quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Educação libertadora e Educação interacionista

Introdução:

O presente texto não busca aprofundar um diálogo entre Paulo Freire e Vigotsky. Seu foco é mostrar que um diálogo é possível uma vez que os dois vêem pontos muito próximos entre si sobre uma educação do diálogo e da interação. Ambos fazem uso do marxismo, embora, com diferentes leituras, mas, com objetos idênticos: A construção do sujeito no mundo.

A visão freireana de Educação aponta para uma relação dialógica com a realidade. Muito nos lembra a visão maiêutica no sentido de se conhecer as coisas por meio de um diálogo com o real que pode ser um monólogo/diálogo quando nossa voz interior trava dentro de nós um diálogo questionador dos fatos ao nosso redor. Freire viu a necessidade de uma educação que desvela os fatos e depois propõe uma crítica que em sua visão é libertadora do homem. Assim a pedagogia libertadora é a pedagogia do diálogo, da crítica, da proposta racional para uma despolarização da realidade. (Barreto,1998).

A teoria do pedagogo brasileiro acredita que a tensão entre as classes pode ser menor, portanto, o mundo pode ser melhor. E está na Educação a ferramenta maior de um processo de libertação, pois é ela que liberta o homem do medo. O medo de não conhecer, o medo de não superar a condição de homem inconsciente/inocente, o medo da liberdade de um homem em vigília/consciente de seu mundo, de seu lócus, de sua realidade enquanto vida material e simbólica produtora de múltiplos sentidos, inclusive o sentido político. (Barreto, 1998)


Paulo Freire coloca o educando na condição de um ser político. Por esta causa sua teoria reflete sobre o papel da educação nas relações concretas ou nas relações materiais da sociedade. A educação libertadora é aquela que ver o educando em seu lócus político, é a educação da práxis, e a escola presente nesse lugar, busca nas contradições desvelar suas causas para que uma nova ordem surja entre os seres humanos. (Barreto, 1998)


Freire sustenta que devemos sonhar e acreditar em nossos sonhos. O sonho do educador é a paz entre as classes para que a exploração e a dominação cessem entre elas, para isso, é preciso educar ambas as partes. Não são apenas aqueles considerados acéfalos pelas classes dominantes que necessitam aprender a apreender a realidade. Pois a tensão fere os dois lados. As classes dominantes também precisam despertar-se da utopia da dominação plena de lucro total. Freire deixa claro que o mal-estar entre as classes é causado pela dominação irracional das partes mais privilegiadas. Toda dominação é irracional, contudo, Freire viu a inevitabilidade de sua existência e a necessidade de um diálogo entre os homens para uma superação possível desse mal-estar. Um mal-estar cultural, pois sua gênese está na raiz das relações do homem com o meio e na significação do espaço natural em espaço geográfico, portanto, o espaço da cultura. Freire e Vygotsky conseguem ver a cultura e a interação com ela um caminho para transformar a história individual e coletiva dos homens. Assim a educação é uma ação cultural na visão de Freire. (Freire, 1970)


A educação como ação cultural, no entender de Paulo Freire, se põe ou a serviço dos opressores, ou a serviço da libertação dos homens, de forma consciente ou inconsciente. Quando se põe a serviço dos opressores, não se encontra a possibilidade de superar seu caráter de indução; quando se põe a serviço da libertação dos homens, a educação se coloca em posição dialógica e se acha a condição para superar a indução. Segundo Paulo Freire a libertação é um processo doloroso, pois depende do próprio individuo expulsar ou não o opressor de dentro de si. O homem que nasce deste parto é um homem novo que só é viável pela superação da contradição opressor-oprimidos, que é a libertação de todos. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo, não o opressor, não mais o oprimido, mas homem libertando-se. Um dos problemas mais graves que se opõe à libertação é que opressores e oprimidos precisam ganhar a consciência critica da opressão na práxis desta busca. Através da práxis autêntica que, não sendo "blábláblá", nem ativismo, mas na ação e reflexão é possível fazê-lo. Práxis é a reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Sem ela é impossível a superação da contradição opressor-oprimido (Freire, 1970).


