quinta-feira, 6 de outubro de 2011

ENSAIO LIVRE SOBRE O SUJEITO DIALÓGIGO

O organismo se relaciona com o meio externo e dele recebe impressões que ficam armazenadas em seu encéfalo como memória. As impressões do meio externo são as percepções dos sentidos sensoriais do organismo e estão ligadas ao seu sistema nervoso. Uma vez no sistema nervoso as impressões são transformadas em significações, ou representações da realidade externa. Estas representações, com o tempo, são influenciadas pela cultura do indivíduo. Por meio dos sentidos sensoriais temos as informações de cor, cheiro, alto, baixo, áspero, etc. As percepções dessas informações vão se aglomerando no encéfalo e criando um gigantesco banco de dados mnemônico. Os dados serão, então, as referências para as associações cognitivas que o encéfalo faz.

O encéfalo trabalha com relações binárias. A impressão, seja de que natureza for, entra no encéfalo pelo sistema de enervamento e são interpretadas por meio de relações semióticas. A está para B, por exemplo. Ou A pode estar para B, C, D, etc. Uma impressão pode estar para mais de uma imagem depositada no encéfalo. Assim fazemos associações mais complexas e construímos as ideias. As ideias, por sua vez, se organizam pela força da máquina cognitiva em estruturas sintagmáticas, e o sentido ou sentidos produzidos por elas constituem o pensamento humano.

O meio é fundamental para o desenvolvimento da máquina cognitiva humana. Como os animais inferiores, o termo foi usado para efeito explicativo, o animal humano passa, na sua formação, pela fase em que os estímulos oriundos do meio externo condicionam seu comportamento. Os sentidos provocados pela experiência com o meio vão mais tarde constituir sua primeira leitura do mundo. Estas são as primeiras experiências, e são também os primeiros dados cognitivos armazenados na memória do encéfalo, portanto, a base para as operações mais complexas.

A máquina fisiológica precisa se desenvolver para que a máquina cognitiva chegue ao amadurecimento de suas funções. A segunda depende da primeira; isso pode ser demonstrado de várias formas. As pessoas que sofreram paralisia cerebral têm dificuldades muitas para fazer as relações cognitivas que precisam. Existem exceções, mas, a regra é mais forte.

Existe no animal humano o comportamento não aprendido. São os instintos; eles não são culturais, são viscerais. Todos os homens possuem instintos. Todos os homens possuem força anímica. O instinto de matar a fome, o instinto sexual, a defesa do corpo, o instinto de sobrevivência. Se eles fossem culturais se manifestariam de formas diferentes.

Graças a nossa capacidade de produzir sentidos. Os instintos foram psiquificados. Receberam um fator cultural. Assim, por exemplo, o instinto sexual se manifesta de forma diferente em diferentes culturas. Cada cultura vive sua experiência sexual segundo suas crenças.

O processo de construção de nossa subjetividade perpassa as fases anímicas e culturais. Desde a mais tenra idade fazemos relações com o meio, como um sistema de trocas. O meio me passa dados sensoriais que se transformam em percepções cognitivas. Nosso organismo desenvolveu estas funções por causa das necessidades que ele teve de superar dificuldades para continuar a existir enquanto espécie. É um processo de adaptação contínua ao meio. Esse processo não se encerrou. O homem ao lidar com o meio o transforma segundo o poder de suas significações, ou representações. Portanto, podemos inferir que desde o gênesis de nossa máquina cognitiva, estamos em relação de diálogo com o meio, e com o mundo.

A formação da máquina cognitiva é de natureza semiótica. Os estímulos sensoriais se transformam em percepções da realidade, que uma vez organizadas, se tornam em nossos pensamentos. Os pensamentos são as percepções organizadas em estruturas signicas, por isso, são semióticas. O dado sensorial na máquina cognitiva recebe um valor além da informação prima que ele oferece. O calor é calor até que o ser cognicente o associe a outro valor que o denota: O calor da paixão. A natureza de nossas relações mentais cognitivas é por isso, semiótica, pois, precisamos criar signos para interpretar signos. A máquina cognitiva desenvolveu a capacidade de criar signos, ou formas mentais. Estamos “para” no mundo. Nossa situação é de relação com o outro, como nossa máquina cognitiva e psíquica estar para o outro. Posto isso, podemos inferir, mais uma vez, que o gênesis semiótico de nossa psique, nossa máquina cognitiva é dialógico.

Nossa subjetividade nasce do diálogo com o mundo, principalmente com a cultura. O diálogo é anterior ao aprendizado da língua. Antes da língua temos acesso à linguagem que inclui também a língua que não entendemos de nossos país e parentes. Vemos o mundo pelos sentidos e o lemos dialogando com eles, mesmo, sem o dom da fala. Não podemos esquecer que nossos antepassados precisaram desenvolver a fala. Foi uma necessidade. Mas antes dela, os homens estavam na terra e construíram famílias. Os homens sonhavam e pintavam nas paredes das cavernas e paredões de rochas seus sonhos, medos, e amigos. A linguagem estava no mundo muito antes da fala.

