quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A FALA SILENCIOSA

De manhã cedo me deparo com o outro que se levanta de minha cama rumo ao banheiro para fazer a mesma coisa de todos os dias. O que me conforma com essa rotina é saber que minhas funções orgânicas estão em perfeita harmonia. Viva Deus! Logo em seguida, alguns minutos após o ritual do café, encontro-me com a fluidez lingüística das ruas. Nelas estão as pessoas, ou pelo menos, o que achamos delas. Com as pessoas estão as falas.

Próximo ao balcão de atendimento da escola, o encanador conversava com a coordenadora sobre o vazamento de água nos fundos. Sentados à mesa, enquanto tomavam café, duas professoras se queixam do aprendizado de seus alunos. Na cozinha, dona Maria e dona Chica se esforçam para explicarem ao merendeiro Zé, que é preciso que ele retome os estudos para sair daquela vida. Três professoras completam a cena exagerando no vernáculo sobre a vida de todos possíveis de serem falados naquele momento. Tive a ligeira impressão que somos falantes que sabem o que dizem.

Dediquei-me a fazer meu trabalho e me limitei a falar comigo mesmo. O dialogo conosco não deixa rastros para o outro nos seguir até nossa toca. Fiquei na toca até que fui interpelado pela ilustre pessoa da diretora: “Está calado hoje!” Sorri em sua direção e baixei a cabeça para continuar o serviço. Agora, ela e a coordenadora travam um dialogo sobre a traição masculina. Para elas as mulheres são todas Marias, com raras exceções, é claro, como asseverou a ilustre pedagoga: “Mas tem umas piranhas que desclassificam a categoria”.

As mulheres transitavam pela sala em um ritmo muito feminino: “Para lá e para cá”, como se todo o mover delas fossem seus quadris. A princípio nada vi de significante para uma análise do comportamento corporal daquelas senhoras. E nem vi nada de novo em suas falas, pois, soavam como um antigo repertório. A mais baixinha se sentou à alguns metros de mim e pude ver sobre suas roupas a silhueta de sua velha vagina. Ela simplesmente estava ali exibindo inocentemente o perfil de seu sexo. Uma outra passa a mão nos cabelos e mostra sem querer o recorte maravilhoso de sua camisa que me trouxe muita alegria em ver a testa daqueles peitos fartos. O rapaz, por sua vez coçava o saco a cada cinco minutos e mantinha seu olhar multi - focado, pois, a testosterona do moço não queria perder nenhuma cena.

Vi que o corpo fala. Como em toda fala as contradições aparecem. No nosso caso, a moral do discurso das mulheres fora contestada pela libido implícita em suas linguagens corporais. O moço e a minha pessoa não estavam passivos durante todo o processo de comunicação. Nós não falamos, contudo, dialogamos durante àquelas horas de trabalho. Assim, o dialogo não pressupõe, no mundo dos homens, o uso da fala necessariamente.

3 comentários:

  1. Roosevelt,

    sempre, como todo sempre muito sensivel nas palavras. Imprevisivel e inteligente na escolha do cenario. Vamos para a escola para aprender as diversas multiplicidades da linguagem. So uma que nao aprendemos, a corporal. Nao precisa, temos ela como nossos codigos em que escoam os pensamentos. E La tambem, que as palavras e gestos mais ordinarios, no sentido lato do ordinarismo, brotam.
    Meu caro, salve as funcionarias e professorinhas apetitosas. E viva os aluninhos pintudos.

    grande beijo.

    iNCRIVEL TEXTO!

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  2. Roosevelt,

    Sinto muita saudades de vcs, pena que o nosso encontro foi curto, curtissimo.

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