Considero relevante nesse artigo destacar que o pensamento do teórico Paulo Freire contém marcas de Cristianismo. Ele acredita de fato que a humanidade por meio da educação pode ser mais justa e, portanto, alcançar o seu “paraíso” o qual na sua visão representa uma tensão menor entre as classes sociais. O que deve ser levado em conta nesse momento é o caráter utópico da teoria freireana em sintonia com a utopia cristã. O termo utopia nesse artigo refere-se à um fenômeno pertencente ao psiquismo humano e por isso presente na educação como construtora de sonhos, de sentidos, de significados. O pensamento cristão de Freire marca sua teoria com a presença do simbólico, do signo, do sonho. É claro que encontramos maior evidência dessa marca na forma como ele trata a palavra, a escrita e a leitura. (Freire, 1989)


A relação entre educando e educador no pensamento de Paulo Freire é uma relação mediada pelo signo, pela palavra, é uma ação cultural, pois, ocorre no meio cultural. É conseqüentemente uma relação de interação. O educador não se encontra em um pólo e o educando em outro. Os dois são agentes no processo tendo o intuito de problematizar a palavra, o discurso. A educação problematizadora se enquadra muito bem no pensamento do russo Vygotsky, pois este, também, entendia que a educação necessita de interação entre as partes. Freire enxerga nitidamente que a forma tradicional de educação, conservadora dos modelos e estereótipos culturais e sociais, a educação bancária, embora necessária para alguns, contém o discurso do dominador. E o professor, inevitavelmente, é o agente transmissor desse discurso. Para ele, então, aluno e professor necessitarão de libertação dessas amarras para que sejam salvos pela educação. A educação ocorre em ambos os lados por meio do diálogo entre aluno e professor. A palavra, a língua escrita e falada é o maior instrumento visto tanto por Freire quanto por Vygotsky no processo de ensino/aprendizagem


Para Freire, o aluno tem dificuldade no aprendizado das primeiras letras porque são alfabetizados usando palavras fora de seu cotidiano. O aluno não possui referências e nem uma relação psicológica com aquele signo lingüístico. Freire entende que educar sem considerar o cotidiano, o cultural é um caminho mais distante. É por outro lado um método que interessa a seguimentos outros da sociedade. O interesse existe porque sem a problematização dos fatos reais da existência, o homem torna-se vítima de si mesmo e de seu medo. O conhecimento do lócus no processo educativo é fundamental para que o sujeito se encontre no tempo e no espaço e perceba o mundo a sua volta, e é por isso que as classes sociais dominantes insistem em criar modelos de educação. Cada sociedade seguirá seu modelo, sua visão de mundo e de verdade providos pela a educação.


Freire apreendeu que a dominação é inevitável e que esta ocorre por meio da palavra. A língua internaliza os modelos de dominação e pode exteriorizar uma crítica para a libertação. Cabe, assim, a todos os homens dialogarem com essa realidade na consecução de seu bem maior. Contudo o bem maior é utopia, o próprio teórico admite. Mas ele insiste em sonhar.


Vigotsky também enxerga o valor da língua como mediadora e produtora de sentidos. O psicólogo russo viu que a criança aprende com a fala. É no diálogo com o adulto ou o professor ou um colega mais velho que ela desenvolve seu vocabulário e conhecimento do mundo. A escola para Vigotsky é o lugar da interação, do diálogo. Portanto um lugar do sentido, do significado, da palavra.


Freire e Vigotsky concordam que a interação mediada pela palavra é fundamental no processo de aprender. Os dois entendem que o discurso oficial tem caráter monológico. As ideologias das classes dominantes se transformam em monólogo, um diálogo de uma só via. A ordem das relações de poder e de dominação das classes privilegiadas é a soma total dos discursos produzidos e por ela transmitidos de forma monológica pela escola. Isso fica bem evidenciado na pessoa do educador. Somente ele tem o conhecimento na visão bancária de educação. Seus alunos são sem história, sem mundo. O educador é o agente do poder e portador do discurso oficial que legitimiza a condição de dominação. Tanto Freire como Vigotsky viram que a língua e sobre tudo a palavra é ideológica e transmite os genes da dominação. A educação deve, então, oferecer uma relação dialética com o signo e desmistificá-lo. Para tanto é preciso brincar com as palavras e ensinar as crianças palavras que falem de seu contexto histórico e cultural. Freire muito bem viu, que a cultura do educando deve ser considerada e com ela a história do sujeito aprendente. Os dois teóricos se casam muito bem nesse aspecto. A história e a cultura presentes nas ações pedagógica buscando situar o sujeito em seu mundo. Sem essa consideração o ensino continua sendo um monólogo, um recorte de algum lugar.


O psicólogo russo entendeu que a ontogênese do sujeito, a formação de nossa subjetividade e nossa personalidade é um fenômeno, sobretudo histórico-cultural. O sujeito é constituído de fora para dentro, ou seja, o sujeito é o mundo social internalizado no indivíduo cuja via maior do processo é a educação, e o espaço onde isso acontece é, principalmente, a escola e a educação formal que ela oferece. É óbvio que a preocupação primeira de Vigotsky foi mostrar como se constitui o sujeito, e como se estrutura sua máquina cognitiva. Para tanto ele trilha um caminho muito parecido com o nosso brasileiro Paulo Freire. Ele toma as relações sociais inerentes ao processo ensino/aprendizagem como referência para sua especulação psicológica e pedagógica. O sujeito interage com o mundo na pessoa do educador e a sala de aula torna-se um simulacro das relações contidas na sociedade. Ele não descarta outro tipo de aprendizagem: A informal. Ele vê nela uma via muito importante de aprender-se no mundo e sobre ele. O que une os seres cognitivos é a linguagem e sobre tudo a palavra, o signo/elo que une todas as mentes na reflexão sobre os fatos. Nesse processo, tanto se constrói um corpo de palavras (léxico) como se reflete sobre o uso das mesmas e sua importância para o desvelamento da realidade.


