Um dia à tarde, quase perto das cinco horas, dois homens conversavam debaixo de uma árvore a Margem de um rio que fica no Kambotá. Ali, as pessoas esquecem o tempo. As pessoas param e refletem sobre suas vidas como a luz do sol reflete nas águas do rio. O homem mais velho estava em pé e olhava para o rio. O mais novo estava sentado cortando um pedaço de fumo. Os dois tinham momentos alternados de euforia e tristeza. O mais moço falava bem mais alto que o mais velho.
- Chico!
- Diga meu caro Zé!
- Chico, as pessoas não são sinceras. Por vezes descobrimos que somos traídos pelos nossos amigos. A incidência é tão grande que posso dizer que a traição é uma marca que caracteriza a natureza humana.
- Não sei Zé, se isso é verdade. Até mesmo porque o mundo é muito grande para a minha pessoa falar em nome dele. Mas, eu entendo que em parte a verdade se aproxima disso. Contudo a traição não nasce com homem.
- Então como ela surge?
Ela simplesmente não surge. Ela faz parte das possibilidades de nossas condutas. O momento, a educação, as influências, os interesses podem fazer a falsidade aparecer. Assim, nós nos assustamos com algo que está sempre conosco, mesmo que em forma latente.
- Eu vejo que sua pessoa sabe muito. Porque não senta?
- Eu decidi ficar em pé para ver melhor o rio.
- Sim, sei. Então, me diga por que as mulheres fingem que gozam?
- Ser homem e ser mulher é algo complicado. Às vezes, vejo o homem na mulher e a mulher no homem. Todos descem o rio juntos. O homem acha que sua fêmea ou as fêmeas são todas suas. Seu desejo oculto é possuí-las todas. No entanto, a fêmea teme seu macho e a ale se subjuga. Ela sabe que o homem construiu um delírio de poder.
- Mas, as mulheres traem e o fazem com muita astúcia!
- Sim, com certeza, a mulher, embora, amando seu macho pode traí-lo por muitas razões. Quem saberá contá-las?
- Entendo, meu velho.
- Se não posso nomear uma coisa, então, as palavras têm limite?
- Não é bem assim. O homem dá nomes a todas as coisas. Até a divindade que nunca viu, ou sentiu, ou tocou. Um homem é um criador de nomes. Com eles ele orquestra a sinfonia da vida. As palavras surgem à proporção que a necessidade aparece. É a sociedade ou as necessidades sociais que criam as mais diversas representações. Assim, o nome é um filho da necessidade.
- Mas, não entendo! Então, eu falo as necessidades do mundo?
- De certa forma sim. A palavra é mediadora das coisas do eu e do tu. Desta forma o tu está em mim e eu ti, unidos pela palavra. Sem pensar ou pensando de ti sai o fluxo de teu pensamento e este alcança a cidadela da razão na mente de teu amigo, o teu tu.
- Entendo. Sem o tu não tem o eu. E sem o tu não tem palavra.
- Sim. Foi assim que a natureza aprendeu a dizer sobre si mesma. Ela diz para o tu. O tu sempre estará lá.
- Meu velho, então, a traição é também coisa do tu, bem como a falsidade, a mentira, e outras coisas dos homens?
- Sim, estas coisas são manifestações da natureza, no obstante não serem corretas para nossa moral.
- A palavra me intriga!
- Por que moço?
- Como ela surgiu no mundo? Quem veio primeiro?
- A palavra veio primeiro que você. Ela estava aqui antes de você. Antes de você nascer, o mundo estava em construção te esperando para ser operário dessa obra. A escolha de viver não foi sua. E eu já te disse que a palavra é filha da necessidade. A humanidade e sua história criaram representações da natureza. A natureza em si, nada diz, pois, sem a palavra ninguém poderia dizer dela. As pinturas nas cavernas e os monumentos antigos anteriores a palavra são linguagens no silêncio dos homens.
- A palavra determina o mundo para mim?
- Não é bem desse jeito. A palavra é meio de oprimir e instrumento de liberdade. O operário é homem.
As águas do rio do Kambotá se tornaram corrediças. O homem que estava em pé entrou nelas e foi embora. O rapaz que cortava o fumo ficou com mais dúvidas. O coitado esqueceu sua identidade caída ao lado do toco de madeira em que ele estava sentado.
Belo Texto!
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