quinta-feira, 13 de outubro de 2011

A CONTRA FALA

A contra fala
Uma visão dialogista do homem

Estão sediados no hipotálamo os instintos mais antigos da nossa espécie. O desejo sexual, e a violência ou agressividade. O primeiro se preocupa com a reprodução, e o segundo com a preservação da espécie. Não precisamos ir longe para percebermos em nosso comportamento diário, mesmo sendo moldado pela cultura, as marcas do selvagem. Assim, começou nossa história no mundo; uma história embalada pelo prazer e pelo ódio, ou agressão, ou desprazer.

Nossas primeiras leituras de mundo estão no conjunto das provocadas pela ação destes instintos. Eles podem ter representações diferentes, pois, o prazer pode ganhar uma conotação diferente da do prazer sexual. O ato de agredir pode ser prazeroso para o animal agressor, ou até mesmo para o agredido. Nossa civilização tenta domar estas duas grandes vias de expressão de nossa espécie animal. Domar, que é um termo usado referente a animais é usado neste ensaio para mostrar que existem as instituições especializadas em Educar o homem para ser homem.

No entanto ao observarmos o comportamento do homem percebemos que este é um ser tornando-se homem constantemente. Assim como fisiologicamente a cada sete anos trocamos os tecidos de nossos órgãos, e nos tornamos um animal em um novo corpo, da mesma forma o homem se torna homem a cada dia. Ele sempre estará em conflito consigo, com sua besta interior.

As crianças desde cedo expressam um comportamento que comprova esta hipótese. O conteúdo simbólico das expressões lúdicas infantis nos remete a sexualidade e a agressividade. Elas brincam com temas sugerindo a cópula ou o coito, e em outros momentos, os meninos e meninas travam verdadeiras batalhas, e medem forças, e simulam uma luta. Isso se ver todos os dias, em todas as culturas humanas. As crianças estão imitando os adultos.

Pela via da imitação suas personalidades vão ganhando forma. Os condicionamentos vão se fixando no sedimento de seus psiquismos. A aprendizagem se dar por várias formas nessa época. A criança aprende por mera imitação, aprende por moldagem, aprende por condicionamentos, e aprende pela manipulação de instrumentos, dentre eles, a manipulação da língua mãe. O termo manipular referindo – se a língua está no ensaio para mostrar que a criança faz experiências com ela. O ato de experimentar novas possibilidades no mesmo sistema lingüístico é metalinguagem. A língua na língua, ou a linguagem explicando a linguagem. Sem esta competência o homem não poderia ser humano na acepção do termo.

O primeiro impulso para o outro é o sexual. O que nos aproximou do outro foi o prazer de estar com o outro, e o prazer sexual que o estar com o outro nos oferece. As conseqüências disso nem sempre foram boas. Pois, as relações entre os homens desde as antigas eras tiveram marcas de ódio e dor. O homem ao sentir-se ferido pelo outro, ou apenas, pelo prazer de feri-lo derramava seu sangue. Isso ainda hoje é válido. Quantos milhares de pessoas lotam cinemas para verem sexo e sangue na tela hollywoodiana? O prazer pelo prazer e o prazer pelo desprazer. O homem deixa pistas de sua besta interior.

Se, pois, os instintos imperaram por muito tempo sobre nossa espécie, então, a necessidade de falar ou de comunicar-se se tornou num instinto. A criança, em tenra idade, antes dos dois anos, balbucia vogais e sons com maior atrito no órgão fonador, as consoantes. A criança começa seu diálogo com o mundo. Seu pequeno mundo – o mundo de seus sonhos. Ela não consegue fazer associações complexas, contudo, a proporção que suas funções mentais cognitivas vão maturando, elas vão se consolidando enquanto homem/humano.