A língua é a forma mais complexa de estruturar o pensamento. Depois da língua o sujeito se consolida no mundo como sujeito histórico e cultural. Não existe outra forma mais poderosa de internalizar a cultura de que a língua que nossos país falam. Por meio da linguagem e sobre tudo da língua falada e escrita, as estruturas sociais ganham lugar em nossa mente e dela nunca mais saem. O sujeito é formado pelas impressões sensórias do meio, pelas interpretações dessas percepções, pelas formas mentais transmitidas pela linguagem e pela língua, e pelas relações com os outros sujeitos. O sujeito é um ser simbólico que está em situação de relação com, ou em situação de dialogo.

A situação de diálogo cria uma malha discursiva incessante e pulsante entre os sujeitos. O que os sujeitos dizem de si e do mundo, de alguma forma, eles já disseram. A realidade tem forma de rede com nós que significam os intercruzamentos dos discursos produzidos. Só existe discurso em função de um discurso anterior. Portanto, mais uma vez, comprovamos que estamos em diálogo.

O presente ensaio tentou mostrar que o sujeito é dialógico. Que seu gênesis é dialógico, que a sua construção é visceral e cultural. Visceral por que não podemos negar a força dos instintos, cultural por causa dos signos. Assim como a matéria produziu signos, estes agem sobre ela. A matéria obedece à vontade do sujeito. A vontade do sujeito advém de fontes fisiológicas e culturais, por isso, simbólicas. Concluímos, então, que no que diz respeito a nossa condição no mundo, que podemos dizer que estamos em diálogo. O diálogo nos mostra que somos reis e escravos de nossas vontades. Somos eternos devedores e credores de nossos símbolos.

8 comentários:

  1. belissimo ensaio... a compreensao de uma consciencia dialogica uma vez interiorizada e propagada cria um sentido mais rico para as relacao com o mundo, com o outro e com verdade.... a descricao da realidade em forma de rede resegnifica-a na medida em que se intrecruzam as experiencias dos nos, em suma uma consciencia dialogica e o paradigma contemporaneo em um mundo onde a virtualidade atravessa e resignifica as relacoes humanas...
    " o mundo e aquilo que vemos contudo precisamos aprender a ve-lo "

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  2. Anônimo, de alguma forma vc não é anônimo. A idéia foi essa. Obrigado pelo cometário.

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  3. Roosevelt

    Um belíssimo ensaio, no entanto, eu como um profissional inserido em um cotidiano escolar, fico a pensar em até que limite existe de fato a possibilidade de concretizarmos esse dialogo no ambiente escolar e até que ponto somos incapazes de flexibilizarmos as hierarquias rigidas construidas dentro do próprio sistema educacional e a relação de poder, de vaidade que é inerente a qualquer condição que se refia a natureza humana.

    Realmente é muito bacana propor o diálogo pois só através dele somos capazes de revelar o mundo e o outro ao nosso lado, e, portanto, revelarmo-nos também. Acredito que seja atravé do diálogo que possibilitaremos aos sujeitos um caminho encontrado por eles mesmos para se emanciparem, tomarem consciencia deles em sua relação com o mundo.

    Entretanto, você há de convir que as relações praticadas na relação entre administradores-discentes-docentes, é uma relação que finca suas bases em regras muitas vezes tiranas e impositivas. Isso faz com que aconteça o seguinte resultado: se eu abro espaço para o aluno, devido ao seu costume com esse modelo tirano, ele me tira como otário. Se eu imponho ao aluno, termino por castrar a sua potencialidade criativa, e, portanto, termino por me esquivar dos reais objetivos de uma prática educacional.

    Como resolver esse impasse, sabendo que além disso, existem relações de poder que terminam por delimitar territórios entre os direitos do docente e do discente? Sabemos que muitos docentes optam pelo "mais do mesmo" para evitar quaisquer formas de conflitos, visto que o inovar, implica novas dificuldades e muitos professores preferem assumir uma postura acomodada a ter que perder seu lugar de prestigio conservado no ápice de seu poder no magistério.

