quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Sexualidade e Relações Sociais em Michel Bozon

Esta é uma resenha do livro Sociologia da Sexualidade, de Michel Bozon, no que diz respeito à relação dialética que o autor vê entre a sexualidade e as relações sociais.

Fonte: BOZON, Michel. Sociologie de la Sexualité.
Paris: Nathan, 2002



O autor abre esta parte do livro com a observação de que, apesar de as relações sexuais obedecerem cada vez menos aos cânones, estas não se tornaram livres, de modo que uma vez que se parte invitavelmente de um repertório construido socialmente, nas palavras do sociólogo, as relações de gênero (...) estruturam a percepção do possível. Sendo assim pode-se, segundo autor, naturalizar as relações sociais que deram origem à experiência sexual sonhada ou praticada. Pode-se falar, portanto, em sexualidade e relações sociais.

Quando passa a falar, então do ciclo da vida sexual e da nova organização social das idades, o autro aponta para o fato de que a organização contemporânea das idades se diferencia de forma cada vez mais sutil. Neste rearranjo, ocorre uma mudança de paradigma que consiste na desvalorização progressiva da idade madura concomitante ao prestígio designado à juventude. A insistência na possibilidade de se poder ser jovem durante toda vida encontra o reforço na sexualidade, uma vez que as relações começam cada vez mais cedo e há procedimentos que tornam a relação sexual possível a indivíduos cada vez mais velhos.

Sobre a construção da conduta sexual na adolescência, o autor caracteriza inicialmente esta fase como, além de uma construção contemporânea, a idade em que se objetiva o acesso à sexualidade, em que acontece, posteriormente, a passagem às sexualidade com presença de penetração e ainda como o tempo em que se cria certa autonomia em relação às instâncias de socialização, escolas, família etc. e se passa a agregar experiências com os pares, progredindo assim a construção do ego, uma vez que a relação com o outro se evidencia. O autor enfatiza ainda que com o desvinculamento necessário entre casamento e a sexualidade genital, esta passa a ser um limiar social decisivo e generalizado para que se entre numa nova idade, qual seja, a juventude.

O autor mostra ainda no que diz respeito à adolescência como encaminhamento à fase sexual genital, que o intervalo entre os primeiros afetos e a penetração propriamente dita tem ganhado certa autnomia desde os anos 90, de modo que emblematicamente podemos citar o dating americano, a época das saídas a dois, trocas de afetos sensíveis e que não leva, portanto, imediatamente a relações sexuais consumadas.

A preocupação contemporânea com a educação sexual dos jovens tem como pontos relevantes o fato de se considerar uma entrada na sexualidade menos senil e, por consequência, a escola assumir, como porta-voz dos adultos, o papel de minimizar os pretensos erros contidos nos ensinamentos passados pelos pares, ou seja, conhecimentos que se transmitiam espontaneamente nas relações juvenis. É emblemático, ressalta o autor, o fato de a escola ter tomado tal frente, e não a família, no sentido de que se pressupõe que dentro desta se originam também atitudes questionáveis. Muito embora, em países em que a Igreja Católica possui a prerrogativas no ditado dos parâmetros morais, a educação para a vida familiar seja privilegiada. O autor aponta ainda que enquanto nos Estados Unidos a questão da educação sexual é tomada por um viés antes moral, o abre espaço para que grupos religiosos tomem frente de tais discussões, na europa, sobretudo a setentrional, tal educação é antes uma questão social, em que o único valor advogado é o da igualdade entre os sexos. Aliás, vale-se ressaltar que nos países nórdicos o momento da primeira relação sexual, por exemplo, é uma questão de cunho tão particular e a atividade sexual ganhou um aspecto de bem-estar pessoal que se defende mesmo a noção de um direito à saúde sexual.

Partindo do fato de que o tempo da passagem da escola para o trabalho e da própria família para a construção de uma outra tenha aumentado consideravelmente, o autor conclui que a autonomia sexual se dá, hodiernamente, antes da autonomia sexual. Ratifica com o exemplo de que no início do século XX as mulheres franceses tinham o primeiro filho em média dois anos após a primeira relação sexual, quando mais recentemente este intervalo assumiu a média de dez anos. O autor se refere a uma fase contemporânea de latência sexual, termo tomado em sentido distinto do utilizado pela psicanálise, uma vez que há uma consolidação da ideia de que se pode prolongar significativamente uma vida sexual ativa antes de se consumar a constituição de uma família. De modo que a sexualidade juvenil, segundo o autor, não poderia ser mais tomada, como nos dizeres da sociologia da família norte-americana, como uma sexualidade pré-marital.

O autor chama atenção ainda para a diminuição da contracepção oral, nos últimos anos, a priori em função do uso do preservativo, embora este venha a ser substituído pela pílula no momento em que a relação se estabiliza. Há ainda um paradoxo no que diz respeito à juventude que consiste em se querer, nesta época, uma fidelidade sexual mais estrita, enquanto a renovação dos parceiros se realiza em ritmo bem mais rápido. Bozon atribui o fato da banalização do rompimento juvenil a esta exigência de fidelidade sexual.