A necessidade do dialogo advém dos instintos primários do homem, dentre eles o sexo e a agressão. Foi por meio do dialogo que o homem instituiu o Estado e seus códigos reguladores da sociedade. Pouco a pouco a barbárie foi ganhando outras formas. A violência, como a sexualidade, não saiu de nosso meio. As duas se plasmam em outras formas, em outras manifestações. A língua que outrora servira para agilizar a caça, se tornou em um instrumento de caçar os homens. A ideologia possível nas combinações sintagmáticas consegue mentir, ou esconder a violência dos homens em palavras belas. O dialogo que veio pela necessidade de vida como espécie, ganhou outro sentido – a agressão do outro sobre outro.

Não podemos desconsiderar a grande carga de prazer nas relações positivas entre os homens. O dialogo não gira apenas em torno de um eixo. Assim como a língua possui muitas variáveis de expressão, o pensamento humano também o tem, portanto, existem vários modelos de homens, ou várias possibilidades de diálogos entre os homens.

O homem violenta seu outro quando cala sua voz. Nem todos os homens no mundo dialógico têm o direito de falar. Pois, os homens mais fortes silenciam suas vozes pela força, impondo medo, criando fantasmas, ou os excluindo de alguma forma. O homem continua sendo a mesma besta do passado. A contra fala se faz premente toda vez que os homens são condenados ao silêncio. A contra fala, embora subversiva, é um caminho que aponta para a construção de um novo homem. Está no dialogo o construir e o desconstruir as realidades criadas pelos homens.

4 comentários:

  1. Roosevelt

    Ótimo! Acredito que com esse texto você foi capaz de revelar a insistente vontade de exercer o poder que nós homens tendemos a manifestar nas relações com as coisas em geral.

    A educação deveria se libertar um pouco dessa concepção racional perfeita que ela ainda insiste em fazer do humano. É por esse sonho de plenitude que a instituição escolar ainda insiste em fixar regras comportamentais de forma verticalizada em relação aos seus alunos, é por isso que muitos professores tendem a misturar as coisas, classificando o aluno ou a aluna mais inquieto como um aluno complicado.

    Acredito que a educação passando a olhar dessa forma belíssima como você expôs em seu ensaio, ou seja, olhando o humano enquanto um personagem pertencente a uma incansável negociação e colisão entre os instintos e a cultura, essa educação pensaria o seu discente não enquanto um agente submetido meramente as tentativas de controle social, e sim, tentaria fazer com que o aluno se reconhecesse enquanto humano e animal fazendo ele compreender as suas razões e as suas agressividades instituais também.

    Insistindo no modelo de encarar o humano apenas como um ser dotado de razão, a educação só stimula cada vez mais a intolerância do aluno com os outros em seu convivio social, pois é só através da possibilidade de se fazer reconhecer os conflitos entre natureza e cultura que nós passamos a entender que o humano, antes de ser apenas alguem capaz de encontrar lógicas acerca das coisas, também é alguém capaz de cometer atos que muitas vezes não são legitimados enquanto validades no que diz respeito aos comportamentos sociais.

    Devemos admitir que o conflito é necessário e faz parte de toda uma base constitutiva do ser humano. Pensarmos apenas na perspectiva racional, visualizaremos apenas a necessidade de mantermos as coisas em sua devida ordem ao invés de aceitarmos também os dilemas, as confusões emotivas, etc.

    Parabéns pelo seu texto meu querido torto.

