quarta-feira, 2 de março de 2011

Amadurecer: Alma Endurecer

Amadurecer é perder o entusiasmo: disse um amigo meu.

Há horas em que até mesmo escrever perde o sentido, pois não há entusiasmo para se tentar afetar alguém cantando  angústias. E estou eu aqui, como este que chegou, sem intenção de chegar.  Este a quem a última coisa que se cabe a si é exaltar as próprias conquistas. Este a quem até mesmo  as mais baratas alegorias já custam chegar. Pffff...It’s a long way - e falta fôlego.

Deveras doloroso é dar-se conta do quanto se esteve à toa na vida, sobretudo se o teu amor se esquece de te chamar pra ver a banda passar. Aliás, tudo é ainda pior, pois ninguém te deve chamar  a nada. Estar sozinho deveria ser matéria elementar de ensino básico, afinal, se não se vê os amores irem, é porque se foi antes deles.

No choro daquela menina que cresce num interior, sonhando com seu futuro marido que substituirá sua boneca de trapos e acorda no outro dia cinquenta anos mais velha e divorciada. Aquela senhora que não pode ter filhos, para quem o “até que a morte os separe” acaba de chegar, e agora se vê com nada mais que uma pensão  que ela usa para encher de café, resgatando aquele peculiar cheiro de uso, a caneca do seu amor. Naquela felicidade do encontro enquanto usávamos fardas do mesmo colégio, e o que agora sobra além das frouxas declarações de saudade são apenas preocupações com estabilidade e doses de whisky para se esquecer do esforço diário... Lesionar a alma para que ela endureça...

9 comentários:

  1. Obrigado, Josué. Me caiu bem, por acaso.

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  2. Pra você ver que a gente acaba afetando, né? hehe

    Abraço!

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  3. Josua,

    Um texto sincero, e por isso mesmo, cortante. Nada mais descolorante e desiludida que a maturidade. Ser maduro nada mais é que saber que em nosso trajeto de vida, são as perdas que vão compondo a nossa existência. Amadurecer nada mais é que saber que o ímpeto de estarmos vivos nada mais é que a noção fiél e frustrada de que nem tudo se tem e nem tudo se pode ter. E ai esse é o resiltado do homem calado pensativo na sua agenda madura: pagar conta de luz, agua, telefone, aluguel, plano de saude e saber que não alcança mais a poética de sentir a luz do sol, a agua da chuva, a chamada daquelas antigas ilusões. Ai se vão os amores, as esperanças, as ilusões e ao nos darmos conta do nosso lucro, vemo-nos em nosso quarto sem muitos amigos, com muitas dores e com a certeza de que mesmo com toda a nosa luta, mais dia, menos dia, a morte nos pega de surpresa. A maturidade...

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  5. caríssimo Vina, causou-me inveja o seu texto complementar (não vou nem considerar como comentário). É como nos lembrava o velho Bukowski, além de tudo, deixar a morte sempre no bolso esquerdo....

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  6. ainda bem nao que perco o entusiasmo . mas nesta sociedade vc obrigado a fingir que esta tudo normal.
    nao se conforma , mas tbm n sai falando pra tudo mundo que vc esta incorformado e o que faço .
    alan

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  7. Esse texto está fantástico, mue caro Josua. Gostei muito da profundidade e do caráter existencial trazido nas suas linhas. Sempre me indaguei sobre o que seria maturidade e confesso nunca concordei em ver esse estágio como ponto mais alto da escala moral e ética do papel social. Sempre imaginei que esse discurso está no mesmo patamar do empregado padrão ou mesmo do homem digno livre de qualquer comportamento infantil, amoralidade ou antiético. Portanto, a minha concepção é de que a maturidade é mais uma construção ideal, dessas que são postas como referência para orientar comportamentos e costumes.

    Voltando ao seu texto. O inicio é elucidativo para a idéia de amadurecer: "Amadurecer é perder o entusiasmo...". Essa frase me chamou muito a atenção para a aceitação de acomodação que essa concepção de amadurecer traz. No entanto, vou aproveitar a liberdade que o torto me dá e vou me contradizer num mesmo comentário. Embora a idéia de maturidade carregue aqueles elementos do homem ideal moral e ético. Ela também pode servir como norteadora das ações anteriormente fundamentadas em experiências ao longo da vida e, que por esse processo toda a ansiedade e energia da juventude possa vir a ser canalizada e realocadas em ações mais precisas e menos desgastantes. Nesse caso não seria acomodação, mas a escolha dos caminhos a partir de critérios outros, ou seja, formas diferenciadas de lidar com as decisões, pressões, trabalho, ou melhor, são formas de lidar de outra maneira com o tempo. Estava na Escariz e li uma entrevista de Caetano Veloso na revista BRAVO! Em pergunta sobre um balanço entre a juventude e a velhice, Caetano respondeu que na juventude ele era muito ansioso e urgente, parecia que não daria tempo para fazer tudo que desejava fazer, porém na velhice ele percebe que tudo que ele planeja dá tempo de fazer.

    Parabéns pelo texto. Gostaria de ter escrito um assim.

    Grande Abraço!

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  8. Alysson,

    Achei bastante interessante essa relação que você trouxe da maturidade com uma necessidade que a sociedade tem de construir determinados ideais como forma de criar comportamentos e atitudes. Até por que, na minha opinião, ser maduro não significa a maturidade que nos foi construida enquanto representação social, uma vez que não implica um desligamento da história de cada um, e nessa história, cada um carrega seus traumas e valores introjetados na infância que terminam sendo revelados ao outro no convivio social de forma diferente. Por isso que assim como você falou, a maturidade pode apenas representar outra forma de manifestarmos nossas escolhas e nossos ideais, no entanto, gostaria de fazer algumas ressalvas.

    O fato de se associar a maturidade a falta de entusiasmo, não significa dizer que a falta desse entusiasmo implique necessariamente apenas a acomodação. Claro que aquele ímpeto vai se perdendo a partir do instante em que nós vamos vivenciando diversas experiências e reconhecendo que no final das contas, o que projetamos como bom, não necessariamente se reflete em nós enquanto bom. Porém, para mim, maturidade significa saber dialogar com o principio de realidade e essa realidade é limitada pois é dotada de sentidos e não se deixa transpassar além do óbvio. É por isso que acho que a quebra de ilusões é um fenomeno que existe enquanto vamos vivendo isso que a sociedade classifica de maturidade.

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  9. Talvez a minha idéia tenha sido mal interpretada. Não desconsiderei as implicações que as experiências de vida e a adaptação diante dessas.

    A acomodação se deve a um outro aspecto, a da perda de um sentido anterior. A perda desse pode se traduzir a partir da desilusão de algumas experiências que teve ao longo da vida. E essas podem ser a razão pela qual abandone aquilo que dava sentido a sua trajetória.

    O que quero dizer é que a acomodação se trata de uma escolha do indivíduo diante de experiências anteriores que podem estar fundadas nessa fase em que o entusiasmo é mais intenso, ou seja, as "utopias" ou possibilidades que venham a serem conflituosas, no sentido daquilo que é convencional.

    Vejo que nosso argumento é complementar.

    bjos

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