Fato relevante ainda é o fato de que a intervenção cada vez mais minimizada dos pais em relação à sexualidade dos filhos é fator que contribui para o prolongamento da estada destes em seu lar original. A preocupação dos pais passa a ser mais direcionadas a questões escolares e profissionais. Em contrapartida a figura dos pais como depurados de sexualidade na visão dos filhos também enfraquece, à medida em que estes se tornam cada vez mais testemunhas dos progressos da vida amorosa e sexual de seus genitores, para utilizar as palavras do autor.

No que diz respeito ao curso da vida sexual do casal, o autor afirma que mais de 4/5 dos indivíduos, após um período de sexualidade juvenil, estabelecem uma vida conjugal. Enfatiza então que no início das relações conjugais é intensa, sendo estas as primeiras ou não na vida do indivíduo, o que caracteriza o fenômeno não simplesmente por uma questão de idade e sim pela novidade da relação conjugal, que oferece, inclusive, todas as condições materiais para a consumação do sexo. Nas palavras de Bozon, a conjução entre desejo sexual e envolvimento afetivo atinge, então, um nível que nunca mais será alcançado nas fases ulteriores do casal.

Uma fase posterior da atividade sexual, que se consolida à medida em que filhos aparecem, criam-se hábitos conjugais, adquire-se moradia bem como bens duráveis, é caracterizada pela queda de relaçãoes em média de quatro vezes por semana para duas, virando a atividade sexual, segundo o autor, um hábito de manutenção do casal. Establece-se um paradoxo que consiste em as disfunções sexuais, como ejaculação precoce e ausência de orgasmo, crescerem enquanto a satisfação sexual diminui.

Passando a atividade sexual a ser um ritual de confirmação e não mais de fundação, sua intensidade diminui, bem como seu caráter repetitivo surte efeito tranquilizador sobre os parceiros, que, segundo o autor, tornam-se mais seguros deles mesmos, mais experientes e mais flexíveis. A relações extra-relacionamento influenciam relativamente menos no futuro da vida a dois, bem como a atividade sexual começa a ficar em segundo plano nas preocupações individuais e conjugais. Há explicações como a saída do papel de cônjuges para o papel de pais, o fato de se descrever um caminho parental diferente para o homem e para a mulher, de modo que a comunhão enfraqueça, e também, algo mais complicado, segundo o autor, de se avaliar, a questão profissional, em que se há ao menos a certeza de que quando se alega um menor tempo para a atividade sexual devido ao trabalho, já se está priorizando algo que não a manutenção do casal.

Utilizando-se de comparações estatísticas relevantes, o autor aponta para mudanças do envelhecimento sexual, colocando como prováveis causas o prolongamento do ideal de juventude, a sociabilização do idoso para além de sua própria família, o aumento da expectativa de vida e congêneres. Fato relevante é o de o autor colocar a menopausa como uma construção social e psicológica a partir de uma realidade biológica, enfatizando que tal fenômeno não mais marca o fim da vida sexual das mulheres, como se constatava até os anos 60. Apesar de tudo, o autor ressalta que a “aposentadoria sexual” se dá mais cedo nas mulheres que nos homens, o que atribui a uma expectativa de vida maior entre as mulheres, bem como ao fato de os homens escolherem parceiras mais jovens.

Voltando-se, finalmente, à possibilidade de um ciclo de vida sexual nos homossexuais, o autor inicia observando que não obstante na maioria dos países desenvolvidos a homossexualidade ter sido cada vez mais aceita desde os anos 80 e portanto a vida sexual dos homossexuais ter se aproximado da da maioria da população, ainda existe resistência relevante, de modo que muitos deles resistem a a firmar sua orientação sexual perante a família, amigos, colegas, o que os leva, por problemas de convivência familiar a desenvolver autonomia sexual e residencial antes mesmo da independência econômica.

Sem comungar com a a orientação de muitos de seus pares no momento da iniciação sexual, os homossexuais acabam se isolando e experimentando, com bem mais regularidade, a depressão e a tentativa de suicídio. Num segundo momento, entre 21 e 30 anos, em que os indivíduos de tal orientação começam, por exemplo, a se mudar para grandes cidades e encontrar meios de socialização mais peculiares a sexualidade começa a se estabilizar. O autor aponta ainda como um traço específico dos casais gays que estes precisams e apoiar bem menos nos compromissos sociais e materiais que efetivam sua estabilidade, como moradia, bens em comum, filhos, compromissos com fidelidade etc.

Um ponto de ligação que pode ser observado em casais homo e heterossexuais é a regularidade da já narrada primeira fase de forte envolvimento afetivo, muito embora o autor ressalte que os relacionamentos perdurem bem menos na realidade dos homossexuais, e que nos que, ao contrário, perduram, há uma recorrência extra-conjugal bem maior que em relação aos casais heterossexuais.
Outro ponto a se ressaltar é que pouco se pode afirmar em relação ao envelhecimento sexual dos homossexuais, embora se saiba que a idade menos os influenciem que os heteros pelo fato de que não há a preocupação com a fecundidade. Há também de se observar um número significativo de homossexuais que ao envelhecerem buscam constituir família.

Conclui-se que apesar de a vida sexual, contemporaneamente ter sido deslocada em função da idade e tenha ganhado força na manutenção do relacionamento, não desapareceram as diferenças entre os modos de envolvimento dos homens e das mulheres com a sexualidade.

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