quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

VANGUARDA E BREGA, DIÁLOGO E MONÓLOGO

VANGUARDA E BREGA, DIÁLOGO E MONÓLOGO

O brega é um estilo musical que transita pelas camadas sociais. Devemos admitir: Quem nunca curtiu um breguinha? O Brasil inteiro ouve brega! Da zona sul a zona norte de nossa cidade, vemos pessoas ouvindo o brega. Isso ocorre de forma consciente ou não. Não depende se a pessoa sabe se é brega ou não. Isso me leva a acreditar que o estilo brega tem algo que a Vanguarda não tem. Por favor, não me esfolem vivo! Esse algo, para mim, está no discurso.

O discurso está presente em tudo que o humano produz. Então a vanguarda tem o seu. Mas o brega tem um tipo de discurso que transita com mais velocidade de que os outros discursos presentes em outros estilos musicais. Isso eu posso dizer sem medo de estar errado embora não sendo especialista na área. É algo de fácil observação. Coloca-se a cadeira na calçada em qualquer bairro de Aracaju e observa-se, logo, o brega aparece dizendo o que quer e como quer.

Talvez seja esse “como quer” e esse “o que quer” que fazem a diferença para outros estilos presos a uma estética voltada para um público mais “refinado”. As aspas estão aí por que aceito o fato de que os humanos são iguais até que se prove o contrário, logo, as nossas classificações são sempre injustas.

O “o que quer” é um campo discurso muito vasto. Logo o discurso brega contém marcas discursivas que despertam temas das mais variadas faces do real das pessoas presentes em uma dada sociedade. Ele toca as pessoas no seu imaginário e por tabela suas emoções e inconsciente. Quem nunca foi chifrado ou conhece um corninho? Quem nunca fez amor de todo jeito após uma festinha regada por muita bebida?

O discurso brega é dialógico. Digo isso por que ao contrário do que ocorre com os outros estilos musicais o povo entende muito melhor sua temática. Quando há compreensão abre-se a porta para o diálogo, e neste caso, ele começa no interior das pessoas. Elas se encontram naquela letra, vêem um pouco de suas vidas e de sua realidade. E por isso dialogam com o brega sem perceberem, e o brega, do mesmo modo, dialoga com elas: “Garçom, faça um favor...” Como? Sim, o brega dialoga por que ele enquanto discurso é intencional e dirigido a outro ser humano e essas são condições bases para um diálogo. É diálogo por que não é uma imposição, sua ideologia não busca a hegemonia, a dominação. É o discurso da expressão. Entende-se pelo trabalho de Vina torto que o brega surgiu pela necessidade das pessoas terem um estilo musical que abordasse uma temática mais próxima de sua realidade. Quando eu me vejo em algum lugar ou em alguma coisa isso aflora em mim palavras mil. Não é verdade?

Enquanto diálogo o brega causou medo ao poder. O poder não gosta que o povo fale de seu mundo. O medo do poder é que o povo dialogue sobre seu mundo e descubra as contradições presentes nele. O poder não confere ao povo o direito do discurso. O discurso do povo é o discurso do louco. Portanto o discurso brega foi censurado, ou taxado de coisa podre ou nojenta ou de baixo valor cultural por que o poder talvez tivesse pensado que seria um contra discurso, algo subversivo, atentatório a moral e aos bons costumes.

O “o como quer” também tem um vasto campo de atuação. Bem maior que o discurso da vanguarda que se prende a estética mais polida. A linguagem brega é acessível a todos. Por esta causa a identificação crescente da sociedade com o brega é compreensível. A exclusão no Brasil atinge a sociedade de todas as formas. Temos aqui a exclusão lingüística. O personagem Odorico Paraguassu da Novela o Bem Amado exemplifica muito bem o que quero colocar aqui. Ele falava um quilo e ninguém entendia uma grama. Assim é nossa arte em muitas ocasiões. O povo não sabe de que se trata. Não quero com isso culpar a arte ou os artistas, apenas digo que existe uma grande parte do Brasil excluída por questões lingüísticas. Falamos para um Brasil culto, de classe alta, que ler e estuda. Mas o brega fala como quer, usa termos do dia a dia, e fala de coisas da rua e de casa. Que bom! Assim, as pessoas entendem, e entender o que se diz é um passo importante para o processo de inclusão e para um diálogo entre as classes como diria Freire.

