terça-feira, 13 de setembro de 2011

A música brega na sociedade veloz

Acredito que as músicas vinculadas à cultura de massa se encontram associadas ao contexto industrial e como todo contexto industrial, essas músicas interessam aos empresários pelos lucros que elas geram no mercado. No entanto, não compactuo da ideia de limitar os consumidores desse tipo de música meramente como alienados. Não é por que a música gera lucros que ela não possa ser construída através de ações espontâneas dos indivíduos em seus cotidianos.

Eu acho que a apropriação de determinado bem cultural se relaciona com a forma pela qual o consumidor se identifica com o produto adquirido. Em outras palavras, antes de se enxergar o consumidor como alguém simplesmente manuseado pelo interesse do mercado, acredito que existe uma autonomia que implica a subjetividade desse consumidor ao escolher um dado produto.

Para esclarecer esse meu ponto de vista, resolvi trazer o exemplo da música brega. Vejamos: em se tratando de sua projeção no final nos anos setenta, essa tendência musical surge influenciada principalmente pelos boleros e pelo rock da Jovem Guarda. Entretanto, nós podemos visualizar uma influência mais antiga que iria se desembocar na música brega que eram as serestas do inicio do século XX.

No entanto, ao compararmos os discursos dos chamados seresteiros e dos bregueiros, nós notamos algumas diferenças. Enquanto os primeiros possuíam discursos marcados por excessos de metáforas, elaborações que parecem nos soar mais densas e textualidades mais longas; os segundos tinham como características em seus discursos a utilização mais freqüente de palavras coloquiais, elaborações que nos permitem traduzir suas formas de expressão de forma mais rápida, além de textualidades mais curtas.

O que podemos pensar disso? Ora, o momento histórico no qual os chamados seresteiros se encontravam possuía um ritmo diferenciado dos chamados bregueiros.

No contexto dos bregueiros havia no Brasil a chamada fase da consolidação da industrialização. Com essa industrialização, os indivíduos partiram para as cidades como mão-de-obra assalariada. Como a maioria desses indivíduos era desqualificada, eles se viram obrigados a se submeter drasticamente aos modelos mecanizados e práticos em suas rotinas de trabalho.

Vale lembrar também que ao chegar às cidades, esses indivíduos se viram diante de uma realidade fragmentada a qual não os permitia visualizar referências, bases morais mais concretas perdendo parte de suas memórias, de suas histórias, de seus laços que os uniam as suas antigas comunidades.É a partir dessas duas condições que eu acredito que o discurso da música brega tenha se delineado.

Como forma de compensar a precariedade do papel do estado em seu meio social, esses indivíduos passaram a buscar através das canções, o amor de alguém de forma muitas vezes obsessiva como forma de se sentirem pertencidos a alguma referência e protegidos em meio a uma circunstância excluída de todos os benefícios sociais. Não é por acaso que quando pensamos em música brega, pensamos na idéia de canções que falam sobre relações amorosas.

Por outro lado, pelo fato da maioria do público da música brega representar a mão-de-obra assalariada vinculada às funções mais rotineiras do trabalho, a música brega passou a expressar claramente o excesso de praticidade do cotidiano exigido pelo contexto industrializado onde se encontrava a maior parcela de seus consumidores. Acho que é por isso que nós tendemos a classificar a música brega como algo clichê e repetitivo.

É por tudo isso que para mim, uma música para ser consumida tem que trazer elementos que dialoguem com o anseio do consumidor. Esses elementos dizem respeito às experiências morais, estéticas desse consumidor em relação aos valores cotidianos de seus meios sociais. A música brega, por exemplo, apesar de ter se adentrado em realidades nas quais ela não entrava em tempos atrás, encontra-se geralmente ainda mais consumida e produzida pelos setores mais periféricos da sociedade pelas questões históricas que expus de forma breve mais acima.

Por isso que para mim, o que leva essa música a gerar lucro, deve-se muito mais ao fato dela atender aos anseios identitários do povão, do que por ser uma música criada pela indústria para ganhar dinheiro. É por isso que eu acredito que antes de haver um mero mercado criando a música brega, acredito que ela passou a ser vendável mais por valores cotidianos recorrentes do próprio público que foram sendo espontaneamente sentidos e vividos pelo público e refletidos no discurso bregueiro.

Por falar em povão, acredito que essa linguagem cotidiana exposta pela música brega é algo que deve ser admirado, pois diz respeito a uma das características que tornam a música brega com uma identidade própria, porém, não devemos esquecer que muito dessa linguagem coloquial também se deve ao fato do público dessa estética geralmente se encontrar excluído de uma melhor escolaridade, assim como de todas as obrigações básicas do Estado.

E mais: não é por que eu acho que a música brega reflete a espontaneidade dos valores da maior parte de seu público, que eu me negue em tecer profundas críticas acerca desse mercado. Por se encontrar em uma cultura vinculada ao mercado, a música, assim como qualquer outro fenômeno, não pode fugir da condição de venda, porém, reconheço que a forma como o mercado lida com a diversidade musical é extremamente excludente, e eu acredito que uma cultura mais consciente de si, é uma cultura que dialoga com a diversidade de expressão de seu povo.

Um comentário:

  1. Vina,

    O brega me lembra muito a pornochanchada brasileira. Ambos sao, e foram, contextualizados da mesma forma. Na decada de 60 e 70, esses filmes de tal classificacao era assim chamado por ser reduto da escoria cultural. Sem muitos recursos financeiros e co scripts inundados de palavras chulas e gestos marginais, a pornachanchada so poderia ser considerada como lixo. Lixo poque o povo nao pensava e consumia em massa. Nao vejo por ai, se nao pensa, mas pode sentir e qualquer expressao por mais @massificante q seja, ela traz codigos , impressoes e subjetividade individual e coletiva.
    e assim percorre entre a musica brega. Para mim o brega reflete tanto as nossas razoes e sentimentos qnto a musica erudita. E vou mais longe, a musica brega e emancipadora pq ela democratiza os gostos, qualquer um escuta e se identifica sem distincao de classe. O brega e para todos. e claro, se estamos numa sociedade capitalista, qualquer produto cultural precisa ser aliado aos interesses financeiros. Qualquer ramo ou estilo precisa passar pela ordem do lucro- producao, exibicao e distribuicao, sem esse sistema, pouco sera a sua sobrevida.

    um beijao. bom texto!

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