Paulo Freire (1979, 2002) ressalta a importância e a necessidade de se entender a existência humana a partir de sua substancialidade, ou seja, o reconhecimento de todos os homens como verdadeiros sujeitos históricos. Os atributos dados aos homens não podem, assim, sobrepujar o dado mais importante da existência humana: A sua presença no mundo como sujeito. Tomando como referência o ambiente cultural onde o homem nasce e se desenvolve, a abordagem vigotskyana entende que o processo de construção do conhecimento ocorre através da interação do sujeito historicamente situado com o ambiente sócio-cultural onde vive. A educação deve, nessa perspectiva, tomar como referência toda a experiência de vida própria do sujeito. Vigotsky tornou-se o principal expoente da abordagem psicológica histórico-cultural, que concebe o sujeito socialmente inserido num meio historicamente construído. Enquanto veiculador da cultura, o meio se constitui em fonte de conhecimento. Vigotsky empenhou-se na busca do entendimento sobre os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte integrante da natureza de cada ser humano. O sujeito para o médico russo é o sujeito do conhecimento e o sujeito psicológico que atuam no meio sócio-cultural. Que sofre sua ação e nele imprimem a sua.

As semelhanças entre os dois pensadores são muito grandes sendo, então, possível um diálogo longo entre ambos. O sujeito é um dos pontos que os aproxima de forma muito radical. O sujeito em Vigotsky é o exterior que se interioriza, é o social que se torna pessoal, que se torna substância internalizada em um lócus inexistente. O lócus é inexistente porque para ele a pessoa não existe em um lugar fixo de fato, é criação das relações sociais e do processo de maturação psicológica. A proporção em que ocorre o crescimento filogenético do indivíduo a ontogênese também ocorre. Assim, para Vigotsky o sujeito é uma mente social, e, portanto, não é substância propriamente dita. A criança é uma tabula rasa com tendências ao social e seguirá essa tendência cabendo a escola usá-la para a educação da mesma.


Bibliografia

Barreto, Vera. Paulo Freire para educadores. São Paulo: Arte e Ciência, 1998.
Freire, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 17a. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
Freire, Paulo. A importância do ato de ler: Três ensaios que se completam. São Paulo, Cortez, 1989.
Vigotsky, Lev Semenovich. Formação da mente social. 7a Ed. São Paulo, Martins Fontes, 2007

2 comentários:

  1. Querido Roosevelt,

    Meus parabéns pelo seu texto. Você conseguiu através de uma linguagem fácil e ao mesmo tempo rica, trazer elementos bastante pertinentes entre esses dois grandes pensadores da educação.

    No entanto, como educador da rede estadual de ensino, eu posso dizer que é muito dificil se chegar a estabelecer um diálogo espontaneo do docente com o dicente. Infelizmente em nosso Brasil, as distancias entre esses dois universos são muito grandes e a necessidade de elencar fetiches por parte dos educadores também é muito forte. Essa tendencia ao fetiche provoca uma relação opositiva entre os que sabem e os que não sabem, entre os que gostam de coisas boas e os que não gostam. Um diálogo no sentido mais preciso e fiél do termo, encontra-se a infinitos anos luz para se realizar.

    Outra coisa: fazer o aluno enxergar as contradições para se quebrar uma determinada ordem e provocar novas mudanças também é cômico em uma realidade brasileira na qual sequer os professores possuem um reconhecimento critico acerca de sua história e de suas exigências politicas. A falta de conscientização para se questionar a atual ordem já começa pelos próprios docentes que muitas vezes não passam de pessoas acomodadas, apaticas, desinteressadas, que não lêem,não se atualizam, não gostam de escrever, e que assim como os alunos, encontram-se imersos a uma mesma precária formação histórica crítica da realidade que o cerca.

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  2. É isso meu caro Vina,
    Infelizmente o Velho Feire sonhou muito. por isso que acho um tanto utópica sua idéia. Generosidade e boa ação não nascem em árvores. É preciso pensar de forma realista. Contudo, o que ele coloca sobre a necessidade de uma aproximação, ou um nova abordagem acho válido. Como o uso de termos comuns ao educando, e quem sabe termos presentes no imaginário brega.

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