O discurso vanguadista é monológico. Ele fala a academia. É a academia falando com a academia. É um monólogo. Não quero tirar dele sua importância em vários aspectos. Sua estrutura lingüística não permite ao povão decodificá-lo e aperceber-se de sua importância. Ademais o discurso vanguadista não poderia levantar questões prementes às classes populares por que parece não ser essa sua preocupação. O que não ocorre com o brega. Não estou com isso dizendo que o brega esteja preocupado com alguma coisa. Como qualquer arte o brega é expressão, portanto, uma expressão do povo que fala para o povo do jeito do povo com a cara do povo. Constitui-se, então, num discurso popular. (Bakhtin)

Enfim, parece que o brega ainda assusta a muita gente. As pessoas não gostam que se mude a nota musical preferida. Parece que “o deixe tudo como estar” é um discurso que vai demorar muito para sair de moda. Estudar o brega é estudar o povo, seu imaginário, suas tensões e sonhos. Estudar o brega é estar cara a cara com o efeito lesivo de uma exclusão massacrante. É massacrante por que não precisaria ocorrer, e causa massacres literais no seio da sociedade, é massacrante por que temos tudo a nosso favor, e sofremos de diarréia e dengue o ano inteiro, logo, o massacre vem do poder, e é intencional, pois este não muda o discurso em seu miolo. O Brasil é o país da exclusão que canta e fala em liberdade sem que os oprimidos saibam que estão falando sobre eles. Ironia né?

“Vem vamos embora que esperar não é fazer, quem sabe faz hora não espera acontecer”. Seu João pedreiro, pagador de impostos, e bom cidadão, nunca foi escola. Ele não entende esses versos e nem sabe que eles estão falando de sua realidade.

6 comentários:

  1. o axei interesante deste texto e ele mostrar assim como penso , como termo vanguarda torna se intelectualizado pelas elites do mundo e foge com nojo do povao
    alan

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  2. Roosevelt

    Perfeito! Vanguarda e brega, duas denominações criadas por interesses de poder. A diferença é que enquanto uma significa lugar de prestigio na hierarquia estética por representar setores diretamente relacionados a uma elite intelectual; a outra significa lugar de desprestigio por representar setores periféricos da sociedade.

    O mais interessante, é que como você citou, a vanguarda se prende a si mesma, criando um gueto, e por isso mesmo, assume um lado monológico; já o brega cada vez mais vem quebrando barreiras sociais nas quais antes ele não era consumido.

    Enquanto a vanguarda é o estranhamento, a música brega é o extremamente familiar. Entre as duas não existe um fluxo tranquilo entre o estranhamento da rua (vanguarda) e a familiaridade da casa (brega). Socialmente, criam-se classificações com intuitos de separar as realidades ao invés de misturarem-nas.

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  3. Continuando...

    Em se tratando da vanguarda e do brega em relação à educação, eu posso apenas reiterar algumas conclusões que andei tendo:

    A)a vanguarda, por ser monológica, ela muitas vezes sequer passa a ser conhecida entre os próprios docentes, ou seja, entre a própria elite intelectual, e por isso mesmo, não vejo como o docente saber aplicar essa música se nem ele a conhece.

    B)olhando por outro lado, quando o docente conhece a vanguarda, muitas vezes, como forma de se diferenciar dos demais, ele a expôe como uma estética tão intocável quanto as coisas sagradas. Com isso, por sabermos que o conhecimento se traduz de forma mais simples quando aplicado a realidade do aluno, se a vanguarda se torna algo a ser representada como estranha, obviamente que ela vai se encontrar longe do cotidiano do aluno, e, portanto, mesmo o professor utilizando-a em sala, não vai provocar nenhum interesse ao aluno.