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  4. muito embora, eu nao tenha percebido nenhuma atividade especifica da experiencia humana, vina nos traz a experiencia docente como exemplo para avaliar a forca da consciencia dialogica que ao meu ver permeia efetivamente a a tramada realidade contemporanea, muito embora as relacoes de poder movimentem de forma pesada a realidade, penso que uma proposta dialigica viria tornar mais leve essa realidade... concerteza que ao colocar a educacao escolar como exemplo para avaliar a consciencia dialogica, remetemos a fatores externos como a fome do aluno ou a surra que ele levou do pai ou padrasto noite passada... obvio que discutir o dialogismo em um carater filosofico transcende a possibilidade de busca-lo... entretanto ao querermos suprimi-lo atraves das relacoes de poder estaremos fazendo o jogo dessa reacionaria tradicao "poderesa" e ainda com minha rasa experiencia de educador sempre que possivel busquei criar uma relacao de reconhecimento na tentativa de superar uma tradicao egocentrica e reacionaria de cada um no seu lugar "poder"...
    saudacoes

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  5. A condição de estar em dialogo no mundo é natural. A condição de diálogo, não tomado ao pé da letra, antecede a língua, e é também orgânica, pois, o organismo está em diálogo com o meio. Assim, o estar em diálogo é natural. Ter a consciência disso é um dos alvos da Educação. Esta deve despertar a consciência dialógica do ser naturalmente dialógico. A possibilidade de disursos na situação dialógica é infinita, tão infinita quanto a condição humana de produzir sentidos. A Educação dialógica não é multidisciplinar, nem inter apenas, ou trans. A Educação dialógica é a Educação da complexidade do saber. Da complexidade dos discursos e suas implicações para minha condição no mundo, uma vez que estou sempre olhando para ele ( o mundo ).
    O discurso da realidade. O discurso dos que criaram o sentido "realidade" deseja monologar. Ele é transmitido como monólogo. Em formas de verdades e dogmas, ou idéias de certo e errado, ou credos, ou fadas. O discurso monológico é tão real quanto o ser dialógico. Ele, pois, só é monológico enquanto estratégia de dominação - uma forma de expressão humana muito primitiva, ainda presente no ser monológico. A estratégia monológica continua numa situação de "de - para", ou seja, o monólogo contém imbricações discursivas em seu interior e na sua perceção por parte do outro, pois, este nunca deixará de existir. A Realidade precisa do outro. Assim, a posição dialogista, e sua tomada de consciência permite ao homem criar uma necessidade de renovação de sentidos, pois, ele entenderá que os sentidos estão sempre se renovando, ganhando novas formas mentais.

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  6. Anônimo

    Não sei se a proposta dialógica iria tornar a relação de poder menor. Digo isso por conhecer muito bem os discursos dos docentes. Nem sempre o que se diz querer interar significa dizer que o ato de interação remeta de fato a uma predisposição de um dos lados aceitarem a argumentação da outra parte. Acredito que as vezes o relativizar é tão tirano quanto o etnocentrizar (se é que se esse termo existe). O discurso do diálogo, da relativização podem ser apenas formas de se fazer revelar o lado menos evidente das relações de poder envolvidas em uma dada relação.

    Concordo plenamente com suas palavras quando diz que o fato de submetermos o poder ao dialogismo estaremos apenas fazendo perpetuar o velho modelo comodo da hegemonia. No entanto, e aí eu volto à questão da relatividade e das trocas, as vezes o fato de expormos uma opinião defensora da horizontalidade pode ser uma forma de visualizarmos demais a riqueza da diversidade e da hibridação e esquecermos as imposições e intolerâncias.

    Acho que cabe a nós educadores tentarmos criar estratégias na sala de aula para que os alunos encontrem seus próprios caminhos de superação e de requestionamento da ordem e do controle, sabendo ao mesmo tempo que as relações de poder fazem parte da base que sustenta a natureza humana assim como a troca cultural.

    Visão pessimista? Sim e talvez não. Só sei que negar essa condição é também cair no erro da ignorância consciente ou do cinismo relativizador.

    Talvez o que devemos admitir é que temos o eterno e complicado narcisismo que se revela muitas vezes de forma invisível em nossos próprios atos, mas que devemos ao máximo tentar não mistura a vontade e o prazer de termos em nossas mãos o poder com intolerância.

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  7. Roosevelt

    Essa observação que você trouxe acerca do diálogo através também do organismo com o meio foi extremamente pertinente. Somos tão dados ao etnocentrismo do poder "racional" do humano que as vezes negamos a entender a comunicação que fazemos com as coisas tambem por outra ótica.

    Essa questão do fazer o aluno aprender o próprio caminho para a sua emancipação também foi formidável. O grande problema é que apesar do discurso das teorias educacionais trazerem a velha defesa da diversidade, a própria conjuntura educacional se mostra centralizadora. No mundo em que vivemos o que encontramos é uma pluralidade de interesses e de potencialidades em nossos alunos mas o docente não tem condições de trabalhar cada caso em sua particularidade e aí acontece a velha desgraça: tendemos a insistir no discurso de que a aprendizagem diz respeito aquilo que o docente cria como expectativa do que ele concebe como aprendizado. Porém nós sabemos que na verdade a aprendizagem se refere a capacidade de cada aluno encontrar caminhos suficientes para eles mesmos buscarem seus próprios caminhos e suas próprias superações. Para isso a escola teria que criar outro olhar que fosse capaz de possibilitar o surgimento da capacidade criativa de cada aluno.

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  8. Como diz Freud, Educação é castração. Aguarde o próximo texto para expandirmos as idéias. Abraços.

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