terça-feira, 31 de maio de 2011

Para não dizer que eu não falei de hoje

É um infortúnio duplo não é meu caro? Viver aqui e ainda viver entre humanos, e é difícil mesmo viver entre humanos dentro e fora de você. Agente se reprova e aceita, e quando agente bebe, parece que esse filho da puta aparece, esse carinha que se esconde toda vez que queremos entende-lo, e ficamos como idiotas conversando com o nada, revoltados com essa pessoa, essa duplicação ignóbil chamada eu mesmo. Aí choramos, gritamos, tiramos a roupa, porque ele finalmente apareceu e é sempre nessas horas inconvenientes que tem um retardado escroto mais sóbrio que todo mundo. Em minha cidade as pessoas andam cada vez mais felizes, sempre com esse eu para ocasiões especiais na bolsa ou em qualquer utensílio móvel e portátil, de preferência que possa ser usado na boca ou em um orifício adjacente. Cada vez mais estão preocupados em trazer-se de volta duplicado para cena, conforme disforme aceitavelmente triste e alegre. Entende-se: você sente o mesmo que eu!

Então meu jovem nós já bebemos quantas? Agente tem que ver a conta do bar aí, ainda tenho que tirar uma Xerox. – Relaxe man, eu pago. Pois é meu caro, pior são as garotas, essas mulheres que agente se agarra feito bobo, feito quando agente toma o primeiro porre. Eu a muito fui apaixonado por uma menina e ainda me ponho a pensar nela, e se passou tempo suficiente para que tudo em minha torpe mente acabasse, o que existe é quase um atavismo que me faz parar em sua frente e gaguejar, feito quando era adolescente. Passei por outros amores e ainda o rosto dela me vem nos poemas de amor que faço. Acho que tenho tesão pelo absurdo e inatingível, e não foi apenas uma triste conversa com Platão esse romance, foi muros e nãos que talvez alimentaram meu coração, feito cachorro humilhado pedindo comida. Eu verdadeiramente deva ser um cara para assuntos aleatórios, manifestações afetivas perenes ficam apenas na velha poética cansada e maçante, no tempo do faz agora eu quero agora, pau e buceta, o que se quer não se embrulha pra viajem. E Adele foi ficando no tempo, mesmo que eu saiba que ainda a amo e que ela ainda ama Platão.

Nos corredores do meu mundo nunca tive certeza se a porta certa era a minha porta, tomei cuidado para não saber e me distrai apenas. Bom dia Adele! O que fez pro café? Nossos filhos dormiram bem?

Um comentário:

  1. Porra, gostei deveras! Super criativo, poético, e ao mesmo tempo verossímil!

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