    C)quanto ao brega, apesar de encarar essa possibilidade de fazer o aluno se reconhecer, se enxergar através dessa manifestação, infelizmente essa música tende a ser relegada pelo corpo docente por representar "lixo cultural", "baixo nivel", "mau gosto", etc, e como nós sabemos, a escola, por representar os interesses dos setores dominantes de gostos "requintados" e "eminentes", pôe de lado essa estética mesmo sabendo fazer uso dela.

    O que falta é o professor reconhecer a importancia de se pôr em prática o que ele externa em seu discurso. Pois pelo que eu ouço, todos falam de conhecimentos articulados com a realidade do aluno, mas na prática, ainda se insiste na imposição do ter que ouvir músicas que "prestem", colocando por agua abaixo, todo o discurso externado.

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  4. Isso meu caro mestre,
    Mais uma vez usando a teoria de Freire urge a libertação do professor da tendência a trabalhar na ótica daquilo que é consagrado como certo e errado, bonito e feio, estético ou anarquico. O professor ainda tende a reproduzir a exclusão a qual ele sofre mesmo tendo a falsa idéia de pertencimento nesse sistema. O professor como o aluno é um excluído e do mesmo modo de seu aluno ele não o percebe. Um beijo mestre.

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  5. Não seria o caso de melhorar a educação para transformar (isto é, retirando-a o estranhamento que é fruto da complexidade) a vanguarda em brega? Dessa maneira, Caetano Veloso seria (aliás, como é, de fato, sem os adornos desconexos os quais quem diz entendê-lo profundamente denota por arte) tão estúpido quanto Bartô Galeno...

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  6. Lou,

    Não acredito que a complexidade esteja relacionada ao estranhamento. A complexidade significa a possibilidade do sujeito em interpretar a realidade sob diversos aspectos. Não podemos associar o complexo ao estranho ou ao dificil. Por sinal, as vezes a obviedade confunde mais as nossas cabeças do que a prolixidade intelectiva, pois ela reduz a abrangencia de um fenômeno apenas na fixação de um aspecto ao invés de todo um emaranhado de problemáticas pertencentes a um dado objeto.

    Na verdade, e ai eu parto para uma metodologia da complexidade, nós deveriamos olhar a vanguarda e o brega nas escolas de forma com que pudessemos fazer uma leitura abrangente das duas tendencias estéticas, ou seja, analisando os aspectos positivos e negativos das duas correntes.

    Esclarecendo: o brega é perfeito para ser utilizado nas escolas, pois como roosevelt disse, ele revela muitas questões cotidianas dos alunos, no entanto, não podemos deixar de pensar no brega sob uma ótica negativa propondo diversas questões como: por que a maioria de uma população não ouve também outras músicas? Será por falta de oportunidades? Serã por falta de identificação? Se for pela primeira, poderiamos pensar a questão da monopolização dos meios de comunicação que terminam funilando alguns artistas em prol de uma pluralidade de outros que terminam ficando jogados no depósito musical brasileiro; se for pela segunda, podemos pensar não apenas na questão da identificação estética,mas também devido a própria falta de leitura, de acessos a outras formas de interpretações, a carência de escolaridades, etc. Não estou querendo dizer com isso que o brega seja musica para ignorantes, mas que ele tem uma linguagem simples demais e que essa linguagem pensada socialmente, pode ser reflexo de uma falta de oportunidade a uma melhor educação dos brasileiros, a uma falta de prática com a leitura e com a escrita, acho que nós não podemos negar.

    Quanto a vanguarda, nós podemos associar um canal perfeito no ambiente escolar para requestionamentos devido a sua natureza fluida e provocativa, mas devemos avaliar seus aspectos negativos quando pensamos na ideia da vanguarda como uma estética que termina na prática sendo muito mais interessada nas autoafirmações e nas prepotências classistas de uma sociedade marcada por barreiras sociais como o brasil, e que a dificuldade do aluno compreender a vanguarda se deve justamente a toda uma formação mecanizada e eutomatizada imposta pela conjuntura capitalista a qual nos torna agentes reprodutores e sumbissos à repetitividade em nosso enfadonho tecnicismo muitas vezes chegando ao nivel do acefalismo.

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