quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Re-atualizando a arte de vanguarda

Dedicado à Dany Santos

Venho trazendo questionamentos acerca da arte de vanguarda na educação, contudo, acredito que algumas questões ainda devem ser discutidas. A primeira delas se refere à falta de recorrência no uso do termo vanguarda; a segunda diz respeito acerca da utilização da arte de vanguarda como uma estética capaz de provocar no alunado um encontro consciente dele com o mundo, uma vez que eu poderia usar qualquer linguagem estética. Neste texto buscarei esclarecer sobre esses dois pontos.

Quando falamos o termo vanguarda, percebemos que, ou ele se faz desconhecido ou temos a impressão de que esse termo se remete a um passado. Para esclarecer acerca disso, acredito que devemos entender as causas que levaram ao fracasso da vanguarda enquanto projeto estético e político; compreender a forma como o contexto brasileiro se apropriou dela, para com isso, esclarecer sobre o porquê da importância que eu vejo na aplicação dessa estética no contexto educacional.

Ao ser agregada às manifestações artísticas no início do século XX na Europa, a arte de vanguarda respirava uma fé inabalável pelo progresso. O desenvolvimento tecnológico era visto como a esperança para a humanidade. Devemos lembrar que os artistas implicados na arte de vanguarda viam a história como algo linear e evolutivo. Essa história atingiria o seu ápice em tempos futuros e a máquina era vista por eles como a salvadora para todos os fracassos da humanidade.

O grande problema disso tudo é que eles não imaginavam que o progresso tecnológico não traria essas glórias para a humanidade. Ao contrário. Ao invés desse projeto se revelar saudável para os homens, ele provou ser desastroso. O tal progresso e o tal desenvolvimento tecnológico se provava desumano. Isso se intensificou principalmente após a segunda grande guerra mundial. Com isso, a humanidade viu que o progresso intensificava a exploração de algumas potências sobre as outras.

Essa frustração provocou um desânimo, e aquela fé, aquele ímpeto acerca do progresso, gerou um vazio sem tamanho. Com esse resultado, todo o projeto político e estético exposto através da arte de vanguarda foi em vão. A arte de vanguarda pareceu ter perdido todo o sentido, todo o seu objetivo. O resultado disso tudo foi que a arte de vanguarda depois disso terminou sumindo com o tempo. Depois de tanta esperança e motivações, a vanguarda terminou bebendo do próprio veneno.

E se pensarmos na arte de vanguarda no contexto brasileiro, a situação fica muito mais complicada. O primeiro problema diz respeito à apropriação desta no contexto subdesenvolvido. A arte de vanguarda no Brasil, ao invés de propor um olhar contextualizado com as reais necessidades, terminou sendo aplicada de forma totalmente exógena aos nossos valores. Enquanto a Europa vivia um intenso contexto industrial, o Brasil não passava de um país voltado a uma economia agrícola.

Além da descontextualização, devemos lembrar que a arte de vanguarda, além de não ter conseguido cumprir seus reais objetivos por conter um projeto alheio às reais necessidades do país, deparava-se com uma população extremamente segregada no que diz respeito ao acesso a informação e a uma escolaridade. Além de um país de grandes contingentes analfabetos, ainda encontramos uma vanguarda que não dialogava com a conjuntura do Brasil naquele momento histórico.

O projeto estético da vanguarda propondo uma releitura das formas discursivas, não conseguiu conquistar a identificação de uma população marcada pelo provincianismo e por um ritmo bastante diferente das cidades inseridas na dinâmica do contexto urbano e industrial. O fluxo, a pluralidade e as contradições discursivas que a arte de vanguarda buscava exprimir passavam muito longe da compreensão da população brasileira também marcada pela precariedade educacional.

Porém, mesmo concebendo esse fracasso da arte de vanguarda, acredito que, antes de a considerarmos como algo obsoleto e relegada ao ostracismo, devemos re-atualizar essa estética, pois a vanguarda pulsa vida e consciência política, e por isso mesmo, pode ser uma ferramenta muito útil para a educação, uma vez que através de seus projetos políticos e estéticos, ela possibilita um olhar mais crítico acerca da diversidade e das relações de poder estabelecidas na sociedade.

Pensar na possibilidade de atingir através da arte de vanguarda um olhar mais crítico acerca da pluralidade e do poder, é de muita pertinência em um país como o Brasil que por ter sido historicamente submetido a uma política de exploração, recebeu um fluxo intenso de várias culturas. Por outro lado, por ser marcado pela exploração, nada mais salutar que propor um questionamento acerca das relações de poder impostas não só ao longo da história do Brasil, como na sua atualidade.

A diversidade pode ser melhor verificável a partir do projeto estético da arte de vanguarda. Por vivermos em meio a um contexto mundializado no qual as trocas são oriundas de todas as partes, a arte de vanguarda pode fazer o individuo reconhecer na prática as confluências discursivas por propor o contato desse indivíduo com as contradições, permitindo com que ele se atente para as relações de interações, contatos e conflitos provenientes dessa pluralidade lingüística.

Devemos lembrar que na sociedade brasileira também existem relações de poder. Esse poder pode ser visualizado através do projeto político da arte de vanguarda no momento em que ela busca questionar os modelos convencionais. Essa estética estimula um olhar questionador acerca dos modelos, uma vez que, através dela, o sujeito ao perceber que é capaz de recriar novos sentidos, verá que não existe apenas um tipo de discurso, e que mesmo o discurso oficializado pode ser reelaborado.

Eu sei que eu poderia usar qualquer outra forma de expressão artística e estética, uma vez que, por todas elas serem reflexos da sociedade, não consigo deixar de ver nelas a possibilidade de questionar a importância da convivência com a diversidade, assim como de visualizar problematizações acerca do poder. Portanto, qualquer forma de manifestação diz respeito a um contexto e qualquer uma pode ser utilizada para se repensar os valores culturais e estéticos da sociedade.

Contudo, acredito que a arte de vanguarda pode ser muito proveitosa ao ser aplicada no contexto educacional, uma vez que ela, diferente de muitas outras expressões estéticas, traz de forma consciente a necessidade de um projeto político e estético capaz de provocar no sujeito um estranhamento com ele mesmo e com a realidade que o cerca. Essa provocação trazida através das intenções da arte de vanguarda pode ser de muita valia para a formação crítica do alunado.

É por ver a educação não só enquanto transmissão de conteúdo, mas sim, de contato com as contradições e re-questionamento crítico, além de acreditar que o papel do educador é possibilitar ao aluno um exercício com a sua criatividade, e, portanto, com a sua emancipação, que eu vejo a arte de vanguarda como um possível lugar de esperança. É na arte de vanguarda que eu enxergo a possibilidade de visualizar um país formado por pessoas autônomas e críticas.

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