quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Neurótico Alado ( A Errância)

Autodecretou-se, então, um caminhante solitário.

Não sem antes, contudo, pisotear em linhas bêbadas as desapaixonadas ruas de Pedantia, àquela altura, donde efluiam, a cada passo, todos os embaraços por que julgava ter passado.
A arte que, ao menos para si, tanto o caracterizava era irrisória aos olhos dos que eram julgados e que, como tal, também se julgavam producentes. O riso vinha de um gozo errado - e a concepção do errado era absoluta por ali. Os recursos necessários para que não caísse em indigência só poderiam provir, a olhos públicos, de uma dispensável misericórdia ou de atitudes contraproducentes, justificadas por convicções politicamente corretas.

- Era necessário produzir! Urravam nem tão veladamente os discursos das autoridades bem como de todo o senso comum.

- Os lugares mais desenvolvidos só haviam coroado a prolixidade até alguns séculos. Desde que tal época de ouro começou a se transformar em algo diferente foi preciso enxugar o verso e transformar toda matéria-prima em produto. Pedantia tinha uma organização ocidental recente em relação a tais lugares, seria necessário correr incessavelmente para pegar o bonde – que agora, na verdade, já era trem-bala e muitos diziam estar bem próximo do fim da linha.

De fato, tudo isto soava agonizante aos ouvidos de quem, tal como Michelangelo em sua invulgar Escola de Atenas, extraiu a cabeça de Platão para que, em seu lugar, aparecesse a de Leonardo.
Não viveu uma época de combate a regimes escancarados, não cabia em panelas, e muito menos em rimas, embora com notável engenho as criasse. Os padrões para tudo já há muito haviam começado a transformar, aos seus olhos, tudo por ali em um não-lugar. Os desejos eram copiados – e por que não dizer que até mesmo por obrigação?

Faltava-lhe, bom lembrar ainda, algo um tanto comum aos candidatos à errância – a exaltação da ansiedade acerca do que irá se encontrar, perder, prantear e cantar ao longo da romagem. Sua situação padecia até mesmo desta atipicidade. Não o alvoroçava expectativa alguma, negativa ou positiva. Sabia que isto pressupunha o fato de que o mesmo Outro que o levara a desalentos múltiplos, seria eternamente requisito necessário para a efetivação de todas as suas concepções, e que, aliás, até mesmo estas, por mais alienígenas que soassem, assim o eram em relação a algo que se pôs milhares de anos antes de sua existência, bem como possivelmente entraria milhares de anos após e após.

Poderia comer e beber sem ajuda alheia em terras comunais. No entanto, precisava do Outro até mesmo para se autodecretar, em qualquer sentido, solitário.

3 comentários:

  1. Eu fiz um comentário extenso. Mas ocorreu um erro no instante da publicação. Esse Internet Explorer é uma droga mesmo.

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  2. Josua,

    Aceitar a dinâmica da diversidade é um caminho perigoso para aqueles que buscam a ordem por medo das experiências, e não a ordem como forma de se possibilitar apenas os entendimentos mutuos entre essas diferenças.

    Pedantia tinha medo de se abrir a uma arena pública dotada de espaços propícios para o borbulhar das constantes subjetividades com suas constantes contradições, afinal, a subjetividade implica coerências deslizantes e conturbadas para a própria lógica de cada um! Antes viver esperando o óbvio do que viver exalando as possibilidades das contingências. Era muito mais fácil para as leis de Pedantia criar limites-precisos, tentar consolidar homogeneidades, consensos, acomodações.

    O que você falou foi interessante pois esta semana lá na praça Olimpio Campos aqui no centro, eu encontrei Zefa Galáxia. Ela passou uns dias por Pedantia e justamente conversava comigo acerca dessa sisudez padronizada de lé e me falou o que você bem expôs em seu texto que
    a concepção do errado é absoluta por lá e a única forma que eles encontram para manter a todo custo essa forçada verdade é se apoiando por convicções politicamente corretas.

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  3. Haaehueahuaehu! Obrigado pela contribuição-texto, caro amigo. Mais uma vez, bem própria de quem sacou a essência e soube discorrer acerca disto de forma leve e lúdica.

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