INTRODUÇÃO
O presente texto não objetiva esgotar a discussão do uso da música brega nas escolas públicas do Brasil. Ele apenas reflete um insight do autor sobre o tema que será discutido em outros artigos. O texto que segue trabalha o olhar freireano de educação e sugere o uso da música brega como recurso didático em nossas escolas. O texto ainda reconhece que a resistência a esse idéia é previsível, mas, vê no educador comprometido com a educação libertadora uma porta a aberta para o diálogo.
O estudo e a vivência em sala de aula, ao longo de quase trinta anos, me tornaram testemunha viva dos meandros da Educação em Sergipe. Hoje, estou em um pequeno povoado do interior do estado, e leciono para crianças da terceira série do ensino fundamental menor. Percebo que eles têm muita dificuldade para entender os conteúdos ofertados pelo livro didático, e até mesmo, o meu discurso. Fica claro aos meus olhos, que o que foi posto por Freire na Pedagogia do Oprimido se aplica a esse problema. Da mesma forma que precisei adequar meu discurso ao mundo daqueles pequeninos, o livro didático, sua linguagem e conteúdos deveriam também ser revisados e modelados à realidade daquela pequena comunidade de camponeses brasileiros.
“Simplesmente, não podemos chegar aos operários, urbanos ou camponeses, estes, de modo geral, imersos num contexto colonial, quase umbilicalmente ligados ao mundo da natureza de que sentem mais partes que transformadores, para, à maneira da concepção “bancária”, entregar-lhes “conhecimento”ou impor-lhes um modelo de homem bom, contido no programa cujo conteúdo nós mesmos organizamos”. (FREIRE, 1983, pg. 99)
O que salta à minha mente, ao observar essa realidade, é que nossas instituições permanecem insensíveis aos clamores feitos pelo grande educador brasileiro. A educação bancária sobrevive apesar de tantas críticas e reflexões feitas em todo o território brasileiro. As teorias que colocam a educação problematizadora, dialogista e libertadora, não foram postas em prática de forma efetiva, e parece que levaremos alguns anos para que isso acorra.
“Quem atua sobre os homens para, endoutrinando-os, adaptá-los cada vez mais à realidade que deve permanecer intocada, são os dominadores”. (FREIRE, 1983, Pg. 99)
Inevitavelmente, entendemos que a dominação em sala de aula continua tanto na abordagem docente quanto nas políticas e ações do governo. A presença da dominação no olhar freireano ocorre por que os dominadores insistem no modelo bancário de educação, uma vez, que este atende aos interesses das elites. A dominação em sala de aula ocorre de forma muito sutil. Às vezes, o próprio docente não percebe que ele é agente e vítima no processo. A dominação se materializa de diversas formas, até mesmo, nos valores estéticos presentes nos livros ou nas discussões em sala de aula, ou na grade curricular que obriga o professor a trabalhar determinados temas que não são temas geradores de problemáticas como pôs Freire em sua pedagogia libertadora.
O que devemos fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no nível intelectual, mas no nível da ação. (FREIRE, 1983, Pg 99)
Uma das formas que vi como válida para aproximar-me dos alunos foi a música. Esta, como todos sabem, pois, é do conhecimento público, atinge as pessoas de forma contundente. A música encanta as pessoas e as faz imaginar seu mundo. A música como, alguém já disse, é uma forma de aproximar as pessoas das outras e de seu mundo. O gosto musical até certo ponto identifica as pessoas com seu lócus existencial. Música e existência andam de forma muito próxima. Por isso, entendo que o uso da música brega muito se identifica com os postulados que inspiram a prática freireana de educação. Primeiro por que sua problemática, também, contempla a realidade daqueles que estão esquecidos nos sertões desse país. Segundo por que é uma música que possui uma textualidade fácil e possível de ser trabalhada em sala de aula com pessoas em fase de desenvolvimento da escrita ou aquelas que mesmo a possuindo, continuam necessitando de encontrar-se em seu mundo concreto. Terceiro por que ela evoca o imaginário daquelas pessoas, e isso quebra gigantescas barreiras para o educador que, de fato, deseja dialogar com o aluno na sua língua, em seu mundo, e discutir com ele seus problemas. A resistência ao uso do brega na escola é evidente. Contudo, se os professores abrissem os olhos para esse recurso didático, ou, se os responsáveis pelos livros didáticos incluíssem esse gênero musical, facilitaria bastante o aprendizado de nossas crianças. Nada melhor do que uma escola nossa! Aquele que vive a realidade de Raimundo, o leiteiro, ou de Joaquim, o carroceiro.
Por isto mesmo é que, muitas vezes, educadores e políticos falam e não são entendidos. Sua linguagem não sintoniza com a situação concreta dos homens a quem falam. E sua fala é um discurso a mais, alienado e alienante. (FREIRE, 1983, Pg.102)
Não quero dizer com isso que a escola deva reproduzir o discurso de determinado lócus. Pelo contrário, a proposta dialógica de Freire entende que devemos nos aproximar do educando para com isso podermos conduzi-lo à língua do dominador. O diálogo para o educador brasileiro é um diálogo de conflito, de contestação, de desvelamento das contradições com o objetivo de alcançarmos via educação a libertação de ambas as partes: O que oprime e o que é oprimido
Ao que me parece esse é parte de um possível artigo, pois se assemelha a uma discussão introdutória. Gostei da discussão, creio que precisaria incluir outros autores para dialogar com Freire.
ResponderExcluirUma sugestão para a discussão da sua idéia seria Bourdieu na idéia de capital cultural e na escola como reprodutora da ideologia das elites, já que esse pensador, inclusive, visualiza isso nos instrumentos pedagógicos como os planos de aula, projeto pedagógico e avaliação.
Como a linha de Freire é a da educação popular, creio que alguns diálogos com Gramsci sobre o papel do intelectual orgânico, no tocante a como esse pode estimular a compreenssão critica a partir do contato com a realidade que os circunda.
"A música como, alguém já disse, é uma forma de aproximar as pessoas das outras e de seu mundo."
Se a proposta é de um texto com referências, e ao que me parece esse texto terá continuidade, torna-se importante a referência dessa passagem. É uma sugestão.
Os argumentos estão construídos, mas creio que seria necessário a definição do que viria a ser a música brega.
Outra coisa. Ao que me parece, tomando Freire e a sua pedagogia libertadora, seriam os alunos que de livremente trariam os materiais sobre a música brega? seria a partir da sua noção de música brega ou o professor influenciaria?
Do ponto de vista pedagógico, quais seriam as habilidades desenvolvidas no aluno com essa atividade?
Meu caro Alyssonr,
ResponderExcluirO colega entendeu muito bem a proposta. O texto é um recorte de algumas discussões que estamos fazendo esses dias. temos construído alguma coisa de forma muito embrionária, mas a intenção é chegar ao artigo. Obrigado pelas sugestões, pois, vindo de sua pessoa são muito valiosas. obrigado.