sábado, 20 de julho de 2013

Surrealismo e educação: limites e superações

Tenho discutido muito a relação entre surrealismo e educação. Entretanto, ao abordar sobre o surrealismo, eu falo acerca da disponibilidade dessa corrente estética em aprovar os acidentes, o acaso, o deslize, o estranhamento, o não-entendido, etc. A pergunta que recebo recorrentemente é a seguinte: como aplicar algo dado ao acaso dentro de uma instituição de ensino marcada por normas?

Ou seja, como conciliar a liberdade do surrealismo com as regras do sistema de ensino? Ao fazer essa indagação, existe uma imensa probabilidade do leitor elaborar uma nova pergunta: existe a possibilidade de o surrealismo se adentrar na estrutura educacional? E mais: nosso sistema de ensino está preparado em acolher o surrealismo? Não seria ilusão pensar em unir esses dois universos tão distintos?

Eu gostaria de dizer que os dois universos não são distintos. O surrealismo, apesar de prezar pelas quebras dos modelos convencionais e previsíveis, não nega e nem vai de encontro a ordem. Na verdade, o que ele contesta é uma razão excessivamente pragmática, burocrática e desumana a qual tem tirado de nós a capacidade de reconhecer a beleza do encanto, da surpresa, do maravilhoso.

O que o surrealismo vai propor é a existência de uma razão que não prenda o humano apenas no âmbito do verificável, do comprovável, reduzindo o valor das coisas unicamente pelo seu caráter utilitário e funcional. O que essa corrente clama é pela capacidade do humano se re-apropriar de sua vontade de sonhar, de se degustar das intuições, da mágica do absurdo, do prazer pelo imprevisto.

Ele quer atentar para a importância do reino da sensibilidade tão abandonado e excluído pelo excessivo censor de uma razão meramente racional. Acredita que também é necessário que o humano revisite o seu reino encantado faminto por idealizações, ímpetos e desejos. Não há nada contra a realidade dos fatos, mas há uma aclamação por outras realidades que se encontram além do concreto.

Quanto ao sistema escolar, reconheço que ele anda na contramão das propostas surrealistas e insiste em preservar certas regras e concepções institucionais que dificultam a inserção do surrealismo em suas estruturas. Porém, se pensarmos a educação de forma humanizante, perceberemos que o sonho, o desejo, o encanto e a magia tão clamados pelo surrealismo se fazem bastante necessários.

Entretanto, é uma pena que a maioria dos educadores ainda insiste em um modelo mórbido, triste e sisudo de educação. Ainda encontramos um sistema educacional preocupado com o resultado, ansioso pela exigência cronometrada do tempo, pela concepção de um conhecimento validado por ter sido compreendido pelos discentes, mas que muitas vezes não foi construído por eles.

Um modelo de escola que expurga o tempo livre, modelo bastante conservador que “resoluciona” os comportamentos dos discentes apenas julgando-os como dentro ou fora das regras institucionais. Um modelo que se esquece da qualidade e se orgulha pelo excesso de conteúdos, mesmo sem saber até que ponto o aluno foi capaz de enxergar e colocar esses conteúdos em seu dia a dia.

Depois disso tudo, o leitor pode se perguntar: apesar de acreditar que o surrealismo pode se inserir na instituição escolar por não negar a realidade lógica-racional, não será uma ilusão sua união com a educação, uma vez que, como foi afirmado anteriormente, o sistema educacional insiste em se organizar e em pensar de forma a não permitir a inserção do surrealismo na escola? A resposta é: existe a possibilidade.

No entanto, reconheço que essa possibilidade só vai se realizar no instante em que os educadores forem criativos o suficiente para encontrar em meio às regras institucionais, brechas, e, portanto, novas alternativas capazes de conciliar a liberdade proposta do surrealismo com a normatividade do sistema educacional. O próprio surrealismo nos ensina que vivemos entre duas realidades.

Se vivemos entre o mundo da racionalidade e o mundo da sensibilidade, podemos negociar a realidade instituída articulando-a com a instituível, isto é, manter a ordem sem deixar de lado a possibilidade de alterar essa ordem. Somos racionais o bastante para compreendermos a importância das regras e somos sensíveis a ponto de enxergarmos a necessidade de provocarmos mudanças.

Posso continuar cobrando compromisso aos meus alunos com a minha disciplina, uma vez que, por ter racionalidade, eu reconheço a importância do cumprimento das regras, como eu posso criar um espaço mais lúdico em minha aula, conseguindo com isso fazer com que meus alunos cumpram com as exigências institucionais, mas encontrando novas formas de convivência e contado com o conhecimento.

Não acredito que seja impossível eu criar situações capazes de fomentar nos alunos o encontro com o encanto do conhecimento, com um espaço para a criatividade, sem deixar de lado os seus deveres. Posso ministrar aula seguindo a exigência do plano de aula, do horário, do compromisso em trazer um conteúdo sem precisar abdicar da liberdade, do direito ao sonho, do direito ao prazer.

Além disso, acho de fundamental importância mostrar aos meus alunos a possibilidade de dialogar os dois universos, uma vez que para mim, o papel da educação é estimular o aluno a ter autonomia e liberdade, como saber seus limites por viver em sociedade. Precisa potencializar sua sensibilidade para mudar as coisas, mas precisa reconhecer a importância da racionalidade para a convivência social.

2 comentários:

  1. Meu caro Sousa,
    A teoria freireana sinaliza a possibilidade da introdução de diversas linguagens e estéticas no processo de ensinar e aprender. Portanto, o uso do surrealismo para ensinar dispensa mais cogitações. A questão, acredito eu, fica mais no âmbito da estrutura e da ideologia pregada por ela. A estrutura não comporta quase sempre iniciativas isoladas, o objetivo do ensino não visa a emancipação do sujeito para dialogar com a realidade. Tua problemática esbarra nas questões institucionais e estruturais da educação brasileira. Quanto a visão teórica e filosófica do emprego de aulas surreais, digamos, fique certo que a pedagogia dialogista acredita que todas as libguagens, todos os estímulos neurosensoriais são importantes no aprendizado do sujeito.

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  2. Cada vez mais fico consciente que a questão da educação brasileira não teórica. Não há teoria que se torne aplicável com o modelo atual, ou seja, a estrutura atual. O Brasil não acordou para a necessidade de mudanças estruturais na educação.

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