seja, entre aspas, o que você quer dizer com isso? Pergunto isso pois muitas vezes quando usamos o termo "mau gosto", por exemplo, é por que queremos dizer mais ou menos assim: dessa forma acham isso, mas eu ponho em questão se o mau gosto, é de fato o mau gosto.

    Se for pela indefinição, eu posso dizer que não tenha duvidas da indefinição. É indefinível mesmo. Se for por duvidar se o refletir tortamente, de fato é torto, eu digo que é. Pelo menos para mim, torto não é o oposto do reto; torto é aquele que consegue se entortar, ou seja, o ue consegue conviver com o reto, com o acidental, aceita os dois, ao mesmo tempo em que os repudia.

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  4. Caro Alysson, já tinha visto alguns comentários seus, tanto no cinform, quanto neste site, e sempre os achei cheios de propriedade e oportunos.
    Fico muito contente por termos um colaborador tão forte a partir de agora.
    As questões suscitadas neste texto são prelúdio de discussões tão tortas quanto ele, e isso deveras me agrada. Pois, este trânsito entre o conceituar não-conceituando,esta brincadeira com o limites semânticos do significante me soaram bem tortos.

    Abraço!

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  5. Vanesca. Obrigado pelo seu comentário. Que bom poder provocar essa inquietação. Afinal, a idéia do torto é se entortar, rsrsrs. Mudar também é condição para estar vivo. A idéia de rever esses conceitos focados na cultura é parte da inquietação e da ação transformadora do ambiente que vivemos. A modernidade criou essa necessidade de mudança constante. E agora se segurem os críticos. bjos

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  6. Obrigado amigos tortos. Fico lisonjeado pelo convite. Mas vamos as perguntas/provocações de Vina.
    Vou começar pelas aspas. A intenção foi destacar o significado do torto. Como te disse pretendo fazer um texto sobre isso. Mas a idéia não foi a de tornar pejorativo o termo.
    Se o movimento torto é um movimento ou não. Bem, como disse, o movimento tem como prerrogativa uma confluências de idéias exaladas por subjetividades que canalizam essa energia produtiva em objetivos comuns. Esses fins são constituídos por princípios que são os códigos de conduta e de ligação ente essas subjetividades. Mesmo que o movimento seja plural ou fluido, como é o caso do torto. Ele possui eixo ou eixos norteadores que fazem essas subjetividades se encontrarem. Nesse caso, pergunto como você se sente pertencente ao torto? Tomo o caminho de que qualquer movimento suscita diferença, como abordei na relação conflitiva que esse tem com a cultura hegemônica. Portanto, nesse momento o torto é um movimento, sim!! Afinal de contas, como disse no texto, o movimento sendo obra da dinâmica da cultura e da necessidade das subjetividades de lançar propostas e de alguma forma provocar mudanças, se realiza também pelo construir e se reconstruir e até mesmo se destruir para se refazer.Por que não?

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  7. Encontrei um ponto sobre o torto articulando com essa sua idéia de cena e movimento. Bom, eu poderia dizer que o torto é um movimento em cena.
    Por que um movimento em cena? Seguindo uma perspectiva sociológica, acredito que um movimento para ser movimento, precisa de um tripé: PROJETOS, ORGANIZAÇÃO E IDEOLOGIAS.

    Bom, antes de construirmos o site, eu josua e joão maldito tivemos algumas reuniões para definirmos alguns pontos para consolidarmos o site. Nesse sentido, o torto teve um PROJETO,e, portanto, uma ORGANIZAÇÃO.

    No entanto, essa organização se faz de forma descentralizada, isto é, auto-gerida, visto que no torto, ninguém se sente obrigado a ter que concordar com a opinião do outro. Em outras palavras, negamos Leis rigidas para submeter opiniões sobre a forma como cada um pensa o torto. Nesse sentido, há a preponderância da subjetividade dos autores, e por isso mesmo, encaro como algo longe de buscar um objetivo em comum. Portanto, somos uma cena.

    Por outro lado, somos também um movimento por termos nossas IDEOLOGIAS. Quando me refiro a ideologias, quero dizer "visões de mundo", e não um discurso impositivo segundo uma perspectiva marxista. Porém, ao mesmo tempo, nós fazemos dessas visões de mundo algo fragmentado e desvinculados de qualquer programa preestabelecido.Nesse sentido, novamente nos tornamos uma cena.

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  8. Entenda: eu não quis dizer que você quis usar o torto como algo pejorativo. O que eu quis dizer, é que quando colocamos aspas, queremos chamar atenção de que o termo usado é posto em duvida quanto ao próprio sentido do termo.
    Quando usei o mau gosto, foi como forma de exemplificar a utilização das aspas.

    "Mesmo que o movimento seja plural ou fluido, como é o caso do torto, ele possui eixo ou eixos norteadores que fazem essas subjetividades se encontrarem". COM ESSA VOCÊ ME ENTORTOU MAIS AINDA HEHEHE. MUITO BOM! CORCORDO... POR ENQUANTO TALVEZ HEHEHE

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  9. No comentário anterior me referi a idéia de movimento como confluência das energias de algumas subjetividades em prol de algum objetivo. E comentei sobre a idéia do torto como movimento e não como cena. Disse também que esses objetivos (pois um movimento pode ter objetivos)são eixos que ligam essas subjetividades. Quando você diz que "negamos Leis rígidas para submeter opiniões sobre a forma como cada um pensa o torto". Vejo aqui um objetivo que liga para um eixo da liberdade em emitir opiniões mesmo que essas sejam contrárias.
    A idéia de movimento em cena...Não conceituaria como movimento em cena. O torto já passou por uma organização dessas subjetividades e definiu seus códigos e eixos norteadores, ou seja, ele não está na fase, vamos assim colocar, dispersiva da cena. O estágio é outro. Talvez precisasse de categorias intermediárias entre cena e movimento. Fico a matutar...

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  10. Mas será que pelo fato do torto prezar pela subjetividade, apesar de admitir os códigos (como ja falei redundantemente em textos anteriores, assim como você acabou de falar), ele não estaria de certa forma disperso?
    Sera que as contradições de cada um a respeito inclusive do torto, não gerariam carência de consenso, e, portanto, de UM objetivo mais claro e mais planejado sobre as suas próprias bases?

    O lance é que eu acho que a cena não é um estágio e o movimento, outro estágio. Eu penso que um é um útero na mãe, e o outro é a mãe no útero. Enfim, ambos se diferenciam, mas se articulam ao mesmo tempo. Nunca haverá uma MATURIDADE, como mesmo em tempos iniciais, existem OBJETIVOS, apesar de eu entender que esses objetivos não se definem claramente.

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  11. Mesmo a dispersão pode ser um código do torto para os tortos como para os não-tortos e isso o faz ter principios norteadores. Você sabe identificar um discurso torto. Certo? Sabe qual é a proposta. Esses são pontos a chegar para que o indivíduo seja identificado como torto.
    Em relação a cena e movimento se articularem ao mesmo tempo.É isso mesmo. A divisão conceitual aqui é só para sistematizar e tentar deixar claro o discurso. A cena é o ambiente provocador das subjetividades e o movimento é a provocação.

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