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  2. belo texto roosevelt. a crianca entende muito alem do que pode compreender e expressa muito alem do que poderia definir e, um verdadeiro dialogo nos leva a pensamentos e ideias de que outrora nos pareciam impossivel em relacao a este ser brutal pre reflexivo que por meio do corpo encontra-se misturado em meio a outros corpos humanos ou nao, o corpo sem o qual nao sentiriamos nada, esse corpo meu que permite que eu veja outros corpos, porem nao nos leva a compreensao alguma do outro, nos permite apenas o reconhecimento dos mesmos paradoxos que nos atravessam e nos formam a medida que os construimos e, que definimos como vida, mundo, outro, verdade. ali naquele outro corpo que tambem sofre, ri, menti, fica alegre... um corpo que e feito da mesma carne do mundo, dentro desse mundo que nos comunicamos e que provisoriamente resignificamos permanentemente. quanto ao silencio, realmente ele e repressor e em certas situacoes covarde. rooselvet mais uma vez belo texto e reafirmo que esse topico sobre dialogismo enriquece significamente o blog, um espaco onde varias vozes que muito provavelmente nunca se chocariam aqui se atravessam e se entrecuzam numa tentativa a meu ver de tornarmo-nos melhores viventes...
    "A contra fala se faz premente toda vez que os homens são condenados ao silêncio. A contra fala, embora subversiva, é um caminho que aponta para a construção de um novo homem. Está no dialogo o construir e o desconstruir as realidades criadas pelos homens."
    contudo, essa passagem ficou um pouco confusa ou sou eu que nao consigui entende-la. pois, se o silencio e repressor e voce o associa ao silencio incutido no sexo e na violencia, como podemos desconstruir algo reprimindo o direito ao dialogo do outro ou mesmo por por preconceitos culturais ou de personalidade optamos ou somos forcados a ele?

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  3. Meu caro anônimo,
    Obrigado por perder o seu tempo lendo o que todos, de alguma forma, já disseram - O dito meu é um pequeno fragmento de uma gigantesca rede de discursos que constitui o fluido linguístico humano - assim, não posso ver a realidade sem linguagem, e sem palavras. Se Vygotsky viu que a estrutura do pensamento era, em seu miolo, constiuida pelas palavras, eu me atrevo a dizer que ele errou. O pensamento tem natureza semiótica, não apenas linguística. Mas, essa será uma outra discussão onde direi o que alguém já disse. O que difere é que será dito de meu modo. O silêncio do outro é impossível - sua colocação no texto teve a intenção de ressaltar o que Bourdie havia dito: "As relações discursivas são assimétricas - fala quem tem o prestígio". O monólogo na natureza é impossível devido a dimensão semiótica dos homens. Isso já foi posto em outros textos. Contudo, o discurso dos acéfalos, dos loucos e dos pobres não são ouvidos, pois este tipo de fala não interessa aos que achamn que o poder, como diz Freire, é manipulação de massas. O discurso antidialógico de nossa educação, por exemplo, é desse tipo. Constiui-se em um monólogo, uma vez, que a outra parte não é ouvida, logo não tem fala. O discurso visceral reprimido pelas regras sociais e morais são sublimados e se manifestam em outras representações - sublimação. De alguma forma, a matriz foi silenciada até que ganhasse uma nova representação de acordo com o sentido do mal e do bem de um determinado locus cultural. A repressão se manifesta muitas vezes de forma inconsciente, até mesmo, no individuo, pois, este tem em seu encéfalo o registro de sua cultura moral e contra ela ele pode muito pouco. Assim, o silêncio deve ser visto como força de vontade política, ora, como ação inconsciente modelando o comportamento da pessoa à totalidade social, e ora, reprimindo o que vem das vísceras. Portanto, podemos dizer que a nossa fala enquanto indivíduo nem sempre será ouvida, é então silenciada - a nós é negado o direito da fala. Espero que eu tenha conseguido me expressar a contento. Mais uma vez obrigado por acompanhar meus textos. trarei em breve uma discussão sobre esta assimetria do discurso em bakhtin.

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  4. Roosevelt,

    Relendo seu texto, proponho tentar esclarecer melhor minha ótica acerca da educação. Vejamos: a educação de fato precisa ensinar os homens a como conviver em sociedade, porém, o grande problema da educação é quando ela, ao tentar inserir o homem nos códigos culturais, faz com que eles tenham que se submeter a toda uma ordem de controle. Aí se encontra o grande problema, pois não podemos também tamponar o lado instintivo do bicho-homem.

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